terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A CURA DE TODOS OS MALES

E assim como os médicos quando fazem curativos sobre as feridas não o fazem de modo inábil, mas com cuidado, de modo que a utilidade do curativo venha acompanhada de certa estética, do mesmo modo a medicina da Sabedoria divina tomando forma humana aplicou seu remédio a nossos males. Ela trata certas feridas com remédios contrários e outras com remédios semelhantes. Desse mesmo modo é que o médico cuida de uma lesão do corpo empregando certos elementos contrários, como o frio contra o calor, o úmido contra o seco, ou ainda servindo-se de procedimentos de gênero semelhante. Assim, vemos o médico empregar certos produtos que se assemelham ao mal, como curativo redondo para uma ferida circular, alongado para uma chaga longa. Ele não faz enfaixamento igual em todos os membros, mas ajusta elementos semelhantes às coisas semelhantes.

Ora, a Sabedoria divina não age de modo diferente quando cuida do homem. Apresentou-se em pessoa para curá-lo. Ela própria é o médico e ao mesmo tempo o remédio. Posto que o homem caiu por orgulho, recorreu à humildade para o curar. Nós, que fomos enganados pela sabedoria da serpente, seremos libertados pela loucura de Deus. Ora, assim como a Sabedoria parece loucura para os contestadores de Deus, do mesmo modo o que chamamos loucura é sabedoria para os vencedores do demônio.

Usamos mal da imortalidade e isso nos fez morrer. Cristo usou bem da mortalidade e isso nos faz viver. Pela alma corrompida de uma mulher entrou a doença. E do corpo íntegro de outra mulher veio a saúde. A esse gênero de contrários pertence também a cura de nossos vícios, graças ao exemplo das virtudes de Cristo. Eis agora os remédios semelhantes aplicados como ataduras a nossos membros e a nossas feridas: nascido de uma mulher, ele libertou aqueles que tinham sido enganados por uma mulher. Homem, libertou os homens. Mortal, libertou os mortais. Morto, libertou os mortos.

(Excertos da obra 'A Doutrina Cristã', de Santo Agostinho)