sábado, 26 de dezembro de 2015

ATÉ A CONSUMAÇÃO DOS SÉCULOS

O Divino Salvador está conosco, não já como uma sombra fugaz da fama e do nome que fica sobre o túmulo e sobre os monumentos dos grandes homens que passam, mas como Deus presente em sua divindade e humanidade. Deus escondido na sombra dos pães multiplicados, sombra que Nos parece divisar nas trevas do Lago de Tiberíades, naquela noite em que Cristo caminhava sobre as ondas, e aos discípulos que estavam remando com fadiga, pareceu um fantasma. Não, não é um fantasma o Deus dos tabernáculos, que adoramos. É o mesmo que então disse aos pávidos discípulos: 'Tende confiança; sou eu, não temais'. É aquele mesmo que disse: 'Eis-me convosco todos os dias até a consumação dos tempos'. É o mesmo que caminha sobre as ondas dos séculos, senhor dos ventos e das procelas humanas. Ele caminha sobre ondas tempestuosas ao lado e diante da Igreja; responde aos seus ministros que o chamam com voz sagrada, a eles por Ele concedida, e aos seus altares convida e reúne desde vinte séculos as nações e as gentes, os povos e os que reinam, os mártires e as virgens, os pontífices e os sacerdotes, prostrados a adorá-lo presente, e a amá-lo escondido, a invocá-lo companheiro na alegria e na dor, na vida e na morte.

O Deus dos altares está no meio de nós, invisível mas testemunho fiel primogênito entre os mortos, príncipe dos reis da terra, que nos amou e nos lavou de nossos pecados, com o próprio sangue e nos fez reino e sacerdotes a Deus Pai; o primeiro e o último, o vivente que esteve morto e está vivo nos séculos dos séculos. Mas é ao mesmo tempo em nosso meio, o Deus do arcano. É o mistério da fé, centro do incruento divino sacrifício, cioso segredo da Esposa de Cristo, a qual nos primeiros séculos de sua imutável juventude amou esconder sob o véu do arcano também seus tenros filhos; arcano feito mistério de um mistério, escondido desde séculos eternos em Deus. Diante deste mistério se inclinaram no pó os apóstolos e os mártires; nas basílicas, os pontífices; nos desertos e nos cenóbios, os monges e os anacoretas; nos claustros, as virgens, nos campos de luta, os esquadrões; nas catedrais, os doutores, nas estradas, os povos; Cristo estava em meio a eles; mas quem o viu? quem o divisou? Bem-aventurados aqueles que não o viram e acreditaram: Beati qui non viderunt et crediderunt.

A fé passa além de todo véu, penetra todo arcano; e quanto mais vivo prossegue, tanto mais luz adquire, reinflama-se e exalta-se em si mesma, faz do próprio mistério o farol e o fogo de sua vida e de sua obra. Cristo, porém, não está presente apenas em meio ao mundo, mas também se avizinha do homem, está com ele, com seus apóstolos, com seus fiéis, com todas as gentes, conquista de seu sangue. Dúplice é sua presença. Há uma presença divina, com a qual sustém o universo por Ele criado, segue os passos dos homens pelos caminhos do bem e do mal e é dele testemunha e juiz que inclina ao bem e pune pelo mal. Há outra presença humana e ao mesmo tempo divina, pela qual eleva os seus estandartes nas catacumbas, entre as densas casas do povo, pelos campos, pelas selvas, em meio ao gelo perpétuo, onde quer que um sacerdote com a onipotente palavra, eleve bem alto um pão e um cálice, repetindo o que foi feito em memória de Cristo. Lá está Ele com seu ministro, com ele caminha, torna-se alimento, viático dos moribundos e dos infelizes, irmão e esposo, pai, médico, conforto e vida das almas, pão dos anjos, penhor de alegria imortal.

Até quando sobre algum campo de nosso globo despontar uma espiga de trigo e pender um cacho de uvas, e um sacerdote subir compenetrado ao sacrifício do altar, o Hóspede divino estará conosco; e o crente curvará na fé a mente e o joelho diante de uma hóstia consagrada, como na última ceia os apóstolos no pão e no vinho consagrados que o Salvador lhes dava dizendo: 'Isto é o meu corpo; Isto é o meu sangue', adoraram Cristo, o Mestre Divino, com aquela pura e alta fé que crê nos portentos de sua palavra, e da qual se deduz a interna adoração, fé sem a qual é vão o sinal de dobrar um joelho. Daquela hora do cenáculo começaram os séculos do Deus da Eucaristia; o giro do sol iluminou os passos com suas auroras e os seus ocasos; as vísceras da terra escavadas, acorreram salmodiando; nos ermos, nos cenóbios, nas basílicas, sob os aéreos pináculos inclinaram-se a Ele, Pastor e povos, príncipes e exércitos. Em suas conquistas avançava com seus arautos e sacerdotes além dos mares e dos oceanos e do Oriente ao Ocidente, de um a outro polo; o Redentor já planta, todos os dias, seus tabernáculos, perseverando contra a ingratidão dos homens, em encontrar as delícias próprias, em estar com eles, só procurando difundir a salvação, os tesouros de suas graças e de suas magnificências.

(Papa Pio XII, Discursos, 1939)