sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO

Assustadoras são as estatísticas dos últimos decênios sobre o matrimônio. Quantos entrelaçam as mãos sem a bênção da Igreja! Como é grande e aterrador o número de divórcios! Quem pode medir a multidão das uniões infelizes e pecaminosas! O matrimônio é a raiz do gênero humano, do Estado e da Igreja. Não admira, pois, que o espírito maligno principie a sua obra de aniquilação exatamente pela raiz. Assim a humanidade ficará abalada, Estado e Igreja haverão de arcar com os vestígios dessa obra de aniquilação. Muitos casamentos são infelizes porque são contratados e feitos sem a assistência do divino Espírito Santo.

Mas o que tem o Espírito Santo a ver com o matrimônio? Antes de tudo, é o Matrimônio um dos sete sacramentos, um canal de graças, e o Espírito Santo é o dispensador das graças merecidas por Cristo. Quando os noivos estão diante do altar, não se encontram somente no círculo de Jesus Sacramentado, mas também sob os raios da graça do divino Espírito Santo que pelo sacramento do Matrimônio, dá um brilho ainda maior às graças recebidas nos sacramentos da Penitência e da Eucaristia. É Ele quem lhes comunica as graças sacramentais próprias, em virtude das quais podem os esposos cumprir os deveres espinhosos do estado conjugal.

Não quer isto dizer que o Espírito Santo deva derramar a abundância das suas graças sobre todos os que se encaminham para o altar das núpcias. Não! Ele deve ser convidado, deve-se invocar instantemente a sua assistência. Sim, já deve ser invocado na escolha dos nubentes. Como pode o Espírito Santo descer com as suas graças repentinamente sobre duas pessoas que o espírito maligno ajuntou, e que foram vinculadas unicamente pela sensualidade? Não é de admirar que esse vínculo se parta em breve.

O Espírito Santo é o Espírito do Conselho e do Entendimento, que aclara a inteligência dos jovens obscurecida pela sensualidade. Como Espírito do Conselho, pode mostrar-lhes se a união deles vem de Deus ou do demônio. E se for consultado seriamente como Espírito da Fortaleza, dispensará também força para se refrear a indomabilidade da carne e impedir uma união baseada unicamente sobre ela. Se o divino Espírito Santo for invocado fervorosamente pelos noivos, convencê-los-á de que o conhecimento da doutrina de Deus e de seus Mandamentos constitui a maior sabedoria. O Espírito da Piedade deve ainda compenetrar as duas pessoas da mesma fé, em que se fundem para a finalidade comum da virtude. Só assim seguirão seu rumo final e eterno.

Se todos os homens devem ser devotos do divino Espírito Santo, com muito mais razão aqueles que querem contrair união matrimonial. O homem pode confiar pouco sobre o seu simples juízo natural, pois o laço matrimonial deve durar e perpetuar-se até a morte, conforme a vontade de Deus, mas nenhum vínculo meramente natural prende os corações por tanto tempo. Então a força e a graça do divino Espírito Santo devem corroborar o laço matrimonial.

Qual é o nome desse laço? Um nome curto e aparentemente simples, entretanto tão significativo como o próprio Deus: amor. É a palavra com que o Apóstolo denominou a essência de Deus: 'Deus é amor'. Para os teólogos, é quase impossível dizer o que Deus é. Mas a palavra que mais se aproxima da natureza de Deus é a palavra amor. E esta palavra, que nos dá melhor o conhecimento de Deus, é o nome para o vínculo que no matrimônio funde dois corações em um só.

No entanto, é justamente na união matrimonial que essa palavra é muitas vezes desvirtuada, despojada de seu conteúdo de ouro. O amor que une os dois cônjuges pode ser tríplice: sensual, natural e sobrenatural.Também o amor sensual é incutido por Deus e o Espírito Santo nos homens, com a constituição das qualidades físicas e naturais, a fim de conduzi-los ao matrimônio. Sem esse amor sensual, os homens todos já teriam desaparecido da face da Terra, por motivos de comodidade.

O Criador pôs nos homens o instinto sexual, que podemos chamar amor sensual. Mas este só merece o título de amor se for dirigido, como o amor de Deus, para a doação da vida a serviço do Criador. Por meio desse instinto o homem tornar-se-á um instrumento do 'Espírito Criador', do qual vem toda a vida. Então os cônjuges, por esse amor, entrarão em íntima relação com o divino Espírito Santo. Entretanto, se tal amor sensual não cooperar na obra criadora do Espírito Santo, se o homem tão somente desejar gozar os prazeres sensuais, não merece ele o nome de amor: é egoísmo sensual, que contradiz diretamente a essência do divino Espírito Santo. 

A segunda espécie de amor é o amor natural, que faz com que os cônjuges se comprazam mutuamente em virtude de seus dotes naturais. Assim, por exemplo, o marido ama a esposa por causa de sua graça, mansidão, modéstia, espírito ativo e econômico e outras virtudes naturais. Todos estes predicados bons são também dádivas do divino Espírito Santo, com as quais condecorou o homem, estimulou e fortaleceu a sua vontade, para aperfeiçoá-las. Entretanto, o amor próprio desempenha um papel muito grande. Um cônjuge ama o outro, digamos, por causa de seus bons predicados, porque deles tira grandes vantagens para si mesmo.

Portanto a dádiva preciosíssima e por excelência do Espírito Santo é o amor sobrenatural. Ele existe quando os esposos se amam reciprocamente como criaturas de Deus, como portadores de uma alma imortal, como templos vivos do divino Espírito Santo, para cujo adorno se esforçam mutuamente. Este amor é de igual modo amor de sacrifício, que sempre quer beneficiar o outro, sempre cultivá-lo, mesmo com prejuízo dos próprios interesses.

Se uma moça dá sua mão a um rapaz só para tirar daí bom proveito, o que os une é o amor próprio, o egoísmo, e portanto é lançado desde já o germe de um casamento infeliz, privado de todo amor sobrenatural. E quando um rapaz contrai núpcias só para tornar mais fácil e agradável a existência terrena, esse motivo para o casamento não pode proceder do Espírito Santo.

O amor sobrenatural não indaga 'o que tenho eu a receber da outra parte?'; mas sim 'o que sou eu para a outra parte?'. Não procura o que é seu. Seu fito é fazer felizes os outros, e não tornar-se feliz à custa dos outros. Esse amor desinteressado, abnegado, que só por último pensa em si, é que vem do Espírito Santo, cuja natureza toda é comunicação, doação, bênção e enriquecimento. O amor sobrenatural é, outrossim, o regulador do amor sensual, que facilmente ultrapassa os limites postos por Deus. O amor sensual será dominado, refreado, contribuindo assim para o amor à virtude.

Embora o amor sensual entre os cônjuges seja consentido por Deus, embora o amor natural possa ser bom, são entretanto ambos inconstantes e sujeitos à languidez, e por isso não podem formar o vínculo seguro e indestrutível que prende dois corações até a morte. Além disso, ambas as espécies de amor extinguem-se, seja pelo desaparecimento da mocidade ou por uma enfermidade grande. Também as boas qualidades naturais são obscurecidas pelos defeitos que cada homem possui. Portanto, é mal colocado um casamento que se baseia unicamente sobre estas espécies de amor. Inquebrantável é tão somente o vínculo do amor sobrenatural, que procede do coração do divino Espírito Santo. Por meio dele os dois cônjuges tornam-se não somente 'uma só carne', mas 'um só coração e uma só alma'.

(Excertos da obra 'Ao Deus Desconhecido', do Pe. Agostinho Kinscher, 1943)