terça-feira, 17 de novembro de 2015

MARIA: MEDIANEIRA DA DIVINA MISERICÓRDIA


'Consentis, Senhor, que façamos descer fogo do céu e os consuma?' — assim perguntaram ao Mestre João e Tiago, quando os samaritanos se recusaram a receber Jesus Cristo e sua doutrina. Respondeu-lhes então o Salvador: 'Não sabeis de que espírito sois?' (Lc 9, 55). Queria dizer: 'Sou de um espírito todo de clemência e doçura; para salvar e não para castigar os pecadores, vim do céu e vós quereis vê-los perdidos? Falais em fogo e castigo? Calai-vos e nisso não me faleis mais, porque não é esse meu espírito!' Ora, sendo o espírito de Maria completamente semelhante ao de seu Filho, não podemos por em dúvida o seu natural compassivo. De fato, é chamada Mãe de Misericórdia e foi a própria misericórdia de Deus que tão compassiva e clemente a fez para todos. Assim o revelou a própria Virgem a Santa Brígida. Por isso representa-a São João revestida do sol: 'Apareceu um grande sinal no céu; uma mulher vestida do sol' (Ap 12, 1). Comentando o trecho, diz São Bernardo à Virgem: 'Senhora, revestistes o Sol (Verbo Divino) da carne humana, mas ele vos revestiu também de seu poder e de sua misericórdia'.

Nossa Rainha — continua o Santo — é sumamente compassiva e benigna; quando algum pecador se encomenda à sua misericórdia, ela não se põe a examinar-lhe os méritos, para ver se é digno de ser ouvido ou não, mas a todos atende e socorre. Eis a razão, conforme observa Hildeberto, porque de Maria se diz que é bela como a lua (Ct 6, 9). Assim como a lua ilumina e beneficia os objetos mais inferiores sobre a terra, também ilumina Maria e socorre os pecadores mais indignos. Embora a lua receba do sol toda a sua luz, leva menos tempo que ele para descrever seu curso. É-lhe suficiente um mês, ao passo que o sol gasta um ano a perfazer o seu giro. Isso motiva então as palavras de Eádmero ao afirmar que nossa salvação será mais rápida, se chamarmos por Maria, do que se chamarmos por Jesus. Pelo que Hugo de São Vítor nos adverte que se os nossos pecados nos fazem ter medo de nos chegarmos para Deus, cuja Majestade infinita ultrajamos, não devemos recear de recorrer a Maria; pois nada nela existe que inspire terror. É verdade que é santa, imaculada, rainha do mundo e Mãe de Deus. Mas é uma criatura e filha de Adão, como nós.

Em suma, conclui São Bernardo, tudo o que pertence a Maria é cheio de graça e de piedade, porque, como Mãe de misericórdia, se fez tudo para todos; por sua imensa caridade tornou-se devedora dos justos e dos pecadores; para todos está aberto o seu coração, para que possam receber de sua misericórdia. Se por um lado está o demônio sempre procurando a quem dar a morte, como no-lo atesta São Pedro (l Pd 5, 8), de outro lado está buscando Maria almas a quem possa dar a vida e salvar, segundo afirma Bernardino de Busti.

Devemos, pois, saber que a eficácia e a expansão do patrocínio de Maria vão além das nossas noções, diz São Germano. Por que, outrora, tão grande era o rigor de Deus para com os pecadores, quando agora, na Lei Nova, usa de tanta misericórdia com eles? Fá-lo por amor de Maria e em vista de seus merecimentos. Assim pergunta e assim responde Pelbarto. Há muito tempo teria já cessado de existir o mundo, assevera Fabio Fulgêncio, se não o tivesse Maria sustentado com suas preces. Podemos, entretanto, ir seguramente a Deus e dele esperar todos os bens, diz Arnoldo de Chartres, agora que temos o Filho como nosso medianeiro, junto ao Pai, e a Mãe como nossa medianeira junto ao Filho. Como poderia o Pai deixar desatendido ao Filho, quando este lhe mostra as chagas recebidas por amor aos pecadores? E como poderia o Filho desatender à Mãe, mostrando-lhe esta os seios que o sustentaram? Enérgicas e belas são as palavras de São Pedro Crisólogo: 'A excelsa Virgem hospedou a Deus em seu ventre; em paga de tal hospitalidade dele exige a paz para o mundo, a salvação para os perdidos, a vida para os mortos'.

Oh! exclama o Abade de Ceies, quantos que, dignos do inferno segundo a justiça divina, são salvos pela compaixão de Maria! Sim, porque ela é o tesouro de Deus, e a tesoureira de todas as graças; em suas mãos está por isso a nossa salvação. Por conseguinte recorramos sempre a essa grande Mãe de Misericórdia, firmes na esperança de nos salvarmos por sua intercessão. Pois não lhe chama Bernardino de Busti nossa salvação, nossa vida, nossa esperança, nosso conselho, nosso refúgio e nosso auxílio? Realmente, diz São Antonino, é Maria aquele trono de graça ao qual nos cumpre confiadamente recorrer para obter a divina misericórdia e todos os auxílios que nos são necessários, conforme a exortação de São Paulo: 'Marchemos, pois, cheios de confiança para o trono de graça, a fim de obtermos misericórdia e alcançarmos a graça no socorro oportuno' (Hb 4, 16). Pelo que Santa Catarina de Sena chamava a Maria de distribuidora da divina misericórdia.

Concluamos por conseguinte com a elegante e terna exclamação de São Boaventura: 'Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria!' Ó Maria, sois clemente para com os miseráveis, compassiva para com os que vos invocam, doce para com os que vos amam; sois clemente para com os penitentes, compassiva para com os justos, doce para com os perfeitos. Mostrai vossa clemência, em nos livrando dos castigos; vossa piedade, em nos dispensando as graças; vossa doçura, em nos dando a quem vos procura.

('Glórias de Maria', de Santo Afonso Maria de Ligório)