quarta-feira, 8 de abril de 2015

ROSÁRIO DA ALMA SACERDOTAL (I)


PRIMEIRO MISTÉRIO: A ESCADA

O céu se abre sobre uma pobre Virgem e um Anjo Lhe anuncia: o Santo que de Ti há de nascer, chamar-se-á filho do Altíssimo (Lc 1- 33). Que momento solene! Ele encerra toda a dignidade da Mãe de Deus. Maria hesita, pensa, dá finalmente o seu consentimento, é constituída Mãe do Messias. De novo o céu abre-se. Sobre a alma do jovem diácono, de joelhos ao pé do sacrossanto altar, desce o Espírito Santo.

Momentos inolvidáveis! Eles encerram toda a grandeza do sacerdócio. À hora da graça da pobre casinha de Nazaré precederam: a escolha desde a eternidade - uma vida de oração, a virgindade - muitos anos de modéstia e de silêncio. Esta é também a escada que conduz ao Al­tar, à ordenação e que, mais tarde, não se usa inutilmente quando se quer renovar o espírito sa­cerdotal.

ESCOLHA DESDE A ETERNIDADE

Os mais antigos anais sobre a dignidade da Mãe de Deus encontram-se no arquivo da eternidade. Lá está um livro fechado com sete selos; a fé o abre e o que nele se lê são planos admiráveis dos caminhos a serem percorridos pelos viandantes neste vale de lágrimas. Também ali estão descritos os caminhos de Maria Santíssima; eles conduzem até à eternidade sem princípio, pois ali se lê: Ab aeterno ordinata sum et ex antiquis, antequam terra fieret. Nondum erant abyssi, et ego jam concepta eram (Prov. 8,  23).

Antes que existissem mundos e rugissem ma­res, a sua criação e escolha para mãe de Deus estava determinada. Antes que Deus ornasse o firmamento com estrelas, pensou na virgem que havia de dar à luz aquela fulgurante estrela da casa de Ja­có. Providência admirável! Deixou vir a plenitude dos tempos para comunicar a uma hu­milde e pobre virgem a plenitude das graças — Gratia plena

A mesma benfazeja mão age protegendo e amparando a vista de cada sacerdote. Nossos nomes estão inscritos no livro da vida - particularmente os nossos - pois a vocação sacerdotal é sublime, santa, divina. Elegi-vos...! Ab initio et ante saecula! (Jó 15, 16 ; Ec 24, 14).

Um esplendor divino do seio da eternidade reflete misteriosamente na nossa vida. Isto cada ofício da Mãe de Deus nos recorda, isto cada missa da Imaculada nos lembra. Isto é como o repicar de muitos antigos sinos da pátria querida.  Ó grandeza de vocação! Ajuntemos as mãos, oremos e agradeçamos. Não fui eu que escolhi a Deus, mas Deus que me escolheu a mim.

UMA VIDA DE ORAÇÃO

Os Evangelhos guardam silêncio sobre a in­fância e juventude de Maria. Eles se calam por­que Maria permanece silenciosa. A sua aurora de vida foi o silêncio; aí se ouvia o manso murmúrio da pomba, aí se reconhecia a presença do Espírito Santo. Quando criança e como virgem, estava reco­lhida intimamente em Deus; e assim foi encon­trada na Anunciação. O Arcanjo São Gabriel, entrando na estreita e pobre câmara de Maria, a encontra orando, meditando e absorta em Deus.

Silêncio, paz, amor ao recolhimento, mo­déstia e devoção sejam as precursoras do nosso sacerdócio e se estendam sobre toda nossa vida sacerdotal, assim como o silêncio e a tranquilidade das noites precedem às fulgurantes auro­ras do estio. Sejam estas virtudes a fonte cristalina da nossa vida.

O silêncio gera naturezas ricas e interiores; introduz-nos cada vez mais profundamente no mundo da fé e das graças, iluminando a inteligência e acendendo o coração. Sacerdotes si­lenciosos por virtude, tornam-se oradores provectos no púlpito. Homens de oração e de pa­lavra divina, são eles o instrumento apto nas mãos do Altíssimo.

A VIRGINDADE

A primeira dezena dos mistérios gozosos ro­deia um lírio de candura nitente, que floresceu sobre a terra e não murchou até agora. Esse lírio cândido é Maria; ela estimava e amava a virgindade sobre todas as outras virtudes. Para se conservar sempre virgem, estava pronta a renunciar as maiores dignidades e honras! Bendita seja entre as mulheres! (Lc 1, 28).

O Santo que de ti há de nascer, será cha­mado filho do Altíssimo (Lc 1,3 5), lhe diz o Anjo: 'Não conheço homem!' (Lc 1, 34) foi a sua resposta. Temeu ela por acaso ser vítima de uma ilusão?! Ela hesitou, refletiu. Ó alma privile­giada, o jardim do paraíso cuidadosamente fechado e guardado pelos anjos.

Temos nós igual cuidado? O mundo não nos procura enganar, obscure­cer, seduzir? Ouvimos vozes sedutoras, que nos convidam; olhamos em nosso redor e logo dei­xamos prender as nossas vistas pelos quadros mentirosos dum falso prazer. Por acaso caímos nos laços dum só mo­mento sedutor?! Retemos nós os freios na nossa mão, firmes e inabaláveis?!

Maria Santíssima tremeu quando o céu lhe fez um oferecimento que parecia contrário à sua natureza de virgem; e nós ficamos indecisos quando o mundo tentador se aproxima de nós? Guardar os olhos e ter parcimônia nas pa­lavras é alta sabedoria. Que a luz fulgente de Ma­ria ilumine a nossa fronte; o cuidado maternal de Maria guie carinhosamente nossos passos; a prudência de Maria escolha nossas palavras. Despondi enin vos uni viro virginem castam exhibere Christo (2 Cor 11, 2).

UMA VIDA DE MODÉSTIA E DE SILÊNCIO

Diante de imensa altura, estende-se uma imensa profundeza; diante da dignidade da Mãe de Deus, estende-se a sua profunda humildade. Maria Santíssima tinha-se em humilde con­ceito, por isso subiu a tão elevadas honras. Dizia-se a escrava do Senhor, por isso o céu a fez Mãe de Deus. Quia respexit humilitatem ancillae suae (Lc 1, 48).

Deus costuma escolher o fraco, o humilde, o nada, para confundir o que parece ser alguma coisa. Ao redor da grandeza do sacerdócio deve estender-se a bela virtude da humildade. Que a modéstia e simplicidade nunca nos abandonem!  A verdadeira grandeza quer ser escondida; alegra-se quando permanece oculta e não é achada. Um pequeno recanto e algumas almas lhe bastam. Mas Deus um dia a acha. Sacerdotes humildes Deus costuma elevar e por em evidência. Exaltavit humiles (Lc 1, 52).

Outras vezes põe neles seus olhos misericor­diosos e, os deixando ficar na obscuridade, os cumula com seus dons e suas graças. Ó es­sas almas simples que aqui e acolá iluminam paróquias; são elas a consolação e o braço forte de seus prelados e um exemplo vivo e con­tínuo para os fieis.

SEGUNDO MISTÉRIO: JESUS DENTRO DO PEITO

As dez contas desta dezena seguem como dez pequenos marcos num caminho solitário. O caminho a percorrer é o de Nazaré a Judá. Bela e santa, uma pessoa anda sozinha pela estrada pedregosa e cheia de montanhas: é Maria Santíssima, a mãe do Senhor. Leva consigo o Santo dos Santos. Ninguém o sabe, só e unicamente o céu conhece este segredo; Ela leva Deus em Si. 

E assim Ela empreendeu essa jornada pelas montanhas da Judá; Ela, a portadora de Cristo. Sua jornada se assemelha às jornadas do sacerdote, pois não raras ve­zes percorre assim o sacerdote as ruas das ci­dades e povoações: o sacerdote leva Jesus so­bre o coração, Maria caminha com Jesus dentro do peito. À viagem de Maria é pois o quadro comparativo à jornada do Sacerdote, quando leva a sagrada comunhão a um doente ou os úl­timos sacramentos a um moribundo. Maria levou o seu mistério à casa de Izabel: fazendo alegremente o Sacrifício, pressurosa  - para a bênção de João Batista e para a alegria de Izabel - tendo nos lábios o Magnificat.

FAZENDO ALEGREMENTE O SACRIFÍCIO

Sacrificou a sua tranquilidade, a sua amável solidão e subiu pelas montanhas de Judá. Diante dela estende-se um caminho acidentado e áspero, são as altas montanhas de Judá. A jornada a percorrer são muitas léguas. De Nazaré a Jerusalém são 30 horas de ca­minho, mas Izabel morava além da cidade santa. A caridade de Maria havia de perfazer um caminho de quatro dias e, este sacrifício, Maria Santíssima o faz sem queixas, mas, pelo con­trário, muito alegremente.

Os sacerdotes santos, acrisolados de virtu­des, pensam e obram como a Mãe de Deus. Pa­gam alegremente o tributo de seu tempo e de seu trabalho, deixam de boa vontade, quando o ofício o requer, o seu remanso de Nazaré, o seu gabinete de trabalho, tão cômodo e con­fortável; o seu jardim de flores, tão belo e encantador; o seu descanso, aliás tão merecido e reconfortador. Estes sacerdotes, nas suas visitas aos doentes, não olham a distância e o número de quilômetros, nem de léguas; nem pensam nos caminhos difíceis, na areia, na lama, pedras, chuvas... sua mente está em Deus, sua pessoa pronta para o sacrifício.

PRESSUROSA

O amor impera e não sofre demoras. Ajun­tando ao amor ainda o contentamento e a alegria íntima de fazer o bem, então o homem não conhece tardança. Maria Santíssima intimamente alegrou-se de poder anunciar e levar à sua prima Isabel a grande dita e feliz nova. Abiit in montana cum festinatione, in civitatem Juda (Lc 1, 39).

Os mesmos sentimentos invadem o sacerdote, as mesmas asas o elevam às altas regiões e aos ideais nobres, a promover e a participar de obras de caridade, do socorro ao próximo, obras de grande alcance e de grande benemerência. Quem agita e move tais asas espirituais, deixa imóvel debaixo de seus pés a negligência, o amor às comunidades é a fuga dos trabalhos. Ecce adsum! eis a mola da sua vida. Seja o operário quem o chame, seja o letrado que requeira sua presença — ecce adsum!

Mais ainda: o seu amor, a sua caridade, transmudam-se em sede, em sede ardente. Ele tem sede de levar voluntariamente o Deus-Eucarístico até lá onde não se sente fome do manjar celeste, ainda que o doente já es­teja às portas da eternidade. Verdadeiro espírito de Maria! Mas este espírito destila só e unicamente das almas que vivem da fé: Justus mens ex fide vivit.

PARA A BÊNÇÃO DE JOÃO BATISTA

Da partícula consagrada, tão diminuta e pe­quena, parte uma bênção imensa, mas que, muitas vezes, não cabe na nossa percepção. O agir da graça é misterioso. Aqui porém percebemos claramente o poder que parte de Cristo. O Redentor dentro do co­ração de Maria; uma força secreta d’Ele dimana. Isabel a percebe, quando Maria Santíssima transpõe o portal da casa; a criança salta, no ventre de sua mãe; João é purificado da man­cha original. 

Quando o sacerdote leva o Santíssimo à casa dum moribundo, não parece que um ar purificador e um sentimento de pro­funda devoção se apodera das famílias? Os pais juntamente com os seus filhos, os velhos e moços, todos caem de joelhos, batem aos pei­tos e mostram a sua reverência. E Deus entra então no coração do moribundo, talvez a última vez; ele aí o purifica de suas manchas e de seus pecados e tira até uma parte de suas penas.

Verdadeiramente, hoje entrou nesta casa a salvação, o Redentor cumulou esta família de grandes bens e da suma felicidade. Não é por acaso a visita de Cristo à alma do sacerdote acompanhada dos mesmos salutares efeitos? Ó estas viagens silenciosas de Jesus, do corporal ao coração de seus fiéis ministros! Quão puro, quão resplandecente não se tornaria pou­co a pouco o nosso interior se, diariamente e sempre, celebrássemos com a devida preparação!

PARA A ALEGRIA DE ISABEL

Santas almas veem claramente. Iluminada pela graça, abrem-se aos seus olhos admiráveis profundidades, que não atinge o olhar sensual da maior parte dos filhos de Adão. Um destes olhares profundos lançou também Isabel, pois ela perscrutou o íntimo de Maria Virgem. O mistério, o inenarrável mistério que Maria guardou em si, a mãe de São João Batista descobriu.

E como se, com isto, tivesse visto o paraíso e penetrado o céu, grande reverência e grande alegria interiormente se apoderaram dela. Todo o seu ser mergulhou neste mundo bem aventurado e neste mar de delícias, pois até a criança no seu ventre saltou de alegria. Os seus lábios então destilaram estas palavras cheias de emo­ção e de gozo: Et unde hoc mihi ut veniat ma­ter Domini mei ad me? Donde me vem a honra de que a Mãe de meu Senhor me venha visitar? (Lc 1, 43).

Bem aventuranças e felicidades distribuímos nas casas e nos corações, quando aos doentes ou à mesa da comunhão levamos o Divino Man­jar dos Anjos. Bem aventuranças e felicidades quer comunicar-nos o Divino Redentor, quando oculto debaixo das espécies de pão e de vinho, desce so­bre o nosso corporal. A hóstia pura, vista exte­riormente é, aos nossos olhos, por assim dizer, a imagem pura da Virgem Maria e o que as espécies do pão e do vinho escondem é o mes­mo preciosismo bem que Maria na casa de Isabel chamou de seu bem. 

Magnífico mo­mento da consagração, quando o sacerdote e Cristo, 'face a face', se encontram, tão pertinho, tão juntinhos, como a Mãe de Jesus e a Mãe do Precursor. Ó portentoso momento da consagra­ção, quando um sacerdote inteiramente purifica­do, todo puro, olha a hóstia santa, toda pu­reza! Então seu interior exulta e canta de ale­gria: Exultat... prae gaudio...! Ó esplendo­rosos momentos que convertem as dores em ale­grias, os espinhos em rosas! Aleluia, Aleluia! Ó meu Deus, como sois bom! Gratias agimus Domino Deo nostro, vere dignum et justum est, aequum et salutare.

TENDO NOS LÁBIOS O MAGNIFICAT

O espírito de caridade levou Maria Santíssima pelas montanhas da Judá; o espírito de caridade todo o tempo a acompanhou nesta jor­nada. E agora, chegado ao seu termo, ascende-se mais este fogo interno; esta chama de amor tomou proporções gigantescas. Parecia serem momentos de Pentecostes, era o sopro do Divino Espírito Santo. Alegrias ín­timas invadem o coração de Maria Santíssima na saudação de Isabel.

De sua alma, porém, sempre tão silenciosa, partiu um hino de gra­tidão e de glória. Ela cantou o primeiro Magni­ficat, o cântico repleto de amor e do espírito profético. Até a este ponto conduzem no fim as jornadas eucarísticas; produzem a repetição do Magni­ficat, ascendem a flama sagrada de amor, comunicam algum tanto o espírito dos profetas que permite ao sacerdote ver profunda­mente os mistérios da nossa redenção e conhecer e escolher os meios mais aptos, segundo as condições e a variedade dos tempos, para frutuosamente conduzir e dirigir as almas. 

To­do o seu ministério exterior e, mais ainda, a sua própria santificação ganham com isso. A sua vida interior e, sobretudo a sua vida de oração, eleva-se cada vez mais até uma amorosa e diuturna comunicação com Deus. O sacerdote en­tão só parece viver da oração. O mundo do seu interior lhe oferece dia por dia horas e mo­mentos mais agradáveis. Pouco a pouco desco­nhece ele o mundo e afasta-se de todo a criatura, volta-se para o interior, vê seu Deus - e é ago­ra feliz, sobretudo feliz. Magnificat anima mea Dominum, et exultavit spiritus meus in Deo salutari meo!

(Excertos da obra 'A Pérola Preciosa', do Pe. Wendelin Meyer, trad. de Alberto Kolb)