quarta-feira, 22 de maio de 2013

A BÍBLIA EXPLICADA (V)


Como foram escritos os evangelhos? 

A Igreja afirma sem vacilar que os quatro evangelhos canônicos 'transmitem fielmente as coisas que Jesus, Filho de Deus, realmente operou e ensinou (...), durante a sua vida entre os homens' (Concilio Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum, n. 19). Estes quatro evangelhos 'têm origem apostólica; pois aquelas coisas que os Apóstolos, por mandato de Cristo, pregaram, foram depois, sob inspiração do Espírito Santo, transmitidas por escrito por eles mesmos e por homens do seu grupo, como fundamento da fé' (ibidem, n. 18). 

Os escritores cristãos antigos interessaram-se em explicar como é que os evangelistas realizaram este trabalho. Santo Irineu, por exemplo, diz que 'Mateus publicou entre os hebreus, na sua própria língua, uma forma escrita do evangelho, enquanto Pedro e Paulo, em Roma, anunciavam o evangelho e fundavam a Igreja. Foi depois da sua partida que Marcos, o discípulo e intérprete de Pedro, nos transmitiu também por escrito o que tinha sido pregado por Pedro. Lucas, companheiro de Paulo, consignou também num livro o que tinha sido pregado por este. Depois João, o discípulo do Senhor, o que se tinha reclinado sobre o seu peito (Jo 13, 23), publicou também o evangelho enquanto residia em Éfeso' (Contra as heresias, III,1, 1). 

Comentários muito semelhantes encontram-se em Papias de Hierápolis ou Clemente de Alexandria (cf. Eusébio de Cesareia, Hist. Ecl., 3, 39, 15; 6, 14, 5-7); os evangelhos foram escritos pelos Apóstolos (Mateus e João) ou por discípulos dos Apóstolos (Marcos e Lucas), mas sempre recolhendo a pregação do evangelho por parte dos Apóstolos.

A exegese moderna, com um estudo muito minucioso dos textos evangélicos, explicou de maneira mais pormenorizada este processo de composição. O Senhor Jesus não enviou os seus discípulos a escrever, mas a pregar o evangelho. Os Apóstolos e a comunidade apostólica procederam desse modo, e, para facilitar a atividade evangelizadora, puseram parte desses ensinamentos por escrito. Finalmente, no momento em que os apóstolos e os da sua geração começaram a desaparecer, 'os autores sagrados escreveram os quatro evangelhos, escolhendo algumas coisas dentre as muitas transmitidas por palavra ou por escrito, sintetizando algumas, ou explicando outras segundo o estado das Igrejas' (Dei Verbum, n. 19).

Portanto, pode concluir-se que os quatro evangelhos são fiéis à pregação dos Apóstolos sobre Jesus e que a pregação dos Apóstolos sobre Jesus é fiel ao que Jesus fez e disse. Este é o caminho pelo qual podemos dizer que os evangelhos são fiéis a Jesus. De fato, os nomes que os antigos escritos cristãos dão a estes textos, 'Recordações dos Apóstolos', 'Comentários, Palavras sobre o Senhor' (cf. São Justino, Apologia,1, 66; Diálogo com Trifão, 100), apontam para este significado. Com os escritos evangélicos temos acesso ao que os Apóstolos pregavam sobre Jesus Cristo.


Que registros as fontes romanas e judaicas nos dão sobre Jesus? 

As primeiras referências a Jesus em documentos literários, fora dos escritos cristãos, podem ser encontrados em alguns historiadores helênicos e romanos que viveram na segunda metade do século I ou na primeira do século II, portanto, bastante próximo dos acontecimentos. O texto mais antigo onde se menciona Jesus, ainda que de um modo implícito, foi escrito por um filósofo estoico originário de Samosata (Síria), chamado Marabar Sarapiton, por volta do ano 73. Refere-se a Jesus como o 'sábio rei' dos judeus, dizendo que promulgou 'novas leis', talvez em alusão às antíteses do Sermão da Montanha (cfr. Mt 5, 21-48) e que de nada serviu aos judeus dar-lhe a morte.

A menção explícita de Jesus mais antiga e célebre é a que faz o historiador Flávio Josefo (Antiquitates Iudaicae XVIII, 63-64), nos finais do século I, também conhecida como Testimonium Flavianum. Esse texto, que se conservou em todos os manuscritos gregos da obra de Josefo, chega a insinuar que podia ser o Messias, pelo que muitos autores alegam que terá sido interpolado por copistas medievais. Hoje em dia, os investigadores pensam que as palavras originais de Josefo deviam ser muito parecidas com as que se conservaram numa versão árabe do texto citado por Agápio, um Bispo de Hierápolis, no século X, onde já não figuram as presumíveis interpolações. 

Diz assim: 'Por este tempo, um homem sábio chamado Jesus teve uma boa conduta e era conhecido como virtuoso. Teve como discípulos muitas pessoas de entre os judeus e outros povos. Pilatos condenou-o a ser crucificado e morrer. Mas, os que se tinham feito seus discípulos não abandonaram o seu seguimento e contaram que se lhes apareceu três dias após a crucificação e estava vivo, e que por isso podia ser o Messias do qual os profetas tinham dito coisas maravilhosas'. Entre os escritores romanos do século II (Plínio, o Moço; Epistolarum ad Traianum Imperatorem Cumeiusdem Responsis Liber X, 96; Tácito, Anais XV, 44; Suetonio, Vida de Cláudio, 25, 4) há algumas alusões à figura de Jesus e à ação dos seus seguidores. Nas fontes judaicas, particularmente no Talmude ,também há várias alusões a Jesus e a certas coisas que se diziam d’Ele e que permitem corroborar alguns detalhes históricos por fontes aparentemente pouco ou nada suspeitas de manipulação cristã. 

(Da obra 'Jesus Cristo e a Igreja' - Universidade de Navarra)