segunda-feira, 5 de novembro de 2012

HISTÓRIAS QUE OUVI CONTAR (IV)

Uma grande multidão caminha pela ampla planície sob o sol. Velhos e crianças. Mulheres de todas as idades. Homens de todas as raças e crenças. O sol a pino. Os pés esbatem o pó da terra nua e seca, que se levanta e se dispersa ao vento. Uns correm a toda pressa, outros parecem se arrastar sobre os pés claudicantes. Muitos gritam, riem, gargalham; outros caminham em profundo silêncio. A terra seca e nua. São tantos que carregam fardos, suprimentos, sacolas e mochilas e um número sem conta traz consigo apenas a roupa do corpo, as sandálias e as mãos vazias. Um mar de gente atropela todas as estradas, todos os caminhos, todos os atalhos, todo e qualquer metro quadrado de chão. O mundo em marcha.

E, de repente, o mundo estanca. A marcha cessa e o vozerio acalma. Eis à frente, um rio colossal, de águas revoltas e turbulentas, que relutam em se manter cativas no generoso leito. Não há olhar capaz de divisar a margem oposta, nem sinal de vida além do caudal imenso. Diante o gigantesco obstáculo, a multidão vacila, se desespera, blasfema e se estertora. Diante do impossível, o homem apequenado chora. E, comprimidos contra a margem do abismo das águas pelos que chegam com as horas mais tardias, o terror nas almas se apodera. Sem ar e sem chão, o infinito espera.

'Que insensatez!' um homem se revela. 'Fazer tão grande caminhada sem rumo e direção para nada! Não podemos seguir adiante, nem voltar podemos. Morreremos todos aqui!' E caíam por terra, homens, mulheres e crianças de toda raça e feições. Uns que traziam muitos fardos e outros com a roupa do corpo; muitos que riam e outros tantos em mudez profunda. E eles caíam. E a carne agora sem ar e sem razão espancava o pó da terra nua. E, então, morriam aos milhares na borda do grande rio.

Mas, aqui e acolá, avança uma legião de peregrinos, iguais a todos os iguais, mas que não param nunca. Avançam sempre sob o sol a pino. Na planície nua. E chegam à margem do tenebroso rio. 'Loucos!' brada um outro insensato antes de cair por terra. 'Preferem se afogar na correnteza extrema a não morrer conosco, como se iguais a nós não fossem, como se não estivessem vivido em nossa companhia todo o tempo e em todos os caminhos!'. E assim bradavam os que morriam à margem do grande rio.

E o primeiro homem desta legião avança sem receio além da margem e seus pés espancam as águas turbulentas. Seu olhar mira a margem que não vê, mas que sabe estar do outro lado, tão certa quanta a margem que ficou para trás. Tão certa como a confiança de que nada é impossível, que coisa alguma pode nos separar de Deus. E, apenas com o coração inquieto daqueles que ainda não O encontraram em definitivo, avança resoluto. E caminha sobre as águas...