segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

PALAVRAS DA SALVAÇÃO

'Pecando, o padre perde a luz e cai nas trevas. Mais lhes valera, assegura São Pedro, não ter conhecido o caminho da justiça, do que voltar atrás depois de o haver conhecido. Ó, sem dúvida, mais valia para um padre que peca ser antes um camponês ignorante, que nunca tivesse estudado coisa alguma; porque depois de tantos conhecimentos adquiridos — pelos livros que leu, pelos oradores sagrados que ouviu, pelos diretores que teve — depois de tantas luzes recebidas de Deus, o desgraçado calca aos pés todas as graças, pecando, e merece que as luzes recebidas só sirvam para o tornar mais cego e impenitente. A maior ciência, diz São Crisóstomo, dá lugar a mais severo castigo; se o pastor cometer os mesmos pecados que as suas ovelhas, não receberá o mesmo castigo, mas uma pena muito mais dura. Um padre cometerá o mesmo pecado que os seculares; mas sofrerá um castigo muito maior, permanecerá mais profundamente cego que todos os outros; será punido conforme o anúncio do Profeta: Que vendo não o vejam, e ouvindo não compreendam!'

(São Jerônimo)

domingo, 18 de fevereiro de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Verdade e amor, são os caminhos do Senhor' (Sl 24)

Primeira Leitura (Gn 9,8-15) - Segunda Leitura (1Pd 3,18-22)  -  Evangelho (Mc 1,12-15)

 18/02/2024 - Primeiro Domingo da Quaresma

12. O RETIRO NO DESERTO


Jesus acabara de se submeter ao batismo nas águas do Jordão, evento que deflagara, então, pela manifestação expressa nas palavras do Pai e pela ação do Espírito Santo descido do céu na forma de uma pomba, o início do tempo de sua pregação pública, na investidura messiânica do Filho de Deus Vivo. E, diante desta missão portentosa, a primeira medida do Espírito Santo é conduzir Jesus ao deserto, para um tempo singular de devoção, oração e profundo recolhimento interior, na consumação da alma elevada à divina perfeição.

Neste Primeiro Domingo da Quaresma, o Evangelho nos invoca a começar também esse tempo de jejuns e penitência seguindo o exemplo de Jesus, com um retiro no deserto. O deserto para nós representa um lugar de provação, de tentação e de exílio; afastados do cotidiano do mundo, somos desafiados a viver um tempo singular de conscientização e de reflexão sobre a limitação dos valores mundanos e da preparação de almas perseverantes na superação destes limites e indo mais além, para águas mais profundas, na busca dos valores da graça santificante que nos forjam herdeiros dos Céus.

Ir ao deserto afastado do mundo não implica se esconder do mundo. Jesus 'ficou no deserto durante quarenta dias, e aí foi tentado por Satanás. Vivia entre animais selvagens, e os anjos o serviam' (Mc 1, 13). Quarenta dias é o tempo bíblico de referência para tempos de grande provação; as tentações de satanás no deserto repetem as tentações que nos são impostas pelo demônio durante toda a nossa vida, até no momento da morte; a vida entre animais selvagens caracteriza uma vida no exílio, longe do cotidiano do mundo.

Estar no deserto não significa um isolamento da alma. Deus está presente em nós em todos os momentos, com as graças necessárias para a plena superação de todas as provações, tentações e abatimentos da caminhada e, por isso, 'os anjos o serviam' (Mc 1, 13). Encerrado o tempo de vigília e de preparação no deserto e dado o sinal final da Providência Divina, pela prisão de João Batista, o Antigo Testamento torna-se passado de vez e tem início a pregação da Boa Nova para a salvação da humanidade, evocada com os próprios termos com que o Precursor anunciara os tempos da redenção (conforme Mt 3, 1-2): 'O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!' (Mc 1, 15).

sábado, 17 de fevereiro de 2024

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXXV)

Capítulo LXXV

Razões para Assistência às Santas Almas - A Nossa Falta de Reflexão e Zelo - Exortações de Santos sobre a Excelência dessa Obra de Caridade

Acabamos de passar em revista os meios e recursos que a Misericórdia Divina colocou em nossas mãos para o alívio de nossos irmãos no Purgatório. Esses meios são poderosos e os recursos são muitos; mas será que os utilizamos abundantemente? Tendo em nosso poder o auxílio às pobres almas, temos zelo suficiente para o fazer? Somos tão ricos em caridade como Deus é rico em misericórdia? Quantos cristãos, infelizmente, pouco ou nada fazem em intenção dos defuntos! E os que não se esquecem deles, os que têm suficiente caridade para os ajudar com os seus sufrágios, quantas vezes não lhes falta zelo e fervor! Comparai os cuidados que dispensamos aos doentes com a assistência que damos às almas penadas. Quando um pai ou uma mãe são acometidos de alguma doença, quando um filho ou uma pessoa que nos é querida é vítima de sofrimento, que cuidado, que solicitude e quanta devoção da nossa parte! Mas as almas santas, que não nos são menos queridas, definham sob o peso, não de uma doença dolorosa, mas de tormentos expiatórios mil vezes mais cruéis. Somos igualmente fervorosos, solícitos e disponíveis para as aliviar? 'Não' - diz São Francisco de Sales - 'não nos lembramos suficientemente dos nossos amigos queridos que partiram. A sua lembrança parece perecer com o som dos sinos fúnebres e esquecemos que a amizade que encontra um fim, mesmo na morte nunca foi uma amizade genuína'.

De onde vem esse triste e culposo esquecimento? A sua causa principal é a falta de reflexão. Quia nullus est qui recogitat corde - Porque não há quem considere no coração (Jr 12,2). Perdemos de vista os grandes motivos que nos impelem ao exercício dessa caridade para com os falecidos. É, portanto, para estimular o nosso zelo que vamos recordar esses motivos e colocá-los sob a luz mais forte possível.

Podemos dizer que todos esses motivos se resumem nas seguintes palavras do Espírito Santo: 'É um pensamento santo e salutar orar pelos mortos, para que sejam libertados de seus pecados, isto é, da punição temporal devida aos seus pecados (2Mc 12,46). Em primeiro lugar, é uma obra santa e excelente em si mesma, além de agradável e meritória aos olhos de Deus. Por conseguinte, é uma obra salutar, extremamente proveitosa para a nossa própria salvação, para o nosso bem-estar neste mundo e no outro.

'Uma das obras mais santas, um dos melhores exercícios de piedade que podemos praticar neste mundo' - nos diz Santo Agostinho - 'é oferecer sacrifícios, esmolas e orações pelos mortos' (Homilia 16). 'O alívio que obtemos para os defuntos' - diz São Jerônimo - 'obtém para nós uma misericórdia equivalente'. Considerada em si mesma, a oração pelos mortos é uma obra de Fé, de Caridade e, muitas vezes, até de Justiça.

Por primeiro, quem são de fato as pessoas a quem devemos tratar de assistir? Quem são essas almas santas, predestinadas, tão queridas de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo, tão queridas da sua Mãe, que a Igreja recomenda incessantemente à nossa caridade? Almas que nos são também tão queridas, pois estiveram, talvez, intimamente unidas a nós nesta terra, e que nos suplicam com estas palavras comoventes: 'Tende piedade de mim, tende piedade de mim, ao menos vós, meus amigos' (Jó 19,21). Em segundo lugar, em que necessidades elas se encontram? Infelizmente, sendo muito grandes as suas necessidades, as almas que assim sofrem têm direito à nossa ajuda na proporção da sua total incapacidade de fazer algo por si próprias. Em terceiro lugar, que bem podemos proporcionar a estas almas? O bem maior, pois podemos ajudá-las a conquistar a posse da bem-aventurança eterna.

'Assistir as almas do Purgatório' - diz São Francisco de Sales - 'é praticar a mais excelente das obras de misericórdia, ou melhor, é praticar de maneira mais sublime todas as obras de misericórdia juntas: é visitar os doentes; é dar de beber aos que têm sede da visão de Deus; é alimentar os famintos, resgatar os prisioneiros, vestir os nus, proporcionar aos pobres exilados a hospitalidade da Jerusalém Celeste; é consolar os aflitos, é instruir os ignorantes - em suma, é praticar todas as obras de misericórdia numa única obra'. Esta doutrina concorda muito bem com a de São Tomás, que diz em sua Summa: 'Sufrágios para os mortos são mais agradáveis a Deus do que sufrágios para os vivos; porque os primeiros estão em necessidade mais urgente deles e porque não são capazes de ajudar a si mesmos, como o podem os vivos' (Suplemento, Q. 71, art. 5).

Nosso Senhor considera toda a obra de misericórdia exercida para com o nosso próximo como feita para Ele próprio. 'É a Mim que o fizestes' - Mi hi fecistis. Isto é especialmente verdade para a misericórdia praticada em intenção às pobres almas sofredoras. Foi revelado a Santa Brígida que aquele que, com os seus sufrágios, tira uma alma do Purgatório, tem o mesmo mérito como se tirasse o próprio Jesus Cristo do cativeiro.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

SOBRE A ALEGRIA CRISTÃ

'Vá, coma o seu pão com alegria e beba o seu vinho com o coração alegre, pois Deus se alegra com as suas obras' (Ecl 9,7)

Se quisermos explicar estas palavras no seu sentido mais óbvio e imediato, diremos com razão que a exortação do Eclesiastes nos parece esclarecer que, levando um modo de vida simples e aderindo aos ensinamentos de uma fé correta para com Deus, devemos comer o nosso pão com alegria e beber o nosso vinho com o coração alegre, evitando todo o mal nas nossas palavras e toda a iniquidade na nossa conduta, procurando, pelo contrário, fazer de tudo o que é certo o objeto dos nossos pensamentos, e procurando, na medida do possível, ajudar os outros, com misericórdia e liberalidade; isto é, entregar-nos aos cuidados e obras que agradam a Deus.

Mas a interpretação mística eleva-nos a considerações ainda mais elevadas e faz-nos pensar naquele pão celeste e místico, que desce do céu e dá vida ao mundo; e também nos ensina a beber com o coração alegre o vinho espiritual, aquele que brotou do lado daquela que é a videira verdadeira, no tempo da sua paixão salvadora. Como se diz no Evangelho da nossa salvação: Jesus tomou o pão, deu graças e disse aos seus discípulos e apóstolos: 'Tomai e comei, isto é o meu corpo, que será entregue por vós para remissão dos pecados'. E, da mesma forma, tomou o cálice e disse: 'Bebam dele todos vocês, este é o cálice do meu sangue, sangue da nova aliança, que será derramado por vocês e por todos os homens para o perdão dos pecados'. Na verdade, quem come este pão e bebe este vinho fica verdadeiramente pleno de alegria e pode exclamar: 'Tu puseste alegria nos nossos corações'.

(Do Comentário sobre Eclesiastes, de São Gregório de Agrigento)

O católico deve ter alegria e, para tanto, ter senso de humor. Porque o humor é a fonte da ironia saudável e do riso franco, frutos de um intelecto sadio, capaz de contemplar e compreender o ser na sua harmonia e no esplendor da sua beleza. São Thomas More captou bastante bem essa percepção na sua oração da alegria, repleta de bom humor.

ORAÇÃO DO BOM HUMOR

Dai-me, Senhor, uma boa digestão
e, claro, também algo para digerir.
Dai-me a saúde do corpo
e o bom humor necessário para mantê-la.

Dai-me, Senhor, uma alma santa
que guarde a memória de tudo que é bom, belo e puro,
para que, quando sobrevir o pecado, não tenha medo,
mas encontre uma maneira de consertar as coisas.

Dai-me uma alma que não conheça o tédio
nem murmurações, queixas ou lamentações, nem apenas gemer ou suspirar,
e faça com que tudo isso não preocupe e nem tenha importância
para aquela coisa embaraçosa que chamo de 'eu'.

Dai-me, Senhor, o senso de humor;
dai-me a graça de saber ouvir e dar risadas
para que eu possa trazer um pouco de alegria à minha vida
e possa compartilhar esta alegria com os que me rodeiam.
Amém.

(São Thomas More)

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

NON NISI TE, DOMINE

 


São Tomás de Aquino rezava diante do crucifixo na capela de São Nicolau de Nápoles, quando o sacristão, Irmão Domingo de Caserta, ouviu o Crucificado falar ao Doutor Angélico: 'Tomé, o que você escreveu sobre mim é muito bom; que recompensa você quer pelo seu trabalho?' Ao que São Tomás respondeu: 'Senhor, não quero nada além de ti' - Non nisi te, Domine.

Neste diálogo sobrenatural, Jesus aprova por inteiro a filosofia aquinate. E, por outro lado, nos ensina de forma magistral como deve ser a nossa relação com Deus: recolhimento, oração, cumprimento integral em nossa vida da santa vontade de Deus. Deus nos basta. O nosso conhecimento de Deus é palha e neblina, mas o nosso amor a Deus constitui uma sobreelevação de nós mesmos como criaturas, sobre o abismo das limitações humanas, diante e em direção ao Criador.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

QUARTA DE CINZAS


Memento, homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris

'Lembra-te, homem, que és pó e ao pó retornarás!(Gn 3,19). A Quarta-Feira de Cinzas é o primeiro dia do tempo da Quaresma, quarenta dias antes da Páscoa. Neste dia por excelência refletimos sobre a nossa condição mortal nesta vida e a eternidade de nossas almas na vida futura. Num tempo em que se valoriza tanto a dimensão física, a beleza do corpo, a imposição das cinzas nos desvela a dura realidade do nosso corpo mortal: apenas pó que há de se consumir em cinzas.

Esse dia dá início, portanto,  a um tempo de profunda meditação sobre a nossa condição humana diante da grandeza e misericórdia de Deus. Tempo para fazer da nossa absurda fragilidade, sustentáculos da verdade e da fé; tempo para fazer de nossa pequenez e miséria, um templo de oração e um arcabouço de graças; tempo para transformar a argila pálida de nossos feitos e conquistas, em patamares seguros para a glória de Deus. Um tempo de oração, jejum e caridade. Um tempo de oração, desagravo, conversão, reparação. E um tempo de penitência, penitência, penitência...

A penitência é traduzida por atos de mortificação, seja na caridade silenciosa de um pequeno gesto, seja na determinação silenciosa de um pequeno 'não!' Pequenos gestos: uma visita a um amigo doente, uma palavra de conforto a quem padece ausências, um bom dia ainda nunca ofertado; ou um pequeno 'não': à abstinência de carne ou refrigerante ou ao fumo; abrir mão de ter sempre a última resposta ou para aquela hora a mais de sono; simplesmente dizer não a um livro, a uma música, a uma revista, a um programa de televisão. 

Propague o silêncio, sirva-se da modéstia; invista no anonimato, não se ensoberbeça, pratique a tolerância, estanque a frivolidade, consuma-se na obediência. Lembra-te que és pó e todas as tuas ações, aspirações e pensamentos vão reverberar em ti as glórias de Deus.

Abre-se hoje o Tempo da Quaresma: 'convertei-vos e crede no Evangelho'. Pois é no Evangelho (Mt 6, 1-6.16-18) que Jesus nos dá os instrumentos para a realização de uma autêntica renovação interior: oração, jejum e caridade. Com estas três práticas fundamentais, o tempo de penitência da quaresma é convertido em caminho de santificação ao encontro de Jesus Ressuscitado que vem, na Festa da Páscoa.

DIÁRIO DA QUARESMA - Primeiro Dia

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

QUARESMA 2024

A Quaresma é assumida pela Igreja como um tempo de preparação para a celebração da Páscoa, movido essencialmente pelo incentivo maior e mais intenso pelo povo cristão das práticas de oração constante e penitência, como jejuns e obras de caridade. A Quaresma tem início na Quarta-Feira de Cinzas (14 de fevereiro, neste ano de 2024) e se estende até as vésperas imediatas da Missa Vespertina In Coena Domini na Quinta-Feira Santa, ou seja, na Quarta Feira da Semana Santa (dia 27/03/2024). Por se tratar de um ano bissexto, excepcionalmente neste ano a Quaresma contempla 41 dias e não 40 dias como comumente.



Sugestão: Adotar este ciclo de leituras e devoções diárias durante esta Quaresma (clicar sobre o título abaixo)

Primeiro Dia - Quarta Feira de Cinzas
Quadragésimo Dia - Quarta Feira da Semana Santa 

Não incluir na sequência das datas das Leituras do Diário os dias 22/02, 29/02, 19/03 e 24/03/2024 (conforme postagem)