terça-feira, 5 de dezembro de 2023
O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXX)
Capítulo LXX
Alívio às Santas Almas pelas Esmolas - O Caso do Abade Raban-Maur e do Procurador Edelard do Mosteiro de Fulda
Resta-nos falar de um último e muito poderoso meio de aliviar as pobres almas do Purgatório: a esmola. O Doutor Angélico, São Tomás, dá preferência à esmola antes do jejum e da oração, quando se trata de expiar faltas passadas. 'A esmola' - diz ele - 'possui mais completamente a virtude da satisfação do que a oração, e a oração mais completamente do que o jejum'. É por isso que os grandes servos de Deus e os grandes santos a escolheram como principal meio de assistência aos mortos. Entre eles, podemos citar como um dos mais notáveis o santo abade Raban-Maur, primeiro abade de Fulda, no século X, e depois arcebispo de Mayence.
O Padre Trithemius, conhecido escritor da Ordem de São Bento, fez distribuir abundantes esmolas pelos mortos. Ele tinha estabelecido a regra de que, quando um religioso morresse, a sua porção de comida deveria ser distribuída entre os pobres durante trinta dias, para que a alma do falecido fosse aliviada pelas esmolas. No ano de 830, o mosteiro de Fulda foi atacado por uma doença contagiosa que levou a falecer um grande número de religiosos. Raban-Maur, cheio de zelo e de caridade pelas suas almas, chamou Edelard, o Procurador do mosteiro, e recordou-lhe a regra estabelecida sobre as esmolas para os defuntos. 'Cuida muito bem' - disse ele - 'que as nossas prescrições sejam fielmente observadas, e que os pobres sejam alimentados durante um mês inteiro com a comida que seria destinada aos irmãos que perdemos'.
Edelard falhou tanto na obediência como na caridade. Sob o pretexto de que tal liberalidade era extravagante e que deveria economizar os recursos do mosteiro mas, na realidade, porque estava influenciado por uma avareza secreta, negligenciou a distribuição dos alimentos ou o fez de uma forma muito aquém da ordem que tinha recebido. Deus não deixou impune esta desobediência.
Passado um mês, certa noite, depois de a comunidade ter-se recolhido, Edelard atravessava a sala da congregação com uma lâmpada na mão, quando, tomado de absoluto estupor, encontrou ali reunidos um grande número de religiosos, numa hora em que a sala deveria estar totalmente vazia. O seu espanto transformou-se em medo quando, olhando-os atentamente, reconheceu neles os religiosos recentemente falecidos. O terror apoderou-se de tal modo dele que um arrepio gelado congelou as suas veias fazendo dele como que uma estátua sem vida pregada no chão.
Então, um dos religiosos falecidos dirigiu-lhe terríveis censuras: 'Criatura infeliz, por que não distribuíste as esmolas que estavam destinadas a aliviar as almas dos teus irmãos falecidos? Por que nos privaste dessa assistência em meio aos tormentos do Purgatório? Recebe, a partir deste momento, o castigo pela tua avareza; um castigo mais terrível está reservado para ti quando, depois de três dias, compareceres diante do teu Deus'.
Diante de tais palavras, Edelard caiu como se tivesse sido fulminado por um raio e assim permaneceu imóvel até depois da meia-noite, hora em que a comunidade dirigiu-se para o coro. Aí encontraram-no semimorto, no mesmo estado em que se encontrava Heliodoro, depois de ter sido açoitado pelos anjos no templo de Jerusalém (cf 2Mc 3). Foi levado para a enfermaria, onde lhe foram dispensados todos os cuidados possíveis, de modo que conseguiu recuperar a consciência. Logo que pôde falar, na presença do abade e de todos os seus irmãos, relatou com lágrimas o terrível acontecimento que o seu triste estado testemunhava com tanta evidência. Depois, acrescentando que deveria morrer dentro de três dias, pediu os últimos sacramentos com todos os sinais de um humilde arrependimento. Recebeu-os com sentimentos de piedade e, três dias depois, realmente expirou, assistido pelas orações dos seus irmãos.
Imediatamente entoou-se a missa de defuntos e distribuiu-se aos pobres a sua parte da comida, em benefício da sua alma. Entretanto, o seu castigo ainda não havia terminado. Edelard apareceu diante o abade Raban, pálido e desfigurado. Tocado de compaixão, Raban perguntou-lhe o que podia fazer por ele. 'Ah!' - respondeu a infeliz alma - 'apesar das orações da nossa santa comunidade, não posso obter a graça da minha libertação até que todos os meus irmãos, a quem a minha avareza defraudou dos sufrágios que lhes eram devidos, tenham sido libertados. O que foi dado aos pobres em meu nome não serviu de nada para mim, mas somente a eles, e isto por ordem da Justiça Divina. Peço-vos, pois, ó Pai venerado e misericordioso, que redobreis as vossas esmolas. Espero que, por estes meios poderosos, a clemência divina se digne livrar-nos a todos, primeiro aos meus irmãos e depois a mim, que sou o menos merecedor de tal misericórdia'. Raban-Maur aumentou então as esmolas e, mal tinha passado um mês, Edelard apareceu-lhe de novo, mas agora vestido de branco, rodeado de raios de luz e com o rosto radiante de alegria. Agradeceu, da maneira mais comovente, ao seu abade e a todos os membros do mosteiro a caridade que lhe tinham feito (Vie de Raban-Maur, Rossignoli, Merv., 2).
Que instrução não contém esta bela história! Em primeiro lugar, a virtude da esmola para os mortos brilha de maneira muito marcante. Depois, vemos como Deus castiga, mesmo nesta vida, aqueles que, por avareza, temem não privar os mortos dos seus sufrágios. Não me refiro aqui aos herdeiros que se tornam culpáveis, negligenciando as doações que lhes cabem por testamento dos parentes falecidos, negligência que constitui uma injustiça sacrílega; mas àqueles filhos ou parentes que, por miseráveis motivos de interesse, mandam celebrar o menor número possível de missas, são parcimoniosos na distribuição de esmolas, não tendo piedade das almas dos parentes falecidos e que as deixam definhar nos terríveis tormentos do Purgatório. Trata-se da mais negra ingratidão, uma dureza de coração inteiramente oposta à caridade cristã, e que encontrará o seu castigo talvez ainda neste mundo.
Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.
segunda-feira, 4 de dezembro de 2023
FRASES DE SENDARIUM (XVII)
'Revesti-vos de Cristo Crucificado, inebriai-vos no seu Sangue!'
(Santa Catarina de Sena)
Ó Sangue e Água, que jorrastes do Coração de Jesus, como fonte de misericórdia para nós, eu confio em vós!
domingo, 3 de dezembro de 2023
EVANGELHO DO DOMINGO
'Iluminai a vossa face sobre nós, convertei-nos, para que sejamos salvos!' (Sl 79)
Primeira Leitura (Is 63,16b-17.19b;64,2b-7) - Segunda Leitura (1Cor 1, 3-9) - Evangelho (Mc 13,33-37)
03/12/2023 - Primeiro Domingo do Advento
1. 'O QUE VOS DIGO, DIGO A TODOS: VIGIAI!'
Hoje começa um novo ano litúrgico da Santa Igreja com o Tempo do Advento, período que os cristãos são conclamados a viver em plenitude as graças da expectativa, da conversão e da esperança, à espera do Senhor Que Vem. O Ano Litúrgico 2023 - 2024 é o Ano B, no qual os exemplos e ensinamentos de Jesus Cristo são proclamados a cada domingo pelas leituras do Evangelho de São Marcos.
E o novo ano litúrgico começa com Jesus exortando a vigilância aos filhos de Deus: 'O que vos digo, digo a todos: Vigiai!' (Mc 13, 37). Do alto do Monte das Oliveiras e à vista de Jerusalém, Jesus vai alertar os seus discípulos sobre a necessidade de se permanecer vigilantes, na oração e na confiança de uma vida de plenitude cristã, diante das coisas do mundo, que passam e repassam no cotidiano de nossas vidas. Vigilância que se impõe naqueles tempos, na vida futura da Igreja, nos remotos tempos da história: 'Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da casa vem: à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer. Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo' (Mc 13, 35 - 36).
São palavras de salvação, porque a única coisa realmente importante para o homem é a salvação eterna de sua alma. Tudo o mais é efêmero e sem sentido. No fim dos tempos ou no fim de nossa vida, o Juízo Final ou o Juízo Particular vai nos pedir contas essencialmente da nossa vigilância filial à Santa Vontade de Deus, no cumprimento de nossas ações cristãs, no acervo das graças recebidas, na inquietude do coração humano ao encontro do Pai.
Vigiar significa essencialmente não pecar, não ofender a Santidade de Deus com as misérias e as fragilidades humanas, não conspurcar a Infinita Pureza da alma que nos foi legada um dia com a lama dos prazeres, frivolidades e maldades de uma vida profanada pelos valores do mundo. Porque haverá o dia do juízo, no qual os homens serão levados ou deixados para trás: 'Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento' (Mc 13, 33). Vigiar é estar preparado para que sejam santos todos os dias de nossa vida e para que Deus escolha, dentre eles, o mais belo, para receber de volta as almas vigilantes que Ele próprio desenhou para a eternidade.
sábado, 2 de dezembro de 2023
ANO LITÚRGICO 2023 - 2024
O Ano Litúrgico 2023-2024, de acordo com o rito católico romano, vai desde o primeiro domingo do Advento (03/12/2023) até a solenidade de Cristo Rei do Universo (24/11/2024), durante o qual a Igreja celebra todo o mistério de Cristo, desde o nascimento até a sua segunda vinda. O Ano Litúrgico 2023-2024 é o Ano B, no qual os exemplos e os ensinamentos de Jesus Cristo são proclamados a cada domingo pelas leituras principais retiradas do Evangelho de São Marcos, com exceção de ocasiões especiais (as chamadas Festas e Solenidades do rito litúrgico), quando são utilizadas leituras específicas do Evangelho de São João.
O ano litúrgico compreende dois tempos distintos: os chamados tempos fortes que incluem Advento, Natal, Quaresma e Páscoa, durante os quais certos mistérios particulares da obra redentora e salvífica de Cristo são celebrados e o chamado Tempo Comum, no qual celebramos o Mistério de Cristo em sua totalidade, ou seja, encarnação, vida, morte, ressurreição e ascensão do Senhor.
O Tempo Comum é subdividido em duas partes. A primeira parte começa no dia seguinte à festa do Batismo de Jesus (07/01/2024) e vai até a terça-feira antes da Quarta-feira de Cinzas (14/02/2024), quando tem início a Quaresma. A segunda parte do Tempo Comum recomeça na segunda-feira depois de Pentecostes (19/05/2024) e se estende até o sábado que antecede o primeiro domingo do Advento (01/12/2024), quando tem início um novo Ano Litúrgico, compreendendo sempre um período de 33 ou 34 semanas.
sexta-feira, 1 de dezembro de 2023
SERMÕES DO CURA D'ARS (XV)
SOBRE O JUÍZO FINAL
'então, verão o Filho do Homem vir sobre uma nuvem com grande glória e majestade' (Lc 21, 27)
E então verão... Não um Deus revestido das nossas fraquezas, escondido na escuridão de um miserável estábulo, reclinado em um presépio, tratado com escárnio e zombaria e prostrado em terra pelo fardo pesado de uma cruz; mas um Deus que, revestido do glorioso esplendor do seu grande poder e majestade, dá a conhecer o seu advento por manifestações tremendas, pelo escondimento do sol e da lua, pela queda das estrelas e pela convulsão de toda a criação. Não um Redentor que vem com a mansidão de um cordeiro para ser julgado pelos homens que Ele tenta ganhar para si; mas um juiz sob justa ira, para julgar a humanidade com a terrível medida da sua justiça. Não um pastor amoroso, que tenta encontrar as suas ovelhas desgarradas e que as perdoa quando elas regressam, mas um Deus de vingança, que virá para separar para sempre os justos dos injustos, que fará com que os pecadores sintam o peso da sua espada e que confortará os justos com a felicidade celestial.
Ó momento terrível, ó momento temível, quando chegarás? Ó momento infeliz! Talvez daqui a alguns dias possamos observar os prenúncios deste dia; para os pecadores, tão terrível dia de julgamento! Ó pecadores, levantai-vos do túmulo das vossas iniquidades, apresentai-vos perante o tribunal de Deus e sofrei o tratamento que o pecador terá de sofrer! Os ímpios deste mundo gostam de negar o poder de Deus, porque veem os pecados passarem ilesos pelos dias de sua vida; sim, eles até farão a afirmação ousada de que Deus não existe, que não há inferno; ou como dizem: 'Deus não se importa com o que fazemos aqui na terra'. Ó infelizes: esperem pelo dia do julgamento; nesse grande dia, Deus revelará o seu poder e mostrará a todas as nações que Ele tudo viu e considerou tudo de todos.
São Lucas nos diz que os homens definharão de medo e da expectativa do que há de vir sobre o mundo inteiro. Ó, meus caros amigos, poder-se-ia definhar de medo e morrer de pavor ao pensar numa desgraça mil vezes menor do que a que está iminente para o pecador e que será certamente o seu destino se persistir em levar uma vida de pecado. Meus caros, se neste momento em que vos vou falar do juízo vindouro, perante o qual todos devemos comparecer para prestar contas do bem e do mal que fizemos durante esta vida e para receber aí o nosso julgamento final, que será o Céu ou o Inferno, digo, se neste momento aparecesse um anjo e vos anunciasse a mensagem de Deus de que, dentro de vinte e quatro horas, por uma chuva de fogo e enxofre, o mundo inteiro se incendiaria; se já ouvísseis o ribombar longínquo dos trovões; se a fúria da tempestade começasse a derrubar as vossas casas, e se os relâmpagos se tornassem tão vivos que a terra se assemelhasse a uma bola de fogo; se o inferno começasse a lançar os condenados para encher o mundo com os seus gritos e uivos, e se o único meio de evitar esta miséria fosse detestar o pecado e arrepender-se, poderíeis então, meus amigos, ouvir tudo isto sem derreter-se em torrentes de lágrimas e implorar misericórdia? Não vos lançaríeis aos pés do altar e não pediríeis misericórdia? Ó loucura inconcebível do homem pecador! Mas então será demasiado tarde para te arrependeres! Sim, meus irmãos, seremos julgados; nada é mais certo do que isso. E mais, seremos julgados sem misericórdia.
Lemos nas Sagradas Escrituras que Deus, sempre que pretendia enviar um flagelo sobre o mundo, precedia-o sempre por um sinal, de modo a causar terror no coração dos povos e levá-los a implorar a sua misericórdia. O historiador Josefo relata que, muito antes da destruição de Jerusalém, era visível no céu um cometa, em forma de espada, que causou consternação geral. Todos perguntavam o que significava aquele sinal. Seria porventura uma grande desgraça que Deus iria enviar? A lua apareceu oito noites no céu sem se iluminar; o povo começou a tremer pelas suas vidas, quando de repente apareceu um homem desconhecido que, durante três anos sem interrupção, passou pelas ruas de Jerusalém dia e noite, gritando: 'Ai de Jerusalém! Ai de Jerusalém!' Foi preso e açoitado para que parasse com as suas lamentações, mas nada o demoveu. Ao fim de três anos, gritou: 'Ai de Jerusalém! Ai de mim!' Nesse momento, uma pedra, que lhe tinha sido atirada de um estilingue, o atingiu em cheio e o matou instantaneamente. Em breve, todas as desgraças que este desconhecido tinha profetizado rebentaram por toda a Jerusalém. A fome tornou-se tão terrível que as mães mataram e devoraram os seus próprios filhos. A cidade foi capturada pelo inimigo e arrasada; as ruas ficaram cobertas de mortos e o sangue correu feito torrentes e os poucos que escaparam com vida foram vendidos como escravos.
Como o dia do juízo será o dia mais terrível e espantoso de todos, os sinais que o precederão serão tão tremendos que causarão terror nos confins mais ermos da Terra. Nosso Senhor disse que nesse dia fatídico o sol não dará mais luz; que a lua parecerá uma massa sangrenta, e as estrelas cairão dos céus. Os relâmpagos e os trovões serão tão terríveis que os homens definharão de medo. O vento tornar-se-á tão violento que nada lhe poderá resistir; árvores e casas serão arrancadas e levadas para longe, para o mar; o próprio mar, fustigado pelas tempestades, erguer-se-á mais alto do que as mais altas montanhas, e os terrores do inferno abrir-se-ão aos olhos da humanidade; todas as criaturas procurarão esconder-se da presença do Criador, quando contemplarem os crimes com que os homens contaminaram e desfiguraram a face da Terra.
Quando a Terra estiver purificada dos muitos crimes com que foi coberta, Deus enviará os seus anjos, que tocarão as suas trombetas nos quatro cantos da Terra e chamarão os mortos: 'Levantai-vos, ó mortos, levantai-vos dos vossos túmulos e comparecei perante o tribunal!' E todos os mortos, justos e injustos, bons e maus, virtuosos e pecadores, voltarão aos seus corpos; os mares entregarão os seus mortos, e a Terra fará surgir todos os que jaziam no seu seio durante todos estes séculos. Depois desta agitação, as almas dos santos, revestidas da sua glória, descerão do Céu, cada uma delas para tomar posse do seu corpo terrestre. 'Vinde' - serão chamados então - 'vinde, companheiros dos meus sofrimentos, que sempre vos esforçastes por agradar a Deus e procurastes a felicidade no sofrimento e na luta. Vinde, ó bem-aventurados, que tantas vezes fechastes o olhar às coisas impuras, com medo de perder a graça de Deus, vinde para o Céu, onde não vereis senão as coisas belas que inutilmente se procuram na Terra. Bem vindos vós, cujos ouvidos tinham tanto horror às palavras e às conversas impuras e caluniosas; sede bem-vindos ao Céu, onde só escutareis músicas celestes para vosso deleite eterno. Bem vindos sejam vós, que tantas vezes foram os meus pés e minhas mãos no consolo dos infelizes; vinde percorrer os vastos Céus onde contemplareis o vosso adorado Redentor que tanto vos ama. Lá haveremos de estar na presença dAquele que viveu nos nossos corações; lá veremos as suas mãos, ainda tingidas de sangue, pelas quais nos fez merecer as alegrias eternas!' Quando os santos tiverem tomado posse dos seus corpos glorificados, aguardarão com extremado júbilo o momento em que Deus revelará à vista de todo o mundo todas as lágrimas, todas as obras de penitência, todo o bem que fizeram. 'Sim' - assim Jesus Cristo lhes falará - 'quero que o mundo inteiro contemple a recompensa que vos preparei!'
Mas que mudança terrível e terrível estará diante de nós. Eu já ouço a trombeta chamar os condenados para voltarem do inferno. Vinde, pecadores, malfeitores, tiranos, o vosso Deus vos chama, Aquele que estava tão ansioso por vos salvar; comparecei perante o tribunal do Filho do Homem. Vinde e apresentai-vos, porque todos os erros que cometestes serão revelados à vista de todo o mundo. Então o anjo chamará: 'Profundezas do inferno, que se abram agora as vossas masmorras e sejam expurgados todos os vossos réprobos para o julgamento do Justo Juiz!' Que momento terrível! Eis que sairão das profundezas as miseráveis almas condenadas que buscarão os seus corpos em desespero. Que visão tremenda o momento em que a almas entrarem em seus corpos e estes experimentarem então todos os terrores do inferno. Este corpo maldito e esta alma maldita insultar-se-ão mutuamente milhares e milhares de vezes. 'Corpo maldito' - dirá a alma - ' que me atraístes e me arrastastes para a imundície da impureza; milhares de anos tenho sofrido e ardido no inferno. Pois vinde também, olhos malditos, que tantas vezes vos deleitastes em lançar olhares impuros sobre os vossos próprios corpos ou sobre os corpos dos outros; descei ao inferno, onde não vereis senão coisas horríveis e monstruosas. Vinde também, ouvidos malditos, que tantas vezes vos deleitastes em ouvir palavras e conversas indecentes; descei ao inferno, onde ouvireis os uivos e os rugidos dos demônios por toda a eternidade. Vinde também, ó língua maldita, boca maldita; descei ao inferno, onde não tereis outro alimento senão o fel. Vinde por inteiro, ó corpo maldito, a cuja cupidez tantas vezes fui vergada, tereis para sempre o horror de uma piscina de enxofre e de fogo, sempre mantida acesa pelo poder e pela ira santa de Deus.
Sim, meus irmãos, ali os justos e os condenados, depois de terem reocupado o corpo que lhes coube em vida, o corpo tal como o vemos agora diante de nós, todos se apresentarão perante o Juiz. Eis que lá vem Ele, sentado no seu trono, resplandecente de glória, rodeado de todos os anjos, tendo diante de si o seu estandarte, a cruz! Quando os condenados virem o seu juiz, então gritarão: 'Montanhas, lançai-vos sobre nós e escondei-nos da vista do nosso juiz; rochedos, caí sobre nós e lançai-nos de novo nas profundezas do inferno!' Mas não! É hora, pecador, de prestar contas de toda a tua vida. Vem para a frente, infeliz, que ofendestes tão grandemente o bom Deus. Dirás então: 'Meu juiz, meu Pai, meu Criador, onde estão o meu pai e a minha mãe que foram a causa da minha condenação? Sim, meu pai e minha mãe, é por vossa culpa que estou condenado, sois vós que causastes a minha destruição'. Quem poderá avaliar a miséria de uma alma condenada, quando vir diante de si o seu pai e a sua mãe resplandecentes de glória, destinados ao Céu, e ele próprio condenado ao inferno? Estes rejeitados gritarão: 'Montanhas, enterrai-nos, pedimos-vos que caiais sobre nós; portais do abismo, abri-nos e escondei-nos!' Então o Senhor abrirá, como nos diz o profeta Ezequiel, aquele grande e maravilhoso livro, no qual estão registados os crimes de todos os homens. Quão e terríveis números de pecados, que nunca foram revelados aos olhos do mundo, tornar-se-ão então evidentes! Tremei, todos vós, que amontoastes pecado sobre pecado durante tantos anos!
Mas, direis então, e todas as boas obras que fizemos, foram todas em vão? Todos esses jejuns, penitências, esmolas, comunhões e confissões, não merecem recompensa? Não; Jesus Cristo dir-vos-á: 'As vossas orações não passam de balbucios, os vossos jejuns de hipocrisia, as vossas esmolas de vã procura de notoriedade; nunca fui considerado em nenhuma das vossas ações. Além disso, recompensei-vos com bens terrenos; abençoei o vosso trabalho, dei frutos aos vossos campos, enriqueci os vossos filhos pelo pouco bem que fizestes. Dei-vos plena recompensa, tanto quanto podíeis esperar. Mas Ele vos dirá: 'os vossos pecados ainda permanecem e viverão para sempre diante de mim. Ide, malditos, para o fogo eterno, que é para todos aqueles que em vida fizeram pouco de Mim'.
Como vedes, meus caros irmãos, a coisa mais angustiante desse dia terrível será o fato de Deus revelar não ter poupado esforços para nos salvar; de nos ter permitido participar nos méritos sem limites da sua morte na cruz; de nos ter dado o privilégio de nascer no seio da Igreja; de nos ter dado guardiães da alma para nos mostrar e aconselhar o que deveríamos ter feito para alcançar a felicidade eterna. Deu-nos os sacramentos com as quais poderíamos recuperar a sua amizade tantas vezes quantas a perdêssemos; não fixou nenhum número de pecados para nos conceder o seu perdão, bastava o nosso sincero arrependimento para termos a certeza do seu perdão. Ele espera por nós durante anos, ainda que vivamos apenas para o ofender. Ele não nos quer condenar; prefere nos salvar a qualquer preço, se o quisermos! Nós próprios é que o levamos, por meio dos nossos pecados, a pronunciar sobre nós o julgamento da condenação eterna.
Na terra, o pecador terá sempre uma desculpa para os pecados que comete; ele traz até o seu orgulho diante o tribunal da penitência, onde deveria comparecer apenas para se acusar e se humilhar. Alguns alegam ignorância, outros fortes tentações; outros ainda oportunidades especiais e maus exemplos; todos os dias podeis ouvir as razões que os pecadores apresentam para esconder a hediondez de seus crimes. Vinde agora, pecadores orgulhosos, e vejamos como as vossas desculpas serão recebidas no dia do julgamento; explicai-vos perante Aquele que tem o fogo da justiça nas mãos e que viu, contou e pesou na balança tudo o que vos diz respeito.
Não sabíeis, dizeis vós, que isso era um pecado! Ó infeliz, Jesus Cristo dir-te-á que, se tivesses nascido entre as nações pagãs, que nunca ouviram falar do verdadeiro Deus, poderias apresentar a tua ignorância como desculpa, mas tu, cristão, que tiveste a felicidade de nascer no seio da Igreja, que cresceste no centro das luzes e a quem se pregou a salvação, o que dizer de ti? Ó infeliz, se viveste na ignorância, a culpa foi tua, porque não quiseste aprender e utilizar a sã doutrina. Desgraçado, tuas desculpas só te tornam ainda mais merecedor de condenação. Ide para o inferno, para serdes consumidos na própria ignorância!
Eis que um outro dirá: 'As minhas paixões eram tão fortes e a minha fraqueza era muito grande'. Pois bem, dirá o Senhor, depois de Deus ter tido a grande misericórdia de te fazer reconhecer a tua própria fraqueza e o sacerdote lhe ter alertado que devias vigiar-te constantemente, mortificar-te, para te tornares senhor de ti mesmo, por que razão te comportaste exatamente ao contrário, por que razão te deste tanto trabalho para satisfazer os desejos do teu corpo e os impulsos das tuas paixões? Deus vos fez reconhecer a vossa fraqueza e, no entanto, caístes a cada passo. Por que não te refugiaste no Senhor e não pediste a graça de Deus? Por que não obedecestes aos guardiães da tua alma, que nunca deixaram de te pedir que rezasses e pedisses a graça e a força de que necessitavas para vencer o demônio? Por que é que foste tão indiferente aos sacramentos e tão raramente aproximaste deles, que te teriam dado fortaleza para fazer o bem e repelir todo o mal? Por que desprezastes tão frequentemente a palavra de Deus que vos teria conduzido às eternas moradas? Ingratos que sois, pecadores cegos, por que não aproveitastes as oportunidades que Ele vos deu para vos tornar fortes, como tantos outros fizeram e fazem? Que fizestes para vos manterdes afastados do pecado? Fora, infelizes, fora, o lugar reservado a vós é o inferno!
Mas, poderíeis dizer, tivemos sempre diante dos nossos olhos tantos maus exemplos!. Maus exemplos! Que desculpa vazia! Se há maus exemplos, também há bons exemplos. Por que não preferistes seguir estes últimos em vez dos primeiros? Se vistes uma jovem ir à Igreja e receber os sacramentos, por que não a seguiste em vez da que ia aos salões de baile? Se um jovem vai à Igreja para rezar ao Senhor no Santo Tabernáculo, por que não o seguistes em vez de seguirdes os de vida mundana? Dizei, antes, pecadores, que preferistes vaguear pelo caminho largo que conduz à perdição do que pelo caminho estreito que vos foi indicado pelo Senhor. A verdadeira causa dos vossos pecados e da vossa condenação não é certamente procurada nos maus exemplos, ou nas oportunidades, ou na vossa fraqueza, ou na falta de graça; a verdadeira causa reside unicamente na maldade do vosso coração, que nada fizestes para a controlar ou suprimir. O vosso destino é, pois, resultado da vossa própria culpa. E dirão por fim: 'Sempre nos disseram que Deus é misericordioso'. É certo que é misericordioso, mas também é justo. O seu amor e a sua misericórdia estão sempre juntas.
Que conclusão devemos tirar de tudo isto, meus caros amigos? Que nunca devemos perder de vista o fato de que um dia seremos julgados sem misericórdia, que todos os nossos pecados serão revelados aos olhos de todo o mundo e que, depois do dia do julgamento, se Ele ainda nos encontrar consumidos pelos pecados, teremos de ir para o inferno, para ali sofrer por eles, sem nunca os podermos extirpar ou esquecer. E como estamos cegos, meus irmãos, se não aproveitarmos o curto espaço de tempo que ainda temos para viver para nos apoderarmos do Reino celeste. Enquanto estivermos nesta vida, podemos esperar o perdão; mas se esperarmos demasiado tempo, poderá ser tarde demais e não haverá ajuda para nós. Senhor, dai-me a graça de nunca perder de vista o pensamento deste terrível dia do julgamento e não me deixeis cair em tentação, para que eu possa, nesse dia, ouvir as doces palavras da boca do Redentor: 'Vinde, benditos de meu Pai, possuí o Reino que vos está preparado desde o princípio'. Amém.
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