segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (119/121)

 

119. O CONSOLADOR DOS QUE SOFREM

Lembremos o exemplo daquela gloriosa mártir francesa, Santa Joana d'Arc. Pôs-se à frente das tropas de sua pátria e as conduziu de vitória em vitória. À frente dos exércitos vencedores, entrou pelas portas da cidade de Reims e ali foi ungido, consagrado e proclamado Carlos VII, o verdadeiro rei de França.

Algum tempo depois, aquela valorosa heroína caiu em poder dos ingleses, seus inimigos, e foi condenada à morte. Ergueu-se o patíbulo no meio da cidade de Ruão, onde se ajuntou enorme multidão. Serena, com a serenidade da justiça, e formosa com a formosura da inocência, subiu Joana as escadas da morte e amarraram-na a um poste de ferro. Momentos depois, no meio de um imponente silêncio, o algoz põs fogo à lenha que a circundava e as chamas vorazes subiram e alcançaram os seus vestidos. 

Ardia aquela carne virginal. Em frente dela, estava um frade com um crucifixo na mão.
➖ Padre - dizia-lhe a mártir - levantai-o um pouco; quero vê-lo...
Seus olhares pregavam-se naquele divino Crucificado e uma força divina punha em suas faces e beleza do amor...
➖ Mais lenha - diziam os algozes - mais lenha!

E atiravam na fogueira feixes de lenha. As chamas envolviam a mártir por todos os lados e a carne ardia como vítima de santidade. Ela gritava com ânsias ainda maiores: 'Padre, levantai-o mais alto, mais alto, que não o vejo'. E o frade atou o Cristo a um pau e levantou-o bem alto, acima das chamas que formavam uma fogueira gigantesca.

E Joana rezava e olhava para o seu Deus crucificado e dizia: 'Jesus! Jesus!' E caiu morta, quase convertida em cinzas no meio daquelas horríveis chamas. A vista desse Deus crucificado de tal modo consola as vítimas da dor, que Santa Madalena de Pazzi dizia, louca de amor: 'Senhor, sofrer e não morrer!' Sim, olhai para o céu: ali se enxugarão as vossas lágrimas; ali está o reino da felicidade e do amor.

120. SOU UM ASSASSINO! SOU UM ASSASSINO!

Dia inesquecível naquele colégio! Era a festa de Nossa Senhora que se venerava na igreja e, ao mesmo tempo, a festa do Padre Diretor. Felicidade, alegria, entusiasmo por toda parte. Pela manhã, comunhão geral; às dez, missa soleníssima com sermão; à tarde, esplêndida procissão. Como rezavam! Como cantavam aqueles alunos! Que dia formoso! Quem poderia imaginar o desenlace trágico que iria acontecer!

Às seis da tarde haveria uma representação teatral, em que se levaria ao palco a peça 'A morte de Garcia Moreno'. Meia hora antes que soasse a sineta para aquela festa, dois rapazes de uns quinze anos entraram num quarto contíguo ao cenário. Ali estava sobre a mesa um revólver. Com ele iam disparar pela janela, quando no palco se representasse a pantomima de se disparar o tiro em Garcia Moreno. 

Um dos rapazes, precisamente o que ia fazer o papel de assassino no palco, toma o revólver e diz ao seu amigo:
➖ Toma posição para veres como te vou apontar no palco.
O outro, que ia fazer o papel de Garcia Moreno, a nobre vítima, apruma-se com energia e diz:
➖ Atira, traidor!
O amigo aperta o gatilho, soa um disparo, sai uma bala que se enterra na cabeça do desventurado rapaz, que cai prontamente, derramando um rio de sangue pela ferida.

O inocente assassino atira-se sobre o ferido, lançando gritos de dor.
➖ Amigo, o que eu fiz? Eu te matei, eu te matei. Foi sem querer. Perdoa-me. Não, amigo, eu não queria te matar. Amigo, levanta-te... não, não morras!
E, tirando o lenço, procurava estancar o sangue. Mas era inútil; o ferido não se movia.
➖ Amigo - continuava gritando - levanta-te, não morras... não queria matar-te... perdoa-me.
E pegava-o e levantava-o um pouco, mas não podia com ele. Ensopava-se naquele sangue.
➖ Morreu - gritava - morreu; eu o matei; sou um assassino! ai! sou um assassino!

Entretanto, os outros alunos estavam nos pátios do colégio, em conversa animada à espera do som da sineta. De repente ouvem gritos, olham... Lá, no fundo do pátio, aparece o rapaz todo cheio de sangue. Levantava os braços e gritava como desesperado, correndo de um lado para outro:
➖ Eu o matei! Sou um assassino!
E corria sem rumo nem destino, como um louco.

Por nossos pecados somos também assassinos. Por nossos pecados sofre e morre Jesus. Nossos sacrilégios, impurezas e profanações são os punhais que cravamos no coração de Nosso Senhor. Somos assassinos! Com que grande, imensa e infinita dor deveríamos chegar ao confessionário. E que santa seria então a nossa confissão!

121. DEUS RECOMPENSA OS SACRIFÍCIOS

Os sacrifícios escolhidos voluntariamente fazem que Deus seja generoso e bom para conosco. Os pequenos presentes que lhe oferecemos espontaneamente exercem grande e irresistível poder sobre Ele. Forçado então pela bondade do seu coração, Deus, que não se deixa vencer em generosidade, não se cansa de cumular de bênçãos aqueles que se mostram generosos para com Ele. Dou, a propósito o seguinte exemplo.
 
Num colégio de Friburgo, na Suíça, achava-se, poucos anos atrás, uma menina que fazia extraordinários progressos nos estudos, e sentia-se feliz. Certo dia a superiora do colégio recebeu uma carta do pai da criança, comunicando-lhe que, por dificuldades financeiras, não lhe era possível manter a filha no colégio por mais tempo.

O que fez a superiora? Mandou chamar a menina e lhe disse:
➖ Minha filha, uma notícia bem desagradável. Teu pai acaba de escrever-me que se acha em grandes dificuldades e que talvez seja obrigado a retirar-te do colégio.
A menina, muito aflita, pôs-se a chorar e dizer:
➖ Madre, o que será de mim? Ajudai-me, Madre, ajudai-me! Dizei-me o que devo fazer.
➖ Minha filha - disse a superiora muito comovida - tu podes modificar tudo isso. Sabes que dentro de algumas semanas teremos o Santo Natal; sabes, igualmente, que até lá temos todos os dias de devoção ao Menino Jesus, não é?
➖ Sim, Madre...
➖ Pois bem; faze um fervoroso pedido diariamente ao Menino Jesus, para que Ele te conserve aqui e oferece-lhe alguns pequenos sacrifícios. Verás que Jesus não rejeitará os teus pedidos.
➖ Sim, Madre, farei tudo para que Jesus me ouça, e peço também as vossas orações.

A menina, que tinha grande desejo de continuar os seus estudos na companhia das Irmãs, cheia de confiança, sentou-se e escreveu ao Menino Jesus uma cartinha. Prometia não só orações fervorosas, mas fazia também o propósito de, por amor de Jesus, abster-se, todos os dias até o Natal, de queijo e frutas, de que gostava muito. E tudo isso para que Deus socorresse o seu querido pai e ela pudesse continuar no colégio.

No dia do Natal achou a superiora debaixo da imagem do Menino Jesus a cartinha da menina. Leu-a e ficou profundamente comovida. Dois dias depois chegava uma carta do pai, que, entre outras coisas, dizia: 'Madre, não sei como agradecer a Deus; de modo prodigioso e inesperado veio o auxílio do céu. Minha filha pode continuar estudando aí...' Podemos imaginar a alegria de ambas, da aluna e da Superiora, vendo que a sua confiança em Deus não falhara.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

domingo, 26 de dezembro de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Felizes os que temem o Senhor e trilham seus caminhos!' (Sl 127)

 26/12/2021 - Sagrada Família: Jesus, Maria e José

5.  SAGRADA FAMÍLIA 


Neste último domingo do ano, o Evangelho evoca o culto à Sagrada Família, síntese da vida cristã autêntica e primeira igreja na terra. Deus veio ao mundo por meio da família; eis porque a família é a fonte primária da sociedade, síntese da vida cristã autêntica e a primeira igreja. E que modelo de família cristã Deus legou ao mundo: Jesus, Maria e José: Jesus é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade; Maria, a Virgem Mãe de Deus, e São José, esposo da Virgem Maria e pai adotivo de Jesus. Família sagrada que viveu em plenitude a submissão à perfeição do amor; submissão que se expressa pelos sentimentos de entrega e renúncia em tudo e não pelo servilismo complacente.

Na humilde casa de Nazaré, três pessoas: pai, mãe e filho viviam em natureza sobrenatural exatamente inversa à ordem natural: São José, patriarca e pai de família devotado, com direitos naturais legítimos sobre a esposa e o filho, era o menor em perfeição; Nossa Senhora, esposa e mãe, era Mãe de Deus e de todos os homens; Jesus, a criança indefesa e submissa aos pais, é o Deus feito homem para a salvação do mundo. Portentoso mistério que revela a singular santidade da família humana, moldada sobre clara hierarquia divina, moldada por Deus para ser escola de santificação, amor, renúncia e salvação.

Neste modelo de submissão perfeita ao amor de Deus e à lei mosaica, certa ocasião, quando Jesus contava 12 anos, os seus pais subiram com ele até Jerusalém, para participarem das festas da Páscoa, conforme os preceitos vigentes. Vieram com muitos outros, parentes e conhecidos, em grupos numerosos de caravanas. Uma vez concluídos os eventos da Páscoa, tomando o caminho de volta, perceberam que o menino não voltara com eles. Perplexos e angustiados, buscaram o menino entre os parentes, entre os conhecidos, em peregrinações difusas pelas ruas de Jerusalém para, finalmente, o encontrarem no Templo, em meio aos sábios e doutores da lei, manifestando a todos a glória do Pai na casa do Pai: 'Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?' (Lc 2, 49). Jesus submetia sua missão no mundo à Santa Vontade do Pai, acima de quaisquer preceitos humanos ou terrenos. A sua hora não havia chegado, mas o anúncio de sua missão havia sido dado. E, no recolhimento do lar de Nazaré, obediente em tudo e na plenitude da vida em família, 'Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens' (Lc 2, 52).

Eis o legado da Sagrada Família às famílias cristãs: a oração cotidiana santifica os pais e os filhos numa obra incomensurável do amor de Deus e a fortalece contra todos as tribulações. Sim, que os maridos amem profundamente suas esposas, que as esposas sejam solícitas a seus maridos, que os pais não intimidem os seus filhos, que os filhos sejam obedientes em tudo a seus pais. Mas que rezem juntos, que louvem a Deus juntos, que se santifiquem juntos, como família de Deus. Em Nazaré, Deus tornou a família modelo e instrumento de santificação; que em nossas casas e em nossas famílias, a Sagrada Família seja o modelo e instrumento para a nossa vida e para nossa santificação de todos os dias!

sábado, 25 de dezembro de 2021

FELIZ E SANTO NATAL EM CRISTO!

Desejo a todos os nossos amigos e visitantes um Santo e Feliz Natal! 

IGREJA CATÓLICA: ALMA DO NATAL
(Luís Dufaur)


CÂNTICO DE NATAL


Ó meu Menino Jesus, 
sede a minha esperança!
Que na gruta da vossa Belém 
eu possa renascer também
como uma outra criança!  

Ó meu Menino Jesus,  
sede minha santa alegria!
Que o meu presépio se faça 
banhando minha alma na graça
de uma pobre estrebaria!

Ó meu Menino Jesus, 
sede minha força e minha fé!
Que a mãe que me vela agora
seja a mesma Nossa Senhora 
da família de Nazaré!

Ó meu Menino Jesus, 
sede farol e minha luz!
Que este Natal de abraços,
se faça caminho de passos
que passam diante da Cruz! 

Ó meu Menino Jesus, 
sede a alma do meu viver!
Que este Natal me converta
em dom, partilha e oferta
para os que vão renascer!
E em dom, oferta e partilha,
onde ainda hoje não brilha
a luz do vosso nascer! 

Ó meu Menino Jesus, 
sede minha paz e todo bem!
Que eu viva a bem aventurança 
de adorar Deus feito criança
numa gruta de Belém!

(Arcos de Pilares)

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

O NASCIMENTO DE JESUS

Maria sentiu um leve estremecimento no ventre. Estremecimento e não dor. Percebera-o nitidamente em meio ao movimento harmônico do trote do burrico pela estrada poeirenta. No recolhimento de sua oração profunda, sua mão busca tocar levemente o ventre como uma resposta imediata da Mãe ao sinal enviado pelo Filho: a longa preparação do Tempo dos Profetas há de ser realidade em breve naquele tempo da história e Deus feito homem vai nascer no mundo. É o primeiro sinal. Suave estremecimento, perceptível apenas por Maria, naquele momento da longa travessia que perpassa agora os campos abertos que levam mais adiante à Belém de todas as profecias.

José, puxando o burrico, olha para trás e se preocupa. O vento começa a soprar mais forte e mais frio e a jornada agora é mais lenta e penosa, nos declives mais acentuados da estrada que serpenteia pelo vale e pelos contrafortes de formações rochosas. E há muitas pessoas e alarido em torno deles. De tempos em tempos, são obrigados a parar e dar passagem a outros viajantes em marcha mais apressada ou para superarem com extremo cuidado os trechos mais íngremes. Quase todos os peregrinos têm o mesmo destino e o mesmo objetivo: apresentarem-se às autoridades em Belém e cumprirem as normas do novo recenseamento imposto pelas autoridades romanas. 

Em meio a um acontecimento regional e específico da história humana, está prestes a ocorrer o mais extraordinário evento da humanidade. Em meio ao burburinho e à agitação de toda aquela gente, Maria recebeu o primeiro sinal da manifestação da vinda do Messias prometido. Um murmúrio de humanidade no sagrado ventre consubstancia em definitivo o Mistério da Anunciação. Um leve estremecimento acaba de prenunciar o nascimento de Deus. 


As ruas estreitas se consomem de tanta gente. Há um cenário de mercado livre por toda a Belém daqueles dias. Eles acabaram de cumprir os registros formais do recenseamento e agora buscam ansiosamente uma pousada para o pernoite. Não é apenas o albergue principal da cidade que está com a lotação esgotada; as casas se transformaram em emaranhados de pessoas e utensílios, num entra e sai sem fim de gente ruidosa e apressada. Há o burburinho comum das crianças e o festim grotesco das ofertas gritadas e dos negócios de ocasião. No vaivém das ruas apinhadas e confusas, Maria e José buscam refúgio fora da cidade, além das casas mais ermas e mais afastadas. Aqui e ali ainda se veem acampamentos rústicos, improvisados, à guisa de refúgio de grupos mais ou menos numerosos. Além, mais além, as formações calcárias formam reintrâncias e cavernas, que muitas vezes são utilizadas como estrebarias pelos mercadores das grandes rotas até Jerusalém.

José leva o burrico na direção destas cavernas. Ele não sente no rosto o vento frio da tarde que se desvanece, nem o cansaço da longa jornada. Seu pensamento é todo, totalmente por Maria. A preocupação em encontrar um lugar digno para ela o consome por completo. A ânsia de dar descanso e refúgio a Maria tolhe todos os seus sentidos e atividades. A dimensão do mistério insondável o atordoa e o aniquila: a humanidade de José sente o peso incomensurável dos desígnios da Providência.

Passa adiante da primeira entrada, que não passa de um buraco estreito e irregular na rocha. A seguinte é pouco melhor do que isso. As demais mostram-se maiores e limpas, mas já estão todas ocupadas. As pessoas amontoam-se nos espaços exíguos em silêncio, homens na sua grande maioria, cercados por animais, feno e capim. São estrebarias que agora acomodam pessoas. José se inquieta ainda mais. Não há possibilidade aparente de privacidade para o nascimento de Jesus, não há lugar nenhum para um abrigo ainda que provisório. 

Avançado o paredão rochoso, José agora se depara com um cinturão de amendoeiras que margeiam o caminho adiante, que se abre, então, para campos e vales ao longe. Bem distante, na encosta suave do outro lado do vale, consegue divisar um pastor empurrando o seu rebanho. Nesse momento, sente os ombros dolorosamente pesados e seu andar vacilante. Seu olhar havia percorrido cada entrada rochosa e cada rosto humano em busca de recepção e de um gesto de boa vontade. E nada. Agora volve o seu olhar para Maria, como que pedindo perdão pela sua incapacidade e incerteza daquele momento. A humanidade inteira geme as suas ânsias pelo olhar desconsolado de José. 

Ao passar pela terceira gruta, Maria sentiu, como uma vibração percorrendo todo o seu corpo, o sopro do Espírito de Deus. Desde o primeiro sinal, recolhera-se, ainda com maior devoção, à oração de dar glórias ao Pai pelo que estava prestes a acontecer. Como serva da Anunciação, era agora a mesma serva como Mãe de Deus. E, nesse momento, pressentira o segundo sinal. A Divina Promessa iria dispensar a Redenção em breve à humanidade pecadora. Ao olhar para José, compreendendo a sua aflição e seu desapontamento, fitou-o com os olhos da perseverança e da fé inquebrantáveis e o brilho deste olhar emanava a própria luz de Deus.

Diante do olhar de Maria, a humanidade de José se detém e suas dúvidas se dissipam. Então, ele avança mais vinte, mais cinquenta metros, contorna as árvores e avista a gruta que emerge da continuação do maciço rochoso à esquerda. É e será sempre a visão do paraíso. Não é exatamente uma gruta, mas uma escavação que avança em profundidade na rocha e é protegida por uma murada frontal de pedras mal alinhadas, trançadas com restos de vigas de madeira, espalhados em desordenada profusão, que fecham de maneira irregular a entrada do lugar, protegendo-o dos ventos e das intempéries. Escondida, erma, isolada, bendita seja a gruta de Belém! 

Ela está suja, úmida, mal cuidada, mas não de todo desconhecida ou abandonada, porque um boi ali se encontra, com bastante feno e água. Há sujeira e palha solta em todos os lugares. Num canto, um arranjo de pedras enegrecidas indica o lugar de costume de se acender o fogo. Aliviado e feliz, José se consome nos arranjos práticos do refúgio improvisado. Ajuda Maria a entrar na gruta e se apressa a alimentá-la e a acomodá-la o melhor possível; dá feno e água ao burrico que é levado para junto do boi, monta um tablado de feno no chão, dispondo cuidadosamente os fardos; com paus e pedras, faz um arremedo de cercado em torno de Maria e o cobre com a sua manta grossa de viagem; empilha num canto os troncos e os pedaços de madeira espalhados; limpa as pedras e o chão com feixes de palhas e, com gravetos e pedaços de madeira seca, acende o fogo. A pequena luz se espalha pela escondida, erma, isolada, bendita gruta de Belém! 


O silêncio da gruta é quebrado apenas pelo crepitar das últimas chamas. O fogo aqueceu o espaço limitado e agora existe mais penumbra do que claridade. O fogo emoldura em repentes luminosos o rosto de José enquanto, pelas aberturas das muradas de pedras, o luar desenha feixes de luzes prateadas que cortam a escuridão que envolve toda a gruta. De repente, Maria põe-se de joelhos em contrita oração. Prostra-se com o rosto no chão e José percebe, apesar de toda a escuridão, o que está para acontecer. Coloca-se também de joelhos, também em fervorosa oração, louvando a Deus por ser testemunha e personagem de mistério tão extraordinário. Em muda expectativa, contempla o perfil de Maria apenas esboçado na escuridão da gruta.

A princípio, supõe ver os feixes de luar convergirem para o rosto de Maria ou auréolas de luz provenientes do fogo a envolverem completamente. Mas sabe que é muito mais que isso: uma luz, de claridade e brilho espantosos, nasce, emana e flui dela, enchendo a gruta de uma tal iridescência, que todas as coisas perdem a forma, o volume e a natureza material. Maria não se transfigura em luz, ela é a própria luz! O rosto de Maria é luz, as vestes de Maria são luz, as mãos de Maria são luz. Mas não é uma luz deste mundo, nem o brilho do cristal mais polido, nem o resplendor do diamante mais lapidado, nem a etérea luminosidade dos átomos em fissão; tudo isso seria uma mera pátina de luz. Maria torna-se um espelho do próprio Deus, da qual emana a luz do Céu!

José se transfigura neste redemoinho de luz sem ser a luz. Seus olhos puderam contemplar o terceiro e definitivo sinal da Natividade de Deus. E trêmulo, mudo, pasmado, contempla o recém-nascido acolhido entre os braços de Maria, recebendo o primeiro carinho e o primeiro beijo da Mãe Imaculada. Pressuroso e em êxtase, prepara a humilde manjedoura, o primeiro altar de Jesus na terra. O Filho do Deus Vivo já habita entre nós!

(Adaptação livre do autor do blog sobre os eventos prévios ao nascimento de Jesus)

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

ORAÇÃO: ADESTE FIDELES

Adeste Fideles é uma canção de Natal muito popular provavelmente do século XVIII. A autoria do hino é bastante incerta e já foi atribuída a São Boaventura (1221 - 1274), a monges cistercienses,  ao rei João IV de Portugal (razão pela qual a canção é também designada como 'Hino Português') e ao músico inglês John Francis Wade (1711-1786). É provável que o hino tenha sido composto por diferentes autores, mediante a incorporação de versos complementares às estrofes originais. Além do hino completo, que é um tanto longo, existem diferentes variantes compostas apenas por estrofes parciais, sendo as mais comuns as versões com as estrofes 1 - 2 - 7 - 8 ou 1- 3 - 5 - 6 (versão que é apresentada no vídeo abaixo com outra tradução em português menos literal).

ADESTE FIDELES

1. Adeste fideles laeti triumphantes; venite, venite in Bethlehem; natum videte Regem Angelorum:
Refrão (R): Venite, adoremus, venite, adoremus, venite, adoremus Dominum.

2. Deum de Deo, Lumen de Lumine, gestant puellae viscera, Deum verum, Genitum non factum - (R).

3. En, grege relicto, humiles ad cunas, vocati pastores approperant; et nos ovanti gradu festinemus- (R).

4. Stella duce, Magi Christum adorantes aurum, tus et myrrham dant munera. Iesu infanti corda praebeamus - (R).

5. Aeterni Parentis splendorem aeternum, velatum sub carne videbimus; Deum infantem pannis involutum - (R).

6. Pro nobis egenum et faeno cubantem, piis foveamus amplexibus. Sic nos amantem quis non redamaret? - (R).
R.

7. Cantet nunc Io chorus Angelorum; cantet nunc aula caelestium, gloria in excelsis Deo - (R).

8. Ergo qui natus die hodierna, Iesu, tibi sit gloria, Patris aeterni Verbum caro factum - (R).


1. Ó vinde todos os fiéis, alegres e triunfantes; ó vinde, vinde até Belém! Nasceu o Rei dos Anjos!
Refrão (R): Ó vinde adoremos! Ó vinde adoremos! Ó vinde adoremos o Senhor!

2. Deus de Deus! Luz da Luz! Fruto do ventre da Virgem; gerado e não criado - (R).

3. Os pastores, chamados diante à humilde manjedoura, deixam os seus rebanhos; apressemo-nos também a este encontro - (R)

4. Guiados pela estrela, os reis magos oferecem presentes: ouro, incenso e mirra; ao Menino Jesus, nossos corações oferecemos - (R).

5. O esplendor imortal do Pai eterno, velado sob a carne, contemplamos; e vemos Deus Infante envolto em panos - (R).

6. Diante o pequeno embalado na manjedoura, vamos envolvê-lo em abraço amoroso. Podemos não amar quem nos ama tanto? - (R).

7. Cantem todos os coros de anjos, cantem todos os cidadãos do Céu; glória a Deus nas alturas! - (R).

8. Àquele nascido nesta manhã bendita; Jesus, a Vós seja dada toda a glória; Palavra eterna do Pai que se fez carne - (R).

(tradução do autor do blog)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

A caridade deu-me o eixo de minha vocação. Compreendi que a Igreja tem um corpo formado de vários membros e neste corpo não pode faltar o membro necessário e o mais nobre: entendi que a Igreja tem um coração e este coração está inflamado de amor. Compreendi que os membros da Igreja são impelidos a agir por um único amor, de forma que, extinto este, os apóstolos não mais anunciariam o Evangelho, os mártires não mais derramariam o sangue. Percebi e reconheci que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo, abraça todos os tempos e lugares, numa palavra, o amor é eterno. Então, delirante de alegria, exclamei: 'Ó Jesus, meu amor, encontrei afinal minha vocação: minha vocação é o amor'. Sim, encontrei o meu lugar na Igreja, tu me deste este lugar, meu Deus. No coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor e, desse modo, serei tudo.

(Santa Teresa de Lisieux)

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

A VIDA OCULTA EM DEUS: CRISTO ENTRA NA ALMA


Por fim, o desejo da alma é realizado e a sua oração é ouvida: Jesus achega-se até ela e entra em seu jardim. Como, meu Deus, adentrai tão suave a alma que vos ama? Ninguém sabe. Ela nem mesmo se apercebe disso. É um segredo de vossa onipotência e de vosso amor. Na verdade, o que importa para a alma não é o 'como' da vossa presença, mas a vossa própria presença, que se torna um fato real. Algo misterioso e profundo, suave e muito doce aconteceu dentro dela. Pressente que Aquele a quem tanto amava e que, até então, estivera recolhido ao mais íntimo do seu coração, começa a abrir caminho suavemente através de sua própria substância e a aflorar à superfície do seu ser. É como se houvesse uma sublimação suave do Bem-amado emergindo do interior da própria alma.

Mas para que a alma interior não possa duvidar da realidade de sua bem-aventurança, Jesus se digna a assegurá-la disso. Ele fala com ela. Às vezes, ele usa a linguagem comum da alma interior, que ouve então claramente uma voz dizendo a si mesma: 'Estou aqui, estou aqui no meu jardim, minha irmã, minha filha, minha amada'. Mas, na maioria das vezes, Jesus fala à alma sem recorrer a palavras, mas com uma linguagem totalmente espiritual. A alma entende que algo lhe é revelado, e que ela compreende. Tudo acontece sob o influxo da pura inteligência: a alma é instruída sem alarde, sem fadiga e sem esforço. Tudo o que tem a fazer é estar preparada para ouvir, e mesmo isso não tem como negar a fazer. A simples obrigação de ouvir essa linguagem divina é doce encanto para ela. Pois a própria alma também é espírito. Por que Deus não poderia comunicar-se diretamente à sua esposa sem ser pelos sentidos, ainda que fossem os sentidos interiores?

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)