domingo, 13 de janeiro de 2019

O BATISMO DO SENHOR

Páginas do Evangelho - Batismo do Senhor


No Evangelho do Batismo do Senhor, encerra-se na liturgia o tempo do Natal. João Batista, nas águas do Jordão, realizava um batismo de penitência, de ação meramente simbólica, pois não imprimia ao batizado o caráter sobrenatural e a graça santificante imposta pelo Batismo Sacramental, instituído posteriormente por Nosso Senhor Jesus Cristo: 'Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo' (Lc 3, 16).

O Batismo de Jesus constitui, ao contrário, um ato litúrgico por excelência, pois o Senhor se manifesta publicamente em sua missão salvífica. Chega ao fim o tempo dos Profetas: o Messias tão anunciado torna-se realidade diante o Precursor nas águas do Jordão. E o batismo de Jesus é um ato de extrema humildade e de misericórdia de Deus: assumindo plenamente a condição humana, Jesus quis ser batizado por João não para se purificar pois o Cordeiro sem mácula alguma não necessitava do batismo, mas para purificar a humanidade pecadora sob a herança dos pecados de Adão. Ao santificar as águas do Jordão e nelas submergir os nossos pecados, Jesus santificou todas as águas do Batismo Sacramental de todos os homens assim batizados.

Ao receber o batismo de João, Jesus rezava: 'E, enquanto rezava...' (Lc 3, 21). E, enquanto Jesus rezava, 'o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Jesus...' (Lc 3, 21-22). O Espírito Santo manifesta-se diante da oração proferida na intimidade com o Pai, sem anelos de vanglória e clamor. Oração humilde, profunda, de absoluta confiança e louvor ao Pai, que induz a primeira manifestação da Santíssima Trindade, ratificada pela pomba e pela voz que vem do Céu: 'Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer' (Lc 3, 22). No batismo do Jordão, manifesta-se em plenitude a divindade de Cristo. 

Eis a síntese da nossa fé cristã, legado de Deus a toda a humanidade, sem distinção de pessoas: 'ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença' (At 10, 35). No Jordão, o céu se abriu para o Espírito Santo descer sobre a terra. No Jordão, igualmente, manifestou-se por inteiro o perdão e a misericórdia de Deus e a graça da salvação humana por meio do batismo. E, com o batismo de Jesus, tem início a vida pública do Messias preanunciado por gerações. Esta liturgia marca, portanto, o início do Tempo Comum, período em que a Igreja acompanha, a cada domingo e a cada semana, as pregações, ensinamentos e milagres de Jesus sobre a terra, o tempo em que o próprio amor de Deus habitou em nós. 

OREMUS! (13)

13 DE JANEIRO

Descendit de Caelis [Desceu dos Céus!]

Infelizmente esta palavra já não chama a nossa atenção. Achamos tão natural que isso tenha acontecido! Um dia, o orgulho do homem quis ocupar o trono de Deus. E esse orgulho absurdo pôs a humanidade a perder. Para salvá-la, Deus deixou o seu trono, e veio ao mundo, ocupar um estábulo... Esta solução redentora não foi apenas uma indireta divina contra o orgulho humano. Mais claramente  Deus não o poderia ter condenado.

Apesar disso, o meu orgulho continua vivo. Sei que Deus desceu dos céus à terra, e não tiro dessa verdade as consequências que devia tirar para a minha vida. Quando me coloco diante do Presépio ou da Cruz, meu orgulho fecha os olhos, para não ver a que ponto eu devo chegar. E depois de transformar o Paraíso num vale de lágrimas, ele vive enchendo a minha vida de queixas,  revoltas e reclamações. Soubesse eu ocupar 'o meu lugar', sempre na humildade, e seria tão feliz! Diante do Presépio e da Cruz é que eu devo meditar bem as palavras do Precursor: Illum oportet crescere, me autem minui [é preciso que Ele cresça e eu diminua]. Então compreenderei que preciso viver como Nosso Senhor viveu: Formam servi accipiens [assumindo a condição de escravo (Fl 2,7)].

(Oremus — Pensamentos para a Meditação de Todos os Dias, do Pe. Isac Lorena, 1963, com complementos de trechos traduzidos do latim pelo autor do blog)

sábado, 12 de janeiro de 2019

SOBRE A SANTÍSSIMA TRINDADE


Amanhã (13 de janeiro) é dia de Santo Hilário de Poitiers, Doutor da Igreja. Sua obra dogmática mais conhecida é De Trinitate (Sobre a Trindade), na qual defende a doutrina do Concílio de Niceia e demonstra que as Sagradas Escrituras testemunham claramente sobre a divindade do Filho.

'Eu e o Pai somos um só' (Jo 10,30)

Como os hereges não podem negar estas palavras, ditas de modo tão absoluto, as corrompem e as falseiam no sentido de sua impiedade, para torná-las condenáveis. Tentam limitá-las a uma simples unanimidade, como se no Pai e no Filho a unidade fosse só de vontade e não de natureza, isto é, como se fossem eles uma só coisa, não pelo que são, mas pelo que querem.

A tal interpretação adaptam, a seu modo, aquele passo dos Atos dos Apóstolos onde se diz: 'a multidão dos crentes era um só coração e uma só alma' (At 4, 32). Almas e corações em número plural podem se unificar pela convergência das vontades a um único objeto. Servem-se também os hereges do que está escrito aos coríntios: 'quem planta e quem rega são um só' (ICr 3,8). Nesses dois trechos haveria unidade moral, porquanto não difere o ministério instituído para a salvação.

Abusam também daquilo que disse o Senhor, quando rogou ao Pai a salvação das nações que creriam em si: 'Não só por estes rogo, mas também pelos que hão de crer em mim mediante a sua palavra, a fim de que todos sejam um, assim como tu, Pai, és em mim e eu em ti; que eles também sejam um em nós (Jo 17, 20). Ora, como os homens não podem dissolver-se em Deus, nem misturar-se num conglomerado indistinto, sua unidade lhes virá só de uma vontade unânime. Quando os homens fazem o que é do agrado de Deus - argumentam - a harmonia dos espíritos os associa. Logo, concluem, não é a natureza, mas a vontade que os unifica.

Ignora a sabedoria quem a Deus ignora. E como a sabedoria é o Cristo, está fora da sabedoria quem ignora o Cristo ou só o conhece através dessa gente que prefere ver no Senhor de majestade, no Rei dos séculos e Deus unigênito, uma simples criatura, em vez do verdadeiro Filho. E se se obstinam são ainda mais estultos na defesa de sua mentira. Deixando de lado por ora a questão da unidade do Pai e do Filho, podemos perfeitamente refutá-las com as mesmas armas que empregam.

De fato, quando se diz que a alma e o coração dos fiéis eram um, pergunto se isso não acontecia pela fé comum. Sim, pela fé é que o coração e a alma dos fiéis eram uma só coisa. Interrogo agora se essa fé é uma ou múltipla. Uma só, certamente, como aliás já o Apóstolo no-la assegura, pregando ser uma a fé, um o Senhor, um o batismo, uma a esperança e um só Deus. Ora, se pela fé, isto é, pela natureza de uma só fé, todos eram um, como não aceitarás física a unidade dos que são um pela natureza da única fé?

Todos, na verdade, tinham renascido para a inocência, a imortalidade, o conhecimento de Deus, a fé e a esperança. E se essas coisas não podem divergir entre si, pois também a esperança é uma só, e Deus é único, único é o Senhor, e único o banho regenerador, quem poderia dizer que elas são unificadas mais pelo acordo de vontade que por própria natureza? E que, igualmente, só pela vontade são unificados os que renasceram para aqueles bens? Se, porém, foram, antes, regenerados para a natureza de uma mesma vida e eternidade (pelo que seu coração e sua alma se faziam um só), não podemos aqui falar de mera unidade moral: muitos são um só na regeneração da mesma natureza.

Não estamos falando de nós mesmos, nem arranjamos algumas citações falsificadas, corrompendo o sentido das palavras para iludir os nossos ouvintes. Mantendo a forma da sã doutrina, só acolhemos e prezamos o que é genuíno. O Apóstolo, em verdade, ensina, ao escrever aos gálatas, que a unidade dos fiéis lhes vem da natureza dos sacramentos: 'todos os que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo; não há mais nem gentio nem grego, servo nem livre, homem nem mulher: todos sois um só em Cristo Jesus' (Gl 3, 27). Se, pois, tantos são um só, apesar da grande diversidade de nações, condições e sexo, quem poderá supor que isso lhes vem do mero consenso moral? Não será, antes, da unidade do sacramento, um só batismo, onde todos se revestiram do único Cristo? 

Que vem aqui fazer a mera concórdia das vontades, quando eles são um só, precisamente porque se revestiram do Cristo único, mediante a realidade do batismo único? Quando diz a Escritura serem um só o que planta e o que rega, não é também porque, renascidos eles mesmos de um só batismo, constituem, por sua vez, um ministério único na administração do banho regenerador? Não fazem, porventura, a mesma coisa? Não são um só, em um só? Ora, os que são um só pela mesma coisa, são assim por natureza, não apenas por vontade. Tornaram-se um, e são, ao mesmo tempo, ministros da mesma coisa e do mesmo poder. Sirvo-me sempre das alegações opostas pelos tolos, para demonstrar sua tolice. E claro: sendo a verdade firme e imutável, tudo o que uma inteligência perversa e insensata arranja para contradizê-la, vindo em sentido oposto, há de aparecer forçosamente falso e estulto.

Procurando enganar-nos os heréticos arianos com o texto que diz: 'eu e o Pai somos um só', aduziram também outra palavra do Senhor, para levar a que se pensasse (em vez da unidade de natureza e da não diversa divindade) numa simples união de mútuo amor e concórdia de vontades. E este o texto: 'para que todos sejam um só; assim como tu, Pai, és em mim e eu em ti, que eles também sejam um em nós'. Exclui-se, evidentemente, das promessas evangélicas quem se exclui da fé das mesmas. O crime da inteligência ímpia faz perder a esperança, que é simples. Ora, não ter o conhecimento daquilo que constitui o objeto da fé, merece não castigo, mas prêmio, pois o maior estipêndio da fé é esperarmos o que não conhecemos. A última loucura da impiedade é, ou não crer nas coisas que conhece, ou corromper o conhecimento do que deve crer.

Mas ainda que a impiedade mude o sentido daquelas palavras, nem por isso perdem o verdadeiro significado. O Senhor roga ao Pai para que os que crerem nele sejam um só e, como ele mesmo está no Pai e o Pai nele, também sejam neles um só. Por que vens agora introduzir a simples concórdia, a unidade de alma e coração, fundada exclusivamente na harmonia das vontades? Seria assim, com plena propriedade da expressão, se o Senhor, ao dirigir-se ao Pai, tivesse usado termos como estes: 'Pai, assim como nós queremos uma só coisa, também eles queiram uma coisa, e sejamos todos um só pela concórdia das vontades...'

Terá acaso a própria Palavra ignorado a significação das palavras? Não saberá a Verdade dizer coisas verdadeiras? Falou com astúcia a Sabedoria? Aquele que é a Força terá sido incapaz de dizer o que queria? Ora, ele falou, enunciando os puros e verdadeiros mistérios da fé evangélica. Nem se limitou a falar para só mostrar, mas ensinou à nossa fé nestas palavras: 'que todos sejam um só; assim como tu, Pai, és um em mim e eu em ti, que eles também sejam um em nós'. O pedido do Cristo é, primeiro, 'para que todos sejam um só'; em seguida, mostra o modelo da unidade a seguir, nestas palavras: 'assim como tu, Pai, és em mim e eu em ti, que eles sejam também um em nós'. Como o Pai está no Filho e o Filho no Pai, assim todos sejam um no Pai e no Filho, segundo o modelo e a forma da sua unidade!

Mas porque só ao Pai e ao Filho compete a unidade por natureza (pois Deus não pode ser de Deus, nem o Unigênito provir do Pai eterno, senão na sua original natureza), assim também, para que se ressalve ao Filho a sua essência de origem e se reconheça à sua divindade a mesma verdade da Fonte de onde ela procede, eis que o Senhor, solícito em dissipar toda dúvida à nossa fé, se apressa a ensinar-nos nas citadas palavras a natureza dessa absoluta unidade. Segue-se, pois: 'a fim de que o mundo creia que tu me enviaste'. O mundo vai crer na missão do Filho, se todos os que crerem nele forem um no Pai e no Filho.

E como serão, logo acrescenta: 'e eu lhes darei a glória que tu me deste'. Pergunto então se glória é o mesmo que 'vontade'. Vontade é inclinação da mente, glória é reflexo ou dignidade da natureza. Logo, o que o Filho deu aos seus fiéis não é vontade, mas glória, aquela que ele recebeu do Pai. Se, com efeito, tivesse dado não glória, mas vontade, já nossa fé não teria prêmio, pois estaria obrigada por uma vontade prefixada e não livre [não se trata aqui de uma argumentação do santo no sentido de se negar que a fé seja um dom de Deus, mas apenas que a fé pressupõe uma vontade livre].

A doação da glória constitui o bem indicado nas palavras que se seguem: 'para que sejam um como nós o somos'. É para que sejam todos um, que a glória por ele recebida do Pai é dada aos crentes. São todos um só na glória concedida, pois não é outra a que ele dá senão a que ele recebe, nem para outro fim é dada senão para que todos sejam um. E, como pela glória dada pelo Filho aos fiéis, todos são um, pergunto como há de ter o Filho uma glória menor do que a do Pai se, aos próprios crentes, a glória do Filho eleva à unidade da glória do Pai. Sem o aspecto da esperança humana, a palavra do Senhor será talvez insólita, mas seguramente não é infiel. Pois, embora fosse temerário esperar isso, seria irreligioso deixar de crer no autor tanto da fé quanto da esperança ali contida.

Bem, trataremos melhor deste assunto a seu tempo. Por ora, basta-nos ver que nossa esperança não é vã ou temerária. Concluindo: todos são um pela glória que o Filho recebe do Pai e confere aos fiéis. Afirmo a fé e ao mesmo tempo fico sabendo a causa da unidade. Só falta compreender melhor a razão por que essa glória dada ao cristão é capaz de fundar tal unidade. Não querendo o Senhor deixar algo incerto, referiu-se a um efeito da sua ação física, quando exclamou: 'para que todos sejam um, como nós somos um só. Eu neles e tu em mim para que sejam perfeitos na unidade' (Jo 17, 22).

Tenho vontade de perguntar agora aos que pretendem existir entre Pai e Filho unidade puramente moral, se hoje o Cristo está em nós na verdade da natureza, ou numa simples concórdia de vontades. Se, com efeito, o Verbo se fez carne e, se na Ceia do Senhor nós tomamos verdadeiramente esse Verbo-carne, como não há de permanecer ele em nós fisicamente? Nascido homem, não assumiu, de modo inseparável, a natureza mesma de nossa carne? E no mistério do seu corpo, dado a nós em comunhão, não o juntou à natureza de sua carne sua divindade eterna? Logo, todos são um só, porque no Cristo está o Pai e em nós o Cristo.

Quem nega que o Pai esteja fisicamente em Cristo, deve primeiro negar que ele mesmo esteja fisicamente em Cristo e o Cristo em si. É porque em Cristo está o Pai, e em nós o Cristo, que nós somos também feitos uma só coisa. Se é verdade que Cristo assumiu a carne de nosso corpo, e que o homem nascido de Maria é Cristo; se é verdade que nós recebemos em mistério a carne de seu corpo (e por isso mesmo seremos um, pois o Pai está nele e ele em nós), como ousam asseverar uma unidade puramente moral, quando pelo sacramento a propriedade natural (da Carne assumida por Cristo e por nós comida) é mistério da perfeita unidade?

Não se deve falar das coisas de Deus segundo o espírito do homem e do século. Nem numa pregação violenta e imprudente. Da pureza das palavras divinas devemos excluir a perversidade de um entendimento ímpio e estranho. Leiamos simplesmente o que está escrito e entendamos o que lermos: é o modo de exercitar a perfeita fé. Tudo que dissermos da realidade física de Cristo em nós, ou foi dele mesmo que aprendemos, ou então é ímpio e estulto o que afirmamos. Mas ele mesmo diz: 'Minha carne é verdadeiramente comida e meu sangue verdadeiramente bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, fica em mim e eu nele' (Jo 6, 56). Quanto à verdade da carne e do sangue, não há lugar para dúvida: é verdadeiramente carne e verdadeiramente sangue, como vemos pela própria declaração do Senhor e por nossa fé em suas palavras. Esta carne, uma vez comida, e este sangue, bebido, fazem que sejamos também nós um em Cristo, e o Cristo em nós. Não é isto verdade? Não o será para os que negam ser Jesus Cristo verdadeiro Deus! Ele está, pois, em nós por sua carne e nós nele, e ao mesmo tempo o que nós somos está com ele em Deus.

Jesus mesmo atesta quão realmente estejamos nele pelo mistério da comunhão de sua carne e sangue, dizendo: 'o mundo já não me vê; vós, porém, me vereis, pois, eu vivo e vós vivereis; pois eu estou no Pai e vós em mim, e eu em vós' (Jo 14, 19). Se tencionou referir-se apenas a uma unidade de vontade, por que estabeleceu esta graduação e ordem na consumação da unidade? Não foi senão para que se cresse que ele está em nós pelo mistério dos sacramentos, como está no Pai pela natureza da sua divindade, e nós nele, por sua natureza corporal. Ensina-se, portanto, que pelo nosso Mediador se consuma a unidade perfeita, pois enquanto nós permanecemos nele, ele permanece no Pai, e, sem deixar de permanecer no Pai, permanece também em nós, e assim nós subimos até à unidade do Pai! Ele está no Pai fisicamente, segundo a origem de sua eterna natividade, e nós estamos nele fisicamente, enquanto também está em nós fisicamente.

Quão real seja esta unidade em nós, atesta-o, dizendo: 'Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele' (Jo 6, 56). Só aquele no qual o Senhor estiver poderá estar nele. Ele somente assume a carne daquele que o receber. Já tinha o Senhor ensinado antes o mistério desta perfeita unidade, ao dizer: 'Assim como me enviou o Pai, que vive, e eu vivo pelo Pai, o que comer a minha carne também viverá por mim' (Jo 6, 57).Ele vive, pois, pelo Pai e do mesmo modo como vive pelo Pai nós vivemos por sua carne.

Toda comparação, realmente, se emprega para determinar a forma que se quer dar a entender. Seu fim é fazer-nos atingir uma realidade segundo o modelo proposto. Esta é, pois, a causa de nossa vida: que, por sua carne, tenhamos o Cristo em nós. Nós somos corporais, mas destinados a viver por ele segundo a mesma condição em que ele vive pelo Pai. Se, portanto, vivemos por ele, fisicamente, segundo a carne, isto é, alcançando a natureza de sua carne mesma, como é que ele não tem fisicamente o Pai, segundo o espírito, se é pelo Pai que ele vive? Vive realmente pelo Pai; sua origem por geração não lhe confere uma natureza diversa, e é pelo Pai que é o que é, nunca se separando por qualquer dessemelhança sobrevinda. Por sua geração tem em si o Pai na força da mesma natureza.

Se quisemos recordar tudo isto foi porque os hereges, afirmando falsamente uma simples unidade moral entre o Pai e o Filho usavam o exemplo de nossa própria unidade com Deus. Para eles, era como se, unidos ao Filho e ao Pai por mero vínculo de obséquio e vontade religiosa, estivéssemos excluídos de qualquer comunhão física pelo sacramento da carne e do sangue. Ora, a verdade é que, pela comunicação da própria honra do Filho e pela existência do próprio Filho em nós por sua carne, e de nós nele, de modo corporal e inseparável, se tem de professar o mistério de uma unidade real e verdadeira.

OREMUS! (12)

12 DE JANEIRO

Mundamini qui fertis vasa Domini [purificai-vos, vós que levais os vasos do Senhor] (Is 52,11)

Seria essa uma das consequências do nosso exame diário de consciência: maior cuidado pela pureza de nossa alma. Se deviam ser puros e inocentes aqueles que apenas tocavam nos vasos do Templo, quanta inocência Deus não estará exigindo daqueles que devem tratar diariamente com o Panis Angelicus [Pão dos Anjos (Sagrada Eucaristia)].

Triste e lamentável seria, se justamente a alma do sacerdote destoasse daquela pureza e dignidade que a Igreja requer em tudo o que está a serviço do culto divino. Deponentes igitur omnem malitiam, et omnem dolum, et simulationes, et invidias, et omnes detractiones. Sicut modo geniti infantes [Deponde, pois, toda malícia, toda astúcia, fingimentos, invejas e toda espécie de maledicência, como crianças recém-nascidas (1Pd 2,1)]. Como seria diferente a minha vida, se diariamente, à noite, eu examinasse, com minha consciência, os pensamentos, palavras e ações do dia!

Não foi sem motivo que a Igreja insistiu comigo, dizendo: Estote ergo talis, ut sacrificiis divinis digne servire valeas [portanto, possas servir ao sacrifício divino de maneira digna; trecho do rito de ordenação constante do Pontifical Romano]. Revendo e estudando a minha vida de todos os dias, irei me convencer de que tudo leva certamente o selo da boa vontade, mas que alguma coisa poderá estar em desacordo com esse digne servire [servir dignamente]. Não irei permitir, então, que certas falhas me acompanhem sempre, como coisa normal, que a minha indiferença não vê, e, por isso mesmo, não condena.

(Oremus — Pensamentos para a Meditação de Todos os Dias, do Pe. Isac Lorena, 1963, com complementos de trechos traduzidos do latim pelo autor do blog)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

COMPÊNDIO DE SÃO JOSÉ (I)


01. Quais são as referências bíblicas que encontramos sobre São José? 

No Novo Testamento as primeiras notícias que possuímos sobre são José nos são dadas pelos evangelistas Mateus e Lucas, os quais procuraram ilustrar com interesse as referências sobre o nascimento, a infância e a adolescência de Jesus. Desta forma eles nos deram esta ficha biográfica de José: 

a) descendente da casa de Davi (Mt 1,16; Lc 1,27);
b) esposo de Maria (Mt 1,18-22);
c) conhecido por todos como pai de Jesus (Mt 1,20; 13,55; Lc 3,23 ; 2,48); também João faz a mesma referência (Jo 6,42);
d) ficou perplexo diante do mistério da Encarnação de Jesus no seio de Maria (Mt 1,19);
e) foi com Maria a Belém para o recenseamento ordenado por César Augusto (Lc 2,41);
f) fugiu para o Egito e voltou depois com Maria e o Menino para Nazaré (Mt 2,14-21);
g) em companhia de Maria, encontrou Jesus que tinha doze anos junto ao templo de Jerusalém e em seguida o Menino desceu com eles para Nazaré, onde lhes era submisso (Lc 2,41-52);
h) tinha a profissão de Carpinteiro (Mt 13,55);
i) era um homem justo (Mt 1,19). 

02. Existem outras referências sobre São José nos Evangelhos? 

Não. São apenas estas, inclusive não é registrada nenhuma palavra sua. Complexivamente são apenas vinte e seis versículos que lhe são dedicados, onde os evangelistas o nomeiam por quatro vezes. 

03. Por que sendo José, depois de Maria, o colaborador de Deus mais importante na história da salvação, é tão silenciado? 

É verdade que São José é um dos maiores santos dos evangelhos, é maior que João Batista que recebeu um elogio de Jesus sobre sua pessoa (Mt 11,11), é maior que Isabel que concebeu milagrosamente o precursor do Salvador (Lc 1,13-17) , é maior que Pedro que recebeu os poderes de Jesus (Mt 16,18) e dos demais apóstolos que foram os colaboradores diretos de Jesus (Mt 10,1-4), é maior que os patriarcas, que os profetas e os reis porque cumpriu uma especialíssima missão. Entretanto, não devemos estranhar esta 'pouca importância descritiva' sobre José, visto que os evangelistas estavam preocupados em narrar a vida de Jesus e seu ministério, ainda mais porque sua santidade falava mais alto do que qualquer palavra. 

04. Como explicar duas genealogias de Jesus? 

O evangelista Mateus, através de sua pena, percorre todo o caminho da ascendência de Jesus até chegar a Jacó (Mt 1,1-16). Ele nos faz ver a sucessão legal, respeitando os direitos messiânicos de Davi até Jesus. Na sua genealogia, Jesus é qualificado como Cristo, ou seja, o Messias. Naturalmente Mateus escreveu para os judeus e isso tinha uma importância particular. Ele defende a descendência davídica de Jesus, o que era indispensável para os hebreus, a fim do reconhecimento como 'aquele que deve vir'. O próprio João Batista perguntou a Jesus: 'és tu aquele que deve vir ou devemos esperar outro?' (Mt 11,3). Por outro lado, Lucas segue outra linha indicando a sucessão natural de Jesus e fez o percurso da genealogia de Jesus chegar a Levi, como pai de José (Lc 3,23). 

Para explicar melhor esta questão é necessário um estudo exegético aprofundado. Em todo caso, para esta questão de uma dupla genealogia os estudiosos propõem duas soluções: 

(i) Com base na Lei do Levirato, expressa no livro do Deuteronômio (Dt 25,5-10), era estabelecido que, se uma mulher ficasse viúva, devia tornar-se esposa do irmão do esposo falecido e o primeiro filho desse casamento era considerado filho legal do primeiro marido e filho natural do segundo marido;
(ii) Supõe-se que Maria era filha única de Levi e José, ao esposá-la, entrou com plenos direitos de filho na família de seu sogro, isto porque diante da lei, neste caso, Levi podia ser considerado pai de José. 

O importante é saber que José deu a Jesus o título messiânico: ele introduziu Jesus ao mundo como descendente de Davi, ou como afirmou São Bernardino de Sena: 'de uma certa maneira, José deu a Deus, na pessoa do Filho, a nobreza temporal'.

05. Podemos ainda conhecer outros dados referentes a São José? 

Claro que além destas referências explícitas podemos afirmar outros dados com base na história ou tradição e com poucas possibilidades de credibilidade também nos dados dos apócrifos, que são textos da mesma época dos escritos bíblicos ou até um pouco posteriores, chegando até aos primeiros séculos de nossa era, mas não são escritos considerados como inspirados, e portanto não foram considerados de uso oficial no ensino da Igreja. É sabido, contudo, que José pertencia à casa e à família de Davi e que herdou a promessa feita a Davi.

('100 Questões sobre a Teologia de São José', do Pe. José Antonio Bertolin, adaptado)

OREMUS! (11)

11 DE JANEIRO

Mihi vivere Christus est [para mim o viver é Cristo] (Fl 1,21)

Por eu ser um Alter Christus [outro Cristo], minha vida precisa refletir continuamente a vida do meu Mestre. E isto não me será possível, sem um profundo conhecimento de Nosso Senhor. Por eu ser o Praedicator veritatis [pregador da Verdade], preciso conhecer a Verdade em sua fonte, assim como ela veio ao mundo. Mas, como irei imitar um Mestre que não conheço? E como irei ensinar e viver a Verdade que não estudo?

A biografia de Nosso Senhor — completa, enquanto possível — está no Evangelho. Aí posso encontrar veluti viva et spirans imago eius [a imagem dEle, viva e palpitante]. Irei vê-lo, para que o possa imitar e ensinar, assim como Ele era realmente. Mas, o Evangelho é talvez o livro que menos leio, e que menos estudo. Acho indispensável a leitura diária dos jornais e revistas. Mas, do Livro por excelência, leio apenas algum trecho, aos domingos, para os fiéis; e, talvez, nem isso. 

Há livros que me interessam muito mais, porque, infelizmente, ainda não descobri que há, no Evangelho, uma riqueza inesgotável, para mim, e para as almas que eu devo alimentar com a Palavra divina. A falta de interesse pelo Evangelho, denuncia sempre, no sacerdote, a falta de interesse no próprio Nosso Senhor.

(Oremus — Pensamentos para a Meditação de Todos os Dias, do Pe. Isac Lorena, 1963, com complementos de trechos traduzidos do latim pelo autor do blog)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019