quarta-feira, 16 de março de 2016

LEITURAS PARA A QUARESMA

LEITURAS PARA A QUARESMA (POSTAGENS PUBLICADAS NO BLOG)
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GLÓRIAS DE MARIA: AS SETE DORES DE NOSSA SENHORA (I)


GLÓRIAS DE MARIA: AS SETE DORES DE NOSSA SENHORA (II)


GLÓRIAS DE MARIA: AS SETE DORES DE NOSSA SENHORA (III)


REFLEXÕES SOBRE AS SETE PALAVRAS DE JESUS NA CRUZ E DAS SETE PALAVRAS DE NOSSA SENHORA NOS EVANGELHOS


O CALVÁRIO E A MISSA


DA AGONIA DO GETSÊMANI


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS É CONDENADO POR PILATOS



MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS LEVA A CRUZ AO CALVÁRIO


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS É PREGADO NA CRUZ


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS NA CRUZ 


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: PALAVRAS DE JESUS NA CRUZ


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS MORRE NA CRUZ 


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS MORTO PENDENTE DA CRUZ


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: MARIA ASSISTE A MORTE DE JESUS NA CRUZ


VIA SACRA: I a IV ESTAÇÕES



VIA SACRA: V a VIII ESTAÇÕES



VIA SACRA: IX a XI ESTAÇÕES



VIA SACRA: XII a XIV ESTAÇÕES

terça-feira, 15 de março de 2016

O FRUTO DA PAIXÃO


'Eu cumpro em mim o que falta à Paixão de Jesus Cristo.' Destas palavras do apóstolo São Paulo, tirarei as considerações da simples instrução que me resta fazer-vos como complemento de tudo que deixei dito sobre a Paixão. Meditamos bastante em várias pregações este adorável Mistério, no qual tantos atributos de Deus se nos revelam: a Sua onipotência, sabedoria, santidade, justiça e bondade.

A sua onipotência – porque vimo-lo na Paixão triunfar do universo pelos meios aparentemente mais vis e fracos. A sua sabedoria – porque vimo-lo conciliar maravilhosamente os direitos da Justiça com os desejos da Misericórdia, punindo o pecado e ao mesmo tempo perdoando ao pecador. A sua santidade – porque vimo-lo punir inexoravelmente o Inocente, só porque se lhe mostrou revestido das aparências do pecado. A sua bondade – porque entregou o seu Filho à morte para nos salvar.

Revelando-se assim os atributos de Deus, o Mistério da Paixão revela também a enormidade do pecado, a sua pena eterna, e o preço da nossa alma. A enormidade do pecado – porque só o mérito infinito de um Deus crucificado pode expiá-lo. A sua pena eterna – porque, sendo infinito o mérito de Jesus Cristo, a sua morte foi um remédio infinito. Ora, um remédio infinito supõe uma desgraça infinita, que Jesus Cristo veio evitar; e não haveria proporção entre o pecado e a sua morte se a pena do pecado não fosse o inferno. O preço da nossa alma – porque para salvá-la não duvidou Deus dar o seu próprio sangue; e quem de pouca valia pode julgar a sua alma vendo-a assim prezada pelo Deus Redentor?!

Mas, se a Paixão nos ensina tudo isto, qual deve ser para nós o fruto da Paixão? Os mistérios que nesta quaresma temos estudado serão cenas teatrais a que viestes assistir; ou fontes de salvação onde viestes beber tantos remédios quantos são os males que em vós tem produzido o pecado? Porventura a Igreja, exibindo aos vossos olhos essas reproduções plásticas da Divina Tragédia da Paixão, tem o intuito de impressionar-vos apenas; e esses quadros que com tanto afã viestes contemplar – a Agonia, a Flagelação, a Coroação de Espinhos, o Caminho do Calvário, a Crucificação – só devem ter o efeito de despertar a vossa sensibilidade e provocar a vossa condolência?! Não. Porque a Igreja, em relação a Paixão, nos ensina duas verdades capitais: 

(i) os mistérios da Paixão não são somente fatos que se consumaram há dezenove séculos; são, como todos os mistérios e obras de Nosso Senhor, fatos permanentes, sempre reproduzidos, como se cada dia eles se realizassem de novo. Jesus Cristo abrange todos os séculos e tempos; o passado, o presente e o futuro: Christus heri et hodie ipse et in secula. Se isto é verdade, máxime em relação à Paixão, pois ela vive sempre no augusto sacrifício da Missa e é sempre eficaz nos Sacramentos que todos tiram a sua virtude do precioso sangue de Jesus Cristo.

(ii) Jesus Cristo, sofrendo por todos os homens, sofreu particularmente por cada um de nós, como se cada um de nós fora o único que tivesse pecado e necessitasse da sua Paixão; de modo que a cada um foi aplicado o sangue de Jesus Cristo tão exclusivamente como se todos os outros não estivessem nas mesmas condições. 

Eis em relação à Paixão as duas verdades capitais sem as quais ninguém pode tirar dela o devido fruto; porque este fruto só provém da aplicação que cada um faz a si próprio dos méritos e satisfações de Jesus Cristo. Eis porque dizia o apóstolo São Paulo: 'eu satisfaço em mim o que falta à Paixão de Jesus Cristo'. Mas, que é que podia faltar à Paixão de Jesus Cristo? Porventura não foi ela completa? Sim, em relação a Jesus Cristo; não, em relação a cada um de nós. É preciso que cada um se aproprie dela, torne-a sua, para que então a Paixão de Jesus Cristo seja completa em relação a cada um de nós.

Era isto o que queria dizer o Apóstolo. Ele, que tinha evangelizado os gentios, confundido os gregos, assombrado o mundo e que, num rapto sublime, fora elevado ao terceiro céu, compreendia, não obstante, que se não poderia se salvar senão completando em si a Paixão de Jesus Cristo. Vós, pelo contrário, entendeis que, concorrendo apenas a estas solenidades da Igreja; contemplando os quadros alegóricos da Paixão; ouvindo as pregações do orador sagrado e acompanhando pelas ruas da cidade os sagrados préstitos, tendes a vossa salvação segura!

Eu lamento, porém, a vossa ilusão, e com fraqueza vo-lo declaro: se a vossa piedade se reduz a isto, de nada vos serviria a Paixão de Jesus Cristo; para vós ela é como que se não existisse. De fato, para muitos ela não existe. Como dizia São Bernardo: 'há homens para quem Jesus Cristo ainda não nasceu, não viveu, não sofreu, não morreu, não ressuscitou e não subiu ao céu'. Quem são eles? Todos os que pensam como vós, isto é, todos os que se limitam a ver as cenas da Paixão como cenas de teatro, ou ouvi-las descrever apenas como episódios patéticos e trágicos.

Todos os mistérios de Nosso Senhor têm duas partes; uma exterior: o corpo do mistério; outra interior: o espírito do mistério. O corpo do mistério são as circunstâncias exteriores no meio das quais ele se realizou. O espírito do mistério é o que se passou no espírito de Nosso Senhor quando Ele o operou, isto é, os pensamentos do seu entendimento, os afetos, os seus desígnios e, mais que tudo, as virtudes que praticou: humildade, pobreza, obediência, caridade.

Ora, o corpo do mistério nem todos podem reproduzi-los; porque só graças extraordinárias podem transformar um homem numa imagem real e aparente de Jesus Cristo. O espírito do mistério, porém, todo o cristão pode e deve, quanto comportarem as suas forças, reproduzi-lo em si, adaptando os diferentes estados de sua vida aos correspondentes mistérios de Jesus Cristo; tendo também, como Ele, o seu Belém, o seu Egito, o seu Nazaré, o seu templo, o seu Batismo, o seu Deserto, a sua Missão, a sua Paixão, o seu Calvário, para que, como Ele também, possa ter a Ressurreição e triunfo no céu.

Esta reprodução de Jesus Cristo, como se deve fazê-la? Imitando-o. É nesta imitação que consiste a nossa garantia de salvação, porque diz o Apóstolo: 'Aqueles que Ele conheceu, Ele predestinou a serem conformes à imagem do seu Filho, primeiro nascido entre muitos irmãos'. Sem essa imitação não há salvação e, quanto mais perfeita for a imitação, mais segura será a salvação. Por isso todo intuito da Igreja, nestas como em outras solenidades, é reproduzir em nós a figura de Jesus Cristo; e, se anualmente nos apresenta representados ao vivo os mistérios de sua Paixão, é para que deles nos apropriemos devidamente.

Todos estes mistérios são meios de santificação que nos devem conduzir a procurar o sangue de Jesus Cristo. Onde o encontramos, esse sangue precioso que único pode nos lavar do pecado? Nos quadros da Paixão que tanto gostais de contemplar? Nas imagens do Crucificado que tanto vos apraz olhar? Nas procissões a que com tanta presteza concorreis? Não! Nos Sacramentos, canais da graça, vasos do precioso sangue de Jesus Cristo, expressões sagradas da vontade de Deus que, assim como na ordem física, não comunica a vida natural senão por meio de determinados instrumentos, de intermediários, de sacramentos sobrenaturais.

Vede: na ordem natural, Deus não opera senão por intercessão de coisas ou de pessoas. Ele poderia nos alimentar diretamente, ou pelo menos dar a nossa própria substância o vigor bastante para subsistirmos. Entretanto, colocou em organismos naturais a vida que se nos comunica; e, se não recorremos à terra, à planta ou ao animal, não poderemos subsistir, não poderemos ter a vida física. Poderia também diretamente curar um doente ou instruir um ignorante; mas não o faz senão por intermediário do médico ou do mestre.

Porque se estranha que Ele proceda do mesmo modo na ordem religiosa? Ele poderia nos dar a graça diretamente e infundir em nós o seu precioso sangue. Não o faz, entretanto, senão por meio dos sacramentos e, se queremos a vida divina, havemos de recorrer aos mananciais que a contêm. Aliás, se na vida divina, como todos os cristãos facilmente aceitam, é preciso um sacramento para nascer, outro para crescer, outro para casar-se: porque não será necessário um sacramento para curar-se do pecado, que outra coisa não é senão a moléstia da alma; e recuperar a graça, que outra coisa não é senão a saúde, a vida divina do cristão?

O doente não se cura sem o remédio. O pecador não se regenera sem a confissão. É neste adorável sacramento que principalmente reside o fruto da Paixão, de cujos méritos não nos podemos apropriar senão recorrendo ao precioso sangue que Ele derrama sobre o pecador arrependido. A confissão humilha, confunde, abate a vaidade, castiga o orgulho, violenta o amor próprio? Mas é por isso justamente que cumprimos em nós a Paixão de Jesus Cristo, que se deixou humilhar, abater, confundir em castigo de nossas vaidades, orgulhos, cobiças e sensualidades. Adimpleo ea quae desunt passionum Christi.

Sem a humilhação da penitência, nenhum cristão pode dizer que cumpre em si a Paixão de Jesus Cristo. Sem a confissão, estas festas poderão ter impressionado os vossos olhos, as pregações deste pobre orador poderão ter agradado aos vossos ouvidos; mas tudo isto não terá convertido os vossos corações e de nenhum proveito vos terá sido a Paixão de Jesus Cristo. O templo encheu-se literalmente para se verem os quadros, ou para se ouvir o orador? As ruas regurgitaram de uma multidão compacta atrás dos emblemas e andores? Nada disto vos aproveita, se esquecestes o caminho do confessionário; se não fostes receber naquela fonte viva do precioso sangue de Jesus Cristo, a água que lava as iniquidades e o vigor que garante a vida eterna.

Este é o fruto da Paixão; e quem não foi colher este fruto na árvore de salvação que Jesus Cristo plantou na sua Igreja, não pode dizer que cumpre em si o que falta à Paixão de Jesus Cristo. Adimpleo ea quae desunt passionum Christi. Que cegueira a daquele que não compreende estas palavras! Que confusão não será a sua na eternidade! Verá, mas muito tarde, que Deus fez tudo por si: revestiu-se de sua carne, nasceu, sofreu, foi coberto de opróbrios, foi crucificado – tudo isto para salvá-lo; e toda esta fonte de vida, a Paixão de Jesus Cristo, não foi para ele senão uma fonte de morte!

Pode haver maior desventura, maior infortúnio, cristãos? Não! Portanto, enquanto é tempo, que cada um se aposse do tesouro infinito do Divino Amor; que cada um se aproprie dos sagrados méritos do seu Redentor; que cada um se habilite para poder dizer junto com o Apóstolo: adimpleo ea quae desunt passionum Christi: 'eu cumpro em mim o que falta à Paixão de Jesus Cristo'.

(Excertos da obra 'A Paixão', pelo Padre Júlio Maria de Lombaerde, 1937)

segunda-feira, 14 de março de 2016

AS QUATRO TÊMPORAS


É lícito e de grande valia a Igreja proclamar a natureza como obra da excelência da divina criação, mais do que tudo porque a natureza representa o reflexo direto da grandeza e da imensa bondade e amor de Deus por nós. Uma outra razão particularmente relevante nesta celebração da natureza pela Igreja está no contraponto de uma abordagem verdadeiramente cristã ao ecologismo panteísta militante e artificial em voga, edulcorado da retórica vazia de coisas como planeta verde e mãe terra.

Tal visão cristã torna-se ainda mais relevante nestes tristes tempos em que a verborragia do paganismo militante alçou a defesa do meio ambiente a uma escala de religião panteísta, cujos principais dogmas são o aquecimento global, o desmatamento e a poluição urbana. Investida de cenários apocalípticos, os ativistas desta seita universal se escalpelam na defesa intransigente da preservação ambiental dos habitats do mico leão dourado ou das tartarugas em nidação. E incensam, com a mesma determinação frenética, o aborto como um direito da mulher e o sacrifício inocente de milhares de fetos indesejados como conquistas sociais. Aqueles que defendem a natureza com tanta veemência são os mesmos que violam os preceitos mais elementares da vida humana.

A visão cristã da natureza como obra do amor e da misericórdia de Deus remonta às próprias origens de Cristianismo, associada à prática de jejuns sazonais. Os cristãos do primeiro século jejuavam regularmente às quartas (dia em que ocorreu a traição de Judas) e sextas (dia da crucificação e morte de Jesus). Este costume foi se consolidando como eventos sazonais, dando origem às Festas das Têmporas ou Quatro Estações, que passaram a incluir também o jejum aos sábados, dia em que o Senhor jazia no sepulcro. 

As Quatro Têmporas, como períodos específicos de jejum e penitência associados em sintonia ao ciclo da natureza e às quatro estações do ano, foram formalmente estabelecidas pelo Papa Gregório VII. Aplicadas ao hemisfério sul, a primavera contempla as Têmporas de Setembro (terceira semana de setembro), o verão relaciona-se às Têmporas de Dezembro (tempo do Advento, terceira semana de dezembro); ao outono corresponde as Têmporas da Quaresma (primeira semana da quaresma) e, finalmente, o inverno compreende as Têmporas de Pentecostes, que ocorrem dentro da Oitava de Pentecostes (primeira semana de pentecostes). Nos jejuns sazonais dos judeus ou nas Têmporas cristãs, manifestava-se o amor incondicional das criaturas pela natureza e suas estações, como louvor à obra do Criador.

Como expressões dos ciclos da natureza, as Têmporas passaram a representar, no âmbito litúrgico, tempos especiais de retiro espiritual e de amor à natureza como obra do Pai, caracterizados por intensos períodos de jejum e de oração. Assim, durante quatro épocas do ano, na mudança das estações, três dias da semana – quarta, sexta e sábado – eram devotados ao jejum e à oração, de modo a agradecer os bens naturais recebidos e evocar as graças e as bênçãos de Deus para a nova estação que então se iniciava. E, em função do antigo costume cristão de se impor o jejum antes das ordenações sagradas, estas consagrações ocorriam comumente durante os sábados das Têmperas, porque os ordenados constituem por excelência as primícias do povo cristão.

E, como as estações da natureza material, as Têmporas produziram sementes e frutos espirituais de grande relevo na história da Igreja. E, como tantas outras colunas de pedra, forjadas no rigor da fé e das tradições da civilização cristã, estas também ruíram em nome da praticidade de se ajustar a Igreja aos tempos e aos modismos dos homens, a ponto de restar atualmente pouquíssimo zelo pela sua prática e reavivamento*.

* um exemplo dessas enormes perdas litúrgicas é a própria campanha da fraternidade  deste ano, inserida num contexto de ordem social em favor das necessidades essenciais do saneamento básico para todos os habitantes da nossa 'aldeia global', decodificada ecumenicamente como 'casa comum'. 

domingo, 13 de março de 2016

JESUS E A MULHER ADÚLTERA

Páginas do Evangelho - Quinto Domingo da Quaresma


Neste Quinto Domingo da Quaresma, o Evangelho ratifica, mais uma vez, o testamento da misericórdia infinita de Deus. Deus, sendo Amor e Misericórdia infinitos, quer a salvação do homem e espera, com imensos tesouros da graça e paciência, a volta do filho pródigo ou a conversão da mulher adúltera, a floração da figueira ainda estéril, o encontro da dracma perdida ou o reencontro com a ovelha desgarrada.

Jesus está no templo, depois de uma noite de orações no Monte das Oliveiras, pregando sabedoria e misericórdia ao povo reunido à sua volta. E eis que, de repente, é interrompido pela entrada súbita de um bando de fariseus que trazem consigo uma mulher apanhada em adultério. Os fariseus interrogam Jesus, então, com malícia diabólica: 'Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou apedrejar tais mulheres. Que dizes tu?' (Jo 8, 4-5). O dilema impetrado pela iniquidade era sórdido:  Jesus, condenando a pecadora à morte, violaria a lei romana ou salvando-lhe a vida, desconsideraria a Lei de Moisés. Qualquer que fosse a sua decisão, manifestada publicamente no Templo, Jesus estaria exposto às violações e sanções das leis romanas ou às do Sinédrio.

Diante da investida maliciosa, 'Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão' (Jo 8, 6). Trata-se da única referência a Jesus escrevendo nas Escrituras. O que teria Jesus escrito no chão? Palavras ou uma frase inteira? Os nomes ou a relação dos pecados dos homens à sua volta? Com o dedo no chão...seria o piso de uma das áreas internas do Templo de terra solta ou areia? Num piso de pedra, como entender a escrita do dedo de Jesus? Perguntas sem respostas ecoando pelos tempos. Mas, certamente, foi algo que lhes dissipou o frêmito. Por que diante ainda de questionamentos de outros e ante a resposta contundente de Jesus: 'Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra' (Jo 8, 7), começaram a sair em silêncio, um a um, a começar dos mais velhos. Não ficou nenhum dos acusadores e a mulher adúltera se viu, então, sozinha diante de Jesus. E Jesus manifesta à mulher pecadora a imensa misericórdia de Deus e a graça do perdão: 'Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais' (Jo 8, 11).

Naquele dia, no templo, os fariseus transtornados de orgulho tornaram-se réus de sua própria malícia e suspeição; a mulher, exposta à execração pública pelo pecado cometido, obteve a graça do perdão. Naquele dia, no templo, não sabemos exatamente o que Jesus escreveu no chão, mas foi algo que marcou indelevelmente o tesouro das graças divinas, numa mensagem gravada a ferro e a fogo no coração humano: 'Quero a misericórdia e não o sacrifício...' (Mt 12, 7).

sexta-feira, 11 de março de 2016

O PURGATÓRIO SEGUNDO SANTO AGOSTINHO

Senhor, não me interpeles na tua indignação. Não me encontres entre aqueles a quem haverás de dizer: 'ide para o fogo eterno que está preparado para o diabo e seus anjos'. Nem me corrijas em teu furor, mas purifica-me nesta vida e torna-me tal que já não necessite do fogo corretor, atendendo aos que hão de salvar-se, ainda que, não obstante, como que através do fogo. Por que acontece isto se não é porque edificam aqui sobre o cimento, lenha, palha e feno? Se tivesse edificado sobre o ouro, a prata e as pedras preciosas, estariam livres de ambas as classes de fogo, não apenas daquele eterno, que atormentará os ímpios para sempre, mas também daquele que corrigirá aos que hão de salvar-se através do fogo (Comentário ao Salmo 37,3: BAC 235,654). 

Quando alguém padece algum mal, pela perversidade ou erro de um terceiro, peca, certamente, o homem que, por ignorância ou injustiça, causa um mal a alguém; porém não peca Deus, que por um justo mas oculto desígnio, permite que isto ocorra. Contudo, há penas temporais que alguns padecem apenas nesta vida, outros após a morte, e outros agora e depois. De toda forma, estas penas são sofridas antes daquele severíssimo e definitivo juízo. Mas nem todos os que hão de sofrer penas temporais através da morte cairão nas eternas, que terão lugar após o juízo. Haverá alguns, de fato, a quem se perdoarão no século futuro o que não se lhes foi perdoado no presente; ou seja, que não serão castigados com o suplício eterno do século futuro, como falamos mais acima (A Cidade de Deus 21,13: BAC 172,791-792). 

A maior parte [das pessoas], uma vez conhecida a obrigação da lei, se veem vencidas primeiramente pelos vícios que chegam a dominá-las; tornam-se, assim, transgressoras da lei. Logo buscam refúgio e auxílio na graça, com a qual recuperarão a vitória, mediante uma amarga penitência e uma luta mais vigorosa, submetendo primeiro o espírito a Deus e obtendo depois o domínio sobre a carne. Quem quiser, pois, evitar as penas eternas não deve apenas se batizar; deve ainda se santificar seguindo a Cristo. Assim é como quem passa do diabo para Cristo. Quanto às penas expiatórias, não pense ninguém em sua existência se não será antes do último e terrível juízo (A Cidade de Deus 21, 16: BAC 172,798). 

Não se pode negar que as almas dos falecidos são aliviadas pela piedade dos parentes vivos, quando oferecem por elas o sacrifício do Mediador ou quando praticam esmolas na Igreja. Porém, estas coisas aproveitam aquelas [almas] que, quando viviam, mereceram que se lhes pudessem aproveitar depois. Pois há um certo modo de viver, nem tão bom que aproveite destas coisas depois da morte, nem tão mal que não lhes aproveitem; há tal grau no bem que o que possui não aproveita de menos; ao contrário, há tal [grau] no mal que não pode ser ajudado por elas quando passar desta vida. Portanto, aqui o homem adquire todo o mérito com que pode ser aliviado ou oprimido após a morte. Ninguém espere merecer diante de Deus, quando tiver falecido, o que durante a vida desprezou (Das Oito Questões de Dulcício 2, 4: BAC 551,389). 

Lemos nos livros dos Macabeus que foi oferecido um sacrifício pelos falecidos. E apesar de não podermos ler isto em nenhum outro lugar do Antigo Testamento, não é pequena a autoridade da Igreja universal que reflete este costume, quando nas orações que o sacerdote oferece ao Senhor, nosso Deus, sobre o altar encontra seu momento especial na comemoração dos falecidos (Do Cuidado devido aos Mortos 1,3: BAC 551,439). 

Na pátria (Céu), não haverá lugar para a oração, mas apenas para o louvor. Por que não para a oração? Porque nada faltará. O que aqui é objeto de fé, ali será objeto de visão. O que aqui se espera, ali se possuirá. O que aqui se pede, ali se recebe. Contudo, nesta vida existe uma certa perfeição alcançada pelos santos mártires. A isto se deve o uso eclesiástico, conhecido pelos fiéis, de se mencionar os nomes dos mártires diante do altar de Deus; não para orar por eles, mas pelos demais falecidos de que se faz menção. Seria uma injúria rogar por um mártir, a cujas orações devemos nos encomendar. Ele lutou contra o pecado até derramar seu sangue. Aos outros, imperfeitos todavia, mas sem dúvida parcialmente justificados, diz o Apóstolo na Epístola aos Hebreus: 'Todavia não resististes até tombar em vossa luta contra o pecado' (Sermão 159,1: BAC 443,498).

quinta-feira, 10 de março de 2016

ORAÇÃO A NOSSA SENHORA (SÃO BERNARDO)


Doce Virgem Maria, minha augusta soberana, minha amável senhora, minha tão boa e tão amável Mãe, eu ponho em Vós toda a minha esperança, e sei que não serei confundido.

Doce Virgem Maria, creio tão firmemente que, do alto do Céu, Vós velais dia e noite por mim e pelos que esperam em Vós; estou tão intimamente convencido de que nunca, quando se espera tudo de Vós, algo faltará; que resolvi viver de ora em diante sem nenhuma apreensão, e depor diante de Vós todas as minhas inquietações.

Doce Virgem Maria, Vós me tendes estabelecido na mais inabalável confiança. Oh! Sou mil vezes grato por tão precioso dom! Permanecerei em paz dentro de Vosso coração puríssimo, não cuidarei senão de Vos amar e Vos obedecer, enquanto administrareis Vós mesma, boa Mãe, meus mais caros interesses.

Doce Virgem Maria, que entre os filhos dos homens, uns esperem a felicidade de suas riquezas, outros de seus talentos; outros se apóiem sobre a inocência de suas vidas, o rigor de suas penitências, o fervor de suas orações, o grande número de suas boas obras. De minha parte, minha Mãe, esperarei somente em Vós, depois de Deus, e todo o fundamento de minha esperança será a confiança que tenho em vossas bondades maternais.

Doce Virgem Maria, os maus poderão arrancar-me a reputação e o pouco de bem que eu possua; as doenças poderão tirar de mim as forças e a faculdade exterior de vos servir; poderei perder por mim mesmo vossas boas graças pelo pecado; mas a minha amorosa confiança em vossas maternais bondades, não; jamais, jamais irei perdê-las. Eu conservarei essa inabalável confiança até meu último suspiro. Nenhum dos esforços infernais há de conquistá-la. Eu morrerei repetindo mil vezes vosso nome bendito, fazendo repousar sobre o vosso Coração Imaculado a minha esperança.

E por que estou eu tão firmemente convencido de vossas maternais bondades, se não é porque Vós sois misericórdia, e nada senão misericórdia? Estou certo de que vos invocarei sempre, porque sempre me consolareis; estou certo de que vos servirei sempre, porque sempre me ajudareis; estou certo de que vos amarei sempre, porque Vós sempre haveis de me amar; estou certo de obter sempre tudo de Vós, porque vossa bondade maternal excederá sempre a minha esperança.

Sim; é só de Vós, dulcíssima Virgem, que espero e aguardo o único bem que desejo: a união a Jesus no tempo e na eternidade. Somente de Vós, porque é a Vós que meu Divino Salvador escolheu para declinar sobre mim todos os seus favores e para me conduzir com segurança a Ele. Sois Vós, minha Mãe que, depois de me haver feito compartilhar as humilhações e os sofrimentos de Vosso divino Filho, ireis introduzir-me em suas delícias e em sua glória, para louvá-Lo e bendizê-Lo, ao Vosso lado e convosco, pelos séculos dos séculos. Amém.

quarta-feira, 9 de março de 2016

VERSUS: EVA X MARIA


Eva obedeceu ao demônio e nos legou, assim, o pecado e a morte. Instauradora da desordem e do mal, Eva sucumbiu por orgulho.



Nossa Senhora obedeceu a Deus e, por ela, nos chegou a salvação. Ao restaurar a ordem perdida por Eva, Maria nos legou a vida.