sexta-feira, 26 de julho de 2013

26 DE JULHO - SÃO JOAQUIM E SANTA ANA

Sagrada Família com São Joaquim e Santa Ana (Nicolás Juarez, 1699)


De acordo com a Tradição Católica e documentos apócrifos antigos, os pais de Maria foram São Joaquim e Santa Ana. Ana, em hebraico Hannah, significa 'Graça' e Joaquim equivale a 'Javé prepara ou fortalece'. Ambos os nomes indicam, portanto, a  missão divina de realização das promessas messiânicas, com o nascimento da Mãe do Salvador. Segundo a mesma Tradição, os pais de Maria teriam nascido na Galileia, transferindo-se depois para jerusalém, onde Maria nasceu e onde ambos morreram e foram enterrados.

O culto aos pais de Maria Santíssima é antiquíssimo na Igreja Oriental (como revelados nos escritos de São Gregório de Nissa e Santo Epifânio, em hinos gregos e em homilias dos Santos Padres). Os túmulos de São Joaquim e Santa Ana em Jerusalém foram honrados até o final do Século IX, numa igreja construída no local onde viveram. No Ocidente, o culto de Santa Ana é muito mais recente, com sua festa litúrgica tendo início na Idade Média, sendo formalizada no Missal Romano apenas em 1584, no tempo de Gregório XIII. A devoção a São Joaquim foi ainda mais tardia no Ocidente.

Como pais de Nossa Senhora, São Joaquim e Santa Ana são nossos avós espirituais e o calendário litúrgico instituiu a festa conjunta destes dois santos em 26 de julho, que ficou também conhecida como 'dia dos avós'. Eles são também os santos protetores da Ordem dos Carmelos Descalços (fundada no Século XVI por Santa Teresa de Ávila). No dia dos avós, o blog presenteia os nossos irmãos mais velhos com estas duas orações.

Oração a Santa Ana

Santa Ana, mãe da Santíssima Virgem, pela intercessão da Vossa Filha e do Meu Salvador, dai-me obter a graça que Vos peço, o perdão dos meus pecados, a força para cumprir fielmente os meus deveres de cristão e a perseverança eterna no amor de Jesus e de Maria. Amém.

Oração a São Joaquim

Senhor! Pela intercessão de São Joaquim, pai da Santíssima Virgem, velai pelos Vossos filhos idosos, especialmente... (nomes) que, tendo cumprido na Terra uma vida longa, possa(m) merecer de Vós a Vida Eterna no Céu. Senhor, dai-lhes o conforto de uma idade avançada, saúde do corpo e da alma, a sabedoria de envelhecer e um coração inquieto enquanto não repousar em Vós. Amém.  

quinta-feira, 25 de julho de 2013

VISITA DO PAPA FRANCISCO AO BRASIL - JMJ (2)


HOMILIA DA MISSA CELEBRADA PELO PAPA FRANCISCO NO SANTUÁRIO DE NOSSA SENHORA APARECIDA

24/07/2013

Eminentíssimo Senhor Cardeal, Venerados irmãos no episcopado e no sacerdócio, Queridos irmãos e irmãs!

Quanta alegria me dá vir à casa da Mãe de cada brasileiro, o Santuário de Nossa Senhora Aparecida. No dia seguinte à minha eleição como Bispo de Roma fui visitar a Basílica de Santa Maria Maior, para confiar a Nossa Senhora o meu ministério. Hoje, eu quis vir aqui para suplicar à Maria, nossa Mãe, o bom êxito da Jornada Mundial da Juventude e colocar aos seus pés a vida do povo latino-americano.

Queria dizer-lhes, primeiramente, uma coisa. Neste Santuário, seis anos atrás, quando aqui se realizou a V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, pude dar-me conta pessoalmente de um fato belíssimo: ver como os Bispos – que trabalharam sobre o tema do encontro com Cristo, discipulado e missão – eram animados, acompanhados e, em certo sentido, inspirados pelos milhares de peregrinos que vinham diariamente confiar a sua vida a Nossa Senhora: aquela Conferência foi um grande momento de vida de Igreja. E, de fato, pode-se dizer que o Documento de Aparecida nasceu justamente deste encontro entre os trabalhos dos Pastores e a fé simples dos romeiros, sob a proteção maternal de Maria. A Igreja, quando busca Cristo, bate sempre à casa da Mãe e pede: “Mostrai-nos Jesus”. É de Maria que se aprende o verdadeiro discipulado. E, por isso, a Igreja sai em missão sempre na esteira de Maria.

Assim, de cara à Jornada Mundial da Juventude que me trouxe até o Brasil, também eu venho hoje bater à porta da casa de Maria, que amou e educou Jesus, para que ajude a todos nós, os Pastores do Povo de Deus, aos pais e aos educadores, a transmitir aos nossos jovens os valores que farão deles construtores de um País e de um mundo mais justo, solidário e fraterno. Para tal, gostaria de chamar à atenção para três simples posturas, três simples posturas: Conservar a esperança; deixar-se surpreender por Deus; viver na alegria.

1. Conservar a esperança. A segunda leitura da Missa apresenta uma cena dramática: uma mulher – figura de Maria e da Igreja – sendo perseguida por um Dragão – o diabo - que quer lhe devorar o filho. A cena, porém, não é de morte, mas de vida, porque Deus intervém e coloca o filho a salvo (cfr. Ap12,13a.15-16a). Quantas dificuldades na vida de cada um, no nosso povo, nas nossas comunidades, mas, por maiores que possam parecer, Deus nunca deixa que sejamos submergidos. Frente ao desânimo que poderia aparecer na vida, em quem trabalha na evangelização ou em quem se esforça por viver a fé como pai e mãe de família, quero dizer com força: Tenham sempre no coração esta certeza! Deus caminha a seu lado, nunca lhes deixa desamparados! Nunca percamos a esperança! Nunca deixemos que ela se apague nos nossos corações! O 'dragão', o mal, faz-se presente na nossa história, mas ele não é o mais forte. Deus é o mais forte, e Deus é a nossa esperança! 

É verdade que hoje, mais ou menos todas as pessoas, e também os nossos jovens, experimentam o fascínio de tantos ídolos que se colocam no lugar de Deus e parecem dar esperança: o dinheiro, o poder, o sucesso, o prazer. Frequentemente, uma sensação de solidão e de vazio entra no coração de muitos e conduz à busca de compensações, destes ídolos passageiros. Queridos irmãos e irmãs, sejamos luzeiros de esperança! Tenhamos uma visão positiva sobre a realidade. Encorajemos a generosidade que caracteriza os jovens, acompanhando-lhes no processo de se tornarem protagonistas da construção de um mundo melhor: eles são um motor potente para a Igreja e para a sociedade. Eles não precisam só de coisas, precisam sobretudo que lhes sejam propostos aqueles valores imateriais que são o coração espiritual de um povo, a memória de um povo. Neste Santuário, que faz parte da memória do Brasil, podemos quase que apalpá-los: espiritualidade, generosidade, solidariedade, perseverança, fraternidade, alegria; trata-se de valores que encontram a sua raiz mais profunda na fé cristã.

2. A segunda postura: Deixar-se surpreender por Deus. Quem é homem e mulher de esperança – a grande esperança que a fé nos dá – sabe que, mesmo em meio às dificuldades, Deus atua e nos surpreende. A história deste Santuário serve de exemplo: três pescadores, depois de um dia sem conseguir apanhar peixes, nas águas do Rio Parnaíba, encontram algo inesperado: uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. Quem poderia imaginar que o lugar de uma pesca infrutífera, tornar-se-ia o lugar onde todos os brasileiros podem se sentir filhos de uma mesma Mãe? Deus sempre surpreende, como o vinho novo, no Evangelho que ouvimos. Deus sempre nos reserva o melhor. Mas pede que nos deixemos surpreender pelo seu amor, que acolhamos as suas surpresas. Confiemos em Deus! Longe d’Ele, o vinho da alegria, o vinho da esperança, se esgota. Se nos aproximamos d’Ele, se permanecemos com Ele, aquilo que parece água fria, aquilo que é dificuldade, aquilo que é pecado, se transforma em vinho novo de amizade com Ele.

3. A terceira postura: Viver na alegria. Queridos amigos, se caminhamos na esperança, deixando-nos surpreender pelo vinho novo que Jesus nos oferece, há alegria no nosso coração e não podemos deixar de ser testemunhas dessa alegria. O cristão é alegre, nunca está triste. Deus nos acompanha. Temos uma Mãe que sempre intercede pela vida dos seus filhos, por nós, como a rainha Ester na primeira leitura (cf. Est 5, 3). Jesus nos mostrou que a face de Deus é a de um Pai que nos ama. O pecado e a morte foram derrotados. O cristão não pode ser pessimista! Não pode ter uma cara de quem parece num constante estado de luto. Se estivermos verdadeiramente enamorados de Cristo e sentirmos o quanto Ele nos ama, o nosso coração se “incendiará” de tal alegria que contagiará quem estiver ao nosso lado. Como dizia Bento XVI, aqui neste Santuário: 'O discípulo sabe que sem Cristo não há luz, não há esperança, não há amor, não há futuro' (Discurso inaugural da Conferência de Aparecida [13 de maio de 2007]: Insegnamenti III/1 [2007], 861).

Queridos amigos, viemos bater à porta da casa de Maria. Ela abriu-nos, fez-nos entrar e nos aponta o seu Filho. Agora Ela nos pede: 'Fazei o que Ele vos disser' (Jo 2,5). Sim, Mãe, nos comprometemos a fazer o que Jesus nos disser! E o faremos com esperança, confiantes nas surpresas de Deus e cheios de alegria. Assim seja.

VISITA DO PAPA FRANCISCO AO BRASIL - JMJ (1)










terça-feira, 23 de julho de 2013

JORNADAS MUNDIAIS DA JUVENTUDE

A JMJ - Jornada Mundial da Juventude teve origem no 'Encontro Internacional da Juventude' realizado no Vaticano em 1984, por ocasião do Ano Santo da Redenção, encontro este que foi repetido no ano seguinte. Neste mesmo ano, João Paulo II deu ao encontro um caráter periódico e, desde então, o evento acontece todos os anos, sendo sempre celebrado no Domingo de Ramos, em caráter diocesano. Os chamados eventos internacionais das jornadas são realizados com intervalos de 2 ou 3 anos e o evento atual, ora em andamento no Rio de Janeiro, é a XXVIII JMJ, o décimo segundo evento internacional das Jornadas (a primeira foi de caráter diocesano) e o primeiro que é celebrado pelo atual Papa Francisco.

'Ide e fazei discípulos entre todas as nações!' (Mt 28, 19)


TRATADO DA CASTIDADE (FINAL)

§ VI. DO VOTO DE CASTIDADE

I. Uma alma que consagra a Deus a sua virgindade torna-se uma esposa de Jesus Cristo, e por isso o Apóstolo não hesita em escrever (II Cor 11, 2): 'Eu vos desposei com um Esposo, com Cristo, para vos apresentar a Ele como virgem pura'. Jesus Cristo mesmo se dá como Esposo das virgens, na parábola das dez virgens: 'Saíram ao encontro do Esposo... e entraram com Ele para as núpcias' (Mat 25, 10). O Divino Salvador deixa-se chamar pelos outros fiéis de Mestre, Pastor e Pai; quer, porém, ser chamado de Esposo pelas almas virgens. Esses responsais com o Senhor, se realizam por meio da fé: 'Eu me desposarei contigo pela fé' (Os 2, 20). 

A virtude da virgindade é um fruto especialíssimo dos merecimentos de Jesus Cristo, e por isso se diz, no Apocalipse (14, 4), que as virgens formam o cortejo do Cordeiro. A Santíssima Virgem revelou a uma alma devota que uma esposa de Jesus Cristo deve, acima de todas as virtudes, amar a pureza, porque ela a torna de modo especial semelhante a seu Divino Esposo. São Bernardo diz que todas as almas justas são esposas do Senhor, 'mas de um modo particular vale isso das almas virgens', como nota Santo Antônio de Pádua. Por isso São Fulgêncio chama a Jesus Cristo o Esposo de todas as virgens consagradas a Deus.

Uma moça que quer permanecer no mundo e casar-se, se é prudente, se informa com todo o cuidado a respeito dos que solicitam a sua mão, para conhecer o mais digno e o mais capaz de torná-la feliz aqui na terra. A pessoa religiosa, por sua vez, desposa-se, pelos votos, com Nosso Senhor Jesus Cristo. Procuremos a esposa dos Cânticos, que sabe perfeitamente avaliar as qualidades desse Esposo Divino, e perguntemos-lhe: 'Quem é o vosso amado, ó santa esposa? Quem é aquele que possui todo o vosso coração e vos tornou a mais feliz das mulheres?' Ela responde: 'Meu Amado é branco e vermelho: é branco por Sua pureza, e vermelho pela chama do amor em que se abrasa por Sua esposa; em uma palavra, Ele é tão belo, tão perfeito em todas as virtudes, que não há nem pode haver um outro esposo mais nobre ou mais amoroso que Ele'. 

'Nem quem O iguale em Sua grandeza, nem em Sua beleza, nem em Sua generosidade', diz Santo Euquério. Por isso escreve Santo Inácio de Antioquia: 'Aquelas bem-aventuradas virgens, que se consagraram a Jesus Cristo, podem estar certas de que não encontrarão, nem no céu nem na terra, um esposo tão belo, tão nobre, tão rico, tão amável como Aquele que lhes foi dado, Jesus Cristo'. Santa Clara de Montefalco dizia que prezava tanto sua virgindade, que antes quereria sofrer durante toda a sua vida as penas do inferno, do que perder esse valioso tesouro. Com toda a razão, pois, muitas virgens virtuosas renunciaram a casamentos principescos para permanecerem esposas de Jesus Cristo. Santa Joana, infanta de Portugal, renunciou à mão de Luís XI, rei da França; a Beata Inês de Praga, à do imperador Frederico II; Isabel, filha do rei da Hungria e herdeira do reino, à de Henrique, arquiduque da Áustria, e muitas outras procederam do mesmo modo.

Uma virgem que se consagra ao Senhor, diz Teodoreto, está livre de todo o cuidado inútil. Não tem outra coisa a fazer senão entreter-se contínua e familiarmente com Deus. Isso indica o Apóstolo quando diz que a virgem 'é santa no corpo e na alma' (I Cor 7, 34); santa no corpo pela castidade, santa no espírito por seu comércio íntimo com Deus. 'Se ela não tivesse outra recompensa a esperar, diz Santo Anselmo, só por estar livre dos cuidados seculares e não ter outra obrigação, já deveria ser tida por sumamente feliz'. Do que se vê que as virgens não só receberão uma imensa glória no Céu, mas já serão recompensadas antecipadamente aqui na terra, com uma paz inalterável.

As virgens que se consagram ao amor de Jesus Cristo, ofertando-Lhe o lírio da pureza do coração, tornam-se tão agradáveis a Deus como os Santos Anjos, - certamente um efeito sublime da castidade virginal. Todas as virgens que buscam a perfeição são esposas queridas de Jesus Cristo, porque Lhe consagraram seu corpo e sua alma, e nada mais buscam nesta vida que agradar-Lhe. São João foi o discípulo amado de Jesus, porque guardou a virgindade. Justamente por esse motivo amava-o Jesus mais que aos outros discípulos, como a Igreja o insinua quando diz: 'Foi escolhido como virgem pelo Senhor, e mais amado que todos os outros'.

As virgens são chamadas, na Sagrada Escritura, as primícias de Deus: 'São virgens; esses seguem o Cordeiro aonde quer que Ele vá. Esses foram comprados dentre os homens, para serem as primícias para Deus e para o Cordeiro' (Apoc 14, 4). Mas por que são chamados primícias de Deus? O Cardeal Hugo responde: 'Como os primeiros frutos são mais agradáveis que os outros, assim também as virgens consagradas a Deus agradam mais ao Coração deste e constituem o objeto de seu especial amor'. Diz-se ainda, na Sagrada Escritura, que o Esposo Divino 'se apascenta entre os lírios' (Cânt 2, 16). Esses lírios representam as virgens que conservam sua pureza por amor de Deus. Um expositor nota o seguinte nessa passagem dos Cânticos: 'Enquanto o demônio procura a imundície da impureza, Jesus Cristo se apascenta entre os lírios da castidade'.

O que, porém, deve aumentar consideravelmente a nossos olhos o valor da virgindade, é o louvor extraordinário que lhe tece o Espírito Santo, dizendo: 'Tudo o que se aprecia não é comparável a uma alma continente' (Ecli 26, 20). Isso mesmo nos deu a entender a Santíssima Virgem, quando disse ao Arcanjo que Lhe anunciava a divina maternidade: 'Como se dará isso, se não conheço varão?' (Lc 1, 14). Maria, com essas palavras, mostrou que preferiria renunciar à dignidade de Mãe de Deus, a perder o tesouro de Sua virgindade.

Segundo São Cipriano, a pureza virginal é a rainha de todas as virtudes e o complemento de todos os bens. Santo Efrém escreve que as virgens que guardam a sua pureza por amor de Jesus Cristo, serão favorecidas por Ele em todos os pontos. São Bernardo acrescenta que a virgindade habilita a alma, de um modo todo especial, a ver o Divino Esposo nesta vida pela fé, e na outra pela luz da glória. Imensa é a glória que Jesus Cristo prepara no Céu às Suas esposas que na terra Lhe consagraram sua virgindade. Nosso Senhor mostrou um dia à Sua grande serva Lucrécia Orsini os sublimes tronos que ocuparão aqueles que serviram a Jesus Cristo em pureza virginal. Ao que exclamou ela: 'Oh! Quão agradáveis não são a Jesus e a Maria as virgens!' Os teólogos afirmam que as virgens receberão no Céu uma auréola especial, sendo ornadas com uma luzente coroa de honra e glória, pois se diz na Sagrada Escritura, a respeito das virgens: 'Ninguém podia cantar esse cântico, senão aqueles cento e quarenta e quatro mil que foram comprados na terra'. Explicando essa passagem, diz Santo Agostinho que a glória que Jesus Cristo concede às Virgens não confere aos outros Santos.

II. Grande é a satisfação de Jesus Cristo quando alguém se associa ao número de Suas esposas. Isso declaram aquelas palavras dos Cânticos: 'Vinde, ó filhas de Sião, e vede o rei Salomão com o diadema com o qual o coroou sua mãe no dia de suas núpcias, no dia da alegria de seu coração' (Cânt 3, 11). Isso, porém, vale só daquelas almas que se consagraram sem restrição ao amor do Esposo Divino. Desposando Jesus uma tal alma, quer que todo o Céu se alegre com Ele e entoe hinos de regozijo: 'Alegremo-nos e exultemos e demos-Lhe glória, porque são chegadas as bodas do Cordeiro e Sua esposa está ornada' (Apoc 19, 7). 

Os ornatos com que Jesus quer ver ataviadas Suas esposas são as virtudes, particularmente o amor e a pureza, que são apresentadas nos Cânticos como coroas de prata e de ouro: 'Nós te faremos umas cadeias de ouro listradas de prata' (Cant 1, 10). São estas as vestes pomposas e as jóias com que o Senhor atavia Suas esposas, e das quais fala Santa Inês: 'Ele circundou minha direita e meu pescoço com um colar de pedras preciosas, revestiu-me com um hábito bordado a ouro e ornado com artísticos relevos e deslumbrantes adornos'. Os seculares buscam coisas terrenas, mas as esposas de Jesus Cristo nada mais querem senão Deus; por isso delas se pode afirmar ao pé da letra: 'Esta é a geração dos que buscam a Deus' (Sl 23, 6). 'Ó esposas do Redentor, exclama São Tomás de Villanova, não deveis buscar qual de vós sobrepuja as outras por seu nascimento, seus talentos ou fortuna; examinai, antes, quem é mais agradável ao Esposo Divino, quem vive unida mais intimamente a Ele, quem é mais humilde, pobre e obediente'. 

Ouçamos também o que diz o Espírito Santo: 'Filho, quando entrares ao serviço de Deus... prepara tua alma para a tentação' (Ecli 2, 1), para sofreres com humildade e paciência, pois 'o ouro e a prata se provam no fogo, e os homens que Deus quer receber, na fornalha da humilhação' (Id. v. 5). 'Ninguém pode servir a dois senhores' (Mat 6, 24), a Deus e ao mundo. Quem, portanto, quiser consagrar-se a Deus deve renunciar ao mundo, e quem quiser tornar-se esposa de Jesus Cristo deverá exclamar incessantemente: 'Deus só é todo o meu tesouro e meu único bem'.

São José de Calazans diz que, se não se der a Jesus todo o coração, não se Lhe deu nada. Isso é inteiramente verdade, porque nosso coração já é em si muito pequeno para amar dignamente a um Deus que merece um amor infinito; e esse pequeno coração deveria ainda ser dividido entre Deus e as criaturas? Como poderás, pois, tu, alma cristã, te incomodares com o mundo, depois de te consagrares a Deus? Esquece de tudo o mais e procura guardar o teu coração inteiro para teu Divino Esposo, que escolheste para Lhe dedicares todo o teu amor. 

Eu disse: teu coração inteiro, porque Jesus Cristo quer que Sua esposa seja 'um jardim fechado e uma fonte selada' (Cânt 4, 12); um jardim fechado, pois não deve receber a ninguém mais senão a seu Divino Esposo; uma fonte selada, porque esse Divino Esposo é zeloso e não permite que encontre entrada no coração de sua esposa outro amor que o amor por Ele. Por isso diz-Lhe: 'Quero que me coloques como um selo sobre teu coração e sobre teu braço' (Cant 8, 6), para que a ninguém mais ames senão a Mim, e para que todos os teus atos sejam feitos com a única intenção de Me agradares. O Amado é colocado como um selo sobre o coração e o braço, diz São Gregório, quando a alma mostra por sua vontade (isto é, o coração) e por suas ações (isto é, o braço), quanto ama a seu celeste Esposo.

Quando o amor divino reina numa alma, expulsa toda a afeição que não se refere a Deus, pois 'o amor é forte como a morte' (Id. it.). Como nada há que possa resistir à veemência da morte quando é chegada a sua hora, assim também não há nenhum impedimento e nenhuma dificuldade que não seja superada pelo amor divino, quando ele se apodera de um coração. 'Se um homem der todas as riquezas de sua casa, ele as desprezará como se nada tivesse dado' (Id., v. 7). Um coração que ama a Deus, despreza tudo o que lhe oferece e pode oferecer o mundo; numa palavra, ele despreza tudo o que não é Deus. São Bernardo diz que Deus, como nosso Senhor, exige de nós temor; como Pai, respeito; como Esposo, porém, unicamente amor.

A Venerável Francisca Farnese não conhecia meio mais eficaz para estimular a si e às suas companheiras a tender à perfeição, do que a recordação de que eram esposas de Jesus Cristo. Está fora de dúvida, dizia ela, que cada uma de vós foi escolhida por Deus para se tornar santa, pois que vos concedeu a grande honra de vos fazer Suas esposas. E, de fato, é essa uma graça inapreciável, que exige uma fiel cooperação. Santo Agostinho escreveu a uma virgem consagrada a Deus: 'Tens um Esposo que é mais belo que tudo o que existe no Céu e na terra, e que te deu um penhor seguro de Seu amor escolhendo-te para Sua esposa. Podes concluir disso quão obrigada estás a pagar o Seu amor'. Ó esposa de Jesus Cristo, não te ocupes mais contigo e com o mundo; não pertences mais ao mundo, nem a ti mesma, mas a Deus; e cuida unicamente em viver para esse Esposo que escolheste.

Escolheste a Deus por Esposo, mas primeiramente te escolheu o Senhor para Sua esposa. Quantas almas não deixou Ele no mundo, não lhes concedendo os favores que a ti fez? O Salvador preferiu-te a todas essas almas, não por seres mais digna, mas por te amar mais que às outras. Por isso te diz o Senhor, pela boca do Profeta (Ez 16, 8), que o tempo que te resta de vida é 'um tempo para amar'. Deves ligar-te a Jesus, teu Esposo, com toda a tua confiança e, com todo o teu amor, prender-te a Ele, que te amou desde a eternidade, que te criou por Sua bondade, e te chamou a Seu santo amor por meio de tantas graças especiais. 

Por isso, se o mundo solicitar o teu amor, ó esposa de Jesus Cristo, diz-lhe com Santa Inês: 'Aparta-te de mim, patíbulo da morte. Desejas o meu amor, mas eu não posso amar a mais ninguém do que a meu Deus, que me amou primeiro'. 'Porque és a esposa de um Deus', diz São Jerônimo, 'reveste-te de um santo orgulho'. Os seculares se orgulham de sua união com pessoas nobres e ricas; tu, porém, podes te gloriar de uma sorte muito melhor, porque te tornaste esposa de um Rei Celeste. Dize, pois, cheia de alegria e santo orgulho: 'Achei a quem meu coração ama; prendê-lo-ei com meu amor e não O largarei mais' (Cant 3, 4).

De fato, é uma imensa felicidade para uma virgem quando ela pode gloriar-se e dizer: 'Aquele a quem os Anjos do Céu desejam servir, é meu Esposo. Meu Criador escolheu-me para Sua esposa, e, como Ele é o Rei e o Senhor do mundo, cingiu-me igualmente com uma coroa de rainha'. Deves saber, entretanto, ó esposa do Senhor que lês esses louvores, que não possuis irrevogavelmente essa coroa enquanto permaneceres aqui na terra; poderás perdê-la novamente por tua culpa; para que ninguém ta roube, segura-a fortemente (Apoc 3, 11). Renuncia às criaturas, une-te cada vez mais intimamente a Jesus Cristo pelo amor e pela oração, e suplica-Lhe sem cessar que não permita que te tornes outra vez infiel. Deves dizer-Lhe: 'Ó Jesus, meu divino Esposo, não permitais que me separe de Vós'. E quando as criaturas quiserem apoderar-se de teu coração e daí expulsar Jesus Cristo, dize desassombradamente com o Apóstolo, confiada na assistência divina: 'Quem me separará do amor de Jesus Cristo? Nem a morte, nem a vida, nem criatura alguma será capaz de nos separar do amor de Deus' (Rom 8, 35).

(Excertos da obra 'Escola da Perfeição Cristã', Santo Afonso Maria de Ligório; textos compilados pelo Pe. Saint-Omer, tradução do Pe. José Lopes, Editora Vozes, 1955)

segunda-feira, 22 de julho de 2013

TRATADO DA CASTIDADE (IV)

§ V. DA VIRGINDADE

São Cipriano (De disc. et hab. virg.) denomina a multidão de virgens que se consagram ao amor de seu Divino Esposo, de 'a mais nobre porção da Igreja de Cristo'. Vários outros Santos Padres, como Santo Efrém, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Jerônimo, São Crisóstomo, escreveram livros inteiros em louvor da virgindade. Não é minha intenção expor aqui todos os méritos e vantagens que adquirem as pessoas que consagraram a Deus sua virgindade; disso tratarei extensamente no capítulo IV da III parte, que trata do voto de castidade [apresentado a seguir]. Aqui farei seguir, simplesmente, uma instrução para os que levam uma vida virginal sem terem emitido o voto de castidade.

As almas virgens são extraordinariamente belas aos olhos de Deus: 'Serão como os Anjos de Deus no Céu' (Mat 22, 30). Barônio conta que na morte de uma virgem, chamada Geórgia, uma multidão de pombos adejavam ao redor da casa e, quando seu cadáver foi transportado à igreja, pousaram no teto, exatamente em cima do lugar onde se achava o caixão, e daí não se retiraram até ser sepultada a piedosa virgem (An. 480). Essas pombas certamente eram Anjos, que queriam prestar as últimas honras àquele corpo virginal.

As almas virginais, que renunciaram ao casamento para se dedicarem exclusivamente ao amor de Jesus Cristo, tornam-se esposas do Filho de Deus. Nos Santos Evangelhos, Jesus Cristo é chamado Pai, Mestre, Pastor das almas; referindo-se às virgens, porém, dá-Lhe o nome de Esposo: 'Elas saíram a receber o Esposo e a Esposa' (Mat 25, 1). Por isso, tinha razão Santa Inês, respondendo, segundo Santo Ambrósio, aos que lhe ofereciam a mão do filho do prefeito de Roma: 'Ofereceis-me um esposo? Já encontrei um muito melhor' (De virg., 1. 1). Semelhante resposta deu Santa Domitila, sobrinha do imperador Domiciano, aos que queriam persuadi-la a casar-se com Aureliano: 'Dizei-me: a quem deveria escolher por esposo uma jovem pedida em casamento por um monarca e por um camponês? Para casar-me com Aureliano, teria de renunciar ao Rei do Céu. Ora, isso seria uma loucura inominável, que nunca praticarei'. E, firme nessa resolução, deixou-se queimar viva, para poder permanecer fiel a Jesus Cristo, a Quem consagrara sua virgindade.

Quem poderá imaginar a glória que Deus reserva a Suas castas esposas lá no Céu? Os teólogos são de opinião que no Céu existe uma glória especial reservada às virgens, uma coroa ou alegria particular, de que estão privados os outros Santos. Mas, dir-me-á uma ou outra jovem: 'Ora, casando-me também poderei santificar-me'. Não receberás a resposta da minha boca, mas da de São Paulo, que te dirá também a diferença que existe entre as virgens e as casadas: 'A mulher virgem pensa nas coisas que são do Senhor, para que seja santa no corpo e no espírito. Mas, a que é casada, pensa nas coisas que são do mundo, em como agradar ao marido. Em verdade, digo isso para vosso proveito... para vos exortar ao que vos convém e vos facilita a orar ao Senhor sem embaraço' (I Cor 7, 34).

Deve-se, pois, notar que as casadas, sem dúvida alguma, podem ser santas segundo o espírito, ao passo que as virgens, que amam a Deus, o são de corpo e espírito. Tome-se também em consideração estas palavras: 'O que facilita servir a Deus sem impedimento'. Quantos impedimentos não encontram as casadas na sua tendência à santidade! E esses obstáculos são tanto maiores, quanto mais elevada a sua condição social. Para nos fazermos santos temos de empregar os meios e, antes de tudo, nos consagrar à oração mental, receber amiúde os Santos Sacramentos, e pensar sem interrupção em Deus. Ora, quando uma senhora casada achará tempo para cuidar naquilo que é do Senhor? Ela se ocupará com as coisas deste mundo, diz São Paulo, cuidará em agradar a seu marido, olhará pelas necessidades de sua família, pelo seu sustento e vestes, vigiará a educação de seus filhos, atenderá aos parentes e amigos, pensará continuamente nos seus afazeres; seu coração ficará assim dividido entre seus filhos, seu marido e Deus. 

Como encontrar tempo para se entregar a longas orações mentais, para receber muitas vezes a Comunhão, se nem lhe resta tempo para cuidar de todas as obrigações de sua casa e estado? O marido quer ser atendido, os filhos gritam e choram, querendo mil coisas diversas. Como meditar entre tantos cuidados e perturbações? Muitas mães de família nem mesmo aos domingos podem ir à igreja. É verdade, ela pode conservar a sua boa vontade, mas sempre lhe será custoso cuidar, como convém, do que é do Senhor. Não há dúvida de que pode adquirir grandes merecimentos em razão de tais provações, entregando-se à Vontade de Deus que, em tais condições, não que mais do que um sacrifício perene de resignação e paciência; mas, no meio de tantas distrações e tribulações, é quase impossível, é mesmo heroísmo, praticar a virtude da paciência e conformidade, sem o exercício da oração e a recepção dos Sacramentos... 

Mas, prouvera a Deus que as senhoras casadas nada mais tivessem a deplorar que a falta de tempo necessário para seus exercícios de piedade. A má conduta do marido, os desgostos causados pelos filhos, os negócios da casa, as molestas atenções que se devem à sogra e aos cunhados, as suspeitas, as inquietações de consciência quanto à vida conjugal e educação dos filhos, tudo isso origina um mar de tribulações, no qual passam sua vida entre suspiros e lágrimas. E felizes se conseguirem salvar sua alma e alcançarem de Deus a graça de não deixarem o inferno desta vida para se precipitarem no inferno eterno! Esta é a bela sorte das jovens que se consagram ao mundo... 

Mas, entre tantas mulheres casadas, não haverá uma só que se santifique? Sim, existem também Santas casadas. Porém, quais são estas? As que se santificam pelo martírio, que sofrem tudo por amor de Deus, com uma paciência que nada abala. Mas, quantas se elevarão a tal perfeição? Ah! Muito poucas. E se encontrares uma tal, verás que deplora amargamente ter escolhido o partido do mundo, tendo podido, com tanta facilidade, consagrar-se a Jesus Cristo.

Verdadeiramente felizes são aquelas virgens que se consagram por inteiro e exclusivamente ao seu Divino Salvador. Estas estão livres dos perigos em que se acham as casadas. Seu coração está desembaraçado do apego aos filhos e marido, aos bens transitórios, ao luxo vão ou a outras coisas do mundo. E, quando as mulheres casadas se vêem obrigadas a empregar muitos cuidados e grandes somas com seu traje, para aparecer ao mundo à altura de sua posição e agradar a seu marido, a virgem que se consagrou a Jesus Cristo se contenta com um vestido simples e desataviado, pois, do contrário, daria escândalo. Todos os seus pensamentos e cuidados tendem a agradar a Jesus, a quem dedicou seu corpo, sua alma, seu amor todo.

Assim, possui ela também mais liberdade de espírito para pensar em Deus e mais tempo para se entregar à oração e receber os Sacramentos. Se não te sentes chamada, alma cristã, ao estado conjugal, nem ao religioso, mas desejas fazer-te santa no mundo, como verdadeira esposa de Jesus Cristo, toma a peito os seguintes conselhos: para a santificação, não é suficiente que uma virgem traga ilibada a sua pureza e use o nome de esposa de Jesus Cristo; é preciso também praticar as virtudes de uma esposa de Jesus. No Evangelho é o reino dos Céus comparado a umas virgens. Mas que virgens? Às virgens prudentes e não às loucas. Aquelas foram introduzidas na sala das núpcias; a estas foi a porta fechada e ouviram do Esposo: Não deixais de ser virgens, mas eu não vos reconheço por esposas minhas. As verdadeiras esposas de Jesus seguem o Esposo para onde quer que Ele vá (Apoc 14, 4). Que quer dizer seguir o Esposo? Santo Agostinho explica que é prender-se a Ele (De s. virg., c.7). Depois de Lhe teres sacrificado teu corpo, deves ainda consagrar-Lhe todo o teu coração, de tal forma que só te ocupes em amá-lO. Para isso, deves empregar os meios para pertencer exclusivamente a Ele. 

O primeiro é a oração mental, a que te deves dedicar com todo o zelo. Não julgues que, para isso, é necessário se recolher a um convento ou passar todo o dia na igreja. Não há dúvida que em uma casa de família há barulho e perturbações de pessoas que entram e saem; mas quem tem boa vontade encontra sempre jeito e tempo para fazer suas orações; por exemplo, de manhã, antes de se levantarem as pessoas da casa, ou de noite, depois de já se terem recolhido. Também não se requer que se esteja sempre de joelhos; podem-se recitar as orações durante o trabalho ou caminhando; basta elevar o pensamento a Deus, pensar na Paixão de Cristo ou meditar sobre qualquer outro assunto devoto.

O segundo meio é a recepção assídua dos santos sacramentos da Penitência e Eucaristia. (...) Quanto à Comunhão, não é muita coisa se for recebida só por obediência; deve-se ter desejo delA, e pedi-lA. Esse Divino Pão quer ser desejado e que se tenha fome dEle. A Comunhão é que faz com que as esposas de Jesus permaneçam fiéis a seu Divino Esposo, já que a Ela devem em especial a conservação de sua pureza. Este Divino Sacramento conserva na alma toda espécie de virtudes, sendo, porém, seu efeito principal, conservar ilibado o lírio da virgindade, dando-Lhe o profeta, por isso, o nome de 'nutrimento dos escolhidos e vinho que gera virgens' (Zac 9, 17).

O terceiro meio é o recolhimento e a vigilância. O Divino Esposo compara Sua esposa com um lírio entre os espinhos (Cânt 2, 2). Uma donzela que quer viver na sociedade, entre divertimentos e distrações mundanas, não poderá permanecer fiel a Jesus Cristo. Deve, pelo contrário, estar sempre circundada dos espinhos da abstinência e mortificações, e guardar, em especial no trato com homens, a maior reserva, e rigorosa modéstia dos olhos e palavras e, mesmo, se necessário, mostrar-se austera e descortês. Os espinhos são o que protegem os lírios, isto é, as virgens; sem eles, perder-se-ão em pouco tempo. O Senhor compara a beleza de Sua esposa com a da pomba (Cânt 1, 9). Por quê? Porque a pomba, por instinto natural, evita a companhia dos outros pássaros. Assim, uma virgem é bela aos olhos de Jesus, se leva uma vida retirada e se se esconde, quanto possível, aos olhos do mundo. São Jerônimo diz (Ep. ad Eust.) que o Esposo das almas é cioso. Desgosta-se muito, por isso, de uma virgem que, depois de se haver consagrado ao Seu amor, gosta de mostrar-se e procura agradar aos homens.

Pessoas verdadeiramente virtuosas preferem desfigurar-se a si mesmas a tornar-se objeto de amor criminoso. Se, por desgraça, acontecer tornar-se uma virgem vítima de uma violência qualquer, sem culpa sua, não deve inquietar-se com isso, já que sua pureza não fica alterada. Foi o que Santa Lúcia respondeu ao tirano que a ameaçava de entregá-la ao prostíbulo: 'Se eu for desonrada contra minha vontade, receberei uma coroa dupla'. Com razão se diz: Não o sentimento, mas o consentimento fere a alma. Além disso, podemos ficar convencidos que uma virgem modesta e reservada saberá também fazer-se respeitar.

O quarto meio é a mortificação dos sentidos. Uma virgem que quer conserva-se pura, diz São Basílio, deve ser pura na língua, falando sempre com decoro e, se for necessário tratar com homens, só dizer o indispensável; pura nos ouvidos, evitando ouvir conversas mundanas; pura nos olhos, conservando-os fechados ou, ao menos, baixos, quando na companhia de homens; pura no tato, usando do máximo cuidado quanto aos outros e quanto a si mesma; pura principalmente no espírito, esforçando-se por resistir aos maus pensamentos, recorrendo a Jesus e Maria. Para conseguir isso, é preciso que ela mortifique seu corpo com jejuns e outras penitências. 

Jesus Cristo é um 'Esposo de Sangue' (Ex 4, 26), que desposou nossa alma na Cruz e, por amor dela, derramou até a última gota de Sangue. Por esse motivo, Suas esposas suportam angústias, doenças, dores, maus tratos e injúrias, não só com paciência, mas até com alegria. Assim deve-se entender o texto da Escritura, que diz: 'As Virgens seguem o Cordeiro para onde quer que Ele vá' (Apoc 14, 4). Elas seguem jubilosas e cantando a Jesus, seu Divino Esposo, mesmo no meio dos opróbrios e penas, a exemplo de milhares de virgens que foram ao encontro da morte e das torturas, cheias de alegria.

Finalmente, deves recomendar-te instantemente a Maria, a Rainha das Virgens, se quiseres perseverar no teu estado de virgindade perpétua. Ela é que prepara e conclui a união das almas com Seu Divino Filho; Ela que alcança para essas almas escolhidas a graça da perseverança, pois, sem a Sua assistência, todas tornar-se-iam infiéis. Vós, que ledes estas linhas - dirijo-me àquelas que se sentem chamadas pelo Divino Esposo a renunciar ao Matrimônio - vós, que quereis pertencer a Jesus Cristo, não vos obrigueis desde logo por um voto, nem façais, logo no começo, o voto de castidade perpétua; fazei esse voto quando Deus vo-lo inspirar e o confessor o permitir.

Aconselho-vos, porém, que agradeçais a Jesus Cristo, vos ter chamado a Seu especial amor, e vos ofereçais ao Senhor como coisa que Lhe é consagrada e própria para todo o sempre. E, por isso, dizei-Lhe assim: 'Ó meu Jesus, meu Deus e Salvador, que por mim morrestes, perdoai-me se também eu ouso chamar-vos meu Esposo. Ouso porque vejo que Vos agrada chamar-me a essa honra. Essa graça é tão grande, que não Vo-la posso agradecer suficientemente. Eu merecia estar agora ardendo no inferno, porém, em vez de me castigar, escolheis-me para esposa Vossa. Pois bem, meu Divino Salvador, eu renuncio ao mundo, eu renuncio a tudo por amor de Vós e a Vós me entrego inteira e irrevogavelmente. De hoje em diante sereis meu único bem, meu único amor. Vejo que quereis possuir meu coração inteiro: ei-lo, entrego-o sem restrição. Aceitai meu sacrifício e não me repulseis como eu mereceria. Esquecei-Vos de todas as ofensas que Vos tenho feito até hoje: detesto-as de todo o coração. Ah! Tivesse eu morrido antes de Vos haver ofendido! Perdoai-me em Vosso amor, e concedei-me a graça de Vos permanecer fiel e nunca mais Vos abandonar. Vós, ó meu Esposo, Vos entregastes todo a mim; eis-me aqui, eu também quero entregar-me toda a Vós. Ó Maria, minha Rainha e minha Mãe, prendei meu coração ao Coração de Jesus Cristo; ligai-me tão fortemente a Ele, que nunca mais possa desprender-me de Vosso Divino Filho'.

(Excertos da obra 'Escola da Perfeição Cristã', Santo Afonso Maria de Ligório; textos compilados pelo Pe. Saint-Omer, tradução do Pe. José Lopes, Editora Vozes, 1955)

domingo, 21 de julho de 2013

SÓ UMA COISA É NECESSÁRIA

Páginas do Evangelho - Décimo Sexto Domingo do Tempo Comum

('Cristo com Maria e Marta' de Johann Friedrich Overbeck)

Em meio às suas muitas viagens e peregrinações, em certa ocasião, Jesus parou para descansar na pequena comunidade de Betânia e ali se hospedou numa casa de propriedade de Marta. Marta era irmã de Maria e Lázaro, família religiosa e de posses, pela qual Jesus nutria grande apreço e amizade. Desta feita, aparentemente já se passara algum tempo sem Jesus ter estado com eles, pois, diante de sua chegada, Maria não arredava pé de sua Santa Presença, ouvindo com admiração e profunda alegria as palavras do Mestre.

Tão absorta e tão entretida estava Maria com a chegada do Senhor, que relegara ao completo esquecimento quaisquer outras tarefas ou atribuições, ainda que motivadas pela chegada de visitante de tal honra. Honra maior do que servi-lO ou preparar-Lhe a refeição, era amá-lO, era estar envolvida pela sua presença, era encher o coração de graça e de se deleitar na graça do Senhor. Atitude diversa tivera a sua irmã Marta. Na praticidade e nas exigências das ações humanas, movia-se de esforços concentrados em dar ao Mestre a refeição mais ligeira e mais substanciosa. E, nesse intuito, estava imersa por completo em mil afazeres e preparativos, moldada pelo intento de oferecer uma generosa hospitalidade e propiciar uma acolhida calorosa ao Senhor em sua casa. Santas e gratas intenções do coração humano!

Foi, pois, movida por tais preocupações imediatas, que Marta abordou Jesus, buscando a sua intervenção em induzir Maria a ajudá-la nas tarefas a cumprir: 'Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!' (Lc 10, 40). A hospitalidade e a docilidade da acolhida são afligidas pelas queixas e uma certa admoestação a Jesus no pedido de Marta: 'não importas?';  'manda'... Diante de Deus, Maria se alimenta do Verbo Encarnado; diante de Deus, Marta se apequena nas suas próprias tribulações humanas.

Jesus vai conduzi-las ambas a Si. Com Maria, mediante as palavras e os ensinamentos que o Evangelho não transcreveu. Com Marta, com as palavras que ressoam para todos nós: 'Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária' (Lc 10, 41-42). Todas as ações humanas podem ser belas e santas, desde que comecem no espírito da Santa Presença de Deus. Por Cristo, com Cristo, em Cristo: tudo em Cristo para a glória de Deus! Maria escolheu a melhor parte porque fez a acolhida do Senhor Que Vem primeiro na alma. E esta escolha, ratificada por Jesus, é outra verdade que ressoa para cada um de nós, no agora da vida humana e no depois da eternidade: a melhor parte definitivamente 'não lhe será tirada' (Lc 10, 42).