segunda-feira, 16 de setembro de 2019

DA PRÁTICA DA PACIÊNCIA COMO SACRIFÍCIO PERFEITO

1. A obra da paciência é uma obra perfeita. Pela paciência, oferecemos a Deus um sacrifício perfeito; porque sofrendo as tribulações e contrariedades, nada fazemos de nosso, senão aceitar de suas mãos as cruzes que o Senhor nos envia. Donde diz o Sábio: 'Quem padece com paciência, é melhor do que o varão forte' (Pv 16, 32). Um será forte em promover e sustentar alguma obra pia, mas depois não terá paciência de sofrer as adversidades; melhor seria para ele, se fosse mais valoroso em sofrer tudo com paciência, do que em empreender grandes obras. 

Estamos neste mundo para adquirir merecimentos e, por isso, esta terra não é lugar de repouso, mas de fadigas e de padecimentos, porque os merecimentos não se ganham com descanso, mas com trabalhos; e todo aquele que aqui vive, seja justo, seja pecador, há de sofrer alguma pena. A este falta uma coisa, àquele falta outra; um será nobre mas baldo dos bens da fortuna; outro será rico e nobre, mas lhe faltará a saúde. Em suma, todos, ainda os soberanos tem que sofrer; e até para estes, porque são os maiores desta terra, maiores também são os seus trabalhos. Todo o nosso bem consiste pois em sofrer com paciência as nossas cruzes. 

É por isso que o Espírito Santo nos adverte que não imitemos os brutos, que se iram quando não podem conseguir satisfazer os próprios apetites . Não façais como o cavalo e o mulo destituídos de razão. E para que serve nos inquietarmos nas contrariedades, senão para aumentar os nossos males? O bom e o mau ladrão morreram ambos crucificados com as mesmas penas; mas porque aquele abraçou os sofrimentos com paciência, se salvou; e este porque os padeceu com impaciência e desespero, se condenou. Lá disse Santo Agostinho: 'o mesmo trabalho manda os bons para a glória, porque o aceitam com resignação, e os maus para o inferno, porque o sofrem com impaciência'. 

2. Muitas vezes acontece que aquele que foge da cruz que Deus lhe envia, encontra outra muito maior. Sucede-lhe o que dizia o santo Jó: 'Os que temem a neblina, ficam acabrunhados pela neve (Jó 6,16). Diz aquela religiosa: 'Tirai-me deste emprego e dai-me outro' [o texto foi dirigido originalmente à orientação espiritual de religiosas]. Não se lembra a mísera que vai sofrer muito mais no tal ofício do que no primeiro e com pouco ou nenhum merecimento. Não façais assim. Abraçai o trabalho e a tribulação que Deus vos impõe porque assim alcançareis mais merecimentos e sofrereis menos; ou ao menos sofrereis em paz, sabendo que fazeis a vontade de Deus e não a vossa. 

Fiquemos persuadidos do que diz Santo Agostinho: 'toda a vida do cristão há de ser uma contínua cruz'. Tal deve ser sobretudo a vida das religiosas que querem santificar-se. São Gregório Nazianzeno diz que as almas nobres põem sua riqueza em serem pobres, sua glória em serem desprezadas e seu prazer em se privarem dos prazeres terrenos. Por isso pergunta São João Clímaco: 'Qual é a verdadeira religiosa?' e responde que 'é aquela que se faz uma violência perpétua'. E quando terminará esta violência? Quando terminar a vida. Assim responde São Próspero nestes termos: 'o combate cessa quando está segura a vitória, pela entrada no reino eterno'. 

Além disso, se vos lembrais de ter ofendido a Deus no passado e desejais vos salvar, deveis regozijar-vos de ver que Deus vos faz sofrer nesta terra, segundo o pensamento de São João Crisóstomo: 'o pecado é um abcesso na alma; se o ferro da tribulação não vier tirar o humor corrompido, a alma está perdida. Ai daquele, que depois de ter pecado, não é punido nesta vida'. 

3. Compreendei bem, diz Santo Agostinho que, quando o Senhor vos envia padecimentos nesta vida, procede como o médico: a tribulação que vos manda, não é castigo resultante da vossa condenação, mas remédio para a vossa salvação . Pelo que deveis agradecer a Deus, quando vos castiga, porque é sinal que vos ama e recebe por filha. Deus castiga aqueles que ama, diz São Paulo, fere com a vara a todos os que põe no número de seus filhos. Dai esta advertência de Santo Agostinho: 'estais atribulados? Reconhecei o pai que vos corrige'. 

'Ao contrário', diz o mesmo santo doutor, 'ai de vós, se depois de terdes pecado, Deus vos isenta dos castigos nesta vida! É sinal que vos exclui do número de seus filhos'. Não continueis pois a dizer, quando vos virdes atribuladas, que Deus se esqueceu de vós: dizei antes que esquecestes dos vossos pecados. Todo aquele que ofendeu a Deus, deve fazer-lhe esta oração de São Boaventura: 'correi, Senhor, e feri os vossos servos com as feridas de amor e de salvação, para que não tenhamos de receber os golpes da vossa cólera e da morte eterna'. 

Estejamos bem convencidos, Deus não nos envia as tribulações e as cruzes para nos perder, mas para nos salvar; se nós não nos aproveitamos delas, a culpa é toda nossa. O Senhor disse pelo profeta Ezequiel que os israelitas se tornaram como ferro e chumbo no meio da fornalha. Eis como São Gregório explica estas palavras: 'Eu procurei purificá-los para os converter em ouro pelo fogo da tribulação, mas eles se tornaram de chumbo'. 

Tais são os pecadores que, depois de ter merecido muitas vezes o inferno, se impacientam por se verem flagelados, e se irritam e ousam até pretender acusar a Deus de injustiça e tirania. Destes há alguns que chegam a dizer: 'Senhor, eu não sou o único que vos ofendi, e parece que só de mim vos vingais: sou fraco e não tenho forças para suportar tamanha cruz!' Desgraçado, que quer dizer isto? Afirmais que não fostes o único que ofendeu a Deus? Se outros também o ofenderam, e Deus quer usar de misericórdia com eles, também os punirá nesta vida. Não sabeis que o maior castigo de Deus para o pecador, é não puni-lo nesta terra? 

Considerai as palavras que disse pelo profeta Ezequiel: 'Eu não tenho mais zelo pela tua alma, e por isso descansarei e não me verás irado contra ti, enquanto viveres' (Ez 16,42). Mas diz São Bernardo: 'Deus nunca está tão irado como quando não se irrita contra o pecador e não o castiga'. Daí o santo assim orava: 'Senhor, eu desejo que me trateis como Pai de misericórdia, e por isso vos rogo que me castigueis pelos meus pecados nesta terra e me preserveis das penas eternas'. Vós dizeis: Não tenho forças para suportar tamanha cruz? Mas, se vos faltam as forças, porque não as pedis a Deus? Ele prometeu dar auxílio a todos que o rogarem (Mt 7,7).

(Excertos da obra 'A Verdadeira Esposa de Jesus Cristo', de Santo Afonso Maria de Ligório)