OREMUS1

Oremus — Pensamentos para a Meditação de Todos os Dias

(Pe. Isac Lorena (1963), com correções do texto e de citações e com complementos - entre [ ] - de trechos traduzidos do latim pelo autor do blog)

Obs.: a obra foi destinada originalmente a sacerdotes e seminaristas, mas pode e deve ser objeto de reflexão específica para os católicos em geral, sejam religiosos ou leigos.

20 DE DEZEMBRO

Libera nos a malo [livrai-nos do mal]

O único mal que deve existir para mim é o pecado. O sofrimento, a doença, as dificuldades, tudo pode e deve ser um bem: omnia cooperantur in bonum [todas as coisas concorrem para o bem]. É por isso que, todos os dias, a Igreja me faz ver a sua preocupação: Tua nos hodie salva virtute [salvai-nos hoje pelo vosso poder] — que Deus nos empreste a sua força, ut in hac die ad nullum declinemus peccatum [para que não nos prostremos por pecado algum neste dia].

Tivesse eu tido sempre esse horror ao pecado, vigiando mais a minha natureza, a estas horas não estaria lamentando certas faltas que deixei ao longo deste ano! Diariamente, ofereço o Santo Sacrifício pro innumerabilibus peccatis, et offensionibus, et negligentiis meis [pelos meus inumeráveis pecados, ofensas e negligências]; em minhas mãos a Vítima... diante de mim o Crucifixo, o Tabernáculo, o confessionário, falando-me da malícia do pecado.

Mas... eu não me impressiono, porque ele já se tornou como na minha vida... é coisa de todos os dias... Diariamente, ad primam [primeiro (de tudo)], tenho que pôr mais devoção e mais alma naquelas palavras que devem refletir um sincero desejo meu: semper ad tuam iustitiam faciendam nostra procedant eloquia, dirigantur cogitationes et opera [nossas palavras, pensamentos e obras tendam sempre para o cumprimento da vossa justiça]. Fazer em tudo o que Ele quer, é para mim, viver livre do pecado.

19 DE DEZEMBRO 

In conspectu divinae majestatis [na presença da divina majestade]

Todos os dias, peço a Deus receba o Santo Sacrifício que lhe ofereço: jube haec perferri, per manus sancti Angeli tui [ordeneis que seja levado pelas mãos do vosso santo Anjo]. E a esse Sacrifício acrescento a insignificância da minha vida de todos os dias: Oblationem servitutis nostrae... placatus accipias [a nossa oferta de servos ... seja acolhida com agrado].

Posso dizer que passei este ano sacrificando-me in conspectu divinae majestatis [na presença da divina majestade]? Boa vontade não faltou da minha parte; mas preciso reconhecer que, às vezes, poupei-me um pouco em atenção ao meu comodismo; nem sempre dei à oração o tempo necessário ou às almas o zelo e dedicação que de mim esperavam. Meu sacrifício foi total? Não andei reservando alguma coisa para mim, quando devia entregar tudo a Nosso Senhor?

Nestes dias a minha consciência deverá pensar nisso. Santo Afonso, que tanto fizera para a glória de Deus e a salvação das almas, rezava nos últimos dias de sua vida: 'Meu Deus, dai-me a graça de fazer alguma coisa por Vós!' Seja essa a minha jaculatória e esse o meu desejo de sempre. E no fim da minha vida, será esse o meu consolo também: poder pensar que fiz alguma coisa para Nosso Senhor e, por isso, poder esperar a corona iustitiae [coroa da justiça] que Ele me haverá de dar.

18 DE DEZEMBRO

Convertimini ad me [convertei-vos a mim (Jl 2,12)]

Todos os dias, o exame de consciência me diz que, em minha vida, muita coisa está fora do lugar, muita coisa está ameaçando ruína. Trata-se de uma construção que não poderá melhorar muito, somente com alguns remendos. Precisa de uma reforma.

Nestes últimos dias do ano, preciso tirar um dia para esse trabalho: examinar o estado em que se encontra a minha vida; com vagar e com coragem, preciso olhar bem para certas coisas: vida de oração, espírito de fé, horário, fuga das ocasiões... e pôr o dedo nas chagas, que talvez já se aprofundaram, mais do que eu suspeitava...

Derelinquat impius viam suam, et revertatur ad Dominum, quoniam multus est ad ignoscendum [renuncie o ímpio ao seu comportamento e volte ao Senhor, que perdoa generosamente (Is 55,7)]. Não preciso ter medo de voltar para a casa de meu Pai; Ele sabe perdoar, e perdoar muito: usque septuagies septies [até setenta vezes sete]. Mas, antes de colocar a pedra do seu perdão, Ele quer que eu coloque a pedra do meu arrependimento sobre as faltas que eu deixei atrás, principalmente neste ano: Ne respicias peccata mea [Não olheis os meus pecados]. E de agora em diante: Fac me tuis semper inhaerere mandatis, et a te nunquam separari permittas [fazei que eu cumpra sempre os vossos preceitos e jamais permita que eu me separe de Vós].

17 DE DEZEMBRO 

Accepit ergo Jesus panes [Jesus tomou então os pães (Jo 6,11)]

Naquele dia, eram milhares de pessoas que estavam diante dele, à espera de um milagre. E foi um menino quem lhe forneceu os pães, que Ele multiplicou, para alimentar aquela multidão. Chegando ao fim do ano, eu olho para trás. Posso dizer quantas almas estiveram diante de mim, esperando que eu as alimentasse? Não sei. 

Foi uma multidão que esperava a minha palavra e o meu exemplo. E ninguém voltou de mãos vazias?... Nosso Senhor sabe que eu não posso fazer milagres. Nem está exigindo isso de mim. Mas Ele sabe o quanto já me deu, avisando-me: sine me nihil potestis facere [sem mim nada podeis fazer (Jo 15,5)]. Vendo a multidão que eu devo alimentar, não posso desanimar como os Apóstolos: sed haec quid sunt inter tantos? [o que é isso para tanta gente?].

Nada sou; mas sem mim, Ele não fará o milagre que eu não posso fazer. Tenho que trabalhar com Ele. Prontamente, como aquele menino, preciso colocar nas mãos de Nosso Senhor o meu tempo, minhas forças, minhas qualidades, enfim, minha dedicação. É tudo o que Ele exige de mim; que eu não seja mesquinho, que eu não me poupe. Quanto ao mais, Ele sabe como fazer: ipse enim sciebat quid esset facturus [pois bem sabia o que tinha de fazer].

16 DE DEZEMBRO

Summa annorum nostrorum [o limite dos nossos anos]

Mais um ano que vai chegando ao fim. E os meus dias passaram; já estão longe, não os posso recuperar. Que tristeza amarga para o meu apego à vida! Meu Deus! Qual será o total dos meus anos?... Não sei. 

O teu Salmista é quem me diz: Summa annorum nostrorum sunt septuaginta anni, et, si validi sumus, octoginta [os nossos anos limites são setenta anos e, se somos robustos, oitenta (Sl 68)]. Eu duvido que possa ir tão longe: plures eorum sunt labor et dolor [mais que isso, é trabalho e dor] — os meus anos estão minados pelo trabalho e pelo sofrimento. O que eu sei com certeza é que, todos os dias, a tua mão retira alguma coisa da minha vida, e todos os meses, são trinta dias a menos na minha existência.

Isto significa muito para quem não é senhor dos seus dias e não sabe, por isso, quantos dias ainda poderá viver. Senhor, eu sei que, a qualquer momento, poderás dizer que está completa a soma dos meus anos. Ensina-me a viver, morrendo aos poucos, pelo desapego de tudo. Quero acostumar-me a ver-te, não como um rochedo frio e indiferente em meio a minha viagem, mas como um farol amigo e acolhedor, iluminando aquele dia em que deverei entrar no porto da minha eternidade.

15 DE DEZEMBRO

Secessit seorsum [retirou-se em separado (Lc 9,10)]

Nosso Senhor gostava do recolhimento e do silêncio. Sua vida neste mundo, Ele a passou quase toda retirado em Nazaré, a sós com a sua Mãe. E mesmo durante sua vida pública, muitas vezes procurou afastar-se do povo, e até dos discípulos. 

O seu silêncio não era um comodismo egoísta; era um recolhimento ativo, de quem desejava tratar diretamente com o Pai; era o silêncio de um a sós com Deus. Eu, pelo contrário, tenho medo da solidão. Não aprecio muito ouvir minha consciência; tenho medo de me encontrar com aquele que realmente sou. Prefiro falar, e ouvir a outros, para me distrair de mim mesmo. E fora dessa teia de aranha que são os meus cuidados e ocupações exteriores, não me sinto bem.

Procuro a agitação de uma atividade até exagerada, pensando em tudo, para não me ver. Costumo dizer que tudo é para Deus. Pode ser. Mas ao achar pesado e aborrecido o ficar a sós com Deus, pode ser que essa atividade não seja tanto para Ele, como costumo pensar. Talvez seja mais para mim mesmo... Quanto mais eu me interessar pela vida de Deus em minha alma, tanto mais interesse terei, que viva, também nas almas, aquele que vive em mim.

14 DE DEZEMBRO 

Subito circumfulsit eum lux de caelo [subitamente uma luz vinda do Céu o envolveu (At 9,3)]

Antes da conversão, o Apóstolo sabia ser o que era: spirans minarum et caedis [respirava ameaças e morte], era o perseguidor que odiava a Igreja: blasphemus fui et persecutor [era blasfemo e perseguidor]. Dono de uma vontade férrea e de um orgulho descomedido, tinha que ser dobrado num momento, com força irresistível. 

Por isso a graça não o tocou de leve, nem pouco a pouco. Subito circumfulsit eum lux [subitamente envolto em luz] — ele compreendeu que era inútil perseguir a quem o podia dominar: Ego sum Jesus, quem tu persequeris [Eu sou Jesus, a quem persegues]. Começou a amar a Verdade que odiava e dela se fez o Apóstolo: abundantius illis omnibus laboravi [tenho trabalhado (por esta Verdade) mais do que todos].

Para nós, graças a Deus, o caminho da Verdade esteve sempre aberto, desde a nossa infância. Atrás de nós ficaram anos e anos de formação e, mais do que isso, anos de sacerdócio na casa de Nosso Senhor onde nada nos faltou. A oração, os sacramentos, os retiros, o bom exemplo de outros, a convivência com Nosso Senhor todos os dias em nossas mãos, tamquam occisum... [como que imolado... (Ap 5, 6)] quanta luz ao nosso redor! E que fizemos, até agora, de toda essa riqueza que Deus nos confiou? Que a nossa consciência não nos tenha de acusar: abscondi talentum tuum in terra... [fui esconder o teu talento na terra... (Mt 25,25)]. Nesse caso, ouçamos Nosso Senhor: inutilem servum ejicite in tenebras exteriores [jogai esse servo inútil nas trevas exteriores (Mt 25,30)].

13 DE DEZEMBRO

Cum oratis...
[quando orardes... (Lc 11,2)]

Senhor, bendita seja a tua paciência de Mestre que me ensinou a rezar, com tanta sabedoria e com tanta simplicidade! Eu te agradeço, porque me ensinaste uma oração que eu posso compreender e sentir. Naquele dia eu aprendi que rezar não é nenhuma arte sublime e nenhuma ciência difícil fora do meu alcance. Compreendi que eu também posso falar com meu Deus, porque Ele é meu Pai.

Amo, Senhor, essa oração que me ensinaste. Ela é tão simples e, ao mesmo tempo, tão sublime; tão pequena, e tão grande, porque tem tanta força e tanta vida. Amo esse teu modo de rezar — como uma criança; porque eu também devo rezar com a inocência e simplicidade dos pequeninos. Sim, quero rezar como as crianças que, com uma palavra, fazem um mundo de pedidos. Porque elas são simples, conseguem pôr todo o coração numa única palavra, que mal sabem pronunciar.

Quero rezar como aquele ladrão que, com uma frase, arrebatou o teu perdão e o teu Reino. Quero rezar como aquele pecador, à entrada do templo; eu também sou um pecador e a minha miséria é muito grande, para que eu a possa disfarçar com palavras bonitas. Quero estar em tua presença, como uma criança simples e inocente, para falar com meu Pai que está nos Céus.

12 DE DEZEMBRO

Quem vos nescitis
[quem vós não conheceis (Jo 1, 26)]

Aquela pobre gente não podia mesmo conhecer o Messias, que ainda não se havia dado a conhecer. Infelizmente a palavra do Precursor continua valendo para nós. Medius vestrum stetit [Está no meio de vós] — Ele está em toda a nossa vida; e podemos dizer que, até agora, Ele tem sido uma realidade para nós?

Ele está na meditação que tantas vezes dispensamos. Ele está na Santa Missa que nem sempre celebramos com a necessária piedade. Ele está na leitura e no exame de consciência que descuidamos com tanta facilidade. Ele está nos doentes do corpo e da alma, para os quais, nem sempre damos a caridade do Bom Samaritano. Ele está no trabalho que nos preocupa continuamente.

Ele está em nós mesmos, e nós não nos lembramos disso porque, se nos lembrássemos, seria muito diferente o nosso modo de pensar, de falar e agir: In hac vita continue deberemus frui Deo tamquam re plenissime propria [nesta vida devemos desfrutar de Deus continuamente como nosso bem próprio maior (Santo Tomás)]. Se Ele está em nós, em toda a nossa vida, é preciso que a nossa vida esteja nele: Per Ipsum, et cum Ipso [Por Ele e com Ele]. Do contrário, a nossa vida estará fora da sua base, ameaçada de fracasso: Fundamentum aliud nemo potest ponere [Ninguém pode pôr outro como fundamento (I Cor 3,11)].

11 DE DEZEMBRO 


Ut sanctum Evangelium tuum digne nuntiare [que eu anuncie dignamente o vosso Santo Evangelho].

Ensinar a doutrina do Evangelho — este é um dos encargos da minha vocação. Pregar como simples orador não é certamente o que a Igreja espera de mim. Tenho que ensinar, e ensinar como um Mestre. A pregação que não ensina pode agradar, pode arrebatar aplausos; mas não deixa de ser uma pregação inútil. Foi de ensinar que Nosso Senhor me falou: Ite, docete! [Ide, ensinai!].

Para ensinar o Evangelho como um Mestre, não basta que eu leia simplesmente o Evangelho. Ele não é, para mim, um simples livro de leitura; é o Livro; e contém a Doutrina que eu devo meditar e viver, antes de querer ensiná-la. E como irei viver a vida de Cristo se não a conheço? Ignoratio Scripturarum ignoratio Christi est [a ignorância das Escrituras é a ignorância de Cristo (São Jerônimo)].

Vivendo o Evangelho é que poderei ensinar Nosso Senhor às almas, não somente pela palavra mas, principalmente, pelo exemplo: veluti viva et spirans imago eius [nelas (nas Escrituras) se vê viva e palpitante sua imagem (de Cristo) (Leão XIII)]. Ut digne et competenter anuntiem Evangelium tuum  [Para que possa anunciar digna e devidamente o vosso Evangelho] — isto supõe esforço; por menos não poderei penetrar e nem viver o Evangelho: quare tu enarras praecepta mea, et habes in ore tuo foedus meum? Tu, qui odisti disciplinam, et projecisti verba mea post te? [Por que falais dos meus preceitos e tendes o meu testamento em vossa boca? Vós, que odiais a disciplina e rejeitastes as minhas palavras? (Sl 49)].

10 DE DEZEMBRO 


Aufer a nobis iniquitates nostras! [afastai de nós as nossas iniquidades!]

Com o meu arrependimento, o perdão divino possa purificar-me de todas as minhas culpas, ut ad Sancta Sanctorum puris mereamur mentibus introire [para que mereçamos entrar com a alma purificada no Santuário]. Quanta inocência e quanta pureza de vida a Igreja não exige de mim, para que eu me possa colocar dignamente entre Deus e os homens! Esto ergo talis, ut sacrificiis divinis digne servire valeas [Sejas assim, portanto, para que possas servir dignamente o sacrifício divino].

Reconhecendo que minha vida não está correspondendo à minha dignidade, eu tenho que rezar e repetir com a Igreja: Kyrie, eleison, Christe eleison! [Senhor, tende piedade; Cristo, tende piedade!]. Não é para menos — peccavi nimis [pequei muitas vezes].  Quaesivi de eis virum [Tenho procurado dentre eles (os pecadores) um homem de Deus] — Deus pôs as suas esperanças em mim, quando me procurou, para ser um traço de união entre o céu e a terra.

E poderei dizer que sempre correspondi a essa confiança que em mim Ele depositou? In amaritudine animae [Com amargura na alma (Is 38,15)], preciso reconhecer que, muitas vezes, eu não estive em condições de aplacar a sua Justiça, mas, sim, de provocá-la com a minha vida pouco fervorosa. Qui abominaris idola sacrilegium facis [(tu) que abominas os ídolos, cometes sacrilégio? (Rm 2,22)]. Preciso pôr a minha vida no seu lugar. E o lugar da minha vida é o altar do sacrifício, na presença de Deus.

09 DE DEZEMBRO


Introibo ad altare Dei [Irei até ao altar de Deus].

Não fosse a infinita misericórdia de Deus e isso nunca teria acontecido. No entanto, Ele me escolheu; quis precisar de mim. E um dia, pela primeira vez, eu disse, aos pés do altar: Introibo!... [Subirei!]. Com que fervor e com que emoção não pisei aquele primeiro degrau!...

Depois desse dia, muitas vezes já tenho feito o mesmo, colocando-me entre a Justiça eterna e as culpas do mundo. Mas... com que preparação? Com que consciência? Toda a minha vida sacerdotal é um altar. E, sobre ele, em contínua imolação, deve estar uma vítima, que sou eu mesmo. Confiteor Deo omnipotenti [Confesso a Deus todo-poderoso] — reconheço que não tenho colocado a minha Missa como centro de minha vida: eu não vivo como uma vítima, em contínua imolação, para glória de Deus.

Reconheço que, em vez de fazer o espírito do Santo Sacrifício penetrar a minha vida, permiti que a dissipação de minha vida profanasse até a minha Missa. Mea culpa... [Por minha culpa...]. Apesar de tudo, a Igreja continua a me mostrar a misericórdia infinita de Nosso Senhor. Ela não me nega o seu estímulo e o seu perdão: Misereatur tui omnipotens Deus... et demissis peccatis tuis, perducat te in vitam aeternam... [Compadeça de vós o Deus onipotente... vos perdoe os pecados e vos conduza à vida eterna...].

08 DE DEZEMBRO

Serpentis caput virgineo pede contrivit [o pé virginal esmagou a cabeça da serpente]

Compreendemos o ódio que o demônio tem a Nossa Senhora. Ele é a contínua revolta contra Deus; seu elemento é o pecado: Non serviam [Não servirei] — e, nesta revolta, ele viverá eternamente. Fora do pecado, ele sente-se mal... não pode viver.

Nossa Senhora é a contínua expressão da vitória de Deus que, para salvar as almas, usou de uma simples criatura sua: Virgo Dei Genitrix, quem totus non capit orbis, in tua se clausit viscera, factus homo [Virgem, Mãe de Deus, aquele que o mundo todo não pode conter, encerrou-se em vosso ventre para fazer-se homem]. Ela é a inocência imaculada, a permanente ausência do pecado. E por isso, perto dela, não há ambiente para o demônio.

Imaculada, porque destinada a ser Mãe de Deus. Tinha que viver ao lado da perfeita e infinita inocência, tinha que dar Nosso Senhor ao mundo. E nós... temos que dar a Nosso Senhor sua vida eucarística; temos que tratar com Ele, temos que manter a sua vida nas almas, contra todos os esforços do demônio. A inocência e a pureza de vida serão a nossa melhor arma de apostolado. Quanto menos faltas em nossa vida, tanto menos coragem terá o demônio para se aproximar de nós. Ele sabe que a ausência do pecado não é ambiente onde ele possa viver: Erat autem grex porcorum... et rogabant eum ut permitteret eis in illos ingredi... [era uma manada de porcos... e rogavam (os demônios) que os permitissem entrar neles... (Mt 8, 30-31)]. A inocência e a pureza são o ambiente de Deus.

07 DE DEZEMBRO

Quatriduanus est enim
[porque há quatro dias está aí (Jo 11,39)]


Senhor, eu compreendo a delicadeza de Marta, não querendo que abrissem aquele sepulcro. Jam foetet [já cheira mal] — aquele cadáver, com vários dias de sepultura, não era mais alguma coisa para se ver e suportar.

O que eu não compreendo é tua delicadeza, suportando este cadáver que sou, encerrado na indiferença e tibieza, há quantos anos! O que eu não compreendo é a paciência infinita com que esperas o dia em que eu deseje a tua vida, para que me possas ressuscitar. Quanto tempo o teu amor não ficou à espera daquele filósofo de Hipona, que Santo Ambrósio converteu! Realmente, a tua paciência não tem limites.

As resoluções que tomei nos primeiros anos de sacerdócio... os propósitos que fiz ao iniciar este ano... já ficaram tão longe! Deles talvez não reste sequer uma lembrança. Mesmo assim a tua paciência continua a me esperar. Senhor, preciso compreender que minha vida não pode continuar nessa morte. De profundis clamavi ad te, Domine [das profundezas, clamo a vós, Senhor (Sl 129,1)] — sempre, especialmente nestes dias, quero rezar com tua Igreja: Festina, ne tardaveris! Sim, veni Domine Jesu! [Apressai-vos, não tardeis; sim, vem Senhor Jesus!].

06 DE DEZEMBRO 

Diligite inimicos vestros [amai vossos inimigos (Mt 5,44)]

Aí está um mandamento difícil para o nosso orgulho: amar os nossos inimigos; querer bem aos que nos querem mal; rezar pelos que nos perseguem e caluniam. No entanto, sem esse zelo cheio de caridade e mansidão, o sacerdote não poderá ganhar para Nosso Senhor aqueles que vivem in umbra mortis [na sombra da morte].

Por motivos naturais é que os do mundo procuram a delicadeza no trato e as maneiras finas que o bom tom exige. O mesmo terá que fazer o sacerdote, embora por motivos sobrenaturais. São Paulo não era homem que primasse pela mansidão; pelo contrário, muitas vezes deixou aparecer seu gênio forte e arrebatado. No entanto, deixou a Timóteo uma regra de apostolado que não podemos ignorar: seniorem me increpaveris, sed obsecra ut patrem; iuvenes ut frates iuvenculas ut sorores, in omni castitate [ao ancião não repreendas com aspereza, mas adverte-o como a um pai; aos moços como aos irmãos, às jovens como às irmãs, com toda a pureza (1Tm 5,1)].

Os grandes apóstolos não primaram pela rispidez, mas pela paciência e compreensão. É certo que, muitas vezes, o sacerdote terá que ser enérgico e até intransigente. Ele não pode trair a sua missão. No entanto, que a sua energia não seja dura ou precipitada, mas prudente; e que a sua intransigência não seja ríspida, mas maneirosa: sempre in aedificationem [para edificar].

05 DE DEZEMBRO

Ad nullum declinemus peccatum [que não nos prostremos pelo pecado].

O programa que a Igreja nos dá para um dia é o programa que ela deseja ver realizado em todos os nossos dias. Laetus dies hic transeat* [alegre passe este dia]: somos filhos de Deus, vivemos e trabalhamos para Ele; sua Providência nos acompanha e a caridade é o laço que nos une a todos, sob a vista solícita do Pai que está nos céus. 

A única tristeza, a do pecado, não é o desespero, mas o arrependimento cheio de confiança e amor. Pudor sit ut diluculum* [tão puro quanto o arrebol]: o amanhecer é todo um hino ao Criador, em notas de maravilhosa grandeza, mas também de admirável discrição e misteriosa naturalidade. O nosso dia, feito de trabalhos e cuidados, deverá ser um hino de adoração, agradecimento e reparação.

Fides velut meridies* [a fé como luz do meio dia]: o meio dia é a plenitude do sol e do calor. Durante o nosso dia, a fé deverá ser o calor ardente e penetrante, pondo a vida sobrenatural em tudo. Crepusculum mens nesciat* [não deixe o espírito conhecer as sombras]: um dia cheio de fé e confiança em Deus não conhecerá certamente o entardecer de um abatimento ou o crepúsculo da indiferença ou tibieza. Mesmo que as nossas forças se recolham para o indispensável repouso, na casa de nossa vida estará sempre acesa a lâmpada de nosso amor a Deus e às almas.

* versos do hino 'Splendor Paternae Gloriae', de Santo Ambrósio.

04 DE DEZEMBRO

Sub peccati iugo deprimimur [oprimidos sob o jugo do pecado]

A Igreja reza para que o Natal nos livre dessa escravidão do pecado: expectata Unigeniti tui nova nativitate libemur [livrai-nos (desse mal) pelo novo nascimento, tão aguardado, do vosso Filho Unigênito] — uma alma escravizada não conhece a paz que o Redentor veio trazer ao mundo; o pecado é a guerra.

Se o Natal não despertar em nós um aumento de fervor, se ele não transformar a nossa vida, poderá ser um dia de muita agitação e trabalho, mas não será o Natal de Nosso Senhor. A Igreja nos lembra que, se agora recebemos um Redentor, um dia nós o iremos receber como Juiz. Entregando-nos agora, com alegria e reconhecimento, ao domínio daquele que nos vem libertar, poderemos depois estar diante dele, com toda confiança: quem Redemptorem laeti suscipimus, venientem quoque Judicem securi videamus [como recebemos com alegria o Redentor, possamos também contemplá-lo com confiança como Juiz].

Durante o Advento, a Igreja permanece como numa contínua vigília de orações, à espera do Redentor. Rezando, e sentindo com ela, é que iremos passar estes dias: Christus sit nobis cibus, potusque noster sit fides [Cristo seja o nosso alimento, a fé seja a nossa bebida]. Façamos nossa a insistência da sua oração: festina, ne tardaveris, ut adventus tui consolationibus subleventur, qui in tua pietate confidunt [apressai-vos, não tardeis, para que as consolações do vosso Advento confortem os que confiam em vossa compaixão] — com a Santa Igreja, podemos antegozar o consolo da sua vinda.

03 DE DEZEMBRO

Soli Deo honor et gloria [honra e glória somente a Deus (1Tm 1,17)]

São Francisco Xavier tinha, como lema, estas palavras: para Deus, todo o meu amor; para o próximo, todo o meu zelo e, para mim, todos os sacrifícios. Antes do grande Missionário, Nosso Senhor já havia realizado este programa, com absoluta perfeição. Esse é bem o lema de toda uma vida sacerdotal.

Ao Cardeal Mercier disseram, certo dia, alguns padres: 'a vida de oração e de recolhimento não é tanto para nós porque não somos monges nem religiosos'. 'Realmente' — respondeu o Cardeal — 'não sois religiosos, mas sois os religiosos, por excelência'. Como Nosso Senhor foi o Religioso de seu Pai, assim temos que ser os religiosos de Nosso Senhor. 

O Evangelho nos mostra bem a posição de Nosso Senhor perante o Pai celeste: reverência filial, aconchego e distância, confiança e respeito ao mesmo tempo. Há, em sua vida terrena, momentos de adoração, de agradecimento e de expiação. Essa terá que ser também a nossa vida sacerdotal de todos os dias, que o Apóstolo das Índias tão bem resumiu no seu lema. Seremos então os religiosos de Nosso Senhor. Per Ipsum, et cum Ipso [Por Ele e com Ele], iremos dar toda glória ao Pai, na imolação contínua de nossa vida pelas almas.

02 DE DEZEMBRO

Vox clamantis in deserto [uma voz clama no deserto (Mt 3,3)]

Uma voz clamando no deserto — era o Precursor, preparando as almas para a chegada do Messias. Somos também precursores de Nosso Senhor e a nossa missão é preparar os seus caminhos nas almas. 

Entre o luxo e ambição, entre a sensualidade e o orgulho, temos que abrir caminho para a penitência, para a caridade e o desapego, preparando os corações para a graça. E, nesse trabalho, sentimo-nos, muitas vezes, num deserto. Não encontramos boa vontade nem cooperação; a saúde e as qualidades não auxiliam, os meios e os recursos são escassos. Clama ne cesses! [Clama sem cessar!]. Não podemos desanimar, nem cruzar os braços porque as coisas não vão bem ou não correm de acordo com os nossos planos.

Dominus vobiscum [o Senhor esteja convosco] — Ele estará conosco, basta que estejamos com Ele. Nosso Senhor somente abandona quando se vê abandonado. Aquela vox clamantis in deserto [voz que clama no deserto] penetrou as cidades e movimentou regiões inteiras porque era a voz de um homem que vivia para Deus. Conhecendo a nossa incapacidade, rezemos com a Igreja que também reconhece a nossa miséria: ad praeparandas Unigeniti tui vias, ubi nulla suppetunt suffragia meritorum, tuis nobis succurre praesidiis [para que se preparem os caminhos do vosso Filho Unigênito; já que os nossos sufrágios não possuem quaisquer méritos, assisti-nos com o vosso auxílio].

10 DE DEZEMBRO

Nunc proprior est nostra salus [a nossa salvação está mais próxima (Rm 13,12)]

O Natal vem de perto e a Igreja insiste conosco, para que nos preparemos. Colocando-se mais perto de nós, pela Encarnação, Deus nos quer mais perto da sua grandeza, para que a nossa vida se ilumine com a luz de um sol que não conhece ocaso: dies appropinquavit; abjiciamus opera tenebrarum [o dia se aproxima; despojemo-nos das obras das trevas].

Mais fervor na oração, mais dedicação no trabalho e mais pureza de consciência, porque precisamos viver em pleno dia, riscando de nosso programa as opera tenebrarum [obras das trevas]. Não seja letra morta para nós toda a insistência que a Igreja põe nas orações da Santa Missa e do Ofício Divino. Como iremos preparar as almas, se não nos preocupamos com a nossa alma?

Certamente merecem a nossa atenção o Natal dos pobres, o Natal das crianças ou da paróquia. Mas... e o nosso Natal? Esse deverá ser celebrado em nossa alma, é exclusivamente nosso. No entanto, já começamos a preparação? Veni, ut ab imminentibus peccatorum nostrorum periculis mereamur, te liberante, salvari [Vinde (Senhor), para que, por vossa proteção, sejamos preservados dos perigos iminentes dos nossos pecados e sejamos livres e salvos]. Assim reza a Igreja durante toda uma semana do Advento. Rezemos com a Igreja, e trabalhemos com a graça. Dominus prope est [o senhor está próximo (Fp 4,5)] — Ele sempre estará perto da nossa miséria; que não fiquemos longe dele pela indiferença.

30 DE NOVEMBRO 

Bonus eris minister Christi [sereis bom ministro de Cristo (1Tm 4,6)]

'Desejamos fazer um paternal e afetuosíssimo apelo aos sacerdotes... Queremos dizer-lhes que, certamente, podem lançar mão de todos os meios de apostolado moderno. Mas seria engano grave fundar as verdadeiras esperanças do ministério sacerdotal em certas novidades que não constituem a solução essencial que devemos dar aos problemas de hoje.

Não será, pois, o feitio mais moderno do traje e nem certos desembaraços de atitudes e modos, nem certas tendências por se acomodar ao espírito do século, que hão de promover os suspirados êxitos do apostolado; mas sim, e sempre, um imenso amor a Jesus Cristo, modelo sacerdotal ontem, hoje e amanhã, unido a uma grande compreensão e caridade para com o próximo.

Como São Paulo, será preciso fazer-se tudo para todos; fé e pureza, fortaleza e sacrifício, dignidade e doutrina, é o que se requer no padre. O espírito profano destoa no sacerdote, e, aos poucos, o torna penoso para si e para os demais... No meio aos leigos, não como leigo, mas como mestre de espírito, deve o padre ser como o raio de sol que desce luminoso do alto sobre a terra, sem se tornar terra, sem deixar de ser luz' (Pio XII).

29 DE NOVEMBRO

Non veni vocare justos, sed peccatores [não vim chamar os justos, mas os pecadores (Mc 2,17)]

Senhor, quanto consolo para mim nesta palavra! Quando me dizes que tuas atenções estão voltadas para os pecadores, eu sei que te lembras daqueles que te amam, sem esquecer, no entanto, a ovelha que se perdeu. Apesar de toda a minha miséria, posso ainda pensar que mereço os teus cuidados.

Eu sei que a tua misericórdia foi capaz de abandonar noventa e nove ovelhas no deserto, arriscando perder todo o rebanho por causa de uma ovelha apenas, que o teu amor não queria perder. Não fosse esse teu gesto... e eu não estaria no teu rebanho, merecendo as tuas atenções. Bendito seja o teu amor de Pai, fazendo festa ao filho pródigo que volta! 

E porque a tua bondade me diz que ainda te posso fazer pedidos, aqui estou para pedir: no momento em que o traidor te abandonou, erat autem nox... [e já era noite... (Jo 13,30)]. Mas, aquela noite teve o seu entardecer. Senhor, que a minha vida não conheça o entardecer da tibieza e da indiferença, porque ninguém se perde de um momento para outro. Que a minha fidelidade saiba, de agora em diante, corresponder ao teu amor: sic nos amantem, quis non redamaret? [quem não amaria quem tanto nos amou?].

28 DE NOVEMBRO

Credimus, propter quod et loquimur [cremos e, por isso, testemunhamos (2Cor 4,13)]

Chamado a penetrar os mistérios divinos e a transmitir a Verdade às almas, o sacerdote é, por excelência, o homem que crê. Alimentando a sua inteligência, as verdades da Fé penetram e iluminam toda a sua vida.

A primeira consequência, então, para ele, é um grande e apaixonado amor à Verdade. Justamente porque vive na Verdade, ele a ama e procura difundi-la, insiste em defendê-la e dedica-se a afastar das almas toda doutrina que discorde do Evangelho: tradidi vobis quod et accepi [transmiti a vós o que eu recebi]. Quanto mais conhecer a Verdade, tanto mais a saberá amar; e, nesse amor que nada teme, encontrará aquela firmeza de que necessita, para levar a Fé aos que a não possuem. 

Com essa coragem é que o Apóstolo podia dizer: Verbum Dei non est alligatum [a palavra de Deus não está acorrentada (2Tm 2,9)]. Como iremos ensinar a Verdade se não a vivemos? E como poderemos vivê-la se não a conhecemos? Inabalável na sua fé, o sacerdote poderá pregar, alimentando o seu zelo pelas almas com seu amor à Verdade. Não irá conhecer crises nem desânimos porque, amando a Deus, saberá responder a todas as dificuldades: scio cui credidi [sei em quem acreditei (2Tm 1,12)].

27 DE NOVEMBRO 

Intra in gaudium Domini tui! [vem regozijar-te com o teu Senhor! (Mt 25,21)]

'Numa grande solidariedade pessoal e social, todos deviam estar prontos a trabalhar, a consagrar-se, a imolar-se ao bem dos outros. Quem poderia encontrar alegria e repouso, quem não sentiria, pelo contrário, mal estar e vergonha, vivendo comodamente em meio a uma quase geral tribulação?

Os preceitos são os mesmos para todos porque não há duas verdades e nem duas leis. Ricos e pobres, grandes e pequenos, importantes e humildes, todos são igualmente obrigados a submeter, pela fé, a inteligência ao mesmo dogma e, pela obediência e vontade, à mesma moral. Contudo o justo juízo de Deus será muito mais severo para com aqueles que mais receberam e que têm mais capacidade para conhecer a única doutrina, e de a pôr em prática na vida cotidiana; que, com a própria autoridade e com o próprio exemplo, podem mais facilmente dirigir outros no caminho da justiça e da salvação, ou, então, perdê-los pelos desvios funestos da incredulidade e do pecado.

Fortificai, pois, no fundo de vossos corações, a resolução de corresponder plenamente ao que Cristo, a Igreja e a sociedade esperam, confiantes em vós, a fim de que, no dia da grande retribuição, possais ouvir a palavra beatífica do Juiz Supremo: euge, serve bone... intra in gaudium Domini tui!' [muito bem, servo bom... vem regozijar-te com o teu Senhor!] (Pio XII)

26 DE NOVEMBRO 

Spiritus quidem promptus [o espírito está pronto (Mc 14,38)]

Nosso Senhor é o primeiro a reconhecer a nossa boa vontade. Não fosse assim, e se Ele não pudesse contar com nosso esforço, nem nos precisaria avisar: caro autem infirma [mas a carne é fraca]. Todos os dias estamos constatando que a nossa natureza não foi tomada de nenhum anjo; na expressão do Apóstolo, temos uma natureza de morte: quis me liberabit de corpore mortis huius? Gratia Dei, per Jesum Christum [Quem me livrará desse corpo mortal? Graças a Deus, por (meio de) Jesus Cristo].

Mas a graça não nos será dada se a não pedirmos. Por isso devíamos pensar que, se diariamente, recomendamos aos fiéis: orate, fratres [orai, irmãos] — somos nós os mais necessitados de seguir esse conselho da Santa Igreja. Omnia vestra in caritate fiant [Tudo o que fazeis, fazei-o na caridade (I Cor 16,14)] — não podemos separar o trabalho da oração; Marta e Maria eram irmãs e viviam juntas muito bem. 

Trabalhar, apenas, é próprio daqueles que não vivem sobrenaturalmente na caridade. Nós temos que trabalhar, rezando, pois oração e trabalho se confundem, se in caritate fiant [feitos na caridade]. Note-se que as almas de oração, os grandes místicos, foram também almas extraordinariamente ativas: São João da Cruz, Santa Teresa, São Paulo e tantos outros. E Nossa Senhora, a alma que mais de perto cooperou com o Redentor, não foi ela simplesmente uma alma de oração?

25 DE NOVEMBRO 

Vigilate et orate [Vigiai e orai (Mc 14,38)]

Não é conselho de um santo; é a palavra mesma de Nosso Senhor aos seus discípulos, no Jardim das Oliveiras. E se eles tivessem permanecido vigilantes, a traição não os teria colhido de surpresa, provocando aquela fuga pelo medo e covardia.

Vigilate [Vigiai] — é uma ordem; estamos cansados de saber como é volúvel a nossa vontade e fraca a nossa natureza. Se ainda não nos convencemos disso é porque, nem sempre, o nosso orgulho se resolve a reconhecer a realidade, ainda mais quando esta nos humilha e nos obriga a certos sacrifícios. Vigiar, evitando as ocasiões, mantendo um domínio perfeito de nossas tendências, de nossos sentimentos e desejos. 

Ninguém poderá dizer-se sine labe originali conceptus [concebido sem pecado original], achando que não precisa ter cuidado. Esse é justamente o maior perigo: enganar-se alguém, pensando que o perigo não existe, ou existe somente para outros. Judas viveu com Nosso Senhor. E, no entanto, fracassou miseravelmente. E como ele, quantos outros! Aquele que não temia já caiu e aquele que não teme, está para cair, basta que se apresente a ocasião. Quanta leviandade a refletir-se nesse modo de pensar: não há perigo. E não será diabólica a malícia com que se procura negar o que o próprio Nosso Senhor afirmou?

24 DE NOVEMBRO

Ambulate in dilectione [progredi na caridade (Ef 5,2)]

Na oração de hoje, pede a Igreja a Deus, imitemos a São João da Cruz, crucis amatorem eximium [exímio amante da Cruz]. Esse título dado ao grande Místico deveria ser a característica de toda vida sacerdotal. Se a nossa vocação é o sacrifício, amar a cruz é, para nós, viver a nossa vocação.

Sicut et Christus dilexit nos, et tradidit semetipsum pro nobis [como (o exemplo de) Cristoque nos amou e se entregou a si mesmo por nós (Ef 5,2)], assim também, diz o Apóstolo, ambulate in dilectione [progredi na caridade]. Viver na caridade, pela entrega de si mesmo ao sacrifício e à imolação de cada dia — esse é o pensamento de São Paulo. Portanto, amar as almas como Cristo as amou é, para nós, reviver os sofrimentos e a imolação de Nosso Senhor. Por isso reza a Igreja: Tuam sacratissimam passionem cordibus nostris impressam, moribus et vita teneamus [conservemos, pela nossa vida e conduta, a vossa santíssima Paixão impressa nos nossos corações].

O mesmo pensamento inspirou Santo Afonso quando determinou, para os seus missionários, a meditação diária sobre a Paixão e Morte do Redentor. Como levar às almas uma Redenção que não conhecemos, porque a não sabemos viver? Que o mundo possa ver em nós o Redentor sacrificado pelas almas: esta a graça que a Igreja nos pede, como consequência do Santo Sacrifício, imensae caritatis tuae memoriale perpetuum [memorial perpétuo de vossa infinita caridade].


23 DE NOVEMBRO 

Et hymno dicto... [e terminado o canto (dos Salmos)... (Mc 14,26)]

Terminada a Última Ceia, os discípulos recitaram, com o Mestre, o cântico final, prescrito e saíram, in montem Olivarum [para o Monte das Oliveiras]. Do Cenáculo ao Getsêmani, a diferença era muito grande e mal pensavam eles o que estava para acontecer naquela noite: percutiam pastorem, et dispergentur oves [ferirei o pastor e as ovelhas serão dispersas (Mc 14, 27)].

A Santa Missa é o nosso Cenáculo de cada dia. Recitadas as preces finais, retiramo-nos do altar, com aquela impressão de que o sacrifício terminou. Não nos lembramos que um outro altar está à nossa espera: o altar de nossas obrigações diárias, que reclamam a sua vítima. De modo algum poderemos separar a Santa Missa do nosso dia de trabalho. O sacrifício é o sentido de toda a nossa vida sacerdotal. 

A nossa imolação pelas almas só pode ter suas raízes na Santa Missa, da qual se alimenta, e toma a sua forma própria. Quanto menos unida ao Santo Sacrifício, tanto menos sentido terá a nossa imolação de todos os dias. Temos que levar, pelo dia afora, o fervor, a ideia do Sacrifício, pondo em toda a nossa atividade aquele ar de penitência e imolação, tom de Calvário que deve embalsamar toda a nossa existência. Que não haja nenhum vale do Cedron, separando o Cenáculo de nossa Missa e o Getsêmani de nossa atividade. No altar, e durante o dia, temos que ser a mesma vítima, em estado de imolação, pelas armas, para glória do Pai.

22 DE NOVEMBRO 

Amice, ad quid venisti? [amigo, é para isso que vieste? (Mt 26, 50)]

Até a última hora, Nosso Senhor tentou salvar o seu Apóstolo infiel, tratando-o com toda a mansidão e caridade. Mas a sua graça não pôde mais penetrar o gelo daquela alma infeliz.

Cheio de entusiasmo e boa intenção, o jovem padre atira-se ao trabalho dos seus primeiros anos de ministério. Preocupado com mil coisas, sem muita experiência, vai-se dedicando mais à vida exterior que à oração e recolhimento. Passam os primeiros anos de fervor. A dissipação vai tomando conta daquela alma, cada vez mais árida e menos apoiada em Deus. As primeiras faltas são os trovões que anunciam a tempestade.

A duras penas o padre vai-se arrastando, até que a crise arrebenta: um choque com a autoridade, uma imprudência grave, uma falta mais pesada. É a hora em que deve encontrar um Bom Samaritano, um colega, um confessor que lhe dê a mão da caridade e da experiência. Um falso respeito ou uma reverência que não se justifica nos levam, às vezes, a omitir uma palavrinha cheia de caridade que poderia alertar a consciência de um colega necessitado. Não adianta? Mesmo assim a caridade nos obriga. Com razão dizia Santo Afonso: 'se raros são os bons confessores para os fiéis, mais raros são eles para os sacerdotes'.

21 DE NOVEMBRO

Age poenitentiam, sin autem... [arrepende-te, pois, senão... (Ap 2,5)]

 Aqueles que perderam o caminho do fervor e acabaram abandonando a Vocação, certamente nunca meditaram essa palavra: age poenitentiam; sin autem movebo candelabrum tuum [arrepende-te, pois, senão será removido o teu candelabro]. Com que alegria Nosso Senhor não acendeu a luz do caráter sacerdotal na alma do seu eleito, colocando-o super candelabrum, in medio Ecclesiae! [(como luz) sobre o candelabro (candeeiro), no meio (coração) da Igreja].

Entre pompas e solenidades, a Igreja recebeu de braços abertos o seu novo ministro, no qual via uma força e uma esperança. Passados, porém, os primeiros anos de fervor, as primeiras faltas anunciaram outras que se foram se repetindo. A dissipação não deu lugar ao arrependimento nem à penitência. Pouco a pouco aquela pobre alma foi chegando à beira do despenhadeiro.

Com que amargura, então, Nosso Senhor viu chegar o momento de movere candelabrum [remover o candelabro (Ap 2,5)], permitindo que o seu sacerdote mergulhasse, de uma vez, na escuridão da própria impenitência! Quomodo cecidisti! [Como caíste!]. É que uma luz apagada, in medio Ecclesiae [no meio (coração) da Igreja] ou o sal que se deixou corromper, ad nihilum valet ultra [para nada mais servem]. A nossa Missa de cada dia está entre dois gritos de penitência: Kyrie, eleison!... [Senhor, tende piedade!...] e Agnus Dei, miserere nobis! [Cordeiro de Deus, tende piedade de nós!]. Seja assim também toda a nossa vida; sin autem... [senão ...].

20 DE NOVEMBRO 

Caritatem tuam primam reliquisti [arrefeceste o teu primeiro amor (Ap 2,4)]

Nosso Senhor não deixa de reconhecer a nossa boa vontade, o nosso trabalho e sacrifício: scio opera tua, et laborem et patientiam tuam [conheço tuas obras, e teu trabalho e paciência (Ap 2,2)]. O seu amor não esquece nada.

Assim mesmo, ele tem uma queixa a nos fazer, e isso é bem triste, certamente: habeo adversum te quod caritatem tuam primam reliquisti [tenho contra ti que arrefeceste o teu primeiro amor (Ap 2,4)]. Nosso Senhor nos acompanhou sempre, e sabe, por isso, que houve uma mudança em nossa vida. Com o correr dos anos, facilmente aumentamos o nosso zelo e atividade; mas também, facilmente diminuímos nosso fervor.

No dia da nossa ordenação, recebemos da Santa Igreja um programa: imitamini quod tractatis [imita o que celebras]. Sabíamos que era esse um programa de todos os dias, para toda a nossa vida. A princípio nosso entusiasmo não conheceu dificuldades, ou, se as houve, nosso fervor as venceu. Sequar te, quocumque ieris [eu te seguirei para onde quer que fores] — era assim que rezava a nossa boa vontade. Mas, com o tempo, o entusiasmo foi diminuindo. De tão longo, e de tão monótono, o caminho foi se tornando penoso demais. Descendit procella venti [desceu uma tempestade de vento (Lc 8,23)] — à medida que caiu sobre nós o peso da idade e do trabalho, talvez tenham cedido os alicerces do fervor. Prima opera fac!... [Volve às (tuas) primeiras obras!... (Ap 2,5)].

19 DE NOVEMBRO 

Pater, dimitte illis! [Pai, perdoa-lhes! (Lc 23,34)]

Senhor, confesso que não entendo bem esta palavra, que só a tua misericórdia infinita me pode explicar.. Eu te ouvi, condenando os fariseus, num longo discurso cujos termos não primavam pela mansidão nem pela doçura. 

Tua linguagem, com os Mestres da Lei, foi das mais duras e severas. Sei que os chamaste de sepulcros caiados, cheios de podridão. Naquele dia viste menos perigo no veneno das serpentes do que na hipocrisia daqueles que chamaste de víboras. Agora que estão consumando o crime há muito planejado; agora que estão gozando a tua agonia, conquistada a preço de dinheiro e traição, a tua misericórdia esquece tudo... e me diz que a Justiça não devia falar naquela hora do teu Amor.

Pater dimitte illis! [Pai, perdoa-lhes!]. Por que?... Seria possível desculpá-los? Non enim sciunt quid faciunt [porque não sabem o que fazem (Lc 23,34)] — só mesmo o teu Amor infinito podia achar este motivo, melhor esta desculpa, que só o Pai poderia compreender. Francamente, Senhor, não entendo a tua palavra. Mas, se a não entendo, eu a bendigo e adoro, porque amo a tua misericórdia que, em meu favor, já terá pronunciado a mesma desculpa, muitas e muitas vezes...

18 DE NOVEMBRO

Tradidit semetipsum pro me [entregou a si mesmo por mim (Gl 2,20)]

São Paulo não esquecia o quanto recebera de Nosso Senhor: dilexit me [me amou] — Ele me amou, e tão apaixonadamente, que chegou a morrer por mim. O que o Apóstolo sabia, eu também não ignoro. No entanto, ele vivia no espírito de amor que recebera, amando sem medida a Deus e as almas, ao passo que eu... vivo no espírito de temor e covardia, poupando-me em tudo.

Essa mesquinhez é que me torna, às vezes, indiferente aos interesses de Nosso Senhor, não permitindo que me preocupe demasiado com a glória de Deus e a salvação das almas. Donum Dei [Dom de Deus] — Nosso Senhor não se poupou, mas tradidit semetipsum [entregou a si mesmo]; sendo um outro Cristo, tenho que perpetuar essa dádiva de Deus ao mundo, entregando-me também às almas, no trabalho de cada dia. 

Se a minha generosidade não chega a tanto, é porque continuo dominado pelo espírito de temor. Todos nós somos, mais ou menos, sensíveis a uma prova de amizade ou simpatia. Assim também as almas reconhecem logo no sacerdote ou o Bom Pastor, que a elas se dedica, ou o mercenário, que se poupa em tudo, preocupado sempre consigo mesmo. Entre um e outro, a diferença é muito grande...

17 DE NOVEMBRO

Speramus in Deum vivum [temos esperança em Deus vivo (1Tm 4,10)]

O sacerdote não é somente o homem da fé, mas é também o homem da esperança. Conta com a glória final, como prêmio e recompensa do seu apostolado; confia na infinita liberalidade dAquele ao qual serviu: ut heredes simus secundum spem vitae aeternae [para que sejamos, pela esperança, herdeiros da vida eterna (Tt 3,7)].

Ele não se prende ao mundo porque a eternidade o atrai; e para alcançá-la, não mede sacrifícios, nem desanima: laboro usque ad vincula [se afatiga (por Cristo) até na prisão (2 Tm 2,9)]. É que o sacerdote não deseja o Reino de Deus realizado somente em si mesmo. Quer ver as almas todas formando esse Reino, onde ele, praedicator et apostolus [pregador e apóstolo], terá um lugar de destaque: judicantes duodecim tribus Israel [julgando as doze tribos de Israel (Mt 19,28)].

Homem da esperança, ele não se deixa abater ante à cruz que, todos os dias, o espera; sabe que a imolação é apenas o caminho, a conditio sine qua non [condição sem a qual não (é possível)] para a glória. Nesse desejo e nessa certeza de uma recompensa eterna, para si e para as almas, o sacerdote encontra o segredo da sua tenacidade no trabalho e da sua perseverança no sacrifício. Laboramus et maledicimur, quia speramus in Deum vivum [afatigamos e nos dispomos aos ultrajes porque temos esperança em Deus (1 Tm 4,10)]. E compreenderá então porque o Apóstolo afirmava: Non enim dedit nobis Deus spiritum timoris, sed virtutis [Deus não nos deu um espírito de tibieza, mas de fortaleza (2Tm 1,7)].

16 DE NOVEMBRO

Sobrii estote, et vigilate [sede sóbrios e vigiai (1Pd 5,8)]

'Esta fuga e vigilância, para não nos expormos às ocasiões de pecado, parece que não são hoje compreendidas por todos, embora os santos as tenham considerado sempre o melhor meio de luta nesta matéria (da castidade).

Pensam de fato alguns que os cristãos, especialmente os sacerdotes, já não devem ser uns separados do mundo, como outrora, mas devem, pelo contrário, estar presente ao mundo e, por conseguinte, arrostar o perigo e pôr à prova a sua castidade, para assim se patentear se têm ou não suficiente força para resistir. Que os jovens clérigos vejam tudo... para se habituarem a encarar tudo sem perturbação, e para se imunizarem contra toda espécie de tentação...

Facilmente se vê a falsidade e perigo de tal maneira se formar o clero e de o preparar para a santidade da sua missão; pois, quem ama o perigo nele perecerá. A recomendação de Santo Agostinho não perdeu nada da sua oportunidade: ‘Não digais que tendes almas puras, se tendes olhos impuros, porque os olhos impuros são mensageiros de um coração impuro’. Qual o jardineiro que expõe às intempéries plantas escolhidas, mas ainda tenras, sob o pretexto de as experimentar?' (Pio XII)

15 DE NOVEMBRO 

Es bonus et clemens [(o Senhor) é bom e clemente (Sl 85,5)]

Se toda a vida de Nosso Senhor é uma pregação sobre a misericórdia divina, um convite à confiança em Deus, não nos passa despercebido o prazer com que o Mestre coloriu, com tanta vida, as parábolas que nos falam da bondade do Pai.

Tratando-se da ovelha perdida, o Pastor relinquit nonaginta novem in deserto, et vadit ad illam quae perierat donec inveniat illam [deixa as noventa e nove (ovelhas) no deserto e vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la (Lc 15,4-5)] — nenhum mau trato, nenhum ressentimento; inponit in umeros suos gaudens [a coloca sobre o ombros em júbilo]  — quanto carinho e atenção! No caso da moeda perdida, quase estamos a ver aquela mulher aflita que accendit lucernam, et everrit domum, et quaerit diligenter, donec inveniat [acende a lâmpada, varre a casa e a busca diligentemente, até encontrá-la (Lc 15,8)]. Et cum invenerit [e depois de encontrá-la] — é aquela festa — convocat amicas et vicinas, dicens: Congratulamini mihi! [reúne os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: regozijai-vos comigo! (Lc 15,9)].

Quando o filho pródigo volta para a sua casa, o pai manda que se lhe faça a maior festa possível. Não poderia haver mágoa nem tristeza, naquela hora da misericórdia e do perdão. Quanto empenho em nos mostrar uma bondade infinita, que nós insistimos em não reconhecer! Quantas preocupação em nos abrir os infinitos dilectionis thesauros [tesouros de amor], que nós, infelizmente, não queremos aproveitar!

14 DE NOVEMBRO

Pater noster... [Pai nosso...]

Foi assim que Ele me ensinou a tratar com o meu Deus: chamando-o de Pai, como Ele mesmo o chamava. Mais de cem vezes, no Evangelho de São João, Nosso Senhor repete o termo Pater [Pai]. E, para ganhar a minha confiança, Ele fez questão de mostrar a confiança que sempre pusera no Pai.

Há uma secreta alegria em seu coração, ao dizer: Ego Patris mei praecepta servavi, et maneo in eius dilectione [Eu guardei os mandamentos do meu Pai e persevero no seu amor (Jo 15, 10)]. Sente-se feliz, podendo reparar o desprezo do mundo para com Deus: Pater iuste, mundus te non cognovit; ego autem te cognovi [Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci (Jo 17, 25)]. Porque confia inteiramente na Providência do Pai que veste as flores do campo, Filius hominis non habet ubi caput reclinet [o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça (Mt 8,20; Lc 9,58)].

Dirigindo-se para a agonia do Horto, diz não estar sozinho, porque o Pai o acompanha. E é nas mãos de seu Pai que entrega o seu último suspiro. Meu Deus, embora culpado, o filho pródigo sabia que seu pai não se transformara num inimigo seu. Apesar de toda a minha miséria, quero continuar guardando esse espírito de confiança e docilidade, in quo clamamus: Pater [pelo qual clamamos: Pai].

13 DE NOVEMBRO

Dominus vobiscum [o Senhor esteja convosco].

Tantas vezes repito esta palavra, porque eu o desejo para os fiéis. E a Igreja o deseja muito mais para mim. Que Ele esteja comigo, para que as almas o vejam na minha vida de oração e sacrifício. Que Ele esteja em mim, pela sua graça, para que eu o possa dar a todos que não o conhecem. 

Que Ele esteja nas minhas preocupações, em toda a minha atividade porque, sem Ele, minha vida sacerdotal será um fracasso: sine me nihil potestis facere [sem mim nada podeis fazer (Jo 15,5)]. Ele é quem, todos os dias, sobe comigo ao altar, para dizer: Hoc est Corpus meum [Este é o Meu Corpo]. No confessionário, Ele quem está comigo, para dizer: Ego te absolvo [Eu te absolvo]. No púlpito, é Ele quem prega com as minhas palavras: qui vos audit, me audit [quem vos ouve, a mim ouve (Lc 10,16)].

Sempre, em toda parte, Ele não me abandona porque tem uma promessa a cumprir: Ego vobiscum sum [Eu estou convosco]. Isto me deve lembrar que eu também tenho uma palavra a cumprir: Dominus pars hereditatis meae [Senhor, vós sois a minha parte de herança (Sl 15,5)]. Esta foi a condição com a qual Ele me aceitou no seu serviço: que eu me interessasse por Ele e por ninguém mais; que eu lhe fosse absolutamente sincero no meu amor. Se Ele não me interessa, se eu não o desejo sicut servus desiderat ad fontes aquarum [como o cervo anseia a fonte das águas (Sl 41,2)], com que consciência vivo repetindo a todos: Dominus vobiscum [o Senhor esteja convosco]?

12 DE NOVEMBRO 

Projecisti verba mea post te? [tens distribuído minhas palavras ao teu redor? (Sl 49,17)]

A leitura espiritual — este é um ponto que o nosso horário de cada dia não pode esquecer. Ela é necessária para alimentar o nosso fervor, assim como a lenha, para alimentar uma fogueira. Quanto bem a leitura espiritual não fará à nossa alma, e às almas, se a fizermos sempre com o necessário recolhimento e fervor!

Para que ela produza resultado, temos que ler, meditando. Precisamos penetrar os pensamentos, porque uma simples leitura não chegaria a alimentar a nossa piedade. Escolhamos os livros. Alguns há, prurientes auribus [pruridos nos ouvidos] que, pretendendo preencher lacunas, acabam deixando vazio o nosso coração. Desorientam a nossa piedade porque, tendo tudo, esses livros não têm o necessário sabor espiritual.

Haec mea sublimior interiorque philosophia: scire Jesum, et hunc crucifixum [esta é a minha filosofia mais elevada e profunda: conhecer senão Jesus e este Crucificado (I Cor 2,2)] — dizia São Bernardo. Para nos tornar sempre mais conhecido o Crucificado que devemos viver e ensinar, não há nenhum livro como o Evangelho. Acrescentemos as Epístolas, principalmente ad Timotheum, ad Titum, ad Hebraeos [a Timóteo, a Tito, aos Hebreus]. Escolhamos, enfim, livros escritos não somente com inteligência, mas também e principalmente, com piedade.

11 DE NOVEMBRO 

Psallite Deo nostro [cantai ao Nosso Deus (Sl 146, 7)]

O Breviário é, por excelência, a oração da Igreja em nossos lábios: nos autem orationi instantes erimus [nós atenderemos sem cessar à oração (At 6,4)]. Fomos escolhidos para rezar oficialmente, em nome de todos aqueles que são o Corpo místico de Nosso Senhor. De certo modo somos os intercessores das almas junto a Deus.

Velho ou novo, bonito ou feio, o nosso Breviário deverá ter sempre, para nós, a beleza de uma oração perene, que remonta aos Patriarcas e aos Profetas, cheia sempre de vida e de frescor, reanimando nossa fé e confiança em Deus. Amigo de todas as horas, deverá lembrar-nos que, sem oração, a nossa alma será como a terra sem a bênção das chuvas. E ela devia estar vestida sempre com as virtudes, trescalando o bonus odor Christi! [bom odor de Cristo].

Seja o nosso Breviário rezado durante o dia; deixá-lo para a noite será o mesmo que condená-lo à imolação, pelo cansaço e falta de fervor. Se possível, na igreja, diante do Santíssimo; rezá-lo distraidamente, em qualquer lugar, atendendo a pessoas ou a trabalhos, dando uma palavrinha aqui, outra ali, será apenas ler o Breviário e muito mal. Não sendo possível na igreja, intra in cubiculum tuum, et clauso ostio, ora Patrem [entra no teu aposento (quarto), fecha a porta e ora ao Pai (Mt 6,6)].

10 DE NOVEMBRO 

Ad thronum gratiae
 [ao trono da graça (Hb 4,16)]

Esse trono da graça e da misericórdia divina é, sem dúvida o confessionário. E somente nós, sacerdotes, podemos operar esse milagre de ressuscitar as almas. É certo que, geralmente, o confessionário nos põe, sobre os ombros, um trabalho que nos sacrifica, uma responsabilidade que nos poderia desanimar e abater. 

Temos que pensar, no entanto, que pesam, muito mais, sobre Nosso Senhor os pecados que estão diante de nós, à espera do perdão. Não seja o confessionário uma sala de visitas, para conversas inúteis, para assuntos que nada têm a ver com o Sacramento. Não seja consultório médico, para casos de histeria e semelhantes. Nem seja delegacia de queixas e reclamações. Seja tão somente o tribunal da penitência e do perdão.

Quanta crise lamentável não começou no confessionário porque, em vez de ver as almas, o padre viu somente as pessoas! Que Deus nos livre de transformar em fonte de pecados, para nós e para as almas, o Sacramento da fonte da misericórdia e do perdão. O fervor das almas não depende tanto dos grandes pregadores, como dos confessores de doutrina segura e profunda piedade. Fortiter in re, suaviter in modo [firmeza no trato, suavidade nos modos].

09 DE NOVEMBRO 

Cursum consummavi [terminei a minha carreira (2Tm 4,7)]

Um dia, será meu último dia e, com ele, chegará a minha última hora neste mundo. Serei feliz então, meu Deus, se puder lançar um último olhar sobre a minha vida, para dizer, com toda pureza de consciência: Bonum certamen certavi [combati o bom combate].

Sim, foi uma guerra santa a que eu sustentei para salvar a minha alma e as almas que me confiaste. Que maior consolo para mim? Então poderei pensar: in reliquo reposita est mihi corona iustitiae [resta-me agora receber a coroa da justiça]. Que alegria para mim, pensar que dei a minha vida pelas tuas ovelhas, no altar de tua glória! Que consolo não terei, sabendo que, enquanto eu arava no teu campo, vinhas atrás, recolhendo cuidadosamente as gotas do meu suor para, com elas, formar a minha eternidade! Irei saber então como trabalharam as tuas mãos, para tecerem a minha corona iustitiae [coroa da justiça].

Mas, enquanto esse dia não chega, quero continuar no meu trabalho, procurando e atendendo as almas, sedula cura et effusa caritate [com esmerado cuidado e profunda caridade], como quer a tua Igreja. Que eu não tenha de lamentar a perda de uma alma, cuja salvação me confiaste. Por isso quero rezar nestes dias que me restam, como rezaste em tuas últimas horas neste mundo: Pater sancte, serva in nomine tuo quos dedisti mihi! [Pai Santo, guardai em Vosso Nome os que me destes a Vos conhecer! (Jo 17, 11)].


08 DE NOVEMBRO 

Pasce oves meas [apascenta as minhas ovelhas (Jo 21,17)]

Se a obediência não me coloca em contato direto com a cura de almas, nem por isso estou dispensado de me interessar pela salvação de meus irmãos. Interessar-se pelas almas, na oração e no sacrifício, já é certamente apascentar as ovelhas de Nosso Senhor. E, dessa forma, posso interessar-me por todos, ut omnes Christo lucri faciam [para que todos possam ganhar Cristo (Fp 3,8)].

Pio XII escreveu: 'É certo que os fiéis necessitam do auxílio de Nosso Senhor pois, Ele mesmo disse: Sem mim nada podeis fazer. No entanto, ainda que pareça estranho, temos que dizer que Cristo também precisa dos seus membros. Não porque os seus méritos sejam insuficientes, mas porque Ele assim o quis, para maior honra de sua Esposa imaculada'.

Ao morrer na cruz, Ele pôs nas mãos da sua Igreja o imenso tesouro da Redenção, sem que ela cooperasse nisso; mas, para distribuir e comunicar esse tesouro, não só entrega à Igreja a obra da santificação, mas também quer que, de algum modo, que esse trabalho seja seu. Mistério tremendo que nunca será bastante meditado: a salvação de muitos está dependendo da oração e do sacrifício de muitos outros. E posso dizer quantas almas Deus confiou às minhas orações, aos meus sacrifícios?

07 DE NOVEMBRO

Si dimisero eos... [se os despedir... (Mc 8,3)]

E, no meio daquela multidão, haveria muitos indiferentes, curiosos e até muitos inimigos do Mestre, à cata de acusações que o pudessem condenar. No entanto, Nosso Senhor viu diante de si apenas uma multidão que precisava do seu milagre. E Ele não o recusou. Tendo multiplicado os pães, todos aproveitaram da sua misericórdia infinita.

São Paulo diz que nós devemos: condolere iis qui ignorant et errant [compadecer dos que estão na ignorância e no erro (Hb 5,2)]. Na multidão que está sempre diante de nós, encontraremos almas de boa vontade, é certo; mas não faltam os indiferentes e os inimigos do bem e da virtude. Somos de todos, e a todos, igualmente, precisamos facilitar o caminho que os leve à Verdade. Por aqueles qui ignorant et errant [que estão na ignorância e no erro], Nosso Senhor já rezou um dia: Pater, dimitte illis! [Pai, perdoai-os!]. Se o Mestre pediu o perdão para eles, não seremos nós que os iremos condenar com a nossa indiferença e com o nosso desprezo.

Muitas vezes, essa atenção para com os que ignoram a Verdade e mesmo para com os que erram, irá exigir verdadeiros sacrifícios ao nosso comodismo e amor próprio. Pensemos então que, por nós, e por eles, Nosso Senhor fez muito mais: In principio erat Verbum, et Verbum caro factum est; descendit de caelis, ... et circuibat civitates et castella, docens et praedicans Evangelium regni [No princípio era o Verbo e o Verbo se fez carne, desceu dos céus... e percorria todas as cidades e aldeias, e ensinava e pregava o Evangelho do Reino (Mt 9,35)].

06 DE NOVEMBRO 

Qui condolere possit [o que sabe compadecer-se (Hb 5,2)]

Este é o zelo que as almas esperam de nós: zelo cheio de caridade e compaixão. E o motivo, São Paulo no-lo dá: quoniam et ipse circundatus est infirmitate [porque se está também rodeado de fragilidades]. Reconhecendo-se pecador, e desejando ser tratado com misericórdia, o sacerdote irá compreender que as almas esperam ser tratadas por ele com a mesma caridade, com a mansidão de Nosso Senhor.

Misereor super turbam [Tenho compaixão dessa gente]— era com olhos de misericórdia que Ele via a todos, inocentes ou pecadores. E junto ao sepulcro de Lázaro, Ele nos deixou perceber como sabe sentir e chorar com os que sofrem. Como dizer-se um outro Cristo o sacerdote que não tivesse um coração aberto a todos, cheio daquela mansidão e misericórdia com que o Mestre chamava: Venite ad me omnes qui laboratis et onerati estis?  [Vinde a mim, todos vós que estais cansados e atribulados (Mt 11,28)].

Quanto nos comove São Paulo, na sua carta ad Philemonem! [para Filêmon]. Paulus senex, vinctus Jesu Christi, obsecro te pro meo filio Onesimo. Tu illum, pro mea viscera, suscipe [Paulo, já idoso e preso a Jesus Cristo, venho suplicar-te em favor deste meu filho Onesimo; recebei-o como a meu próprio coração]. Nem a velhice e nem os sofrimentos do cárcere puderam impedir que o Apóstolo se preocupasse com a sorte de um simples escravo, ao qual chama de filho! Imitatores mei estote! [sejais os meus imitadores (1Cor 4,16)].


05 DE NOVEMBRO

Quaerens me sedisti lassus [a buscar-me Vos cansastes (Oração Dies Irae)]

Foi à procura das almas que Nosso Senhor se cansou, percorrendo aquelas estradas cobertas de pó, ao sol e à chuva, sem ter onde reclinar a cabeça. Alter Christus [(como) Outro Cristo], devo ter o mesmo zelo e o mesmo interesse para procurar as almas, e não esperar que elas me procurem. 

Para o Bom Pastor, teria sido certamente mais fácil cuidar das suas noventa e nove ovelhas e esquecer aquela que se perdeu. No entanto, Ele abandonou o rebanho no deserto e foi à procura da ovelha extraviada. Preferiu o mais difícil. A melhor prova do meu amor a Deus deve ser o meu zelo pelas almas. Se pouco faço por elas, é porque não vivo muito preocupado com Deus.

Deve haver outros cuidados em minha vida, ocupando o lugar daquela que devia ser a minha única preocupação: Ex hominibus assumptus, pro hominibus constituitur [escolhido entre os homens e constituído a favor dos homens (Hb 5,1)]. Posso dizer que minhas orações e as minhas atividades vivem preocupadas com as almas? Não será, entre queixas e reclamações, que aceito, por não ter outro remédio, certos sacrifícios que o ministério pastoral me impõe? Quantas vezes o meu zelo não se atemoriza diante de uma obrigação que vem exigir ou prejudicar o meu descanso, meu gosto e minha distrações! Com mais amor às almas, eu poderei realizar um pouco mais para Deus. Vivit amor excessibus [o amor vive de excessos].

04 DE NOVEMBRO

Innova in visceribus eorum spiritum sanctitatis! [Renova no coração deles o espírito de santidade!

Foi assim que, um dia, a Igreja rezou por nós. Preocupada com a santidade que nos deve distinguir, ela sabe que não seremos a luz do mundo e nem o sal da terra, a não ser pelo exemplo de uma vida realmente sacerdotal. Ministros de Deus, temos que estar acima dos fiéis, não somente pela dignidade, mas principalmente pela virtude.

Para todos, o sacerdote há de ser o bonus odor Christi [o bom odor de Cristo], que embalsama as almas, elevando-as sempre mais. E dessa forma, a sua vida será uma advertência contínua para os que não prezam a virtude: censuram morum exemplo suae conversationis insinuent [suas vidas sejam tomadas como modelos de conduta]. Foi o que ouvimos no dia de nossa ordenação. Para combatermos o erro, devemos, sim, pregar a verdade; mas faremos muito mais se a soubermos praticar e viver. 

E somente vive a verdade aquele que priva, com Deus, por uma intensa vida interior. Sabemos bem o que seja essa agitação exterior do mundo. Cansadas dessa agitação, as almas procuram quem lhes ofereça uma vida diferente, fruto da união com Deus, com verbum, exemplum, oratio, tria haec; maior autem his oratio [três coisas: palavras, exemplo e oração, mas a maior delas é a oração (São Bernardo)]. No Getsêmani, quando tudo parecia perdido, o programa traçado pelo Mestre foi apenas este: Vigilate et orate! [Vigiai e orai!].

03 DE NOVEMBRO 

Scis illos dignos esse? [Sabeis se eles são dignos?]

Tinha razão a Igreja, naquele dia, manifestando a sua preocupação, pois, quem poderia se dizer digno de participar do sacerdócio eterno de Cristo? No entanto, ela, me chamou, e ela me recebeu: Accedant! [Aproxime-se!].

Preocupada, a Igreja rezou por mim, dizendo: Eluceat in eis totius forma iustitiae [brilhe neles o modelo de toda justiça (virtude)]E ainda me advertiu: tales esse studeatis, ut digne, per gratiam Dei, eligi valeatis [se esforce de tal forma que possa ser digno, pela graça de Deus, de merecer ter sido escolhido]. Se ela me achou digno, Deus, no entanto, me devia receber e elevar à dignidade que Ele não quis confiar aos seus anjos. A Igreja sabia bem a responsabilidade que eu estava recebendo, ao aceitar a sacra molles sacerdotii [sagrada suavidade do sacerdócio]: ut praedicatione atque exemplo aedificetis domum, id est, familiam Dei [para que, pela pregação e exemplo, edifiqueis a casa, isto é, a família (Igreja) de Deus].

Esse é o trabalho que eu devo realizar durante toda a minha vida; e ele não está dependendo tanto do meu esforço, como da graça com a qual sempre deverei contar. A todo momento, preciso estar em condições de poder digne eligi [merecer ter sido escolhido]. Continuamente devo estar sobre o candelabro para que, praedicatione atque exemplo [pela pregação e exemplo], possa atrair as almas para Deus. Minha missão é construir pela santidade. Por isso tenho que pôr todo o meu empenho em não destruir, pela tibieza, que sem a minha vigilância, poderá envolver a minha vida.

02 DE NOVEMBRO

Qui non praecesserunt cum signo fidei [os que nos precederam com o sinal da fé...].

Eles já partiram porque Deus os chamou. Eu ainda continuo neste mundo e por quanto tempo? Não sei. O que sei é que preciso preparar a minha eternidade, enquanto Deus me dá o tempo. Ainda posso fazer merecer para a vida eterna.

A devoção às almas lembra-me a hora da morte, a malícia do pecado, a bondade e a justiça de Deus. Além disso, a experiência mostra como as almas são agradecidas aos nossos sufrágios. Elas saberão fazer por nós, movidas pela caridade e pelo reconhecimento. A Igreja quase não sabe rezar sem se lembrar das benditas Almas do Purgatório. Com quanto carinho e insistência ela não repete, a cada passo, essa jaculatória predileta: Et fidelium animae, per misericordiam Dei, requiescant in pace! [Que as almas dos fieis (defuntos), pela misericórdia de Deus, descansem em paz!].

Todos os dias eu peço, com a Igreja: Memento, Domine... [Lembrai-vos, Senhor...]. Sim, que Nosso Senhor se lembre e que eu também não me esqueça daqueles que já partiram, e esperam minhas orações e meus sacrifícios, ut indulgentia quam semper optaverunt, piis suplicationibus consequantur [para que possam alcançar o perdão que sempre desejaram, por meio de súplicas piedosas]. Hoje sou eu quem rezo pelas almas; amanhã, na glória, elas irão pedir a Deus por mim: hodie mihi, cras tibi [hoje (para mim) sou eu, amanhã (para ti) vós].

10 DE NOVEMBRO

Quae praeparavit Deus... [o que Deus tem preparado... (1Cor 2,9)]

O que Deus me preparou, na sua eternidade, como recompensa desta minha vida, ultrapassa tudo o que eu possa imaginar: oculus non vidit, nec auris audivit [os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram]. Mas um dia, talvez logo, eu irei ver; é isto o que me dizem todos aqueles que já estão gozando essa recompensa.

E Deus foi tão bom que, desde toda a eternidade, já pensou no prêmio que me quer dar; Ele não deixou esse assunto para a última hora: possidete vobis paratum regnum o constitutione mundi [tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo (Mt 25,34)]. É que Deus, Pai amoroso como é, não vê a hora de poder gozar a alegria com os seus filhos. Parece que, sem essa alegria, Ele não seria inteiramente feliz.

Este mundo é tão pequeno e, no entanto, é tão grande para atrair o meu interesse e para desviar a minha atenção da eternidade! Mas não posso esquecer que, in domo Patris mei mansiones multae sunt [na casa do meu Pai, há muitas moradas (Jo 14,2)] — e um desses lugares está à minha espera; é o meu lugar, e será meu eternamente. Nolite diligere mundum, neque ea quae in mundo sunt! [Não ameis o mundo nem as coisas do mundo! (I Jo 2, 15)] — Como apegar-me ao mundo, se Deus me acena com a sua eternidade? Dissoluta huius incolatus domo, aeterna in caelis habitatio comparatur [enquanto nossa pousada aqui se deteriora, nos espera a morada eterna no Céu].

31 DE OUTUBRO 

Doce nos orare! [ensina-nos a rezar! (Lc 11,1)]

Livra-me, Senhor, dessa piedade estéril que, movida por uma secreta vaidade, vive à procura de pensamentos profundos, de termos elevados e ideias novas! Piedade falsa, vazia, ela me deixa sempre, mais ou menos, na situação do teu Salmista que lamentava: infixus sum in limo profundi; non est ubi pedem figam... [estou imerso em espessa lama e não há como firmar o pé ...].

Quero pisar a terra firme das verdades tão antigas que me ensinaste. Para mim, elas são sempre novas. Foi com elas que rezaram os teus santos e, com elas, continua a rezar a tua Igreja. Ensina-me a penetrar o teu Evangelho, para descobrir o teu espírito de piedade e religião para com o Pai. Com esse espírito é que eu devo rezar.

Os teus anacoretas não tinham mestres nem bibliotecas, mas tinham a tua Palavra, simples como a Verdade; e se fizeram santos porque a souberam viver e amar. Minha piedade não pode ser tanto da inteligência pois não preciso de muita filosofia para saber que eu te devo amar e servir; para isso basta-me a tua Lei. Este coração sui generis [único em seu gênero, especial] que me deste, não quer submeter-se a fórmulas estudadas, quando se trata de amar o Amor infinito, a Beleza sem limites. Ele te quer amar simplesmente com sinceridade, com todas as forças. Ele te quer amar, livre de todas as medidas; como criança inocente que, por não ter estudos, nem por isso deixa de saber amar.

30 DE OUTUBRO

Domum tuam decet sanctitas [a santidade molde a tua casa]

'Uma coisa nos preocupa, e muito: ter, nas Ordens Sagradas, homens que estejam perfeitamente à altura da missão que desempenham. É certo que muitos sacerdotes fazem reviver e crescer em si mesmos a graça de Deus, recebida no dia da Ordenação Sacerdotal. 

Mas temos a lamentar que outros não procedam como devem, de modo a oferecer, ao povo cristão que os contempla, o modelo de vida a praticar, e o exemplo a seguir. Insistentemente vos pedimos: Renovamini spiritu mentis vestrae, et induite novum hominem, qui secundum Deum creatus est in iustitia et sanctitate veritatis [renovai o sentimento da vossa alma e revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade (Ef 4, 23-24) ]. Ao padre, bem mais que aos edifícios de nossos templos, se aplica esta palavra: Domum tuam decet sanctitas' [a santidade molde a tua casa]. Assim escreveu São Pio X.

Certamente o sacerdote de hoje não pode viver como se estivesse no mundo antigo, de séculos atrás. Mas, uma coisa é o padre conhecer a mentalidade e os problemas do mundo atual e outra, seria ele condescender com o espírito mundano. Certas liberdades e certas atitudes, que poderiam parecer modernas, somente comprometem o bom nome do sacerdote. O Homo Dei [homem de Deus], revestido do espírito mundano, seria um absurdo e uma profanação. O que as almas pedem não é um homem do mundo, mas um homem de Deus.

29 DE OUTUBRO 

Non in humanae sapientiae verbis [não com palavras de sabedoria humana [1Cor 2,4)]

'Quando São Paulo dizia não pregar com artifício e palavras rebuscadas, o que lhe parecia desprezível eram os ornatos supérfluos, vãs sutilezas, ostentações, frases de efeito e todo palavreado não condizente com a dignidade e majestade do púlpito. 

Mas a força do Espírito, que estava nele, que dava às suas palavras força e eficácia, valorizava os dons da sua opulenta personalidade. Deste concurso do Espírito com a natureza provinha a sua incomparável e inimitável eloquência. Quem está cheio de Cristo, não encontrará dificuldade em ganhar a outros para Cristo. Mas, que o nobre ardor de conquistar as almas para Nosso Senhor não nos leve a uma ilusão tão fácil quanto funesta.

Enorme seria o erro do Pastor de almas que voltasse toda a sua atenção e todos os seus esforços aos grandes discursos, para circunstâncias solenes, esquecendo as práticas dominicais e os catecismos semanais; que se contentasse com entregar aos seus cooperadores esta parte, a mais humilde mas nem sempre a mais fácil, do seu ministério. Tomai como exemplo aqueles países em que o catecismo na Igreja e na escola é reputado por um dos mais honrosos deveres do sacerdote, onde o pároco a si mesmo reserva, após séria preparação, o privilégio de o ensinar pessoalmente no domingo aos jovens e velhos, na igreja repleta de fiéis' (Pio XII).

28 DE OUTUBRO

Unus est bonus, Deus [só Deus é bom (Mt 19,17)]

Somente Deus é bom; Ele é a bondade porque é o Amor. Portanto, eu não me posso considerar tão bom assim, a ponto de esquecer ou desprezar aqueles que me parecem maus. Eu os chamo de pecadores. E pecador eu também o sou.

Acaso poderei dizer que minhas faltas são menos graves que as dos outros? Eu não posso, nem devo julgar a ninguém, pois a minha maldade não pode nem sabe julgar com justiça e sabedoria. Por eu viver dentro da casa de Deus, não posso desprezar aqueles que não têm coragem de entrar. Se Deus olhou para mim, nenhum mérito eu tive nisso. Aqueles que eu julgo pecadores, são filhos de Deus, como eu. E se receberam menos do que eu, foi para que recebessem mais de mim. 

O meu papel não é permanecer junto ao altar, lembrando a Deus uma virtude que não possuo. Seria melhor que eu ficasse à porta do templo, rezando humildemente como aquele meu irmão: 'Senhor, tende piedade de mim, pobre pecador!'... Sacerdos, viscera indutus misericordiae Christi, qui non venit vocare iustos, sed peccatores, sciat studiose, patienter et mansuete cum ipsis agere [o sacerdote, revestido de entranhas de misericórdia como Cristo, que não veio chamar os justos mas os pecadores, saiba portar-se com zelo, paciência e mansidão para com eles]. É assim que eu costumo proceder com aqueles que eu julgo pecadores?


27 DE OUTUBRO 

Tu es Sacerdos in aeternum [tu és sacerdote eternamente].

A minha vocação é o sacerdócio. E este sacerdócio da nova Lei exige que eu ofereça, não somente a Vítima divina, mas também que eu me ofereça com ela. Todos os dias tenho que imolar a minha vida, em união com a morte de Nosso Senhor pelos pecados do mundo. A ideia de sacrifício e imolação é inseparável da minha vocação sacerdotal.

Algum tempo antes de sua morte, escrevia o Cardeal Leme: nem a mitra, nem a púrpura constituem para mim objeto de culto. Minha vocação foi uma só e uma só continua a ser: o sacerdócio. E para mim o sacerdócio não pode ser outra coisa que a imolação de minha vida, pelas almas, para a maior glória de Deus.

Poderei ter muito gosto e inclinação para as ciências profanas; poderei ter sempre dotes artísticos; mas o meu sacerdócio terá que ser sempre aquele que o Pontífice já me indicou: offerre, benedicere, praeesse, praedicare et baptizare [oferecer, bendizer, presidir, pregar e batizar]. A Igreja, principalmente em nossos dias, não precisa tanto de sábios e artistas que sejam apóstolos data occasione [numa dada ocasião] apenas; ela precisa, muito mais de apóstolos que sejam sábios e artistas, quando o apostolado o exigir.

26 DE OUTUBRO

Deus innocentiae restitutor et amator... [Deus, postulador e restaurador da inocência... ] 

Santo Inácio Mártir recomendava aos fiéis: baptismus vester maneat velut arma, fides ut galea, caritas ut hasta, patientia ut tota armatura [o batismo deve ser seu escudo; a fé, o elmo; a caridade, uma lança e a paciência, sua armadura inteira]. É da união com Deus, estabelecida pelo Batismo, que devemos tirar toda a nossa virtude. 

Por isso, lembrando a Deus que Ele ama a inocência e a restitui quando perdida pelo pecado, a Igreja reza: dirige ad te tuorum corda servorum [velai pelos corações dos vossos servos], isto é, que os chame a essa união pela graça, ut in fide inveniantur stabiles, et in opere efficaces [para que sejam firmes na fé e ativos em obras]. Se a nossa vida estiver colocada sobre as verdades de uma fé profunda, ela será certamente uma vida cheia da atividade de Deus. Não podendo imaginar uma vida cristã fora das verdades eternas, como pensar numa vida sacerdotal colocada sobre uma outra base? 

Nosso Senhor já nos avisou que não podemos construir sobre a areia. As verdades da fé estão continuamente diante de nós, pela Santa Missa, pelos Sacramentos, pelas festas litúrgicas de todo o ano. Que as saibamos viver; que, com elas, alimentemos nossa piedade e faremos chegar às almas aquela torrente de água viva que Nosso Senhor já previu: flumina fluent aquae vivae [hão de jorrar torrentes de água viva (Jo 7,38)].

25 DE OUTUBRO

Nemo lucernam accendens... [ninguém acende uma lâmpada... (Lc 8,16)]

Para que fôssemos a Luz do mundo, Deus nos escolheu e nos colocou nas alturas do sacerdócio. Conhecendo bem a nossa responsabilidade, a Igreja, mãe previdente, nunca deixou de se preocupar com seus filhos sacerdotes. Ela sabe que a nossa fraqueza é grande e que as nossas faltas poderiam velar, aos olhos do mundo, a luz que Deus acendeu em nossa vida.

Por isso ela insiste conosco, através do [Concílio] Tridentino: sic decet omnino clericos, in sortem Domini vocatos, vitam moresque suos omnes componere, ut habitu, gestu, incessu, sermone aliisque omnibus rebus nihil nisi grave, moderatum, ac religione plenum prae se ferant; levia etiam delicta, quae ipsis maxima essent, effugiant, ut eorum actiones cunctis afferant venerationem [por isso, é conveniente aos clérigos, chamados à sua vocação no Senhor, ordenar de tal forma suas vidas e costumes que não manifestem em seus trajes, gestos, passos ou conversações, nada de gravidade à sua conduta religiosa e que, afastando-se mesmo das faltas leves que neles seriam muito graves, possam inspirar a todos um especial respeito pelas suas ações].

Que nos afastemos de toda e qualquer mancha, pois, aos olhos de outros, as mínimas faltas seriam suficientes para empanar o brilho de nossa vida. Por isso, acrescenta o Concílio [de Trento, sessão XXXII]: quum enim a rebus saeculi in altiorem sublati locum conspiciantur, in eos, tamquam in speculum reliqui oculos conjiciunt, ex iisque sumunt quod imitentur [ao considerar (os sacerdotes) colocados acima de todas as coisas temporais, (os fieis) põem neles os olhos como vendo um espelho do qual possam tirar exemplos a imitar].

24 DE OUTUBRO 

Desertus est locus iste [esse lugar é deserto (Mc 6,35)]

Foi num lugar deserto, sem meios nem recursos, que Ele multiplicou os pães para a multidão que o acompanhava. As almas que eu devo alimentar não estão em melhores condições. Elas querem a grandeza infinita de Deus; e no mundo em que vivem, só encontram a aridez, o vazio de um deserto. 

E eu não devo estranhar que elas estejam nessa situação. Justamente por isso elas precisam de mim. No púlpito ou no confessionário, eu devo alimentar com minha palavra aqueles que me pedem Deus e a sua eternidade. Sempre, em toda parte, minha vida, nas mãos de Nosso Senhor, deverá ser uma pregação viva, uma contínua palavra de vida eterna, para aqueles que só conhecem o deserto em que vivem.

Se eu, que tanto recebi, não alimentar as almas, quem o poderá fazer? E não posso me queixar das dificuldades. Num meio culto ou entre ignorantes, nos grandes centros ou numa simples aldeia, em altos cargos ou mesmo esquecido pela obediência, tenho que repartir com as almas todas as riquezas que Nosso Senhor colocou em minhas mãos, ut vitam habeant, et abundantius habeant [para que tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10,10)].

23 DE OUTUBRO 

Adveniat regnum tuum [venha a nós o Vosso reino (Mt 6,10)]

Esta palavra reflete bem o único desejo que Nosso Senhor alimentou em sua vida: estabelecer o Reino de seu Pai neste mundo. Esse foi também o único desejo dos Apóstolos e a única aspiração dos santos em todos os tempos.

Ao entrar em Atenas, São Paulo ficou simplesmente fora de si, vendo a cidade mergulhada na idolatria: incitabatur spiritus eius in ipso, videns idolatriae deditam civitatem [seu espírito enchia-se de amargura à vista da cidade tomada pela idolatria (At 17,16)]. Apaixonado por Nosso Senhor o Apóstolo queria ver o Mestre em toda parte, em todos os tempos: Christus heri, Christus hodie, Ipse et in saecula [Jesus Cristo, ontem e hoje, o mesmo pelos séculos dos séculos].

Se eu não posso realizar o mesmo apostolado que São Paulo realizou, eu posso e devo ter o mesmo zelo que ele teve. Meu programa é o mesmo que ele soube viver: impendam et superimpendar [gastar-se e se desgastar]. Aos outros, imersos na leviandade e no paganismo de hoje, se minha vida sacerdotal for um espetáculo de fé, como deve ser, já será um apostolado simplesmente admirável. Tenho que tornar mais viva em minha vida essa aspiração que, todos os dias, a Igreja me põe nos lábios: adveniat regnum tuum! [venha a nós o Vosso reino]. Somente assim irei viver, como o Apóstolo, premido sempre pelo amor a Deus e às almas: Caritas Christi urget nos [o amor de Cristo nos impulsiona (IICor 5,14)].

22 DE OUTUBRO 

Et erat pernoctans in oratione [e passou toda a noite em oração (Lc 6,12)]

Depois de passar o dia todo ensinando ao povo e atendendo a uma multidão de doentes, pobres e ignorantes, Ele ainda podia passar noites em oração. É o que nós não podemos fazer, ao menos habitualmente, sem prejuízo do nosso repouso, e por isso, sem sacrifício da nossa saúde.

Se passamos também o nosso dia mergulhados no trabalho que não nos dá tréguas, não podemos, no entanto, descuidar a oração. Embora possamos transformar o nosso trabalho em união com Deus, o recolhimento e a reflexão nos fazem falta. E, nesse caso, o grande problema é o tempo. Se não podemos sacrificar a nossa atividade e o necessário descanso, procuremos diminuir o tempo dado aos jornais, às visitas e às conversas inúteis.

Sejamos avaros do nosso tempo e ele não nos será tão escasso. Afinal, não é somente para nós que o dia tem vinte e quatro horas apenas. Diz o Tridentino [Concílio de Trento]: Deus impossibilia non iubet, sed iubendo monet et facere quod possis, et petere quod non possis [Deus não manda o impossível; mas, quando manda, te adverte de fazer aquilo que podes e pedir aquilo que não podes]. Temos que realizar muita coisa que está acima de nossas forças, a começar pela nossa vida interior. Se rezarmos, Deus estará conosco; sem oração, Ele somente poderá assistir aos nossos fracassos.

21 DE OUTUBRO

Sacerdotes multi nomine, pauci vero opere [muitos sacerdotes de nome, poucos verdadeiramente de obras (São Gregório)]

Era assim no tempo do grande Pontífice da antiguidade. E, diante de certos casos, somos tentados a perguntar: será que hoje a situação mudou? É com tristeza que, às vezes, vem à nossa lembrança a palavra do Livro do Apocalipse: nomen habes quod vivas; et tamen mortuus es [és considerado vivo, mas estás morto (Ap 3,1)].

Poderá dizer que vive realmente para Deus e para as almas o sacerdote cuja virtude se reduz a evitar as faltas mais graves e cuja atividade se contenta com trabalhar um pouco? Em nossos dias, fala-se tanto da falta de sacerdotes! É verdade, somos poucos. Mas, o Reino dos Céus não é semelhante a uma sementinha? Se Nosso Senhor não exige que cada um seja mais do que deve ser, Ele exige também que não seja menos.

Olhando para a sua Igreja, o Mestre já previu que a messe iria ser muito grande e os operários poucos. Mas, se cada um fosse tanto quanto deve ser! Uma colher de fermento seria então suficiente para influir em toda a massa. Foi por isso que Nosso Senhor escolheu, para a conquista do mundo, apenas doze homens. Mas... eram apóstolos, isto é, fermento de alta qualidade. Ecce mundus sacerdotibus plenus est; et tamen, in messe Domini, rarus invenitur operator [há muitos sacerdotes no mundo mas, na messe do Senhor, são raros os obreiros de fato].

20 DE OUTUBRO

Ita ut possent neque panem manducare [não tinham lugar sequer para se alimentarem (Mc 3,20)]

Era essa a vida de Nosso Senhor e dos Apóstolos. Não podiam pensar em si mesmos. Et convenit multitudo [e reuniu-se uma multidão] — a multidão de sempre não lhes deixava um momento de sossego. Essa também, muitas vezes, é a vida do padre, em meio às lutas do seu ministério. 

E, graças a Deus, que a sua vida seja realmente como a vida do seu Mestre, de tal maneira que o zelo não lhe deixe tempo para pensar em si mesmo. No entanto, o padre não pode ser uma máquina de trabalho, mas uma alma em oração constante. E é por isso que, durante o dia, ele precisa não só alimentar o corpo, mas também abastecer o espírito. 

Saiba, portanto, fazer de tudo um degrau para se aproximar de Deus. Se lhe falta o tempo para a oração, o espírito de oração não conhece tempo nem lugar, podendo transformar um dia cheio de ocupações num dia cheio de Deus. Em cada minuto, deve estar a eternidade. Se nos fala de Deus a multidão que se comprime numa igreja, com a oração à flor dos lábios, também nos pode e deve falar de Deus a multidão que enche as ruas e praças, levando no olhar as preocupações deste mundo. Sempre, em toda parte, podemos juntar as mãos, em oração: semper et ubique gratias agere [dar graças em todo o tempo e lugar].

19 DE OUTUBRO

Remittuntur ei peccata multa [seus numerosos pecados foram perdoados (Lc 7,47)]

Ela era uma pecadora, publicamente conhecida como tal: mulier quae erat in civitate peccatrix [uma mulher que era uma pecadora da cidade]. Os que se diziam santos fremebant in eam... [vociferavam contra ela...] e chegaram mesmo a duvidar do Mestre: si esset propheta, sciret utique quae et qualis est mulier quae tangit eum [se esse fosse profeta, saberia quem e qual é a mulher que o toca (Lc 7, 39)].

Mas Aquele que era realmente santo a acolheu. Melhor que todos os presentes, Ele sabia que mulher era aquela; foi perdoada, quoniam dilexit multum [porque mostrou muito amor]. E quem teria acreditado nesta razão que o Mestre apresentava? Quando olho para a minha vida, não posso enumerar as minhas faltas; o que sei é apenas isto: peccavi nimis [pequei muitas vezes]. E assim, não posso dizer também quantas vezes fui perdoado. Somente sei que pecando muito, Deus me perdoou demais.

Qual o motivo desse perdão? Acaso porque eu o tenha amado muito, como a pecadora? Não. Sei muito bem que, até agora, não o tenho amado como devia. No caso da pecadora valeu esta explicação: dilexit multum [muito amor]; mas, no meu caso, preciso confessar que essa explicação não vale. Tem que ser outro o motivo. Só posso dizer, então, que Ele me perdoou muito, porque Ele me amou demais. Somente assim posso explicar esse perdão que até hoje não se esgotou: in finem dilexit [amou até o fim] — Ele me amou a mais não poder.

18 DE OUTUBRO

Et venerunt ad eum [e eles foram até Ele (Mc 3,13)]

Foi do alto de uma colina — ascendens in montem [no alto de um monte] — que Ele chamou os seus escolhidos: Vocavit ad se quos volunt ipse [chamou para si aqueles que Ele quis]. Ele chamou a quem Ele quis chamar.

Chamado também por Ele, para as alturas do sacerdócio, a Igreja me disse: Accedant... [aproxime-se] e eu me aproximei. Ouvindo meu nome, respondi: Adsum [aqui estou!]. Era o eco daquele eterno: Ecce ego, mitte me [eis-me aqui, envia-me]. Sim, naquele dia eu me apresentei. E para quê? Para o sacrifício, pois eu sabia que estava sendo chamado para junto de um altar, e o altar é a imolação. Tenho que manter minha palavra: Adsum [aqui estou!]. Para tudo o que Deus exigir de mim, para todos os sacrifícios, minha resposta não poderá ser outra; não posso voltar atrás.

Tenho que prolongar, até o fim da minha vida, a generosidade daquele momento que marcou o início de uma imolação. E esta deverá prolongar-se até a minha morte. Accedant [aproxime-se] — com esta palavra, a Igreja continua sempre acossando a minha covardia — quoniam dies mali sunt [pois os dias são maus (Ef 5,16)]. Não poderei vencer o comodismo egoísta de nossos dias a não ser com esse desprendimento dos Apóstolos. Para tudo, e sempre: Adsum [aqui estou!].

17 DE OUTUBRO 

Si scires donum Dei [se conhecesses o dom de Deus (Jo 4,10)]

Senhor, que aquela samaritana ignorasse o Presente de Deus e que ela não te conhecesse... compreendo. Ela era uma infeliz, cuja vida não passava de aventuras e misérias. Uma pobre mulher, cuja leviandade se preocupava com mil coisas, sem pensar em nada. 

Ela não podia mesmo imaginar que a infinita riqueza de Deus estivesse, assim de repente, tão perto da sua imensa miséria. O que, porém, não entendo, e não compreendes também, é que eu não te conheça bastante. Vivendo há tantos anos em tua casa e ao teu serviço, até hoje eu não soube apreciar, como devia, o presente que Deus me fez. Que eu viva sempre metido no poço deste mundo, à procura de um apego, de uma amizade ou dissipação que possa encher a minha vida... que eu viva procurando sempre meus interesses e minha vaidade, numa cisterna sem fundo como é o meu orgulho... quem o poderá entender?

Muito perto eu devo estar daqueles que desejaram tua ausência, porque sentiam ameaçados os seus rebanhos... Et rogare coeperunt eum, ut discederet de finibus eorum [e começaram a rogar-lhe que deixasse a região deles (Mc 5,17)]. Se neste mundo, alguém devia conhecer e estimar o donum Dei [dom de Deus], esse alguém por tudo quanto eu recebi, sou eu mesmo.

16 DE OUTUBRO

Ego sum Pastor bonus [Eu sou o Bom Pastor (Jo 10,11)]

Examinando bem a minha vida, vejo que há em mim um Bom Pastor, cheio de zelo e caridade. Conhece as suas ovelhas e vive à procura daquelas que se perderam. Dedica-se ao trabalho com entusiasmo e boa vontade, estando pronto para todos os sacrifícios.

Mas, por incrível que pareça, vive em mim também um mercenário. Embora procure ele disfarçar a própria existência, eu o vejo, escondido como um ladrão, nas profundezas de minha alma. Comodista, ele se queixa às vezes do trabalho e procura restringir-se ao estritamente necessário, com o fim de se poupar as forças. Vaidoso, cheio de si, o trabalho e o sacrifício não lhe agradam tanto como os elogios fáceis.

Interesseiro, muitas vezes quer pensar mais em si mesmo que nas próprias ovelhas, procurando desculpas que justifiquem o seu modo de pensar e de agir. Falso como é, mostra-se em tudo como um defensor sincero dos meus direitos, ainda que com prejuízo das ovelhas. Preciso afastar de minha vida esse mercenário antes que ele me faça sua vítima.

15 DE OUTUBRO

Vade ad mare, et mitte hamum [vá ao mar e lança o anzol (Mt 17,27)]

Que pobreza a de Nosso Senhor! Para poder pagar um imposto, precisou fazer um milagre. E que delicadeza a sua! Pagando o imposto, à custa de um milagre, não quis impressionar mal aos cobradores: ut non scandalisemus eos [para que não os escandalizemos].

O que mais estranhamos, porém, nesta passagem do Evangelho, é a complicação do milagre: vade ad mare, et mitte hamum; et eum piscem, qui primus ascenderit, tolle; et aperto ore eius, invenies staterem; illum sumens, da eis pro me et te [vá ao mar e lança o anzol; apanha o primeiro peixe que subir, abra-lhe a boca e encontrarás um estáter (moeda); toma-o e entrega a eles (cobradores de impostos) por mim e por ti (Mt 17,27)]. Para o Mestre, não teria sido o mesmo fazer aparecer a moeda já na mão do Apóstolo? Mais fácil e menos complicado.

É que, para Deus, nada é difícil e tudo é muito simples. Não conhecendo os seus caminhos — e não conhecemos nem os nossos — vemos tanto mistério nas disposições divinas. Quis consiliarius eius fuit? [quem já se fez seu conselheiro? (Rm 11,34)]. Justamente porque nada sabemos, deveríamos ter a simplicidade do Apóstolo, que soube obedecer prontamente ao Mestre. Quantas vezes uma aparente dificuldade nos faz desanimar! Achamos tudo tão difícil e complicado! E não nos lembramos de que, em nosso favor, Deus poderá também operar milagres; contanto que tenhamos fé e confiança, para nos conformarmos inteiramente às suas disposições.

14 DE OUTUBRO

Nisi per orationem et ieiunium [somente pela oração e pelo jejum (Mt 17,20)]

Confiados no poder que receberam, os discípulos tentaram a cura de um lunático, possesso do demônio. E não a conseguiram. Quare nos non potuimus ejicere illum? [por que nós não pudemos expulsá-lo? (Mt 17, 18)]. O Mestre respondeu: propter incredulitatem vestram [por causa da vossa incredulidade (falta de fé)]. 

Nosso Senhor nos mandou trabalhar em sua vinha e nos garantiu: Ego vobiscum sum [Eu estou convosco]. Mas, nem por isso podemos pensar que tudo irá correr às mil maravilhas. Vemos como as dificuldades, muitas vezes, estão plantadas à nossa frente, quantas montanhas que não conseguimos remover. Por que? Simplesmente porque a nossa fé não chega a ser sicut granum sinapis... [como um grão de mostarda...].

Contamos com as nossas forças e não calculamos também a força de Deus. Preocupamo-nos com todos os meios e esquecemos que todos eles dependem da graça. Não temos a fé e a confiança que deveríamos ter. Porque costumamos dar grande importância aos meios humanos, esquecendo que a oração e a penitência são os únicos meios verdadeiramente eficazes para o nosso apostolado. A oração e o sacrifício certamente não estão fora do nosso alcance. Realizaremos muito mais para Deus, se nos resolvermos a trabalhar com todos os meios de que dispomos, principalmente per orationem et ieiunium [pela oração e pelo jejum].

13 DE OUTUBRO 

Noli me arguere in ira tua [não me repreendas com vossa ira (Sl 6,2)]

Se o Salmista não queria, nós também não queremos ser julgados pela ira de Deus. É que ninguém deseja ser tratado com rigor, com dureza e rispidez. Todos procuram a bondade, a compreensão e a misericórdia.

Homem de Deus, o sacerdote precisa ter sempre um perfeito domínio de si mesmo. Que seu temperamento e os seus nervos não desequilibrem suas palavras, atitudes e decisões. In qua mensura mensi fueritis, remetietur vobis [com a medida com que tiverdes medido, vós sereis medidos (Mt 7,2)]. A experiência ensina que ninguém permanece diante de um púlpito, onde costumam estrugir tempestades, porque ninguém deseja ficar exposto aos raios e trovões.

E quando as almas percebem que, no confessionário, não está um Pater misericordiarum [pai de misericórdias], mas um judex ultionis [juiz de vinganças], fogem do sacramento ou se confessam mal. Sana me, quia infirmus sum [Curai-me porque estou desvalido] — é o que pedimos a Deus, confiando na sua misericórdia e é também o que as almas nos pedem, porque sabem que somos os dispensadores do perdão divino. Non est opus valentibus medicus [não são os sãos que precisam de médico (Mt 9, 12)] — se as almas nos procuram é porque desejam encontrar em nós o médico e o mestre que Nosso Senhor lhes deu.

12 DE OUTUBRO 

Ego vici mundum [Eu venci o mundo (Jo 16,33)]

'A mocidade da Igreja é eterna. De acordo com o tempo, ela muda de idade na sua marcha para a eternidade, mas não envelhece. Como os séculos que já se foram, os que lhe estão diante não perfazem senão um dia. 

A mocidade com a qual ela nos fala hoje é a mesma que possuía na época dos Césares. A Igreja primitiva teve na vitória uma confiança que recebia do seu ardor e força na sua inalterável segurança das palavras do Mestre: 'Eu venci o mundo'. A Igreja de hoje não pode simplesmente voltar às formas primitivas do pequeno rebanho inicial. Em sua maturidade, que não é velhice, ela ergue a cabeça e guarda em seus membros o inalterável vigor da mocidade. 

Necessariamente se conserva a mesma, não mudando nem os seus dogmas e nem a sua força vital. Ela é inexpugnável, indestrutível e invencível. É imutável; pela própria carta de sua fundação, assinada com o sangue do Filho de Deus, não pode mudar, mas progredir, assumindo formas novas, que correspondem à época do seu progresso. Mas isto não lhe muda a natureza. Como São Vicente Lerins tão bem o notou, a vida religiosa das almas imita a vida dos corpos que, crescendo, à medida que avançam em idade, continuam sendo, no entanto, os mesmos corpos que eram' (Pio XII).

11 DE OUTUBRO

Qui alium doces, te ipsum non doces [o que ensinas a outros, não ensina a si mesmo (Rm 2,21)]

Dirigindo-se aos sacerdotes, Pio XII escreveu: 'Tende em sumo conceito a graça da vossa vocação e vivei-a de modo que produza copiosos frutos, para a edificação da Igreja e para a conversão dos seus inimigos'.

Viver a nossa vocação — isto quer dizer: santificarmo-nos, para santificarmos aos outros. Como pensar nas almas, se antes não pensarmos em nossa alma? Como ensinar a outros o que não aprendemos ou não praticamos? São Paulo já nos chamou a atenção para esse ponto: confidis te ipsum esse ducem caecorum, lumen eorum qui in tenebris sunt. Eruditorem insipientium, magistrum infantium, habentem formam scientiae et veritatis in lege [tu, que te ufanas de ser guia dos cegos, luzeiro dos que estão em trevas, doutor dos ignorantes, mestre dos simples, porque encontras na lei a regra da ciência e da verdade (Rm 2, 19-20)].

Somos realmente os mestres, somos os guias. No entanto: qui in lege gloriaris, per praevaricationem legis Deum inhonoras [tu, que te glorias da lei, desonras a Deus pela transgressão da lei (Rm 2, 23)]. É o que acontece quando o mestre não se lembra que também precisa aprender, porque unus est Magister vester [um é o vosso Mestre]. Temos que aprender, no recolhimento e na meditação. Depois, poderemos ensinar pela pregação. E se assim não fizermos, o resultado será realmente lamentável: cuius vita despicitur, restat ut eius praedicatio contemnatur [quem tem vida desprezada, merecer ter suas palavras rejeitadas].

10 DE OUTUBRO 

Ut digne ambuletis [para que andeis dignamente (Ef 4,1)]

Em atenção à Santa Igreja, ao estado sacerdotal e à missão que deve realizar, o sacerdote não poderá expor o seu bom nome às intempéries da maledicência. Pelo contrário, lembre-se que as más línguas andam por toda parte.

Conhecedor da malícia do mundo, São Jerônimo escreveu: Duae res sunt conscientia et fama: conscientia tibi; fama proximo tuo [são duas coisas a consciência e a fama: a consciência para ti; a fama para o teu próximo]. Para o nosso apostolado, não basta que a nossa consciência esteja limpa; precisamos apresentar ao povo um nome e uma fama acima de qualquer suspeita. Para diminuir o sacerdote e manchar o seu nome, a hipocrisia do mundo costuma aprovar e até recomendar certas imprudências, como coisa muito natural. 

Basta que o padre consinta e o que antes era aprovado como natural e humano passa a ser condenado com o máximo rigor. E então, uma simples faísca de maledicência, que nunca falta nesses casos, estará logo transformada num incêndio. Nada restará do bom nome e da fama do sacerdote. Com ou sem culpa do padre, precisamos reconhecer que, muitas vezes, se aplica a palavra de São Gregório: quod per linguam praedicamus, per exempla destruimus [o que pregamos pela boca, destruímos pelo exemplo].

09 DE OUTUBRO

Qui facit opus Dei negligenter [quem faz com negligência a obra de Deus (Jr 48,10)]

A fim de ganhar a todos para Nosso Senhor, devo por na minha vida aquela elevação e dignidade que a Igreja exige de mim. Que impressão poderão ter as almas do sacerdote que não procura aparecer sempre como um Alter Christus [outro Cristo]?

Se, em toda parte, devo ser o Homo Dei [homem de Deus], muito mais no altar, quando me vejo, dispensator mysteriorum Dei [administrador dos mistérios de Deus], colocado entre Deus e os homens. As linhas da minha conduta somente poderão ser estas: digne, attente ac devote [digna, atenta e devotamente]. Celebrando o Santo Sacrifício, administrando os sacramentos, enfim, sempre que estiver tratando oficialmente com Deus, devo ser, aos olhos de todos, um homem diferente, em contato com o sobrenatural. 

Então, mais do que nunca, tenho que ser para todos o Homem que vive de Deus. Certas observações e censuras, embora muito justas, nunca sejam feitas durante as cerimônias sagradas; se necessário, antes ou depois, e sempre com uma caridosa discrição sacerdotal. A leviandade ou a ignorância somente as poderei corrigir, com atitudes e palavras dignas de um homem diferente. Minha intenção não poderá ser outra senão ensinar e edificar os fiéis. E se eu não o fizer, inutilem servum ejicite in tenebras exteriores [jogai esse servo inútil nas trevas exteriores (Mt 25,30)].


08 DE OUTUBRO

Volumus ut, quodcumque petierimus facias nobis [queremos que nos concedas tudo o que vos pedirmos (Mc 10,35)]

Nunca a pretensão apareceu tão bem ao lado da simplicidade. Eu não estranho, Senhor a pretensão dos teus discípulos, porque eles ignoravam os teus planos de Redenção e nem conheciam a tua sede de sacrifício: potestis... baptismum quo ego baptizor, baptizari? [podeis...ser batizados no batismo que sou batizado? (Mc 10, 38)]

O que eu admiro, sim, nos teus amigos, é a simplicidade com que eles não souberam esconder uma ambição bem grande, que marcava cuidadosamente os primeiros lugares do teu Reino. Admiro e invejo essa simplicidade infantil, porque, ambicioso e convencido eu sou, muito mais do que eles. E, não tendo a mesma simplicidade, minha malícia se encarrega de esconder as minhas pretensões.

Eu não te peço, como eles te pediram, que faças tudo o que eu quero. Apenas uma coisa te peço e quero pedi-la sempre: a simplicidade dos teus discípulos, para eu fazer tudo o que queres de mim. Dar-me-ei por muito feliz se a minha dedicação me levar a fazer, em tudo e sempre, a tua Vontade que só quer o meu bem. E quanto ao meu lugar no teu Reino... Eu sei que não preciso me preocupar. Há muito que o teu amor já pensou nisso: paratum vobis regnum a constitutione mundi [o reino está preparado para vós desde a criação do mundo (Mt 25, 34)].

07 DE OUTUBRO

Sancta Maria, Mater Dei, memento mei! [Santa Maria, Mãe de Deus, lembrai-vos de mim!]

O Rosário de Nossa Senhora: uma devoção tão antiga e sempre nova, porque não sai dos lábios das almas simples e fervorosas. É uma devoção tão rica para alimentar a nossa piedade porque nos coloca diante dos mistérios da Redenção e das Verdades eternas.

Nossa Senhora deve ter um amor todo especial a essa devoção que lhe recorda continuamente a saudação que Deus lhe dirigiu, no momento mais sublime da sua vida. Por isso compreendemos porque Ela tenha escolhido o Rosário, para, com essa devoção, operar maravilhas na Igreja de Deus. A um vigário, já idoso, que dirigia a paróquia mais fervorosa da diocese, alguém observou: 'o senhor tem sorte porque a sua paróquia é mesmo um modelo'. Ao que respondeu o piedoso velhinho: 'A minha sorte é poder rezar, todos os dias na igreja, o meu Terço com os meus paroquianos'. Era esse o segredo de todo o fervor daquela paróquia.

Coloquemos o Terço em nossa vida de todos os dias; não tanto como uma oração vocal, mas principalmente como oração mental. E a experiência nos irá mostrar como essa devoção tem realmente uma força extraordinária. Quanto mais fervor e cuidado pusermos na recitação do nosso Terço, tanto mais sacerdotal irá se tornando a nossa vida.

06 DE OUTUBRO 

Cavete a fermento pharisaeorum! [tende cuidado com o fermento dos fariseus! (Mt 16,6)]

Nosso Senhor mesmo explicou que esse fermento outra coisa não é senão a hipocrisia e a mentira. Se eu vivesse entre anjos, a prática da virtude certamente não me seria muito difícil. Mas acontece que eu vivo num mundo positus in maligno [sob o julgo do maligno]; se eu não me prevenir, fugindo à sua mentalidade, ele acabará me contagiando.

Foi São Gregório quem escreveu: neque enim valde laudabilis est, bonum esse cum bonis, sed bonum esse cum malis [porque há grande louvor não em ser bom entre os bons, mas ser bom entre os maus]. A vida de união com Deus, pela oração, deverá me transformar no Homo Dei [homem de Deus]; ao passo que, condescendendo com o mundo, serei um dos seus, vivendo de acordo com a sua mentalidade. 

E esta não é apenas a negação e a ausência do sobrenatural; é principalmente a presença da hipocrisia e da malícia. O mundo sempre se contenta com qualquer coisa, contanto que seja mentira. A verdade é que não lhe interessa. Unctionem quam accepistis ab eo maneat in vobis... sicut docuit vos, manete in eo [a unção que dele recebestes permanece em vós... permanecei nele, como Ele vos ensinou (1Jo 2,27)]. Somente permanecendo nEle poderei ficar livre da mentira. Cavete! [Tende cuidado!]. Se Nosso Senhor me avisou, Ele sabe o porquê. E, olhando para as minhas quedas, eu também deveria saber porque não devo facilitar.

05 DE OUTUBRO

Communicantes christi passionibus [participantes dos sofrimentos de Cristo (1Pd 4,13)]

É com alegria que devemos olhar para a nossa vida, extinguindo-se aos poucos, num sacrifício contínuo que oferecemos a Nosso Senhor. Graças a Deus, se podemos trabalhar para Ele; e se não pudermos trabalhar, graças a Deus também, porque poderemos sofrer mais por Ele. Como os mártires, temos que cantar durante o sacrifício de nossa vida.

O nosso ministério é todo marcado de lutas e renúncias. Mas nós sabemos bem para quem estaremos sofrendo e diante de quem está se extinguindo a lâmpada dos nossos dias. Se Ele nos chama para a imolação, se Ele nos deu uma cruz a carregar, a sua bondade apressou-se a nos encorajar, mostrando-nos, após o sacrifício, a ressurreição. 

Se Ele nos mostrou a cruz — abneget semetipsum [ao negar-se a si mesmo] — foi sobre o fundo de uma esperança: in domo Patris mei mansiones multae sunt [na casa do meu Pai há muitas moradas (Jo 14,2)]. Temos que nos alegrar porque a nossa imolação de cada dia é para Aquele que nos ama e para Aquele que pôs a sua confiança em nós. Ele nunca iludiu a nossa esperança; por isso, nenhum motivo pode haver de desânimo ou tristeza. Ibant Apostoli gaudentes, quoniam digni habiti sunt contumeliam pati [os Apóstolos saíram cheios de alegria por terem sido achados dignos de sofrer ofensas (At 5,41)]. A esse ponto devemos chegar, porque certamente non sunt condignae passiones huius temporis ad futuram gloriam [os sofrimentos da vida presente não se comparam com a glória futura (Rm 8,18)].

04 DE OUTUBRO

Qui contempsit vitam mundi [que desprezou a vida terrena]

Justamente por ter desprezado o espírito do mundo, São Francisco soube amar o mundo com o espírito de Deus. Chamaram-no de poeta; mas a Igreja é quem lhe dá o título acertado: Verus Dei cultor [um verdadeiro adorador de Deus] — aquele que via Deus em tudo, extasiando-se para adorá-lo nas estrelas, nas aves ou nas flores: Pater tales quaerit qui adorent eum [são esses os adoradores que o Pai deseja (Jo 4,23)].

A humildade e a penitência nunca o abateram, nem o puderam diminuir, porque a sua confiança sempre o elevou, conservando-o naquele desapego perfeito de tudo; era a despreocupação de quem tudo possuía, por haver desprezado o pó da terra. Seu coração teve apenas um desejo: Deus meus et omnia [meu Deus e meu tudo].

Por humildade não chegou ao sacerdócio mas, assim mesmo, ficou sendo um modelo para nós, como homem que vivia exclusivamente para Deus e para as almas. Ecce homo sine querela [eis um homem contra quem não há queixas (de conduta irrepreensível)] — é assim que a Igreja no-lo mostra, porque assim deveríamos ser para que assim nos pudéssemos apresentar diante do mundo. Foi assim que Nosso Senhor nos viu: lux mundi [luz do mundo]. Abstinens se ab omni opere malo, permanens in innocentia sua, pervenit ad caelestia regna [abstraído de toda obra má, manteve a sua inocência, alcançou o reino celestial] — é toda a sua biografia. E nessas palavras deve estar também a nossa vida.

03 DE OUTUBRO

Amat Christus infantiam [ Cristo amava a infância]

Assim me diz São Leão Magno e eu o compreendo, depois que o Evangelista observou: et complexans eos, et imponens manus super illos, benedicebat eos [(Jesus) as abraçou (as crianças) e as abençoou, impondo-lhes as mãos (Mc 10,16)]. Senhor, a tua Igreja me lembra hoje aquela inocência infantil que quiseste ver, enfeitando sempre a minha vida. Acho que a infância dos meus primeiros anos de sacerdócio há muito não me vem acompanhando. 

Naquele tempo, havia mais inocência e docilidade, mais fervor e dedicação em minha vida. Hoje, o contato com os homens apagou, em parte, aquela simplicidade da minha vida e apareceram a malícia e a mentira ao longo do meu caminho. À medida que os anos foram passando, muita coisa mudou, e, às vezes, para pior.

A experiência com os homens e com as coisas me ensinou o comodismo, o apego inútil, a dissipação, a vaidade. Mais, em contato com o mundo, ele me contagiou, às vezes, com seu espírito leviano e superficial. Nem sempre consegui isolar-me da sua força de atração e meu modo de pensar ou de agir muitas vezes esteve marcado com um espírito que não revela a inocência e a simplicidade que me ensinaste. Senhor, reconheço que preciso voltar atrás, para achar aquele que eu era: ametur humilitas [temperado pela humildade].

02 DE OUTUBRO

Ego mittam angelum meum [Eu envio um anjo meu (Ex 23,20)]

Verdade consoladora, essa que hoje a Igreja me lembra: desde que nasci, tenho ao meu lado um anjo de Deus. E Deus mesmo é quem lhe ordena que me guarde e defenda: qui praecedat te, et custodiat [que vá adiante de ti e te proteja]. Não o posso esquecer, nem posso ignorar a sua presença em minha vida: observa eum, et audi vocem eius [atente-se para ele e ouça a sua voz].

Deve ser essa a missão preferida pelos anjos: guardar os sacerdotes de Nosso Senhor. Não será para eles uma honra acompanhar os Ministros de Deus, no altar, no confessionário, no púlpito, à cabeceira dos agonizantes? Se eu me lembrasse mais vezes da presença do meu anjo, ele me lembraria mais da presença de Deus. Eu não me veria tão sozinho nas dificuldades, diante dos sacrifícios, do trabalho e nas tentações. 

Se eu me lembrasse mais do meu anjo, se eu vivesse mais com ele, eu teria sempre comigo uma lembrança da eternidade e minha vida não seria tão terrena e dissipada. O respeito e a reverência com que me acompanha em toda parte poderiam levar-me a respeitar mais a minha grandeza e dignidade. Nos ergo affectuose diligamus angelos, tamquam futuros aliquando coheredes nostros, interim vero tutores a Patre positos et praepositos nobis [por isso, nós amamos ternamente os anjos, nossos futuros co-herdeiros, colocados desde agora junto a nós pelo Pai como nossos guias e guardiões (São Bernardo)].

10 DE OUTUBRO 

Quis revolvit nobis lapidem? [quem removerá a pedra para nós? (Mc 16,3)]

Não era pequena a pedra que fechava o sepulcro: erat quippe magnus valde [porque era  uma pedra muito grande]. Mesmo assim Ele ressuscitou e saiu do sepulcro, ut quomodo Christus ressurrexit, et nos ressurgamus cum Illo [e tal como Jesus ressuscitou, ressuscitamos com Ele].

Essa ressurreição é a nossa esperança e a nossa garantia de uma ressurreição eterna que nos espera. E enquanto ela não se realiza, temos que ressuscitar, cada dia, das faltas para a virtude e da indiferença para o fervor. Diante de nós, como junto ao sepulcro de Lázaro, Nosso Senhor está mandando: tollite lapidem! [removei a pedra! (Jo 11, 39)]. E não podemos esperar que outros o façam para nós. Ele quer o nosso esforço nesse sentido. Mas nós ficamos duvidando...

Não queremos renunciar a esta amizade e nem aceitamos aquele sacrifício. Não nos conformamos em evitar esta ou aquela ocasião. Mas Ele insiste e continua mandando: tollite lapidem! [removei a pedra!]. Temos que remover a pedra que nos conserva encerrados na indiferença ou na tibieza. Sem isso, Ele não realizará o milagre da nossa ressurreição. Se o nosso fervor não está correspondendo e se não realizamos mais pelas almas, não será por causa de alguma pedra que não queremos afastar do nosso caminho? Para a nossa mesquinhez e covardia, a ordem de Nosso Senhor continua sendo a mesma: tollite lapidem! [removei a pedra!]. Sem isso não se realizará a ressurreição que esperamos.

30 DE SETEMBRO

Ut serves mandatum sine macula [para que guardes o mandamento sem mácula (1Tm 6,14)]

'A época em que vivemos sofre de uma grave perturbação em todos os terrenos: sistemas filosóficos que nascem e morrem, sem nada melhorarem os costumes; monstruosidades de certa arte que pretende apresentar-se como cristã; critérios de governo que, em muitos lugares, se convertem antes na opressão dos povos que em bem comum; métodos de vida e de relações econômicas ou sociais, em que correm maior perigo os honestos que os sem consciência.

Daí deriva, quase naturalmente, que não faltem de todo em nossos tempos, sacerdotes infectados de alguma maneira de semelhante contágio; que manifestam opiniões e levam um teor de vida, até no modo de vestir-se e cuidar de si, inteiramente contrários tanto à sua dignidade como à sua missão; que se deixam empolgar pela mania de novidades, seja no pregar aos fiéis, seja no modo de combater os erros dos adversários; e que comprometem portanto, não somente a própria consciência, mas ainda a sua boa fama, e, por isso, a eficácia do seu ministério.

A novidade nunca foi, por si mesmo, um critério de verdade, e só pode ser louvável quando confirma a verdade e leva à virtude' (Pio XII).


29 DE SETEMBRO

Quis ascendet in montem Domini? [quem subirá ao monte do Senhor? (Sl 23,3)]

Senhor, é o teu Salmista mesmo quem me responde: qui non intendit mentem suam ad vana [quem não se preocupa com coisas vãs]. E, pelo caminho da minha vida, há tanta coisa inútil prendendo a minha atenção! No entanto, eu deveria olhar somente para a tua morte, porque ela é a minha vida, a vida que eu devo viver.

Todos os dias tenho diante de mim o teu aniquilamento, a tua morte, sobre a cruz do meu altar. E é com a tua morte que a minha vida de todos os dias deverá elevar-se até a Justiça infinita. Diariamente és a minha vítima, colocada nas minhas mãos; que eu seja também, continuamente, a tua vítima, em tuas mãos, para glória do Pai!

Ensina-me a respeitar a minha vida que, como a tua, deve ser uma imolação contínua. Que eu não desvie meus olhos e a minha atenção para outra coisa que não seja a tua morte porque, sendo ela a minha vida, eu não a estaria vivendo se a esquecesse. É per Ipsum, et cum Ipso [é por Ele e com Ele] que eu devo viver. Que eu saiba, em minha vida, aceitar todo trabalho e todo sacrifício, com a mesma sede com que o teu amor aceitou aquele fel e vinagre, para glória do Pai. Que eu me conforme em ir deixando, todos dias, a minha vida em tuas mãos; sim, in manus tuas [em tuas mãos], até o momento de poder cantar: Domine Jesu, accipe spiritum meum [Senhor Jesus, recebe o meu espírito].

28 DE SETEMBRO 

Crescamus in illo [cresçamos em tudo (todos os sentidos) (Ef 4,15)]

A Santa Missa, diariamente celebrada e vivida, será para o sacerdote a fonte principal da sua piedade e do seu zelo pelas almas. É desse encontro diário com o seu Mestre que o sacerdote irá receber aquele espírito de vítima, que o deve levar ao sacrifício de si mesmo, pelas almas, para glória do Pai.

A este respeito, escreveu Pio XII: 'Estando tão estreitamente em contato com os divinos mistérios, o sacerdote não poderá deixar de sentir fome e sede de santidade ou deixar de sentir estímulo para adotar sua vida à própria dignidade, orientando-a para o sacrifício, porque deve imolar-se a si mesmo com Nosso Senhor'. Podemos dizer, portanto, que a vida do padre será aquilo que for a sua Missa de cada dia. Razão tinha, e bastante, quem observou: 'pela Missa que celebra se conhece o padre'.

Se tudo em nossa vida pode e deve ser um meio de nos unirmos mais a Deus — diligentibus Deum omnia cooperantur in bonum [todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus (Rm 8, 28)] — que dizer da Santa Missa, que nos eleva acima dos anjos, revestindo-nos, de certo modo, da pessoa mesma de Nosso Senhor? Que a celebremos, todos os dias, in unione illius divinae intentionis [em união com essa divina intenção] e essa intenção divina irá penetrar toda a nossa atividade, transformando a nossa vida na oblação que ela deve ser: suscipe hanc oblationem... [recebei essa oblação...].

27 DE SETEMBRO 

Littera enim occidit [pois a letra mata (2Cor 3,6)]

Ao falar com a samaritana, disse Nosso Senhor:  veri adoratores adorabunt Patrem in spiritu et veritate. Nam et Pater tales quaerit qui adorent eum [os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade e são esses os adoradores que o Pai deseja (Jo 4,23)]. E São Paulo também lembrou aos fiéis que a letra, sendo morta, não pode dar a vida: spiritus autem vivificat [mas o espírito vivifica (dá a vida)].

Tratando-se dos Ofícios divinos, principalmente da Santa Missa, não podemos esquecer que a Liturgia não está na letra, mas no espírito. Todo o cerimonial exterior deverá refletir a piedade interior que a Igreja supõe no sacerdote. Não basta que a Santa Missa seja celebrada com perfeição exterior nas cerimônias e orações. Não basta que tudo seja medido e calculado ao pé da letra. Pode a Missa ser caprichada, perfeitamente exata em tudo; se lhe faltar a piedade interior do celebrante, as cerimônias serão um mero artifício e não irão passar de um simples espetáculo, frio e sem alma, que não eleva nem desperta o fervor.

A Missa verdadeiramente litúrgica, viva, capaz de impressionar, é fruto e consequência da piedade interior do celebrante; portanto, não pode ser improvisada: praecipuum divini cultus elementum internum esse debet [o elemento essencial do culto divino deve ser interno] (Encíclica Mediator Dei, Pio XII).

26 DE SETEMBRO 

Si tecum sum [se estou convosco (Sl 72, 23)]

A falta de fervor e a exagerada preocupação com o trabalho levam, às vezes, o padre a encarar a Santa Missa, como um malum necessarium [mal necessário], uma ocupação a mais, entre as muitas que lhe enchem o dia. Acontece então que padre procura se desvencilhar, o mais depressa possível, desse ônus. Celebrar quanto antes, até sem preparação.

As cerimônias apressadas não chegam a dar uma ideia do que deveriam ser. As palavras, mutiladas, revelam indiferença, rotina e desejo de terminar quanto antes. E alguns ainda se desculpam dizendo que não sabem fazer nada devagar... Que valor terá esta desculpa diante de Nosso Senhor?

Precisamos, no entanto, evitar a Missa que não termina mais, devido aos escrúpulos e à devoção particular. A Santa Missa não é tanto para o celebrante, como para os fiéis. A Igreja não confiou à devoção de cada um, introduzir ritos e cerimônias estranhas. A prescrição do Código é clara: sacerdos celebrans, accurate ac devote servet rubricas... caveatque ne alias caeremonias aut preces proprio arbitrio adiungat (cânon 818) [o sacerdote celebrante observará cuidadosa e devotamente as matérias (litúrgicas)... sem acrescentar por seu próprio arbítrio outras orações e cerimônias (cânon 818, cânon integrante do Código Canônico de 1927 (vigente à época do texto original), revogado pelo novo Código Canônico de 1983, atualmente em vigor)]. Notemos bem: accurate ac devote [cuidadosa e devotamente]. Mais, não é necessário.

25 DE SETEMBRO

Osculo filium hominis tradis? [com um beijo trais o Filho do Homem? (Lc 22, 48)]

Esta dolorosa pergunta não comoveu o coração do traidor. Poderia comover o sacerdote que se aproxima indignamente do altar? Quando a consciência não reage mais... A Missa sacrílega é o pecado que os leigos não podem cometer. Triste privilégio dos padres! O celebrante em guerra com Nosso Senhor aproximando-se do altar, como Judas se aproximou do Mestre: amice, ad quid venisti? [amigo, é para isso que vieste? (Mt 26, 50)].

Nosso Senhor não estranhou o pecado daqueles que o foram prender. Ele mesmo explicou que era a hora das trevas. Mas estranhou a traição daquele que sempre distinguira como amigo. A que ponto pode chegar uma vida sacerdotal falsificada! E há os que repetem o gesto de Judas muitas vezes. Não será também para eles a palavra de Nosso Senhor: bonum erat ei si natus non fuisset homo ille? [melhor seria para este homem nunca ter nascido (Mt 26,24)].

Que valha para nós esta regra: nunca subir ao altar sem um fervoroso ato de contrição e não dispensar uma confissão sincera, no caso de alguma falta grave. Abyssus abyssum invocat [um abismo chama outro abismo (Sl 41, 8)] — uma Missa celebrada sem muita pureza da alma poderá ser a beira de um despenhadeiro. Erat autem nox... [era noite...] — em plena noite do pecado, Judas foi à procura da sua Vítima. A sua traição, porém, já vinha de longe, quia fur erat... et nemo repente fit malus [porque era ladrão ... e ninguém se torna mal de repente].

24 DE SETEMBRO

Qui laetificat iuventutem meam [que alegra a minha juventude]

Todo o fervor de nossa vida sacerdotal depende da nossa missa de cada dia. Não se trata de um sacrifício que oferecemos e terminamos. Se as cerimônias terminam, o espírito de imolação deverá ser contínuo em nossa vida. Terminado o sacrifício de Nosso Senhor, o nosso deverá continuar pelo dia afora.

Não é sem motivo que a Igreja nos prescreve: sacerdos celebraturus missam, orationi aliquantulum vacet [o sacerdote para celebrar uma missa deve dedicar algum tempo à oração]. Será demais? São João Eudes dizia que, para celebrar dignamente a Santa Missa, o sacerdote precisaria de três eternidades: uma para a preparação, outra para a celebração, e uma terceira para a ação de graças.

O que a Igreja estabelece é, portanto, o mínimo para que subamos ao altar digne, attente ac devote [digna, atenta e devotamente]. Durante a missa, mais que em qualquer outro momento de nossa vida: nihil nisi grave, moderatum, ac religione plenum [nada exceto o que seja sério, moderado e pleno de religiosidade]. Trata-se de renovar e oferecer o Sacrifício da Redenção. E, terminada a missa, cum recubuisset supra pectus Jesu [recostando-se sobre o peito de Jesus] — temos muito para falar com Nosso Senhor e o tempo de nossa ação de graças é sagrado. Que o nosso pondus diei [peso do dia] espere um pouco e lhe daremos toda a atenção que merece, tomando com todo fervor o manipulum fletus et doloris [o manípulo do pranto e da dor] do nosso trabalho diário.

23 DE SETEMBRO 

Ut servum redimeres [para redimir escravos]

A Igreja explica toda a obra da Redenção, como uma consequência do amor infinito de Deus: inaestimabilis dilectio caritatis: ut servum redimeres, Filium tradidisti [ó incomparável predileção do amor: para redimir escravos, entregastes o (Vosso) Filho (canto do Exultet)]. E o Apóstolo, referindo-se a esse amor, diz simplesmente: in finem dilexit nos [amou-nos até o fim]. Isto quer dizer que Deus nos amou a mais não poder, embora o seu amor seja infinito.

Se Ele é a Verdade para a nossa inteligência, Ele é principalmente o Amor, que devemos conhecer e amar com o coração. Sob esse prisma é que o devemos estudar, e nunca chegaríamos a compreender a Redenção, a não ser recorrendo à palavra do Apóstolo: Deus é amor. Era infinita a distância entre Verbum [Verbo (palavra)] e caro [carne]; mas o amor infinito a percorreu: Verbum caro factum est [E o Verbo se fez carne]. 

E, depois disso, tudo foi possível: o Presépio, o trabalho em Nazaré, aquela vida ao sol, à chuva, em absoluta pobreza, as perseguições, os horrores da Paixão e da morte. E a única explicação que encontramos para tudo, não pode ser outra: Ele é simplesmente o Amor: vivit amor excessibus [o amor que vive apenas de excessos]. Compreendemos que, para ensinar Nosso Senhor às almas, precisamos conhecê-lo com a inteligência e com o coração: noverim te, ut amem te [que eu vos conheça, para que vos ame].

22 DE SETEMBRO

Sicut Dei ministros [como ministros de Deus (2Cor 6,4)]

De que maneira? É São Paulo mesmo quem no-lo explica: in laboritus, in ieiuniis, in castitate, in scientia, in longanimitate, in suavitate, in Spiritu Sancto, in caritate non ficta, in verbo veritatis [nos trabalhos, nos jejuns, pela pureza, pela ciência, pela longanimidade, pela bondade, pelo Espírito Santo, pelo amor não fingido, pela palavra da verdade].

Que programa imenso a ser realizado para que o mundo nos possa ver como Ministros de Deus! E quanta atividade interior não está exigindo de nós, cada ponto desse programa que nos é proposto! Alguém observou que o trabalho das raízes, na profundeza do solo, é lento, invisível e silencioso. Mas, se faltasse esse trabalho, não haveria nem flores e nem frutos sobre a terra.

O mundo somente nos terá como Ministros de Deus se a nossa vida exterior tiver raízes profundas, trabalhando numa vida interior de intensa e sólida piedade. Como poderá iluminar uma lâmpada que não recebe o óleo de que se alimenta? Aptate lampades vestras [preparai as vossas lâmpadas] — Lembremos aqui uma frase de Pio XII: 'Atingiremos a meta prefixada (pelo sacerdócio) somente quando tivermos atingido a nossa santificação, de modo a podermos comunicar a outros a vida que houvermos haurido de Cristo: noli negligere gratiam quae in te est [não negligencies a graça que está em ti (1Tm 4,14)].


21 DE SETEMBRO

Imitamini quod tractatis [imitemos o que celebramos]

Foi essa a recomendação que me fez a Igreja, no dia da minha ordenação. E o seu pensamento é claro: tratando continuamente com a Vítima divina, eu também devo viver nesse estado de vítima, pelas almas e para a glória do Pai.

Todos os dias eu renovo, sobre o altar, o sacrifício do Calvário; sou representante e ministro de um Crucificado; vivo ensinando ao mundo uma doutrina de Redenção, pela Cruz; todos os dias, portanto, eu devo realizar o sacrifício de mim mesmo. Essa a imitação de que me fala a Igreja. Minha vontade, entregue à obediência: Ita, Pater [Sim, Pai]. Meu apego dominado pelo desprendimento: Filius Hominis non habet ubi caput reclinet [o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça]. Meu comodismo, substituído pelo espírito de sacrifício: maiorem caritatem nemo habet, ut animam suam ponat quis pro amicis suis [ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos (Jo 15, 13)]. E minha dissipação, dominada pela vigilância e recolhimento: vigilate et orate [vigiai e orai].

É assim que eu o devo imitar, para que Ele apareça como Vítima em minha vida. Meu orgulho e minha vaidade terão que desaparecer, diante esse aniquilamento a que vejo reduzido o meu Mestre, simples migalha eucarística em minhas mãos. E posso dizer que minha vida tem sido essa morte?

20 DE SETEMBRO 

Momento durat ira eius [a sua ira dura um só momento (Sl 30,5)]

Se assim acontece com o rigor da sua cólera, com a sua bondade é diferente: benevolentia autem eius per totam vitam [mas a sua complacência (dura) por toda a vida] — acrescenta o próprio Salmista. Deus é mesmo assim: Deus caritas est [Deus é amor] — e eu não o posso imaginar de outra forma, nem o devo ensinar às almas como se Ele fosse outro, diferente.

Durante a sua vida neste mundo, Nosso Senhor insistiu muito mais em nos mostrar a sua misericórdia que a sua justiça. E eu não o posso apresentar, pela minha palavra e pelo meu exemplo, a não ser com esse traço de misericórdia infinita com que Ele mesmo se apresentou ao mundo. Foi assim que o Apóstolo o conheceu: Pater misericordiarum — Deus totius consolationis [Pai de misericórdia - Deus de toda consolação].

Se eu o mostrar às almas, assim como Ele nos apareceu — apparuit benignitas Salvatoris [apareceu a bondade do Salvador] — não estarei fazendo mais que secundar os seus desejos. Antes de mostrar a justiça de Deus, tenho que mostrar a sua misericórdia, pois o homem só merece a justiça divina depois que conhecer e desprezar a bondade de Deus. Ut plures lucri facerem [Para ganhar o maior número possível (de almas) (I Cor 9,19)] , preciso ensinar o meu Mestre, tal qual Ele era e continua sendo. E para o ensinar, preciso conhecê-lo, assim como Ele quis ser conhecido e amado por todos: bonitate et amore plenum [cheio de bondade e amor].

19 DE SETEMBRO 

Oblectamentum Ecclesiae [regozijo da Igreja]

Para as almas, nós somos os Mestres da Lei divina. É por isso que a nossa virtude deve estar aos olhos de todos, e acima de todos: super candelabrum [(como luz) sobre o candelabro (candeeiro)]. Foi Nosso Senhor mesmo quem comparou a nossa vida a uma luz, que a todos deve lembrar a Luz da santidade infinita: sic luceat lux vestra [assim brilhe a vossa luz].

Diz Santo Ambrósio: singulare pondus sanctitatis sibi vindicat dignitas sacerdotalis [a dignidade sacerdotal reivindica para si própria uma relevância particular]. Onde poderão as almas encontrar a santidade, se a não viverem naqueles que devem ser a luz do mundo? Podemos e devemos ser humanos, simples e compreensivos, é certo; mas nem por isso iremos renunciar a uma santidade superior, já que a nossa dignidade se eleva acima dos próprios anjos.

Pensar, falar e agir como qualquer pessoa, não é certamente estar acima; é igualar-se e até inferiorizar-se diante dos outros. Tantum inter sacerdotem et quemlibet probum interesse debet, quantum inter caelum et terram discriminis est [tanto há de distar um sacerdote de qualquer bom leigo tanto quanto se distinguem o céu e a terra] — diz um santo [Santo Isidoro de Peluza]. E Nosso Senhor foi bem claro, quando nos disse: nisi abundaverit iustitia vestra plus quam scribarum et pharisaeorum... [se vossa justiça não exceder mais que a dos escribas e fariseus...]. Sim, para todos temos que ser os Mestres da Lei. Mas, para isso, precisamos antes aprender com Nosso Senhor.

18 DE SETEMBRO 

Dominus bene fecit tibi [o Senhor foi bom para contigo (Sl 114,7)]

Porque o Senhor não te fez mal algum; porque Ele somente se preocupou com teu bem, redi, anima mea, ad tranquilitatem tuam![volta, minha alma, para a tua serenidade!]. Assim exclamava o Salmista. A falta de confiança e o pessimismo, nunca realizaram qualquer coisa para Deus. São péssimos conselheiros, que costumam por a perder qualquer iniciativa. 

Deus tem a sua hora, justamente quando tudo nos parece perdido. Foi assim no dia em que a tempestade, no lago, quase fez naufragar o barco dos Apóstolos. Deus permite as lutas e dificuldades no nosso ministério, porque, sem isso, não nos poderia recompensar. Ele não tem esse prazer, tão nosso, de ver alguém sofrer. Ele nunca nos apresenta uma dificuldade vazia; há em tudo um mérito à nossa espera. 

Pai amoroso, Ele se compraz em quebrar conosco as nossas dificuldades, gozando, com seus filhos, a alegria de colherem um resultado, à custa de trabalho e de esforço. Por incrível que pareça, precisamos ser compreensivos para com Deus, não o interpretando segundo as normas da nossa maldade. Custodit simplices Dominus [guardai-vos íntegros no Senhor].

17 DE SETEMBRO

Sicut et nos dimittimus [assim como nós perdoamos (Mt 6,12)]

'Resplandeça o vosso zelo de caridade benigna, pois se é necessário — como dever de todos — combater o erro e rechaçar o vício, o espírito do sacerdote deve estar sempre aberto à compaixão. É imperioso combater com todas as forças o erro, mas amando intensamente o irmão que erra e conduzindo-o à salvação.

Quanto bem não fizeram, quão admiráveis obras não realizaram os santos com a sua benignidade, mesmo em ambientes pervertidos pela mentira e degradados pelo vício! Trairia certamente o seu ministério aquele que, para agradar aos homens, lisonjeasse as suas inclinações malsãs ou se mostrasse indulgente com seu modo incorreto de pensar e agir, com prejuízo para a doutrina cristã e integridade dos costumes.

Quando porém, são observados os ensinamentos do Evangelho e os que erram se mostram movidos de um sincero desejo de retornar ao bom caminho, então deverá o sacerdote recordar-se da resposta que o Senhor deu a Pedro, quando este lhe perguntou quantas vezes se devia perdoar ao irmão: 'Não te digo sete vezes, mas até setenta vezes sete' (Mt 18,22) (Pio XII).

16 DE SETEMBRO 

Et illi sint mecum [também eles estejam comigo (Jo 17,24)]

Nunca o Mestre Divino rezou assim, manifestando a sua vontade quase como uma exigência: Meu Pai, onde eu estiver, quero também comigo aqueles que me deste! Volo [quero] — por que? — quia tui sunt [porque são vossos] — o mesmo que se dissesse: porque são meus, eles também te pertencem.

Meditando a Oração sacerdotal de Nosso Senhor no Cenáculo (Jo 17), podemos fazer uma ideia do quanto Ele nos quer, do quanto Ele se preocupa com os seus sacerdotes. Daí também o carinho verdadeiramente maternal com que a Igreja nos olha. No dia em que ela nos ungiu para o ministério, ela rezou por nós com estas palavras: Pai onipotente, dai a estes vossos servos o espírito do sacerdócio!

Renovai em seus corações o espírito de santidade, a fim de que sustentem com honra essa dignidade que lhes confiais, e seus costumes sejam um modelo para o mundo. Perguntemos à nossa consciência se estamos correspondendo à preocupação com que Nosso Senhor rezou por nós. Saberemos corresponder, se conservarmos sempre vivo esse 'espírito do sacerdócio' que a Igreja quis ver sempre em nossa vida.

15 DE SETEMBRO 

In omnibus gratias agite [dai graças em todas as circunstâncias (1Ts 5,18)]

Um conselho do Apóstolo, que eu também preciso por em prática. Quantas vezes o trabalho, os aborrecimentos e as contrariedades podem provocar o meu mau humor, tornando-me pesado e até descaridoso para com os outros! Nada mais triste, que um santo triste. 

E se eu devo ser um santo, a serviço de Deus, em minha vida deve haver sempre uma santa alegria de reconhecimento, por tudo o que dEle recebi. Depois da Anunciação, Nossa Senhora cantou de alegria e gratidão, embora pudesse prever todos os sofrimentos que lhe reservava a dignidade que recebera. Deus me quer como a uma criança, que o serve na alegria da inocência e não, na tristeza do pecado. 

Essa é a única tristeza que pode estragar a minha vida. Quero encher os meus dias com essa inocência alegre da criança que ama o seu pai e nele confia, porque obedece a ele de boa vontade. Se todos os dias posso estar com Nosso Senhor na meditação e na Santa Missa, se posso trabalhar com Ele e para Ele e se lhe posso oferecer os meus sacrifícios porque Ele os recebe, bendito seja Deus por tudo! Que eu fosse feliz no serviço de Deus — foi o que a Igreja um dia me desejou: ut laetus tibi in Ecclesia tua deserviat de die in diem [para vos servir com alegria na Vossa Igreja dia após dia].

14 DE SETEMBRO 

In lege tua, die ac nocte meditantes [meditando, dia e noite, na Vossa Lei]

É assim que a Igreja nos quer. E o resultado dessa união com Deus, mediante a oração, a Igreja mesma no-lo mostra; vivermos mais intensamente as Verdades da Fé: quod legerint credant [que creiam no que leem]. Haverá em nossa vida maior zelo pela santificação das almas: quod docuerint imitentur [que pratiquem o que ensinam].

Foi Santo Afonso quem nos asseverou: meditatio et peccatum mortale una simul consistere non possunt [meditação e pecado mortal não podem subsistir ao mesmo tempo]. Temos, portanto, que defender, com todas as forças, a nossa meditação diária. Ela é uma riqueza a que não podemos renunciar. Sabemos muito bem que, desaparecendo a meditação do programa de nossa vida, perderemos facilmente todo o fervor. Não há meio termo: ou a vida de oração ou uma vida de pecados.

Um dia sem meditação, na vida de um padre, é como um dia sem sol — assim escreveu alguém. Como iremos dar Deus às almas, pelo nosso trabalho, se antes não o dermos à nossa alma, pela oração? Uma alma vazia de Deus, não dará o que não tem. Illum diem vixisse te computa, qui sanctae meditationis habuit lucem [contai apenas ter vivido aqueles dias em que vossas meditações foram santificadas por uma luz pura (ou seja, foram feitas com o único propósito de agradar a Deus) (Santo Eusébio Emisseno)]

13 DE SETEMBRO

Ut offerat dona et sacrificia [para oferecer dons e sacrifícios (Hb 5,1)]

O nosso ministério junto às almas não é apenas um trabalho de direção, pela palavra e exemplo. É, principalmente, um ministério de salvação, a ser realizado pela oração e sacrifício. A Lei antiga prescrevia: inter vestibulum et altare plorabunt sacerdotes, et dicent: Parce, Domine, populo tuo [chorem os sacerdotes, entre o pórtico e o altar, e digam: 'Tende piedade do vosso povo, Senhor' (Jl 2,17)]. 

A salvação das almas deverá estar em nossas orações como uma preocupação, ideia fixa a nos perseguir sempre. Mas, em nossas mãos, está ainda um sacrifício de reparação, cujo valor infinito devemos fazer chegar às almas. Esse valor é das almas e para as almas, porque nessa intenção foi realizado o Sacrifício da cruz, pelo Sumo e eterno Sacerdote.

Sacrifício reparador que, por nosso intermédio, deve subir continuamente à presença de Deus, já que a provocação de nossas culpas é também contínua. Mas, como nos apresentarmos diante da Justiça divina como mediadores, se as nossas culpas forem mais graves e mais pesadas que as dos simples fiéis? Precisamos de muita humildade para rezar, todos os dias. Pro innumerabilibus peccatis et offensionibus meis [por meus inumeráveis pecados e ofensas]. Depois, e somente depois, é que podemos acrescentar: et pro omnibus fidelibus christianis, vivis atque defunctis [e por todos os fieis cristãos, vivos ou falecidos].

12 DE SETEMBRO 

Ut fructum afferatis [para que produzais fruto (Jo 15,16)]

Foi Nosso Senhor que nos escolheu: Ego elegi vos [Eu escolhi a vós]. E foi Ele também quem nos mandou trabalhar, interessado em recolher conosco, o fruto do nosso esforço: ut eatis et fructum afferatis [para que vades e produzais fruto]. Portanto, Ele tem os seus planos.

Antes de tudo, temos que trabalhar a nossa alma, para depois podermos trabalhar nas almas. Não foi sem motivo que a Igreja insistiu conosco um dia: servate in moribus vestris castae et sanctae vitae integritatem, quatenus mortificare membra vestra a vitiis et concupiscentiis procuretis [conservai-vos em conduta íntegra por uma vida de castidade e santidade, no propósito de mortificar os vossos corpos de todo vício e concupiscência]. Santificando-nos, estaremos em condições de procurar a santificação de outros.

Para as almas é que fomos constituídos sacerdotes; a elas, em certo modo, devemos a nossa vocação. Como um pai vive para os seus filhos e a eles pertence, assim o sacerdote pertence às almas e por essa paternidade espiritual que lhe toma o tempo, a saúde e as forças. Como Nosso Senhor alimentou as almas com sua palavra e virtude, com seu suor e com sua vida, assim o Alter Christus [outro Cristo] deverá alimentar aqueles que a Providência lhe confiou, imolando por eles a vida no trabalho de cada dia: Ego veni ut vitam habeant, et abundantius habeant [Eu vi para que tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10,10)].

11 DE SETEMBRO 

Vocavit nos Deus in sanctificationem [Deus nos chamou para a santidade (1Ts 4,7)]

Ele teve os seus planos, quando me chamou, elevando-me às alturas do sacerdócio. E, resumindo todos os seus desejos, posso dizer que Ele quer de mim apenas uma coisa: a santificação de minha alma. Se eu não for santo como Ele quer, não poderei realizar a minha vocação.

Para salvar as almas, Deus quer o meu trabalho e a minha cooperação. Tenho que trabalhar com Ele, na sua casa; e, por isso, não me poderei dispensar, ao menos, do desejo da santidade. É ao lado do Santo dos Santos que eu devo passar a minha vida. Se Ele não me pede êxtases nem milagres, também não se contenta com uma virtude medíocre.

Ele quer, ao menos, uma vontade firme e decidida, que não se acovarde ante as suas exigências. E a primeira delas é que eu procure a virtude com sinceridade, pois, o desejo firme e sincero de me santificar é a conditio sine qua non [condição sem a qual não (é possível)] para eu viver e trabalhar ao seu lado. Que eu seja sinceramente firme no meu desejo de progredir sempre. Tanto quanto Ele me elevou em dignidade, preciso elevar-me também, pela virtude. Somente em uma alma que a deseja sinceramente, com toda boa vontade, é que a semente da graça poderá germinar para operar maravilhas.

10 DE SETEMBRO 

Alius est qui seminat [um é o que semeia (Jo 4,37)]

'Do mesmo modo que para vos estimular à santificação pessoal vos exortamos a reproduzir em vós mesmos a imagem viva de Cristo, assim agora, para a eficácia santificadora do vosso ministério, vos incitamos a seguir sempre os exemplos do Redentor.

Ele, repleto do Espírito Santo, ‘andou fazendo o bem, e curando todos os oprimidos do demônio, porque Deus estava com Ele’ (At 10,38). Fortificados pelo mesmo Espírito e impelidos por sua força, podereis exercer um ministério que, nutrido pela caridade cristã, será rico de virtude divina. Seja o vosso zelo vivificado por aquela caridade que não se deixa vencer pelas adversidades e a todos os homens abraça, pobres e ricos, amigos e inimigos, fiéis e infiéis.

Esta diuturna fadiga e cotidiana paciência, eis o que de vós reclamam as almas, para salvação das quais nosso Salvador sofreu dores e tormentos, para nos restituir a amizade divina. Este, bem o sabeis, é o maior dos bens. Não vos deixeis prender pelo imoderado desejo de sucesso, nem vos deixeis desanimar, se após assíduo trabalho não recolherdes os frutos desejados, porque alius est qui seminat, et alius est qui metit [um é o que semeia, outro é o que ceifa] (Pio XII).

09 DE SETEMBRO

Laetemur ad ascensum [regozijemo-nos com a (nossa) elevação]

O dia da nossa ordenação foi certamente um dia de festa para a nossa alma. Com quanta saudade não o lembramos! Nada mais natural que cantássemos então, de alegria e reconhecimento, a Nosso Senhor que nos chamou e acolheu com aquele inesquecível: jam non dicam vos servos, sed amicos [já não vos chamo servos, mas amigos].

Subimos, ou melhor, fomos elevados a uma altura que os próprios anjos não podem desejar. Nós mesmos não a chegamos bem a compreender. Mas, nem por isso estamos fora da órbita terrestre. Todos os dias estamos vendo como o mundo continua exercendo sua atração sobre nós. Por isso, timeamus ad lapsum [temamos em cair]. Se o medo e o escrúpulo exagerado são extremos que precisamos fugir, a leviandade e o descuido são um outro extremo, e muito mais lamentável!

A altura é muito grande para que a queda não seja fatal. Se a nossa dignidade é um tesouro, o vaso em que a guardamos foi feito de limo terrae [pó da terra]. E bem sabemos como esse barro é miserável... Para nos conservarmos na altura em que Deus nos colocou, a graça está exigindo muito mais do que simples desejos; um trabalho de todos os dias, um esforço contínuo, é o que devemos dar. Grandis dignitas sacerdotis! [Grande é a dignidade dos sacerdotes!]. Sed magna eius ruina, si peccet [mas também grande ruína deles, quando pecam].

08 DE SETEMBRO

Nativitas est hodie Sanctae Mariae Virginis [É hoje o Nascimento da Virgem Santa Maria]

Com quanta alegria a Igreja canta essas palavras! E contempla Nossa Senhora nos planos divinos: nondum erant abyssi, et ego jam concepta eram... [ainda não havia abismo quando foi concebida... (Pv 8, 24)].

A Igreja também se alegrou, no dia em que nasci para Deus, pelo batismo; e cantou agradecida, quando me viu nascer para as almas, pelo sacerdócio. O meu batismo e a minha ordenação: dois dias que eu não posso esquecer, pois resumem os planos divinos a meu respeito, e significam tudo para mim. Nondum erant abyssi [Ainda não era abismo] — e Deus já me havia escolhido; tanto assim que, ao me receber, a Igreja rezou por mim: hunc electum tuum perpetua virtute custodi... [guardai sob a vossa perpétua proteção este vosso eleito...].

E se fui escolhido para a graça, fui também chamado a distribuí-la às almas: Ego elegi vos [Eu escolhi a vós]. Minha missão continua sendo a missão que Nossa Senhora realizou: dar o Redentor ao mundo. Para realizar o que Deus idealizou a meu respeito, não me basta crescer sapientia et aetate [em sabedoria e em idade]; preciso crescer et gratia [em graça]. A virtude é que me fará chegar ao ponto que Deus me quer: in virum perfectum, in mensuram aetatis plenitudinis Christi [ao homem perfeito, na medida da plenitude de Cristo (Ef 4,13)].

07 DE SETEMBRO

Intra in cubiculum tuum [entra no teu aposento (quarto) (Mt 6,6)]

Não posso viver enclausurado em mim mesmo, pensando apenas em me santificar. Não sou sacerdote para mim, mas para as almas que me foram confiadas. E o trabalho é tanto! Em toda parte, a todo momento, ele está à minha espera, exigindo todo o meu tempo e todas as minhas forças.

Mas não posso esquecer que um trabalho contínuo deve ser uma contínua oração. Se não for assim, nenhum valor terá toda a atividade com que eu encher os meus dias. Por isso tenho que estabelecer em minha alma esse cubiculum [aposento], onde eu viva enclausurado com o meu Deus, em meio a todas as preocupações que me cercam. Enquanto elas gritam, exigindo minhas atenções, querendo transformar a minha vida numa agitação desordenada, Deus irá orientar o meu trabalho e dele receberei a paciência, a coragem e a reta intenção.

Mesmo assim, eu sei que, com o tempo, vão se afrouxando os laços que me prendem a Deus. Preciso apertá-los, de vez em quando; e a meditação, o Breviário e a leitura espiritual muito me irão ajudar nesse trabalho. Não seria, porém, demais, se mensalmente eu pudesse passar um dia menos ocupado com o trabalho exterior, para estar mais a sós com a minha consciência. Com um pouco de esforço e boa vontade,  isso não será tão difícil. E o resultado será dos melhores.

06 DE SETEMBRO

Usque ad mortem [até a morte (Ap 2,10)]

Meu Deus, tantas vezes ouvi falar da doçura que o teu amor põe no caminho daqueles que te seguem! Não duvido, pois me disseste que o teu jugo é suave. Mas, no meu caminho, que já tem muitos anos de distância, eu só tenho encontrado pedras e espinhos.

Não quero reclamar da tua bondade, pois, um bonus miles Christi [bom soldado de Cristo] não pode viver sonhando com doçuras e consolos. Não me chamaste para ser mimado em teu serviço, nem para ser um privilegiado em tua casa. Eu sei que fui chamado para carregar uma cruz. Quero, por isso, o sacrifício de todos os dias, quero a luta e o trabalho.

Não te peço que ofereças a minha cruz a outros. Basta que a tua mão não me abandone e eu te seguirei, muito feliz, pois a minha eternidade há de ser construída com as pedras que quiseste no meu caminho. Possa eu, todos os dias, ter o consolo de te entregar um dia cheio, ganho com as mãos ao arado, sem olhar para trás, no trabalho duro de tua vinha, que tanto é a minha alma como as almas. E, enquanto a tua cruz me pesa sobre os ombros, que eu não desanime, ouvindo sempre aquela tua promessa divina: dabo tibi coronam vitae [te darei a coroa da vida (Ap 2,10)].

05 DE SETEMBRO

Amore amoris tui [pelo amor do vosso amor]

Era assim que rezava São Francisco de Assis. E assim eu devo rezar, muitas vezes, porque tanto o batismo como o sacerdócio exigem que eu morra: consepulti enim sumus cum Illo, per baptismum, in mortem [fomos, pois, pelo batismo, sepultados com Ele na sua morte (Rm 6,4)].

Quando o meu orgulho se revoltar — e isto acontece muitas vezes — quando o meu amor próprio não quiser ceder, quando a minha vaidade não se conformar, preciso ressuscitar minha boa intenção: amore tui [pelo vosso amor]. Se eu não fizer a Vontade de Deus, a minha é que não me poderá salvar. Quando o meu comodismo reclamar, quando a incompreensão surgir no meu caminho, quando me assaltar o desânimo ou o pessimismo, tenho que voltar ao meu ponto de partida, lá onde eu comecei a viver com Deus, entregando-lhe tudo in mortem [à morte].

Preciso compreender que somente essa morte poderá me dar a vida. Vivo tão preso a mim mesmo, defendendo com todas as forças esse nada que eu sou e não me lembro de que, um dia, o Mestre já me avisou: qui perdet animam suam propter me et Evangelium, salvam faciet eam [quem perder a sua vida por amor de mim e do Evangelho, irá salvá-la (Mc 8,35)]. Embora a minha natureza nunca chegue a se conformar com essa morte, preciso encher a minha vida com a morte de Nosso Senhor. Tudo o mais só poderá deixar os meus dias vazios.

04 DE SETEMBRO 

Quid petis ab Ecclesia Dei? [o que pedes à Igreja de Deus?]

Foi esta a primeira palavra que ouvi da Santa Igreja. E eu respondi, dizendo que desejava receber a Fé. Assim foi que aceitei a luta e o sacrifício, numa guerra contínua com vetus homo [o homem velho]. Por isso, a última palavra da Igreja, para mim, será pronunciada sobre o cadáver de um soldado que cai em pleno campo de batalha: requiescat in pace [descanse em paz]. Será essa a minha recompensa.

A Igreja pede para mim o descanso eterno, naquela paz que nada poderá turbar, porque ela supõe que vivi lutando sempre — qui certat in agone, non coronatur, nisi legitime certaverit [quem luta não será coroado se não lutar pelas (regras) legítimas (2Tm 2,5)]. Legitime [(regras) legítimas]: sem desfalecimento e nem covardias, de acordo com o que Nosso Senhor espera de mim.

Não posso renunciar a luta, nem fugir ao combate, para não perder a paz eterna que me foi prometida. E nem posso pensar em recompensa, se a minha vida não for uma dedicação contínua e conscienciosa a essa luta que aceitei, quando pedi e aceitei a Fé: certa bonum certamen fidei [lutar pelo bom combate da fé]. Porque eu lutei, porque não me poupei no combate pela Fé, um dia, rezará a Igreja por mim: pie Jesu, dona ei requiem sempiternam! [misericordioso Jesus, concedei-lhe o descanso eterno!].

03 DE SETEMBRO 

Quemadmodum ego feci [como eu fiz (Jo 13,15)]

Atirado à terra, o grão de trigo deve morrer, para produzir o fruto que dele se espera. O sacerdote é esse trigo que deve alimentar as almas, com a sua doutrina, seu exemplo e sua virtude. Para isso, é preciso que ele morra, isto é, que se entregue a Nosso Senhor dando-se inteiramente às almas.

E, como a vinha não lhe pertence, mas é de Nosso Senhor, o sacerdote não poderá trabalhar nessa vinha das almas senão colocando-se inteiramente nas mãos da Santa Igreja. Quanto fruto amargo já não produziu, na Igreja de Deus, o espírito de independência! No dia em que o Mestre mandou aos discípulos lançassem as redes, a pescar, aquela ordem parecia absurda: per totam noctem laborantes, nihil coepimus [por toda a noite trabalhamos e não apanhamos nada (Lc 5,5)].

Mas Ele queria ser obedecido. E a obediência fez o milagre. Somente as redes lançadas por obediência operam maravilhas. Mandatum accepi a Patre meo [Ordem recebida de meu Pai (Jo 10,18)] — Nosso Senhor realizou a redenção debaixo de ordens, aceitando em tudo a Vontade do Pai. E mesmo quando essa obediência lhe custou um suor de sangue, não deixou de obedecer. Ita et vos faciatis [Assim também façais vós (Jo 13,15)] — é assim que devemos continuar a sua Redenção: per Ipsum et cum Ipso [por Ele e com Ele].

02 DE SETEMBRO

Angelica immo divina dignitas [dignidade (sacerdotal): mais divina que a angélica]


Essa é a nossa dignidade sacerdotal. Mais do que angélica; de certo modo, divina. Se São Paulo insistia: videte vocationem vestram [vede vossa vocação] — referindo-se à vocação batismal, quanto mais não devemos considerar, ver a nossa dignidade sacerdotal em Nosso Senhor cujo sacerdócio eterno todos participamos!

Dignum et congruum est, ut dignitas sacerdotalis prius cognoscatur a nobis, ut deinde servetur a nobis [É oportuno e adequado que a dignidade sacerdotal seja primeiro reconhecida por nós, para depois ser por nós resguardada]. Vale aqui o velho princípio: nihil volitum, nisi praecognitum [nada pode ser amado sem ser conhecido (ninguém ama o que não conhece)]. Temos que meditar para conhecer, conhecer para amar e amar para viver uma vocação que nos eleva à semelhança de Nosso Senhor. Aqueles que renunciaram a própria grandeza, traindo a vocação, certamente chegaram a esse ponto por não terem considerado bastante a própria dignidade.

Ninguém atira fora uma joia cujo valor conhece. Não meditando a própria grandeza e não reconhecendo a altura em que se foi colocado — super candelabrum [(como luz) sobre o candelabro] — compreende-se que alguém não faça diferença entre ser elevado por Deus ou rebaixado pelos homens. E acaba sub modio [debaixo do alqueire (móvel)] pelo pecado e até pela deserção.

10 DE SETEMBRO

Nunquam minus solus, quam cum solus [nunca (se está) menos só do que quando (se está) só]

Assim escreveu um homem de extraordinária atividade, como foi São Bernardo. Em meio a todas as suas preocupações exteriores, ele soube ser sempre o monge, o homem do silêncio e da união com Deus.

Se hoje, principalmente, o ministério sacerdotal está exigindo uma atividade contínua, não é por isso que poderei dispensar o recolhimento e a oração. Justamente por isso é que eu preciso de uma intensa atividade interior. Não é o silêncio do pessimismo ou do desânimo que me unirá a Deus, na oração. Pelo contrário, a desconfiança, a timidez e o temperamento fechado podem me afastar de Nosso Senhor e das almas, deixando-me a sós, com o meu orgulho, meu ressentimento e comodismo.

Se minha vida está cheia de cuidados e preocupações, a minha alma também deverá estar cheia de vida e atividade. A presença de Deus em mim e a minha vida em Deus não devem ser o silêncio de uma água estagnada, mas o silêncio de uma raiz, em contínua atividade para alimentar uma árvore. Esse silêncio ativo de minha alma unida a Deus deverá alimentar a árvore de toda a minha atividade exterior, pondo a vida sobrenatural em tudo: ita ut volucres caeli veniant, et habitent in ramis eius [de modo que os pássaros venham aninhar-se nos seus ramos (Mt 13,32)].

31 DE AGOSTO 

Vidua pauper [uma pobre viúva (Mc 12,42)]

Senhor, mil vezes bendita seja a tua sabedoria, que me apontou, numa pobre viúva, uma admirável mestra de humildade. Sem alarde foi que ela se dirigiu ao templo e ali deixou uma oferta insignificante aos olhos de todos. Mas os teus olhos viram a grandeza daquela pequena esmola.

Aceito a lição de humildade que ela me dá e não posso recusar o consolo que esta lição me oferece. É certo que meu orgulho gostaria de se apresentar aos olhos de todos, com arroubos de eloquência ou com volumes de sabedoria ou com uma folha imensa de realizações. Mas, como a saúde, as qualidades ou o templo não me ajudam nisso; preciso me apresentar diante de Ti, sem que ninguém me veja, com a insignificância da minha oferta.

Consolo-me, porém, pensando que, aos teus olhos, a minha miséria vale muito e a minha oferta é muito grande. Eu sei, e Tu sabes também, quanto me custa renunciar aos desejos e aspirações do meu orgulho. Eu sei, e Tu sabes, quanto me dói o sacrifício da minha liberdade e independência. Não ignoras que estou dando o que me faz falta e que eu gostaria de me reservar. Quando a minha vaidade quiser expor, aos olhos do mundo, alguma coisa que eu tenha feito por teu amor, faze que o meu orgulho esbarre com essa minha mestra de humildade! Que, ao seu exemplo, eu não me preocupe com outra coisa a não ser com a tua admiração e com o teu amor!

30 DE AGOSTO

Imitatores mei estote [sejais os meus imitadores (1Cor 4,16)]

'Lembre-se o sacerdote que o seu ministério será tanto mais fecundo quanto mais estreitamente estiver ele unido a Cristo. Quando for assim inspirado e organizado o apostolado, não poderá deixar de suceder que o sacerdote atraía a si, com força quase divina, o espírito de todos.

Reproduzindo nos seus costumes e na sua vida como que uma imagem viva de Cristo, todos aqueles que o buscam, como a um mestre, reconhecerão, movidos por íntima persuasão, que ele não pronuncia palavras suas, mas palavras de Deus. Se alguém fala, sejam palavras de Deus; se alguém exerce o ministério, seja conforme à força que Deus der (1Pd 4,11).

No tender à santidade e no desempenhar-se, com suma diligência, do seu ministério, deve o sacerdote esforçar-se por representar Cristo tão perfeitamente que possa, com toda modéstia, repetir a palavra do Apóstolo das gentes: 'sede meus imitadores como eu também o sou de Cristo'. A sua atividade não se reduzirá, então, a um movimento ou agitação puramente naturais que afadiguem o corpo e o espírito, expondo o sacerdote a extravios ruidosos para si mesmo e para a Igreja' (Pio XII).

29 DE AGOSTO

Quo abeam?... [aonde irei?... (Sl 138,7)]

Deus está em toda parte e em toda parte eu tenho que contar com a sua presença. Ele não está somente na igreja, à hora da minha meditação ou da Santa Missa. Ele não é Senhor apenas desse grupo de almas que eu conheço e pelas quais eu trabalho.

O seu reino certamente não se restringe somente às minhas obras de apostolado. Ele está em todas as horas do meu dia, como também no trabalho que outros realizam. E Ele está principalmente em mim mesmo. Se eu não me compenetrar disso, não o verei em parte alguma e não serei o homem religione plenum [religioso por inteiro] que as almas querem ver em mim.

Como poderão as almas ver Deus na minha palavra e no meu exemplo, se eu não o vejo, se não sei viver com Ele? Não será de um turíbulo vazio que as almas irão receber o bonus odor Christi [o bom odor de Cristo]. Elas querem ver em mim uma fé ardente, um profundo espírito de oração, uma caridade sem limites, para poderem dizer que Deus vive em mim e eu nEle. Falando de si mesmo, disse Nosso Senhor: qui videt me, videt et Patrem [quem me viu, viu também o Pai (Jo 14,9)]. Se eu também pudesse falar assim! E não é a esse ponto que eu devo chegar?

28 DE AGOSTO 

Ex omni genere piscium [peixes de todas as espécies (Mt 13,47)]

Inteiramente dominado pelo erro, aquele filósofo de Hipona entregou-se à Verdade, no dia em que encontrou a virtude e a ciência compendiadas em Santo Ambrósio. Porque não conheço o trabalho de Deus, nas almas, eu as não posso julgar.

Aqueles que hoje me parecem pecadores, amanhã poderão conhecer a Deus e talvez cheguem a amá-lo mais do que eu. E talvez cheguem a servir à Verdade com mais dedicação do que eu mesmo, que fui chamado às primeiras horas para a vinha do Senhor. O erro de outros e a ignorância alheia não pedem o meu desprezo, mas o meu interesse e compreensão.

Se eles ainda não se achegaram a Deus, não terá sido por culpa minha? Poderei dizer que fui para eles a ciência e a virtude que os poderia iluminar? Tenho que me preocupar mais com aqueles que não conhecem a Verdade, dando-lhes, ao menos, minhas orações e sacrifícios ut facerem salvos [de modo que sejam salvos]. O Bom Pastor procura as suas ovelhas, sem esperar que elas o procurem. É com Ele que eu devo sair; com a ciência e virtude que Ele me ensinou. Tanto zelo devo ter para não deixar no erro aqueles que poderiam estar mais perto da Verdade compelle intrare [no empenho de (os fazer) entrar (Lc 14, 23)].

27 DE AGOSTO

Diliges Dominum Deum tuum [amarás o Senhor, teu Deus (Dt 6,5)]

Ele é o Amor eterno e infinito: Deus caritas est [Deus é amor]. E Ele me amou desde toda a eternidade prior dilexit nos [nos amou primeiro (I Jo 4,19)]. Mesmo assim, Ele teve que me dar um mandamento, lembrando-me a obrigação que tenho de o amar.

Qual o pai que precisa exigir o amor de seus filhos? Mas Ele não quer um amor forçado. Se eu o amasse, somente porque Ele o quer e manda, eu não o estaria amando como devo. O meu amor deve ser alguma coisa de muito grande e sublime, para que Deus o queira tanto, sem restrições. Parece que Ele não se sente feliz se eu o não amar. Tanto questão Ele faz do meu amor que me deu uma ordem expressa nesse sentido: Ele não quer ser esquecido por mim.

Devo amá-lo, no entanto, como a criança que ama ao seu Pai: com toda naturalidade e candura. Ao mandar que eu o amasse, Deus não me quis submeter a nenhum suplício. Amar o Pai que está nos céus não deve ser coisa difícil e complicada, como dizem certos livros. Não posso fazer, do meu amor a Deus uma matemática de cálculos, pesos e medidas. A criança não pensa nem estuda para amar. E o faz tão bem! Quisquis non receperit regnum Dei velut parvulus, non intrabit in illud [qualquer um que não receber o Reino de Deus como uma criança [com a naturalidade de uma criança], não entrará nele (Mc 10,15)].

26 DE AGOSTO

Pater orphanorum [Pai dos órfãos (Sl 68,6)]

O salmista não deixou de admirar a carinhosa solicitude dAquele que, sendo o Pater orphanorum, domum parat derelictis, et educit captivos ad prosperitatem [Pai dos órfãos, prepara um lar para os abandonados e traz os cativos à segurança]. E só a Encarnação do Verbo bastaria para nos mostrar como Deus sabe descer da sua grandeza, para chegar até a nossa miséria.

Se Deus me elevou acima dos fiéis não foi para que eu me conservasse mais alto pelo orgulho, mas pela humildade. Não será porque estudei um pouco mais que irei desprezar aqueles que estudaram menos. Não será porque fiz este ou aquele curso superior que irei adotar sempre ares de superior. Não será porque me diplomei nesta ou naquela faculdade que irei me interessar apenas por um grupo de almas privilegiadas.

Embora minha atividade possa ser limitada a este ou a aquele grupo, meu zelo não deve conhecer limites nem restrições. Sou de todos e para todos. Se não posso evitar os mais cultos e letrados, também não posso ignorar os mais pobres e ignorantes. Para todos, eu não preciso ser o sábio, nem o mestre, nem o doutor da lei; que eu seja simplesmente o sacerdote de Nosso Senhor. Se eu for o Homo Dei [homem de Deus], cheio do sobrenatural, serei tudo para todos, sem fazer exceções. Nosso Senhor não as fez.

25 DE AGOSTO

Ipse nihil respondit [Ele nada respondeu (Lc 23,9)]

Aos pobres e aos humildes, Nosso Senhor nunca negou a sua palavra divina. A Herodes, porém, Ele nada quis dizer, porque estava diante do orgulho e da leviandade. Embora provocado com multis sermonibus [muitas perguntas], o Mestre se calou.

Senhor, que eu te saiba ouvir e compreender no teu Evangelho, como na tua Igreja e no exemplo de teus santos. Que eu te deseje com a sinceridade das crianças que te procuravam. E que a minha indiferença, fria e desinteressada, não mate a semente da tua palavra, que deve produzir, em minha vida, frutos de vida eterna.

Quero receber o teu reino com a humildade dos simples e com a inocência das crianças, ouvindo-te na voz da minha consciência. Ela me fala tantas vezes e não se cansa de me chamar a atenção. Que meu orgulho não me ponha diante de Ti como um Herodes, fútil e leviano, digno tão somente do teu silêncio que já é uma condenação. A mentira que vive em mim, não se sente bem diante da tua palavra que me traz a Verdade eterna. Mas eu a preciso ouvir, pois, estaria perdido no dia em que minha consciência não me falasse mais. Para mim, seria esse o silêncio do teu desprezo e condenação.


24 DE AGOSTO

Quae superaverunt fragmenta [os pedaços que sobraram (Jo 6,12)]

Naquele dia, no deserto, Ele alimentou a mais de cinco mil pessoas. E não se descuidou das migalhas de pão, espalhadas pela relva. Mandou que as recolhessem, porque eram lembranças do seu milagre, migalhas do seu amor.

A grandeza infinita de Deus nunca desprezou as coisas pequenas. E, para realizar a Redenção, Ele quis usar daquilo que, aos olhos do homem, é humilde e desprezível. Um estábulo foi o berço do Redentor. Seu primeiro milagre público, Ele o realizou com umas vasilhas de água, numa casa de família humilde. Seus Apóstolos, uns pescadores ignorantes. Suas escolas, a beira dos lagos e as estradas poeirentas. E, para finalizar a Redenção, usou de dois pedaços de madeira, em forma de cruz. Ele foi simples em tudo.

Preciso me convencer de que uma jaculatória ou um pequeno sacrifício com Deus realizam muito mais pelas almas que todo o aparato que eu possa aprontar com a minha vaidade. A salvação das almas é assunto de que o mundo não entende; porque, então, irei consultar o seu espírito de vaidade e exibição? Sem a graça, todos os meios de apostolado são falhas: sine me nihil potestis facere [sem mim nada podeis fazer].

23 DE AGOSTO

Lux sum mundi [sou  a Luz do mundo (Jo 9,5)]

Dizendo isto, Nosso Senhor curou aquele cego de nascimento. E os fariseus, despeitados, fizeram tudo para negar o milagre. Mais cegos que o pobre cego, não queriam aceitar a Luz do mundo, simplesmente porque ela os incomodava.

Quantas vezes um exame de consciência me poderia mostrar esta ou aquela falta!... mas eu prefiro não molestar minha consciência. A meditação poderia abrir meus olhos para verem certos defeitos; mas eu acho mais cômodo não ver, nem me preocupar. Um momento de calma e reflexão poderia me alertar a respeito de certos costumes e ideias que vou adquirindo; mas eu não me resolvo a sair da minha dissipação.

Não é somente o despeito e a inveja farisaica que podem cegar uma alma. O orgulho também: non serviam! [não servirei!]. A impureza também: impudicitia mater est impoenitentiae [a impudicícia é a mãe da impenitência]. E o apego também: qui non renuntiat omnibus, non potest meus esse discipulus [quem não renuncia a tudo, não pode ser meu discípulo (Lc 14,33)]. Para que eu não venha a sofrer dessa triste cegueira, tenho que expor a minha alma à luz da graça e essa luz está no recolhimento e na oração. Preciso ser mais fiel à meditação de todos os dias. Preciso enfrentar com mais coragem o exame de consciência: ejice primum trabem de oculo tuo! [tira primeiro a trave do teu olho! (Mt 7, 5)].

22 DE AGOSTO

In spiritu humilitatis... [com espírito de humildade...]

Humilhado e arrependido, à lembrança das minhas faltas — é assim que, todos os dias, eu me apresento diante de Deus, no altar. E é assim que eu devo passar os meus dias; na penitência e contrição, quia peccavi nimis in vita mea [porque pequei muitas vezes em minha vida].

Isto quer dizer que Deus já me perdoou demais. E poderei dizer que já deixei de pecar? Tenho que me lembrar sempre disto, para não pensar que minha vida está sendo uma perfeição de fidelidade à graça e de fervor. Só Deus pode avaliar as dimensões da minha culpa: delicta mea te non latent [minhas faltas não vos são escondidas]. Se até aqui muita coisa esteve errada em minha vida, não posso garantir que, de agora em diante, nenhuma falta irá aumentar o peso da minha culpa.

Spiritus quidem promptus est [O espírito na verdade está pronto] — boa vontade não me falta, mas eu sei que a minha fraqueza é grande. Por ter recebido tanto, minhas infidelidades à graça estão marcadas por uma malícia especial. Não posso dizer que já me arrependi bastante. Todos os dias, tenho diante de meus olhos, tanta coisa que eu devo fazer. E não me lembro daquela palavra de Nosso Senhor: poenitentiam age! [arrepende-te!]. Sim, isso também eu preciso fazer; e principalmente isso.

21 DE AGOSTO 

Quae sua sunt quaerunt [ buscam os próprios interesses (Fl 2,21)]

São Paulo já se queixava daqueles que não se interessam por Nosso Senhor. E que tristeza, quando isso acontece com aqueles que um dia prometeram: Dominus pars haereditatis meae! [O Senhor é a parte da minha herança!].

'Nós vos exortamos, com todo empenho a que, estreitamente unidos ao Redentor, vos esforceis com toda solicitude, pela salvação daqueles que a Divina Providência confiou aos vossos cuidados, à imitação dos santos que, em tempos passados, demonstraram com suas obras grandiosas o quanto pode a graça divina.

Que todos e cada um, com humildade e sinceridade, possais sempre atribuir-vos — que o digam vossos fiéis — a expressão do Apóstolo: De bom grado darei o que é meu e me darei a mim mesmo, pelas vossas almas. Iluminai os espíritos, dirigi as consciências, confortai e sustentai as almas que se debatem na dúvida e gemem na dor. A esta forma de apostolado, acrescentai também todas as demais que as necessidades do tempo exigem. Que em tudo, porém, fique patente, que o sacerdote, em todas as suas atividades, nada mais procure senão o bem das almas e a nada mais vise senão a Cristo, a quem deve consagrar todas as suas forças e a si mesmo inteiramente' (Pio XII).

20 DE AGOSTO

Aquae et vini mysterium [mistério da água e do vinho]

Sim, quanto mistério nessa gotinha d’água, misturada ao vinho da Consagração! É o mistério da minha vida. Deus quer que a minha miséria humana coopere em sua glória divina; e isso per Ipsum, et cum Ipso [por Ele e com Ele], porque, sem Ele, eu seria muito menos que a insignificância de uma gotinha d’água. Mas, com Ele, posso chegar até Deus.

Revestido com os méritos de Nosso Senhor, eles me envolvem como o vinho envolve a água; posso então apresentar-me diante do Pai e Ele me recebe, reconhecendo-me como seu filho e dando valor às minhas orações, aos meus trabalhos e sacrifícios. Embora eu nada seja, por mim, posso pensar, por Ele, na minha grandeza e dignidade; a minha miséria, apoiada em Cristo, eleva-se até a presença de Deus.

É assim que eu chego a chamar a Deus com o nome de Pai já que, em seu Filho divino, Ele me recebeu como filho adotivo. E sou um membro dessa Família divina: Deus Pai, ao qual estão unidos in Christo Jesu [em Jesus Cristo], os filhos adotivos, per Spiritum Sanctum qui datus est nobis [pelo Espírito Santo, que nos foi dado]. Essa é a minha grandeza, tão desconhecida e ignorada; grandeza que eu preciso viver para poder sentir.

19 DE AGOSTO

Deus est ordo [Deus é ordem]

A vida do meu Mestre e Modelo foi uma ordem perfeita, absoluta. E nem podia ter sido de outra forma. E a minha vida? Posso dizer que esteja de acordo com o Modelo que escolhi? A princípio, ela estaria mais ou menos em ordem. Mas depois... à custa de ver desordens ao meu redor, fui me acostumando com certas coisas que, antes, meu fervor não teria aprovado.

Pode ser que hoje a minha alma não esteja sendo objeto daquele cuidado e vigilância dos primeiros anos. O mundo talvez esteja, para mim, um pouco acima de Deus. E pode ser que os interesses das almas não estejam em primeiro lugar nas minhas preocupações. Preciso examinar se, com o tempo, a desordem não penetrou na minha vida.

E para reformá-la, tenho que começar pelo meu interior: conhecer-me; dominar-me; pôr, no devido lugar, os meus sentimentos, idéias e afeições. Depois, tenho que cuidar da ordem na minha vida exterior: zelo, trabalhos, atividade. Numa casa, a boa ordem exige um cuidado de todos os dias. É, por isso, que não posso descuidar o meu exame diário de consciência. Ele me irá mostrar sempre as desordens que forem penetrando na minha vida.

18 DE AGOSTO

Docens quotidie in templo [ensinava no templo todos os dias (Lc 19,47)]

É certo que, pela palavra, o padre não poderá estar pregando, todos os dias, na igreja. Mas poderá fazê-lo, e muito bem, pelo bom exemplo. Diante de Nosso Senhor, diz o Evangelista, omnis populus suspensus erat, audiens illum [todo o povo ficava admirado ao ouvi-lo].

 A sua palavra não era como a dos fariseus, que ensinavam, mas não praticavam. E o povo não quer somente a pregação da palavra; quer, principalmente, a pregação do exemplo, porque aquilo que se vê sempre impressiona mais do que aquilo que se ouve. Uma pregação, de muito efeito, será o padre saber estar na igreja. 

Procure pôr o máximo respeito na administração dos sacramentos; tenha sempre todo cuidado em não falar alto, sem motivo; a máxima piedade, ao estar ou passar diante do Santíssimo; conserve o maior recolhimento ao rezar; enfim, mostre-se compenetrado de que a igreja não é apenas um lugar onde se pode estar, mas é a própria casa de Nosso Senhor. Que sermão eloquente não seria esse! Um verdadeiro espetáculo de fé, calando profundamente em todos os presentes. Se o padre souber ser, na igreja, essa pregação viva, omnis populus suspensus erit, videns illum [todo o povo ficaria admirado ao vê-lo].

17 DE AGOSTO 

Domine, aperi nobis! [Senhor, abre-nos! (a porta) (Mt 25,11)]

Assim gritaram as virgens imprudentes, colhidas de surpresa. E a resposta foi: Nescio vos [Não vos conheço!]. Não se tratava de um simples descuido, em noite de festa. Aquelas virgines fatuae [virgens tolas (imprudentes)] foram realmente culpadas de uma desatenção bastante leviana.

Não sendo crianças, podiam saber que era imprudente e arriscado deixar a obrigação para a última hora. A paciência de Deus é infinita. Mas ela me espera somente até a hora da morte. Depois, será tarde para reclamações e remorsos, que nada poderão alcançar. Às virgens imprudentes não faltou tempo, nem faltaram meios, para que elas evitassem aquela surpresa. O que faltou, porém, foi prudência.

Nada igualmente me falta, para que minha vida seja uma preparação, que me ponha a salvo de qualquer surpresa, no último dia. Mas, se me faltar a prudência que me faça preparar agora a minha eternidade... a tristeza e o pecado poderão desfigurar tanto a minha alma que, ao vê-la, tenha Nosso Senhor que dizer: Nescio vos [Não vos conheço!]. E Ele me conhece desde toda a eternidade porque me colocou na sua casa. Mais do que ninguém, Ele deseja que o último dia não me traga surpresas; por isso é que me avisa: Vigilate... nescitis diem neque horam [Vigiai... não sabeis nem o dia nem a hora].

16 DE AGOSTO 

Si quis vult... [se quiser seguir... (Mc 8,34)]

Estranhamos esse modo de falar: se alguém me quiser seguir... Parece haver nessa palavra uma certa indiferença, inexplicável nAquele que tudo fez para salvar a todos. No entanto, é assim mesmo. Nosso Senhor não obriga ninguém. Ele não arrasta, nem força a nossa vontade; pelo contrário, Ele a respeita sempre. 

Por isso, é mesmo 'se alguém quiser'. Ele quer uma vontade livre, um coração generoso e pronto. A condição não é fácil: negue-se a si próprio, tome a sua cruz. Mas, se alguém quiser seguir a esse Mestre, o caminho não poderá ser outro. Por menos — disse alguém — não se faz, de um filho do pecado, um filho de Deus.

Senhor, eu te agradeço, porque não me quiseste enganar; bendigo a lealdade que tiveste comigo. A tua palavra, clara e sincera, não me mostra um paraíso antecipado, mas a renúncia e a cruz. Só tenho que agradecer a tua bondade que me avisou e a tua mão que não me ocultou as pedras que enchem o teu caminho. Quando me chamaste, eu sabia que íamos para o Calvário e, por isso, não tenho do que me queixar. Aquele moço rico que não te quis seguir, não te ofendeu tanto como aquele teu apóstolo que te seguiu de má vontade, porque te queria entregar. Sim, antes não te seguir, que seguir-te para te trair...

15 DE AGOSTO

Assumpta est Maria in Caelum! [Maria é levada ao Céu!]

Assim canta a Igreja hoje, num êxtase de alegria. E essa Assunção gloriosa de Nossa Senhora me faz pensar numa outra assunção, cheia de mistérios, que Deus realiza, todos os dias, em minha vida. Diariamente eu subo no altar de Deus: Introibo ad altare Dei [Entrarei no altar de Deus (Sl 42,4)] — e vou até as alturas da sua glória, cum angelis et archangelis [com os anjos e os arcanjos], para lhe cantar, com todos os que lhe cantam, sine fine dicentes: Sanctus, Sanctus... [repetindo sem fim: Santo, Santo...].

Pouco depois, mais do que nunca, sou um Outro Cristo dizendo: Hoc est Corpus meum [isto é o Meu Corpo] — no mesmo instante se fazem presentes, sobre o altar, o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor. Seguem-se uns momentos de eternidade, cum Ipso et in Ipso [(por Cristo), com Ele e nEle], até que na Comunhão eu o recebo, e Ele me recebe também. É o início de uma união eterna entre nós dois, porque qui manducat meam carnem habet vitam aeternam [quem come a minha carne tem a vida eterna (Jo 6,54)].

Que eu saiba viver, todos os dias, essa meia hora de assunção que é a minha Missa. Que, ao me retirar do altar de Deus, possa eu levá-lo comigo, para subirmos juntos um outro altar, à minha espera no meu dia de trabalho. Assim a minha vida será essa Elevação, a que a Igreja me convida: Sursum corda! [Corações ao alto!].

14 DE AGOSTO

Durus est hic sermo [esta palavra é dura (Jo 6,61)]

Nosso Senhor conhecia muito bem os meus ouvintes: sciebat enim ab initio Jesus qui essent non credentes [pois, desde o princípio, Jesus sabia quais os que não iriam crer (Jo, 6, 65)]. Percebeu que muitos o iriam abandonar, como de fato o abandonaram, porque a sua doutrina lhes parecia dura demais; queriam idéias novas, mas cômodos e agradáveis. Nem por isso o Mestre se comoveu, mudando o que ensinava e o modo de ensinar.

Sabemos como a Verdade, muitas vezes, é dura e desagradável. E se nos é difícil ouvi-la, não nos é tão fácil dizê-la. Às vezes, gostaríamos que ela fosse menos pesada, para nós e para os outros. Dura, porém, e desagradável, não a podemos diminuir ou modificar. Temos que apresentá-la com a sua cor própria, embora suaviter in modo [com suavidade nos modos], mas não a vestindo de uma roupagem que não lhe fica bem. 

Não somos donos da Verdade, para que a possamos apresentar atenuada e até falsificada. No púlpito, ou no confessionário, o que devemos dar às almas é uma espécie de verdade ou uma simples imitação, mas a verdade, tal qual Nosso Senhor a daria. Caridade e prudência no apresentá-la com lealdade e firmeza. As almas querem ver Nosso Senhor na Verdade que lhes apresentamos.

13 DE AGOSTO

Multi discipulorum abierunt retro [muitos dos seus discípulos se retiraram (Jo 6,67)]

Bastou que não entendessem algumas palavras do Mestre e o abandonaram. A Verdade era apenas o que eles já sabiam; mais não lhes interessava et iam non cum illo ambulabant [e já com Ele não mais andavam].

Meu Deus, eu também pertenço a essa classe de discípulos. O meu orgulho me faz pensar que eu já não tenho o que aprender, nem nos livros, nem no exemplo de outros. Quero um Mestre que me fale apenas; mas que não me ensine, para não magoar o meu orgulho. Que ele me explique e me dê satisfação de tudo; que me ofereça, mas não me imponha uma doutrina. Um Mestre que não me fale de coisas muito altas e sublimes, porque eu só me interesso pelas coisas deste mundo.

É por isso que meu egoísmo fica todo magoado, se me falas da caridade que tudo esquece e perdoa. Meu orgulho se ofende se me falas de humilhações. E meu comodismo grita, quando me ensinas a renúncia, a sacrifício e a imolação. Meu Deus, eu sei que a tua palavra guarda a vida eterna; quero segui-la, ainda que meu amor próprio se apavore e se melindre a minha covardia. Se me parecem duras as tuas palavras, há uma que me atrai e anima: jugum meum suave est [o meu jugo é suave (Mt 11, 30)].

12 DE AGOSTO

Omnes quae sua sunt quaerunt [todos, com efeito, buscam os próprios interesses (Fl 2,21)]

A nossa vida sacerdotal é, toda ela, uma preocupação divina. Omnium divinorum divinissimum est cooperari Deo in salutem animarum [dentre todas as coisas divinas, a mais divina é cooperar com Deus pela salvação das almas].

Neste mundo, em que todos procuram os próprios interesses, o sacerdote é o homem diferente, porque se preocupa apenas com os interesses de Nosso Senhor nas almas. Num mundo, vítima de ambições e egoísmos, compreendemos que cada qual procure a si mesmo. O sacerdote, porém, existe para as almas. Ele é o Procurador de Deus, que não pensa em si mesmo, porque deve preocupar-se exclusivamente dos interesses de Nosso Senhor.

Se outras preocupações entrarem em nossa vida, não poderemos servir a dois senhores ao mesmo tempo. Acontece então, que o padre, não podendo passar meia hora no confessionário, nem fazer uma simples prática para o povo, aceita os maiores sacrifícios: viagens, aborrecimentos, lutas políticas, preocupações sem conta — por causa de outros interesses. Com isso, Nosso Senhor e as almas ficam esquecidos, porque para eles não sobra tempo. Que não seja para nós aquela palavra de Santo Ambrósio: quam rarus qui possit dicere: Portio mea Dominus — verus minister altaris, non sibi natus! [quão raros são os que podem dizer: sou todo do Senhor — verdadeiro ministro dos altares, e não filho da minha vontade!].

11 DE AGOSTO

Anathema esse a Christo [estar separado de Cristo (Rm 9,3)]

Um desejo absurdo — dizemos nós. Mas, em seu zelo, o Apóstolo chegou a pensar nisso. Teria aceito a condenação — se possível — para que fossem salvos os seus irmãos judeus. Ao lado de tanta generosidade, como nos sentimos pequenos na nossa mesquinhez!

É que costumamos medir o nosso esforço e zelo pela covardia e comodismo. Enquanto Nosso Senhor dá o seu Sangue pelas almas, nós achamos bastante oferecer uma parte apenas do nosso tempo ou de nossas forças. Um meio, não muito raro, de se fugir ao trabalho direto pelas almas, restringindo bastante o nosso zelo, são os cargos e posições. Quando alguém os deseja, poderá dizer que o faz por espírito de sacrifício? Não haverá nisso, um pouco ou muito, de vaidade e comodismo?

Há cargos na Diocese; há cargos na Congregação; e há também os cargos oficiais. Muita coragem, e não pouca generosidade, para os aceitar, quando a obediência os impuser. Mas, para não os procurar, é necessária uma coragem toda especial — a coragem da humildade. Milites Christi Jesu [como soldados de Cristo], não podemos fugir à luta. Nem nos fica bem vestir a  covardia com aparências de zelo. Comodismo e vaidade foram sempre péssimos conselheiros.

10 DE AGOSTO

Si oculus tuus scandalisat te [se o teu olho te escandaliza (Mt 18,9)]

Se o teu pé, a tua mão ou o teu olho estão prejudicando a tua alma, como ocasião de pecado, arranca-os simplesmente — assim falou Nosso Senhor. E não poderia ter sido mais claro, nem mais rigoroso. Com isso Ele me diz que, em se tratando de livrar a minha alma do pecado, extrema sunt tentanda [recorra a meios extremos].

Na oração deste dia, a Igreja me faz pedir a Deus: Vitiorum nostrorum flammas extinguere [(para) apagar as chamas dos nossos vícios]. Portanto, a própria Igreja não esconde a sua preocupação por esse incêndio de más inclinações que ela sabe existir em mim. E a experiência me diz que eu preciso viver preocupado com as minhas fraquezas; não será com um simples conta gotas de boa vontade que irei apagar incêndios.

E, ao redor, a situação não é das mais risonhas. Omne quod est in mundo, concupiscentia carnis est [tudo que há no mundo é concupiscência da carne]. Com meias medidas, não poderei defender a minha alma. Se o Reino de Deus sofre violências, tenho que me sujeitar a isso, para não o perder. Sempre será melhor, quam duas manus, vel duo pedes habentem, mitti in ignem aeternum... [do que, tendo dois pés e duas mãos, ser lançado no fogo eterno...]. Preciso agradecer a Nosso Senhor a franqueza com que me falou a esse respeito, para despertar a minha indiferença.

09 DE AGOSTO

Hoc enim sentite in vobis... [(tende) em vós este mesmo sentimento... (tal como o teve Jesus) ]

'É bem verdade que Jesus é sacerdote; não o é, porém, para si, mas para nós, apresentando ao Pai os votos e sentimentos religiosos de toda a humanidade; e Ele é também vítima, por nós, substituindo-se ao homem pecador.

A palavra do Apóstolo - 'Tende em vós os sentimentos de Jesus Cristo'- exige de todo cristão que reproduza em si, quanto está nas possibilidades humanas, o mesmo estado de alma que tinha o Divino Redentor, quando realizava o sacrifício de si mesmo; a humilde submissão do espírito e a adoração, a honra, o louvor e ação de graças à Majestade suprema de Deus; mais, que reproduza em si mesmo a condição de vítima, a abnegação segundo os preceitos do Evangelho, o voluntário exercício da penitência, a dor e expiação dos próprios pecados; numa palavra que todos morramos espiritualmente com Cristo na cruz, de modo a dizer com São Paulo: Christo confixus sum cruci [estou pregado à Cruz de Cristo (Gl 2,19)].

Só depois que nos tornarmos uma só coisa com Cristo, pela sua e nossa oração e fortalecidos pela virtude do Salvador, poderemos com segurança descer da montanha da santidade que houvermos galgado, para levarmos a todos os homens a vida e a luz de Deus pelo ministério sacerdotal' (Pio XII).

08 DE AGOSTO 

Vivit vero in me Christus [é Cristo que vive em mim (Gl 2,20)]

'São Paulo estabelece o seguinte preceito, como princípio fundamental da perfeição cristã: Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo! (Rm 13,14). Este preceito, se vale para todos os cristãos, de modo particular vale para os sacerdotes.

Mas, revestir-se de Cristo, não é somente inspirar os próprios pensamentos na sua doutrina, mas entrar numa nova vida, a qual, para brilhar com os esplendores do Tabor, deve conformar-se com os sofrimentos de nosso Salvador no Calvário. Isto implica um longo e árduo trabalho, que transforme a alma no estado de vítima, para que participe intimamente do sacrifício de Cristo.

Este trabalho, difícil e contínuo, não se realiza com veleidade, nem se consuma com desejos e promessas; pelo contrário, deve ser um exercício corajoso e contínuo que leve à renovação do espírito; deve ser exercício de piedade que tudo refira à glória de Deus; deve ser exercício de penitência que refreie e governe os movimentos da natureza; deve ser ato de caridade que inflame o ânimo de amor a Deus e ao próximo, e estimule as práticas de caridade. Seja, enfim, uma vontade de luta e de fadiga, para fazer todo bem possível' (Pio XII).

07 DE AGOSTO

Sola caelestia desiderare [desejar somente as coisas do Céu]

É o que a Igreja pede para nós, neste dia de São Caetano, o santo da Providência: que confiemos em Deus, para o desejarmos, porque é a nossa riqueza infinita. Confiássemos mais na bondade do Pai que está nos céus, e o mundo não teria tanta força de atração sobre nós. Confiássemos mais na Providência, e o pó da terra não representaria tanto para o nosso apego.

Para São Bernardo essa atração do mundo sobre nós, era um verdadeiro mistério: O ambitio, ambientium crux! Quomodo omnes torquens, omnibus places? [ó ambição, cruz do mundo, se atormentas a todos, como podes a todos agradar?]. O apego ao mundo é um verdadeiro suplício, ao qual infelizmente nos sujeitamos. E São Jerônimo, já em seu tempo, viu o que hoje também vemos: ignominia sacerdotum est propriis studere divitiis [a ignomínia dos sacerdotes é buscar enriquecer-se]. Ignomínia sim, porque o interesse exagerado pela riqueza, mata o zelo sacerdotal; a preocupação pelo bem estar e conforto falsifica a vocação, escravizando o padre.

E os bens do mundo, nas mãos daquele que é o distribuidor dos bens eternos, escandalizam os fiéis que perdem toda estima ao sacerdote, porque vêem nele, não o Homo Dei [homem de Deus], mas o homem dos próprios interesses. Saturitas divitis non sinit eum dormire [a abundância do rico não o permite dormir (Ecl 5,11)]. Se o não deixa dormir, muitos menos o deixará sacrificar-se para Deus e para as almas.

06 DE AGOSTO

Ut pasceret porcos [para guardar os porcos (Lc 15,15)]

A esse ponto chegou o filho pródigo, porque não havia outro remédio... Ao sair da sua casa, não teria pensado que, abandonava a própria felicidade, ut pasceret porcos [para guardar os porcos]. A esse ponto, Senhor, chegam aqueles que te abandonam, por não quererem viver mais na tua casa.

Dizem que a tua doutrina é pequena para a grande inteligência que possuem. Alegam que é acanhada a mentalidade de tua Igreja, porque eles se julgam donos de uma extraordinária visão dos homens e das coisas. Dizem que a tua Igreja não tem coração, porque não chega a lhes compreender o coração... Com essas e outras desculpas, eles te abandonam. Saem da casa paterna, sonhando com uma liberdade que a tua Igreja não lhes pode dar.

No entanto, pouco depois, já estão escravizados a um rebanho imundo, apascentando as próprias paixões: vaidade, ambição, despeito, sensualidade. Senhor, bendigo a tua Igreja que me manda rezar, ut nosmetipsos in tuo sancto servitio confortare et conservare digneris [que vos digneis confortar-nos e conservar-nos em vosso santo serviço]. E porque sou capaz de tudo, se a tua graça não me ajudar; porque posso até trocar a casa de meu Pai por um rebanho de paixões, quero rezar sempre com tua Igreja, ut mentes nostras ad caelestia desideria erigas [que ergueis os nossos espíritos a desejar as coisas celestiais].

05 DE AGOSTO 

Per mansuetudinem Christis [pela mansidão de Cristo (2Cor 10,1)]

Era assim que o Apóstolo se dirigia aos fiéis: lembrando a mansidão e a humildade de Nosso Senhor. Se há em nós um defeito que pode por a perder todo o nosso ministério, esse defeito é o orgulho. Cheio de si, o sacerdote acaba atraindo o desprezo das almas e de Deus.

São Gregório já observava: difficile in se quisque inveteratam superbiam deprehendit; hoc vitium, quanto magis patimur, tanto minus videmus [é difícil superar qualquer orgulho empedernido; quanto mais sofremos esse vício, menos o percebemos]. Infelizmente nos damos sempre por muito humildes, embora todos tenhamos uma pontinha, mais ou menos acentuada, de orgulho. A prova é que, com todo o desejo de ser humildes, qualquer ato de humildade já nos parece uma humilhação, acima de toda a nossa virtude.

Sendo Deus, Nosso Senhor esqueceu a sua dignidade (Fl 2,5) e se fez, não somente um homem pobre, mas até um pobre homem. Por isso atraiu a todos. Nós, pelo contrário, demasiado preocupados com nos impor a todos, deixamos que o orgulho caracterize as nossas palavras e atitudes. Não nos lembramos de que, pelo orgulho, ninguém consegue se impor. O que faz é apenas atrair o desprezo de Deus e dos homens.

04 DE AGOSTO

Pater meus agricola est [meu Pai é o agricultor (Jo 15,1)]

Deus é o agricultor que trabalha a minha vida: Dei agricultura, estis [vós sois o campo de Deus (1Cor 3,9)]. E se eu devo auxiliar o seu trabalho nas almas, antes de tudo, preciso ajudar o seu trabalho na minha alma, já que Ele, não só me manda trabalhar, mas trabalha também comigo.

Ego sum vitis, vos palmites [Eu sou a videira; vós, os ramos (Jo 15, 5)] — o ramo da videira deve refletir o viço da planta à qual está unido. Assim também tenho que refletir em mim a vida e a imagem de Nosso Senhor. Esse o trabalho que devo realizar com Ele e que Ele quer realizar comigo. Se eu não o fizer, não chegarei a ser o alter Christus [outro Cristo]. Serei então um ramo inútil na videira, inútil para as almas e para Deus mesmo.

A minha vida não poderá, dessa forma, refletir a virtude que não tenho, mas refletirá, sim, os meus defeitos e falhas. De que servirá então um ramo seco e sem vida, ligado à videira? Ad nihilum valet ultra... [para nada mais serve...]. Que um sacerdote cheque a esse ponto: de se tornar inútil, de não servir para nada, depois que Deus o chamou, depositando nele toda a confiança! Por isso, Nosso Senhor foi claro quando me avisou: si quis in me non manserit, mittetur foras, et arescet [se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, e murchará (Mt 15, 6)].

03 DE AGOSTO

In vineam meam [para a minha vinha (Mt 20,7)]

Ele nos mandou trabalhar na sua vinha: ite [ide] — é uma ordem que não pode sofrer desculpas nem demoras. E a sua vinha é muito grande. Irá durar até o fim dos tempos; por isso, oferece trabalho a todos que realmente desejam trabalhar.

Desde os primeiros séculos, Ele já chamou a tantos para esse trabalho! Nós também — e até nós — fomos chamados. Não podemos iludir a confiança que em nós depositou. Mas, precisamos pensar que a vinha não nos pertence. É de Nosso Senhor. Por isso Ele é quem sabe onde e como devemos trabalhar. Que o nosso trabalho seja consciencioso, para ser digno de Nosso Senhor.

Que trabalhemos com amor, sem invejas nem dissenções. Que não exista 'a minha paróquia' nem 'a minha Ordem ou Congregação'; mas que exista somente a vinha de Nosso Senhor, oferecendo lugar e trabalho para todos. Precisamos pensar que a sua Igreja não pode ser transformada num regnum in se divisum [reino dividido em si mesmo], onde as forças se destroem, por se dividirem. Se, a meu lado, alguém realiza mais do que eu... tanto melhor. Se realiza menos, preciso ajudá-lo, na medida do possível. Ele não chamou operários para trabalhar cada qual na sua vinha. In vineam meam [para a minha vinha], diz Ele, porque a vinha é propriedade sua e nós somos apenas os seus auxiliares.

02 DE AGOSTO 

Spiritus Domini super me [o Espírito do Senhor sobre mim (Is 61,1)]

Um biógrafo de Santo Afonso [Santo Afonso Maria de Ligório] diz que ele foi o mais santo dos napolitanos e o mais napolitano dos santos. Realmente, o Doutor Zelosíssimo é bem uma prova de que a graça não suprime a natureza, mas a eleva e transforma. Deus não destrói o que fez, mas aproveita cuidadosamente o que somos, para realizar aquilo que devemos ser.

Bispo e Fundador, escritor e missionário, asceta e artista, apesar de viver sempre enfermo, numa contínua tempestade de lutas e perseguições, Santo Afonso foi o Doutor da Oração, o homem que vivia somente para Deus. Tal era o seu zelo, que soube guardar escrupulosamente o seu voto de não perder tempo. Inauditum, et Alphonsi caracteristicum [desconhecido, mas característico de Afonso], esse voto bem revela um temperamento de apóstolo que não queria fazer apenas alguma coisa para Nosso Senhor.

Entregou-se inteiramente à graça para poder realizar tudo o que Deus dele esperava. Vivit amor excessibus [o amor vive de excessos] — compreendemos porque vivia repetindo: Eu vos recomendo o estudo do Crucifixo! Napolitano por sua vivacidade e coragem, pela sua dedicação e lealdade, soube ser o que era: um homem apóstolo, simplesmente apaixonado por Nosso Senhor e sua Igreja.

10 DE AGOSTO

Cuius facturae simus [do que somos feitos (Sl 102, 14)]

Consolo para mim: Deus conhece a minha natureza, pois sabe muito bem de que barro me fez. Por isso não está exigindo que eu seja um anjo de perfeição; Ele me quer apenas humano e humanamente santo.

Se os anjos devem glorificar a Deus, com a sua perfeição de espíritos celestes, eu devo glorificar ao Pai com a minha miséria humana, sobrenaturalizada pela graça. É assim que Deus me quer, assim é que Ele me ama, tal qual Ele me fez, ex limo terrae [do pó da terra]. Tanto maior o mérito de um artista, quanto menos indicado o material com que realiza uma obra de arte. Recordatur nos pulverem esse [lembre-se que somos pó] — e é com esse pó que Deus realiza uma obra de arte divina, verdadeiro espetáculo, et angelis, et hominibus [aos anjos e aos homens].

Com essa miséria humana que sou, Ele constrói o seu templo neste mundo — vos estis templum Dei [vós sois o templo de Deus] — e não é com outro material que Ele vai construindo a sua Igreja triunfante, na eternidade. Devo ser, um dia, tal qual sou, uma pedra no templo da sua glória eterna. Gratia Dei sum id quod sum [pela graça de Deus eu sou o que sou] — e Ele conta comigo para o conjunto da sua glória divina.

31 DE JULHO

Stulta mundi elegit Deus [Deus escolheu o que é estulto no mundo (1Cor 1, 27)]

No dia em que me chamaste, Senhor, eu não perguntei: como?... para que?... Mas, mesmo assim, eu pensei comigo: quem sou eu, para que te lembres de mim? No entanto, embora não compreendendo os teus planos, eu sei que a tua Providência não engana e sabe muito bem o que faz ao fazer o que quer.

Por isso, prontamente como os teus Apóstolos, eu te segui. Qual não foi, porém, a minha surpresa, quando vi que a tua mão me colocava super candelabrum... [(como luz) sobre o candelabro...] para brilhar aos olhos de todos! Senhor, se a tua Providência procurava um modelo de defeitos e de faltas, compreendo que ela me tivesse preferido a tantos outros. Mas, para ser modelo de virtudes... para iluminar a outros com minha palavra e exemplos... eu? Meu Deus, confesso que não entendo bem os teus desígnios.

Mas, quando me chamaste, era firme a tua voz, e decisivo o teu gesto: Veni! [Vem!]. E eu te segui. Agora, super candelabrum [(como luz) sobre o candelabro], eu não sei como agradecer a tua misericórdia. Confesso que, até agora, não iluminei bastante, como era teu desejo. Mas Tu sabes que ao menos obedeci e não abandonei o lugar onde a tua mão me colocou. O Profeta que não sabia falar também obedeceu e realizou assim o que mandavas. Por isso espero realizar ainda, embora muito indignamente, o que esperas da minha nulidade: ut luceat omnibus qui in domo sunt [de modo que brilhe sobre todos que estão em casa (Mt 5,15)].

30 DE JULHO

Tu autem... haec fuge [mas tu... foge disso (1Tm 6,11)]

'Sim, vigiai, porque a castidade sacerdotal está exposta a muitos perigos, seja pela dissolução dos costumes públicos, seja pelas atrações do vício, tão frequentes e insidiosas; seja afinal, pela excessiva liberdade que cada vez mais se introduz nas relações entre os dois sexos e também tenta penetrar no exercício do sagrado ministério.

Vigilate et orate [Vigiai e orai], sempre lembrados de que vossas mãos tocam as coisas mais santas, de que estais consagrados a Deus e a Ele somente deveis servir. O próprio hábito que vestis vos adverte de que não deveis viver para o mundo, mas para Deus. Esforçai-vos, pois, com ardor e alegria, confiando na proteção da Virgem Mãe de Deus, para vos conservar sempre ‘alvos, limpos, puros e castos, como convém a Ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus’.

Uma particular exortação vos endereçamos, a fim de que, dirigindo associações e sodalícios femininos, vos mostreis como convém a sacerdotes, evitai toda familiaridade e, quando se fizer mister prestar a vossa assistência, prestai-a como ministros sagrados. Que a vossa tarefa, na direção dessas associações, se limite ao estritamente prescrito ao vosso sagrado ministério' (Pio XII).

29 DE JULHO

Quomodo placeat Deo [de como agradar a Deus (1Cor 7,32)]

'O sacerdote tem, como campo da sua própria atividade, tudo o que se refere à vida sobrenatural e é órgão de comunicação e incremento da mesma vida no Corpo Místico de Cristo. Por isso, é necessário que ele renuncie a ‘tudo quanto é do mundo’ para cuidar somente daquilo ‘que é de Deus’.

E é justamente porque deve estar livre das preocupações do mundo, para se dedicar todo ao serviço divino, que a Igreja estabeleceu a lei do celibato, a fim de que ficasse sempre manifesto a todos que o sacerdote é Ministro de Deus e pai das almas. Com a lei do celibato, o sacerdote, ao invés de perder o dom e o encargo da paternidade, aumenta-o ao infinito, pois, se não gera filhos para esta vida terrena e passageira, gera-os para a vida eterna.

Quanto mais refulge a castidade sacerdotal, tanto mais unido se torna o sacerdote com Cristo, hóstia pura, hóstia santa, hóstia imaculada. Para guardar intacta, como inestimável tesouro, a pureza sacerdotal, é necessário ater-se fielmente a aquela exortação do Príncipe dos Apóstolos, que diariamente repetimos: sobrii estote, et vigilate' [sede sóbrios e vigiai (1Pd 5,8)] (Pio XII).

28 DE JULHO

Satanas satanam ejicere? [Satanás expulsar a Satanás? (Mc 3,23)]

O demônio conhece de longe aqueles que o podem vencer: videns autem Jesum a longe, cucurrit... clamans voce magna [vendo Jesus de longe correu... gritando em alta voz (Mc 5,6)]. Como reconheceu logo a Nosso Senhor, assim também o demônio conhece bem, e de longe, o sacerdote cheio do espírito de Deus. Ele sabe que a virtude é mais forte que a sua malícia.

A Igreja me diz que Satanás e outros espíritos malignos andam pelo mundo, para perder as almas. E, diante das ovelhas ameaçadas, eu não posso fugir, como um mercenário covarde. Não posso facilitar o trabalho do lobo. Se o demônio não expulsa os seus espíritos malignos deste mundo, nec sacerdos, habens spiritum huius mundi, eum expellere potest ab aliis [nem os sacerdotes, possuindo o espírito desse mundo, podem expulsá-los dos outros].

Conhecendo de longe o sacerdote cheio de Deus, o demônio conhece também o sacerdote pouco fervoroso e dissipado, pois tem nele um ótimo aliado, como exemplo de tibieza, colocado super candelabrum [(como luz) sobre o candelabro], aos olhos do povo. Pouco dado à virtude e vazio de Deus, não serei para as almas a defesa que Nosso Senhor lhes deu. Serei apenas um mercenário. E, com a minha tibieza, estarei auxiliando o demônio no seu trabalho de perder as almas.

27 DE JULHO 

Ne videant vanitatem [(que meus olhos) não vejam a vaidade (Sl 118,37)]

Tinha razão o salmista ao rezar assim, pois é pelos olhos que o espírito do mundo penetra mais facilmente em nossa vida. Lucerna corporis tui est oculus tuus. Si oculus tus fuerit simplex, totum corpus tum lucidum erit; si autem nequam fuerit, etiam corpus tum tenebrosum erit [o olho é a lâmpada do corpo. Se teu olho é são, todo o corpo será bem iluminado; se, porém, estiver em mau estado, o teu corpo estará em trevas (Lc 11,34)].

Que o padre procure salvar as almas, sim. Mas, que não se deixe levar pela correnteza de leviandades em que elas vivem. A nossa vaidade bem que procura aproximar-se da vida mundana. E, para isso, chega a vestir-se, às vezes, de zelo bem intencionado, que julga necessário aproximar-se mais do ambiente. Já em seu tempo, observava São Jerônimo: Facile contemnitur clericus qui, saepe vocatus ad prandium, ire non recusat. Obsecro, charissime, ut multitudinem hominum, et officia et salutationes et convivia, velut quasdam catenas fugias voluptatum [o sacerdote torna-se desprezível quando, sempre que convidado para jantares, nunca recusa o convite. Exorto-vos a evitar, queridos irmãos, reuniões, cumprimentos e festas, como tantas outras cadeias que vos escravizam no prazer].

O contato exagerado e leviano com o mundo - a experiência que o diga - longe de salvar as almas, põe o padre a perder. O mundo acabará por lhe impor as suas idéias e o seu espírito. O autor do Eclesiástico já sabia e ensinava que: vinum et mulieres faciunt apostotare sapientes [o vinho e as mulheres fazem sucumbir os sábios (Eclo 19,2)].

26 DE JULHO

Otiositas mater est nugarum [a ociosidade é a mãe das coisas inúteis]

Assim escreveu São Bernardo. E alguém observou que, para o sacerdote, a perda de tempo é a perda das almas. À hora de sua morte, Pio XI dizia: 'Resta-me ainda tanto por fazer!' Se fosse essa a nossa preocupação, enquanto a morte não chega!

Certamente saberíamos dar mais valor aos minutos que passam, realizando mais para as almas, e... para nós mesmos. De que nos vale o tempo, se o não empregamos em preparar a nossa eternidade? No entanto, somemos as horas sacrificadas em conversas inúteis, em esporte e divertimentos, em cinemas e leituras, em visitas e passeios; teríamos meses inteiros. Mas... e o descanso necessário à saúde? Sem dúvida, um descanso comedido poderá ser necessário.

Mas, consulte-se a consciência. Não é qualquer descanso que nos fica bem. Que seja moderado e conveniente, pois nunca poderíamos ver o espírito de imolação e de zelo no impendam et superimpendar [gastar-se e se desgastar] na ociosidade ou no descanso exagerado. Clericus illud apud se repetere debet, se non ad inertiam et ignaviam, sed ad spirituales et ecclesiasticae militiae labores vocatum esse [o sacerdote deve se recordar que não é chamado à inércia ou à preguiça, mas a trabalhar com afinco nas hostes espiritual e eclesiástica (São Carlos Borromeu)].

25 DE JULHO

Securis ad radicem arborum posita est [o machado está posto à raiz das árvores (Mt 3,10)]

Este aviso do Precursor devia estar clamando sempre aos meus ouvidos. A qualquer momento, quando menos eu espere, a árvore da minha vida poderá cair. Mors ubique te expectat; tu ubique eam expectabis [a morte te espera em todos os lugares; em todos os lugares ela te aguardará] — diz São Gregório.

O pensamento da morte só me trará vantagem se ele me fizer pensar em minha vida. Horror à morte, todos têm; mas nem por isso se resolvem a mudar de vida. Que eu devo morrer é certo e o que já sei não me deve impressionar. O que me deve preocupar é o que eu não sei: de que lado irá cair a árvore dos meus dias? Essa preocupação é que me deve acompanhar sempre. É assim que eu devo pensar na morte, para que ela me faça pensar na minha vida.

Talis vita, finis ita [tal vida, tal morte]. Que eu queira viver sempre com Deus e a morte será, para mim, a alegria que foi para os santos. Será a realização de um desejo que, durante toda a vida, eu alimentei: Deus meus es, sollicite te quaero. Te sitit anima mea ut terra arida et sitiens [ó meu Deus, com ardor vos procuro, minha alma vos anseia como a terra árida e sequiosa (Sl 62, 2)]. É assim que eu o devo desejar agora, como a terra árida, sequiosa de uma chuva benéfica. Naquele dia em que Ele vier — ecce sponsus venit [eis que o noivo vem (Mt 25,6)] — poderei tranquilamente ir ao seu encontro: exite obviam ei [ide ao encontro dele].

24 DE JULHO

Unum est necessarium [uma só coisa é necessária (Lc 10,42)]

De manhã até a noite, eu vejo tanta coisa e tanta gente à espera dos meus cuidados, exigindo a minha atenção... O altar, o confessionário, a pregação, os doentes, as crianças, as obras de caridade, tudo precisa de um luar no meu dia de trabalho. Tenho que me preocupar com tudo porque o trabalho aumenta sempre e nada posso esquecer.

No entanto, tenho também uma alma que está à minha espera. Em meio a toda a agitação que enche o meu dia, ela não pede, mas exige, que eu a não esqueça, porque é dela que depende tudo. Se eu a esquecer, todo o meu trabalho será inútil, porque será um trabalho sem alma, que Deus não poderá aceitar. Ele é um Deus vivo e quer que eu trabalhe com uma alma viva, pelo contato com a sua graça.

Tantas vezes deixo minha alma esquecida em meio a tanta preocupação! E ela tem direito aos meus cuidados. A ordem do meu dia não pode ser outra senão esta: primeiro a minha alma; depois, as almas. Sem vida sobrenatural, minha atividade não terá valor. A alma do meu apostolado só pode ser o apostolado que eu dispensar à minha própria alma. Unum est necessarium [uma só coisa é necessária].

23 DE JULHO

Omnes quaerunt te [todos te procuram (Mc 1,37)]

Que vida aquela de Nosso Senhor! De cidade em cidade, pelos campos e estradas, sob o sol, a chuva e a poeira. Não tinha onde reclinar a cabeça e, ainda que tivesse, o povo não lhe dava sossego. A fome e a sede o acompanhavam e, em toda parte, conhecia a gratidão de alguns e a ingratidão e a indiferença de outros.

Aqueles que o procuravam sabiam que Ele não desprezava nem desatendia a ninguém: si quis venit ad me, non eiciam foras [se alguém vem a mim, não lançarei fora (Jo 6, 37)]. Se minha vida não pode ser outra que a de Nosso Senhor, eu também não posso ser outro senão o alter Christus [outro Cristo], para todos aqueles que me procuram.

Que o trabalho não me faça desanimado e nem perder o entusiasmo. Que as dificuldades não me tornem ríspido nem pesado para ninguém. Que a minha simplicidade não degenere em rudeza ou descuido, porque a polidez e as boas maneiras me devem auxiliar no ministério. Que a minha inteligência e cultura não me isolem na vaidade ou no orgulho porque sou também dos pobres e ignorantes. Por todos devo eu sofrer a minha vida de todos os dias, porque Ele também sofreu a sua vida e a sua morte, por todos, e até por mim...

22 DE JULHO 

Repellam te [te excluirei (Os 4,6)]

Por que? Quia tu scientiam repulisti [por teres rejeitado a instrução (Os 4,6)]. Deus não me quer como uma máquina a seu serviço e nem como um simples funcionário, a serviço da sua Igreja. Se, pelo estudo e oração, eu não me colocar à altura do meu ministério, repellam te, ne sacerdotio fungaris mihi [te excluirei do ofício do meu sacerdócio].

É certo que, às vezes, uma piedade profunda pode suprir uma cultura deficiente. Mas isso acontece quando a deficiência de cultura está isenta de culpa. Abandonando os livros, para me ocupar com trabalhos alheios ao ministério, para me entregar à dissipação e viver mais à vontade, não poderei esperar que a graça me venha em auxílio. Deus não irá fazer o impossível, quando eu não me resolver a fazer o possível.

Tratando-se das ciências profanas, sapere ad sobrietatem [saber com (a devida) sobriedade (Rm 12, 2)] — para que os leigos não me tenham por ignorante. Mas, em se tratando das coisas de Deus, quanto mais preparado, tanto mais à altura da minha missão. Como inspirar confiança, como ser tudo para todos, se eu não me impuser pela doutrina e cultura? Pelos livros que tem se conhece o padre, contanto que os tenha em uso e não somente como adorno de sua biblioteca. A experiência me diz que o óleo da minha vida sacerdotal não é somente a piedade; é a ciência também.

21 DE JULHO 

Ecce sanus factus es [eis que ficaste são (Jo 5,14)]

Tendo curado a um pobre doente, Nosso Senhor lhe deu este aviso: jam noli peccare, ne deterius tibi aliquid contingat [não peques mais, para que não te suceda algo pior]. Muito pior que uma doença de trinta e oito anos, será certamente a justiça divina, quando provocada pelo pecado. Se Deus me esperou até agora, não posso abusar da sua paciência: plus timendus est cum tolerat, quam cum festinanter punit [quanto mais pacientemente se tolera, tanto mais rapidamente se castiga] — assim me avisa São Gregório.

Tenho que me preocupar mais com a pureza de minha consciência. Não posso permitir que certas faltas se introduzam na minha vida e continuem como coisa muito natural. Já não sei quantos pecados fui deixando ao longo do meu caminho, de tantos que são... Alguma providência preciso tomar, ne deterius aliquid contingat [para não suceder algo pior].

Quantas vezes Deus já me perdoou? Não sei. E quantas vezes Ele ainda me quer perdoar? Também não sei, porque a sua justiça também é infinita. O certo é que não posso continuar despreocupado com a minha situação, como se tudo estivesse em ordem, somente porque Deus me ama e me perdoa. Ele me avisou: jam noli peccare, porque indulgentiam tibi Deus promisit; crastinum diem tibi nemo promisit [não peques mais, porque Deus te prometeu o perdão de tuas iniquidades, mas não te prometeu o dia de amanhã (Santo Agostinho)].

20 DE JULHO

Unum tibi deest  [uma só coisa te falta (Mc 10,21)]

Depois de ter examinado a sua vida e de fazer os seus cálculos, aquele rapaz achou ter feito o suficiente para merecer o Reino dos Céus. Com toda sinceridade, afirmou: haec omnia observavi a iuventute mea [tenho observado tudo isso desde a minha juventude (Mc 10, 20)]. Mas o Mestre, que via mais longe, observou: está faltando ainda uma coisa...

Nosso Senhor sabe muito bem o quanto lhe devemos oferecer. E, ao mesmo tempo, conhece as restrições que lhe costuma fazer a nossa mesquinhez. É que o nosso egoísmo nunca se conforma com perder aquilo que ele julga a sua parte. Diante das medidas que pomos na nossa generosidade, Nosso Senhor é total nas suas exigências. 

Quantas vezes Ele não nos surpreende com renúncias e sacrifícios que julgamos acima de nossas forças! Ficamos apavorados; mas Ele não diminui o peso do sacrifício, nem a extensão da renúncia que nos impõe. E nós já o devíamos saber, desde que recebemos o primeiro mandamento da sua Lei. Que eu não pense estar correspondendo com perfeição às exigências do seu amor. Para isso, não me falta apenas alguma coisa; falta ainda muita coisa que se resume nisto: abneget semetipsum et tollat crucem suam... [negue-se a si mesmo e tome a sua cruz...].

19 DE JULHO

Adhortamini invicem! [animai-vos mutuamente! (Hb 3,13)]

Este é o conselho que o Apóstolo nos dá ut non obduretur quis ex vobis fallacia peccati [para que nenhum de vós seja obscurecido pela sedução do pecado (Hb 3, 13)]. Sempre, em toda parte, eu devo realizar o apostolado do bom exemplo. E se esse apostolado deve atingir a todos, de um modo especial deve ele chegar aos meus colegas de sacerdócio. Eles têm direito ao meu bom exemplo.

Não os posso desanimar, contagiando-os com o meu pessimismo, com o meu espírito negativo, que tudo censura e destrói. Não lhes devo ser uma pedra no caminho, com certas ideias ou hábitos que mais pregam a tibieza do que o fervor. Com a palavra e com o exemplo, tenho que ser um estímulo para todos.

Não posso ignorar que os mais novos, e menos experientes, olham para mim como para um modelo. Com minha tibieza, eu poderia contribuir para que eles não fossem o que deveriam ser. Vale também para mim aquela palavra: confirma fratres tuos [fortalece os teus irmãos (Lc 22, 32)]. Será esse o fruto do meu bom exemplo. A caridade, a discrição, o zelo, a obediência, o desapego, enfim, o fervor, eis o que eu desejo ver nos meus colegas e o que eles também querem ver em mim. Timeamus, ne forte relicta pollicitatione introeundi in requiem eius, existimetur aliqui ex vobis deesse [embora subsista a promessa de entrar no seu repouso, cuidemos para que alguns não sejam excluídos (Hb 4,1)].

18 DE JULHO

Simon, dormis? [Simão dormes? (Mc 14,37)]

Que tristeza amarga nessa pergunta do Mestre! À hora em que mais precisou do apoio e da companhia dos seus, eles estavam dormindo, inteiramente despreocupados. Eu sei que, a qualquer momento, posso contar com Nosso Senhor. Tenho confiança, porque Ele nunca me poderia abandonar. 

Mas, será que Nosso Senhor pode contar sempre comigo? Se Ele não me chamou para grandes obras, e realizações de vulto, Ele deveria poder contar comigo, ao menos, para os meus deveres de cada dia. Será muito o que Ele me pede? Quando Nosso Senhor me acena com alguma alegria ou mesmo com algum trabalho que agrada à minha vaidade e o meu gosto, não ofereço dificuldades; estou pronto. 

Mas, tratando-se de algum sacrifício, de alguma renúncia, no cumprimento de alguma obrigação que me pesa, geralmente não me mostro muito pronto. Chego mesmo a reclamar da obediência, do excesso de trabalho, para dizer, enfim, que não posso. Foi sempre assim: para o Tabor não faltam voluntários. Mas quando se trata de sacrifício e renúncia, o entusiasmo desaparece, porque a disposição não é a mesma.

17 DE JULHO

Nemo repente fit malus [nada se torna mal de repente]

Senhor, aqueles que te abandonaram, poderão dizer quando começaram a perder o caminho? Foi aos poucos. Não quero pensar que eu tenho o monopólio da verdade, que sou o representante exclusivo da virtude. Que a desgraça de outros me abra os olhos da humildade, para que eu me entregue inteiramente ao teu domínio.

Do contrário, minha vontade enferma acabará me arrastando para longe do caminho certo. E perderei de vista o ideal que escolhi. Aquele ladrão, que agonizou ao teu lado, nem te conhecia. Bastou que te ouvisse e se converteu. Mas o teu traidor viveu contigo. Ouviu a tua doutrina e assistiu os teus milagres. Mas nunca te pertenceu sinceramente. 

Por isso, quando a tua misericórdia realizou aquele último assalto: amice, ad quid venisti? [amigo, é para isso que vieste?] — encontrou pela frente o rochedo de uma indiferença verdadeiramente diabólica. Eu sei que me chamaste para a santidade. Nem por isso posso pensar que já estou confirmado na graça como dono de todas as virtudes. Que eu não me ponha a seguir caminhos que a minha vontade escolhe, mais de acordo com as minhas fraquezas; meu caminho é somente um: ego sum via [eu sou o caminho].

16 DE JULHO

Quae vestra sunt [o que é vosso (2Cor 12,14)]

'Nós vos exortamos ardentemente a não vos prenderdes com afeto às coisas da terra, transitórias e perecíveis. Tomai como exemplo os grandes santos do passado e de nossos tempos, os quais, unindo o necessário desprendimento dos bens materiais a uma grandíssima confiança em Deus e a um ardentíssimo zelo sacerdotal, realizaram maravilhosas obras, confiando unicamente na Providência, que nunca deixa faltar o necessário.

Também o sacerdote, que não faz com voto particular a profissão de pobreza, deve ser sempre guiado pelo espírito e amor desta virtude, amor que deve demonstrar pela simplicidade e modéstia do teor de vida, e pela generosidade para com os pobres. De modo particularíssimo, portanto, não queira imiscuir-se em empresas econômicas, que lhe impedirão de cumprir seus deveres pastorais e diminuirão a confiança que nele depositam os fiéis.

Vosso zelo deve ter por objeto não as coisas terrenas, mas as eternas. Deve ser este o propósito dos sacerdotes que aspiram a santidade: trabalhar unicamente para a glória de Deus e a salvação das almas. Dedicado com o máximo empenho à salvação das almas, deve o sacerdote aplicar a si mesmo a palavra de São Paulo: non enim quaero quae vestra sunt, sed vos [porque não busco o que é vosso, mas a vós mesmos] (Pio XII)

15 DE JULHO

Omnia possibilia sunt credenti [tudo é possível a quem crê (Mc 9,22)]

Ao ter notícia de uma apostasia, alguém observou: omnia possibilia sunt... non credenti [tudo é possível... (até) não crer]. De fato, quando uma alma perde a fé, tudo é possível, até mesmo uma traição estilo Judas, premeditada e concluída com a maior frieza.

A história das deserções é sempre a mesma: a princípio algumas faltas, aparentemente sem importância; depois a tibieza que, pouco a pouco, vai minando o espírito de fé; as trevas tomam conta. Sabemos muito bem que, sem vida de oração, a alma não se pode alimentar com a graça. As paixões começam a arrastá-la para fora da sua base, que são as verdades da fé. As faltas deliberadas vão se sucedendo, anunciando a queda final. 

Tudo então pode acontecer. Sem apoio e sem força, a alma acaba desmoronando. E oxalá desmoronasse sozinha! Mas, infelizmente, essa queda é sempre a ruína de muitos outros. Com toda humildade precisamos fazer nossa a oração daquele homem que, não confiando em si mesmo, cum lacrymis aiebat: Credo Domine; adjuva incredulitatem meam [respondeu de imediato: creio, Senhor, mas me socorre na minha pouca fé].

14 DE JULHO 

Et catelli comedunt sub mensa [e até os filhotes de cães se fartam sob a mesa (Mc 7,28)]

Pelas aparências, que mulher imprudente aquela siro-fenícia! O tipo da mulher ignorante, mas que sabe importunar. Na realidade, porém, que mulher admirável! Recolhido, quase escondido numa casa de família, o Mestre queria sossego. Estava cansado de atender a tanto pedido. E a mulher o vai importunar. 

Não olha para as conveniências; tinha um pedido a fazer e queria fazê-lo. Falou com o Mestre. Mas Ele não se mostrou muito pronto em atendê-la, argumentando com aparente desprezo para com a estrangeira. E ela insiste, argumentando também. O desejo de ser atendida fê-la esquecer que era uma ignorante, a querer discutir com um Mestre. Agarrou-se à palavra de Nosso Senhor e dela arrancou uma conclusão que lhe era inteiramente agradável: et catelli comedunt sub mensa, de micis puerorum... [até os filhotes de cães se fartam sob a mesa das migalhas das crianças...].

A bem dizer, Nosso Senhor ficou desarmado ante a insistência daquela profunda humildade. A mulher aceitava o aparente desprezo com que o Mestre lhe falava. Mas, nem por isso desistia do seu pedido. Propter hunc sermonem... exiit daemonium a filia tua [por causa desta palavra... saiu o demônio da sua filha (Mc 7, 29)]. O milagre foi feito, a pedido da simplicidade.

13 DE JULHO

Haec et metet [semeia e colherá (Gl 6,8)]

É esta uma verdade que podemos verificar todos os dias. Quando levamos a sério o cumprimento de nossos deveres, os exercícios de piedade, a nossa união com Deus, experimentamos a paz de uma consciência limpa. É a íntima satisfação de estarmos servindo a Deus como filhos, in fide et veritate [na fé e na verdade].

Do nosso esforço e boa vontade, nasce a alegria e colhemos maior disposição para continuarmos trabalhando. Mas, quando abrimos a nossa alma à dissipação, quando nos entregamos ao comodismo e descuidamos os nossos deveres, o resultado não se faz esperar: achamos tudo difícil, perdemos o entusiasmo e sentimo-nos pesados a nós mesmos.

Qui seminat in carne, de carne et metet corruptionem [quem semeia na carne, na carne colherá a corrupção]. Não trabalhando com Deus e nem para Deus, o sacerdote acaba vivendo uma vida vazia. Torna-se pesado e insípido o seu ministério e a sua vocação não lhe oferece mais atrativos. Não vivendo para Deus, começa a viver para si mesmo. E o resultado dessa tibieza é sempre o mesmo: novimus multos, omnes virtutes numero habuisse, et tamen, negligentia lapsos, ad vitiorum barathrum devenisse [quantos não conhecemos que eram cheios de virtudes e, mais tarde, imersos na tibieza, precipitaram-se num abismo de iniquidades (São João Crisóstomo)].

12 DE JULHO 

Nolite tangere unctos meos [não ouseis tocar os meus ungidos (St 104, 15)]

É o que podemos fazer, e infelizmente o fazemos com certa facilidade, por não usarmos da devida caridade no falar. Precisamos reconhecer que a nossa língua também faz as suas vítimas, principalmente quando nos referimos a colegas.

O respeito e a veneração para com os sacerdotes são virtudes que o povo deve praticar, mas nós também. Que triste espetáculo não oferecem certas rodas ou meros encontros que fazem das faltas alheias tema obrigatório das conversas! Comentários e observações que certamente não primam pela caridade, chegam a constituir o prato predileto de certo gosto estragado, que não sabe alimentar uma conversa a não ser com as faltas e defeitos de colegas.

E, o que é pior: muitas vezes, os comentários são feitos a leigos ou diante deles. E, nesse caso, a má impressão, ou mesmo o escândalo, estará tornando mais grave a culpa. Toda vez que comentamos uma falta alheia, condenamos a nós mesmos: in quo enim iudicas alterum, teipsum condemnas [naquilo que aos outros julgas, a ti mesmo condenas (Rm 2, 1)]. Sirva-nos de aviso a palavra de São Paulo: quod si invicem mordetis... videte ne ab invicem consumamini [mas se vos mordeis... cuidai para não aniquilar-vos uns aos outros (Gl 5,15)].

11 DE JULHO 

Placent Dominum qui timent eum [agradam ao Senhor os que o temem (Sl 146,11]

É certo que Deus ama aqueles que o temem. E Ele espera que eu o respeite com um santo temor. Tanto assim, que me lembrou, muitas vezes, o pranto e ranger de dentes daqueles que se revoltaram contra a sua Vontade soberana.

Mas, com isso, Deus não quer criar distância entre a minha miséria e a sua infinita grandeza. Se Ele ama os que o temem, deve amar ainda mais aqueles que o amam e confiam na sua bondade. Não terá sido por isso que Ele mostrou tanto amor e predileção para as crianças? Preciso me lembrar sempre disto: temer, sim, mas principalmente amar.

O Apóstolo não me diz que Ele é a justiça, o poder ou a grandeza. Deus caritas est [Deus é amor] — Ele é simplesmente o Amor. E foi assim, como um Amor infinito, que Ele se revelou ao mundo, ocultando aos nossos olhos toda a sua grandeza e poder. O salmista, que tantas vezes cantou as perfeições divinas, viu também como Ele sabe amar: ipse sanat fractos corde, et alligat vulnera eorum; videte qualem caritatem dedit nobis Pater, ut filii Dei nominemur, et simus [Ele cura os corações chagados e cuida das suas feridas (Sl 146,3); considerai com que amor nos amou o Pai, para que sejamos chamados filhos de Deus, e nós o somos (1Jo 3,1)].

10 DE JULHO

Peccatum meum contra me est semper! [diante de mim está sempre o meu pecado! (Sl 50,5)]

A lembrança das minhas faltas me humilha, porque eu sei e compreendo o absurdo que é o pecado na vida sacerdotal. Depois de ter recebido tanto de Deus, eu já devia estar correspondendo melhor a tantas provas de predileção. Arrastando, sempre com tantas dificuldade, o peso das faltas e defeitos que não consigo vencer, era para eu desanimar, não fosse a confiança que eu devo ter na misericórdia de Deus.

Peccavi nimis in vita [pequei muitas vezes na vida] — ao longo do meu caminho, as faltas estão marcando os meus dias, como coisa muito natural. Elas já não me impressionam. No entanto, pelo muito que Deus me ama e pelo muito que recebi, o pecado devia ser uma anormalidade em minha vida, um absurdo que me devia chamar a atenção. Mas, apesar disso, me acostumei tanto com o pecado, que nem posso dizer quantas vezes pequei num ano, em um mês, e até num dia.

A esse ponto eu cheguei: de perder a conta das minhas faltas... certamente porque não empreguei todo o esforço necessário. Mesmo assim não posso desanimar. Ao perder a conta das minhas faltas, perdi também a conta de todas as vezes que Deus me perdoou. Sem abusar do seu amor, laudate Dominum quia bonus! [louvai o Senhor porque Ele é bom! (Sl 134, 3)].

09 DE JULHO 

Quis ex vobis arguet me de peccato? [quem de vós me acusará de pecado? (Jo 8,46)]

Para perseguir a Nosso Senhor, o mundo usou de todas as armas. E para nos atacar, o mundo de hoje também dispõe de todos os recursos. Para atingir a sua finalidade, todos os meios lhe são lícitos, já que desconhece a moral.

Seríamos ingênuos se nos quiséssemos defender, usando as mesmas armas com que somos atacados. Para nossa defesa temos uma única arma e essa de efeito infalível: é a nossa virtude. Foi dessa arma que Nosso Senhor também usou, confundindo seus inimigos com a própria santidade. Arma secreta, o mundo não a conhece e, por isso, não a sabe manejar.

As outras ele as conhece e muito bem, melhor do que nós, já que lhe pertencem a calúnia, o ódio, a difamação. In omnibus teipsum praebe exemplum bonorum operum, in doctrina, in gravitate [em tudo mostra-te modelo de bom comportamento e sob austeridade na doutrina (Tt 2, 7)]. São Paulo provou de perto a oposição dos inimigos da Verdade e, para vencê-los, nada mais fez que impor-se pela santidade da sua vida: ut is qui ex adverso est, vereatur, nihil habens malum dicere de nobis [para que o adversário seja confundido, não tendo nada de mal a dizer sobre nós (Tt 2, 8)]. Se Nosso Senhor nos colocou super candelabrum [(como luz) sobre o candelabro], muito acima do mundo, foi para que o mundo não nos pudesse alcançar. Resta que nos saibamos conservar na altura em que fomos colocados.

08 DE JULHO

Hoc est maximum et primum mandatum [esse é o maior e o primeiro mandamento (Mt 22,38)]

'Consoante o ensino do Divino Mestre, a perfeição da vida cristã consiste no amor a Deus e do próximo; amor, porém, que seja verdadeiramente fervoroso, zeloso e ativo. Seja qual for o estado em que se encontre o homem, para este fim deve dirigir as suas intenções e as suas ações.

A este dever está de modo particular obrigado o sacerdote. Toda a sua ação sacerdotal tende realmente para isso; ele deve, de fato, emprestar a sua cooperação a Cristo, único e eterno Sacerdote; é, por isso, necessário que siga e imite Aquele que, durante a sua vida terrena, não teve outro escopo senão demonstrar o seu ardentíssimo amor ao Pai, anunciando aos homens os infinitos tesouros de seu Coração.

Não confie o sacerdote em suas próprias forças, nem se deslumbre com as próprias qualidades; não procure a estima e louvores dos homens, não aspire a cargos elevados, mas imite a Cristo que não veio para ser servido, mas para servir. Renuncie-se a si mesmo — para seguir mais livremente o Mestre Divino. Tudo aquilo que tem, e tudo quanto é, procede da bondade e do poder de Deus. Se quiser, portanto, glorificar-se, lembre-se das palavras do Apóstolo: quanto a mim, em nada poderei me gloriar, senão em minhas fraquezas' (Pio XII).

07 DE JULHO

Ibo ad Patrem [irei até o meu Pai (Lc 15,18)]

Meu Deus, todos aqueles que me procuram são, mais ou menos, uns filhos pródigos, à procura de um Pai. No perdão que eles esperam, no conselho que me pedem, na solução que desejam, eles querem a tua Verdade, a tua Vida. Quando me procuram, é a ti que eles querem achar. Palavras deste mundo, o mundo as tem para lhes dar. Mas eles querem a tua palavra de vida eterna, que tem o sabor do sobrenatural.

Indiferença, frieza e leviandade, o mundo também lhes pode oferecer. Mas eles buscam a tua compreensão, a tua prudência e a tua caridade. Querem o teu amor, o teu perdão. Preciso pensar que, se eles não encontrarem o que procuram, voltarão desiludidos, e talvez não te procurem mais. Eu teria, então, que amargar o remorso de não ter sido para eles o Pai que a tua misericórdia lhes deu. Ou irei condenar a avidez com que eles desejam a mentira do mundo.

Senhor, que eu não me esqueça daquela palavra tua, que vale também para mim: Vae vobis, quia clauditis regnum caelorum ante homines! Vos enim non intratis, nec introeuntes sinitis intrare [ai de vós que fechais aos homens o Reino dos Céus; vós mesmos não entrais e não deixais que entrem os que querem entrar (Mt 23,13)].

06 DE JULHO

Fides quae per caritatem operatur [a fé que atua pela caridade (Gl 5,6)]

Toda a nossa vida, segundo o Apóstolo, deve ser uma fé profunda, posta em atividade por um grande amor a Deus. Scio cui credidi [sei em quem creio (II Tm 1,12)] — afirmava São Paulo; e a sua fé apareceu num apostolado admirável, como nenhum outro tanto que, referindo-se aos demais Apóstolos, sem nenhuma vaidade, pôde dizer: abundantius illis omnibus laboravi [tenho trabalhado mais do que todos (1Cor 15,10)].

Como a nossa vaidade insiste sempre em se colocar no lugar de Deus e como geralmente sentimos muita facilidade para nos amar 'sobre todas as coisas', não será demais chamarmos, de vez em quando, a nossa atividade para um exame. Nossos trabalhos e iniciativas, certas atitudes e medidas que tomamos, será tudo fruto do nosso amor a Deus?

Pode ser que alguma ou muita coisa em nossa vida tenha apenas uma fantasia de zelo e caridade, a cobrir uma vaidade nossa, muito discreta é verdade, mas que não se conforma com ficar esquecida. E, diante de Deus, só tem valor aquilo que estiver marcado com a boa intenção; o mais é artifício, que não aproveita às almas, nem à nossa alma. Sine caritate opus externum nihil prodest; quidquid autem ex caritate agitur, totum fructuosum efficitur [sem a caridade, nada vale a obra exterior; tudo, porém, que procede da caridade produz frutos abundantes (Da Imitação de Cristo, de Thomas de Kempis)].

05 DE JULHO

Quid facimus?... [o que faremos? (Jo 11,47)]

Os fariseus incomodavam-se com os milagres do Mestre. Viam-se perdidos; interrogavam-se uns aos outros, sem saberem mais o que fazer quia hic homo multa signa facit [uma vez que este homem realiza muitos sinais]. O despeito os cegava, a inveja não lhes dava sossego. Por ser a mãe de muitos outros pecados, a inveja está entre os pecados capitais. 

E, sendo ela inseparável do egoísmo, todos nós mais ou menos egoístas, levamos conosco uma pontinha de inveja. Pode ser que a não reconheçamos; geralmente muito discreta, ela prefere aparecer com outros nomes. Às vezes ela se deixa ver numa palavrinha de censura, que dizemos bem intencionada. Outras vezes é uma gotinha de crítica, que se diz construtiva. Ora é uma observação, sob pretexto de caridade; ora um silêncio estudado e significativo. 

Geralmente ela estuda, antes de se apresentar. Não será o veneno da inveja que, muitas vezes, põe o descontentamento em minha vida? O irmão do filho pródigo vivia feliz na casa paterna. Mas um dia sofreu amargamente; achou que lhe faltava a festa que fizeram ao pródigo que mortuus erat, et revixit... [estava morto e reviveu...]. Aceitemos o que somos; procuremos dar o máximo para Nosso Senhor. E deixemos os outros em paz.

04 DE JULHO

Quamvis bonus videaris coenobita... [ainda que pareças um bom anacoreta (religioso)...]

Tenho que reconhecer a boa vontade com que iniciei o meu sacerdócio. Naqueles anos havia mais fervor em minha vida, mais ordem no meu trabalho, mais apego à oração. Mas, com o tempo, o trabalho invadiu a minha vida e, como um vendaval, deixou cair em tudo a poeira da dissipação, da rotina e de uma confiança exagerada.

Vendo-me na agitação de todos os dias, já não me reconheço. Quam mutatus ab illo! [quão diferente desde então!]. As ocupações e cuidados se multiplicaram, destruindo a ordem do meu dia. Minha vida de oração ficou reduzida à Missa e ao Breviário, que já não se caracterizam pelo fervor, mas pela pressa da agitação. Sem renunciar a experiência dos anos, preciso voltar atrás para reaver aquela minha alma fervorosa, dócil e simples. 

Uma corrida contínua, sem ordem e sem método, poderá provocar um irremediável desgaste de forças. E é na oração e no recolhimento, que eu devo recuperar as energias necessárias. Sois um templo — escreveu alguém — colocai os objetos no átrio; dai aos homens a nave, mas reservai o presbitério para Deus. Numquam tibi promittas securitatem in hac vita [nunca te dês por seguro nesta vida] — é o aviso da Imitação [Da Imitação de Cristo, de Thomas de Kempis].

03 DE JULHO

Exaltavit humiles [exaltou os humildes (Lc 1,52)]

O meu caminho para chegar até Deus não pode ser outro senão a humildade. E para eu me aproximar das almas, o caminho é o mesmo. Se Nosso Senhor não tolerava o orgulho dos fariseus, as almas também não se aproximam do sacerdote cheio de si. Homens cheios de si mesmo não faltam e as almas querem um homem cheio de Deus. Por isso, na falta de humildade e mansidão é que vamos achar a causa de muito fracasso no apostolado.

De que me serve sacrificar a vida num trabalho contínuo, se o móvel de toda a minha atividade é o meu orgulho e amor próprio? Quid prodest tenuari abstinentia, si animus intumescit superbia? [para que serve uma severa abstinência (do corpo), se a mente está locupleta de orgulho?] — pergunta São Jerônimo. De nada me serve a mentira do orgulho pois, se as almas não sabem o que sou, Deus o sabe muito bem! Tu scis insipientiam meam, et delicta mea te non latent [vós conheceis a minha insipiência e minhas faltas não vos estão ocultas (Sl 68,6)].

Ingenuidade absurda seria eu pensar que, aos olhos de Deus e das almas, posso vestir a minha vaidade com aparências de zelo e ocultar as minhas falhas com retoques de virtude. Por menor que seja, o orgulho sempre aparece, mesmo que se oculte sob um hábito de morte. Humillis habitus non sanctae novitatis est meritum, sed priscae vetustatis operculum [o hábito humilde (usado pelos monges) não é sinal de distinção e renovação interior, mas apenas uma capa que reveste antigos vícios] — observava São Bernardo.

02 DE JULHO

Semper gaudete! [alegrai-vos sempre! (1Ts 5,16)]

O Apóstolo nos deseja a alegria santa dos filhos de Deus. É a alegria inocente, que nasce de um coração reto e de uma consciência pura. Certamente precisamos distinguir essa alegria da dissipação.  Esta é fruto da tibieza. Está nas conversas inúteis, nos passeios e viagens sem necessidade; está em certas leituras, em certas amizades e reuniões. Aparece em certos divertimentos que sacrificam o tempo, o estudo e a oração. Numa palavra, a dissipação está em tudo o que nos diminui o fervor.

Muitas vezes tentamos vestir a dissipação com as aparências de um descanso necessário. Apelamos para o argumento de que esta ou aquela alegria nos dispõe melhor para o trabalho e oração. A nossa consciência é quem o sabe. Mesmo assim, não podemos esquecer que o fim não justifica os meios. Descanso é uma coisa; dissipação é outra.

Nosso Senhor, por ser humano, também conheceu o descanso; mas não conheceu a dissipação. Nisi efficiamini sicut parvuli [se não vos tornardes como criancinhas] — podemos usar das alegrias que Deus nos dá; abusar porém, nunca. E que venham dEle realmente; pois a dissipação não vem de Deus. Alegres sicut parvuli [como criancinhas] — isto é, sem exageros que prejudicam o nosso fervor.

10 DE JULHO

Redemisti nos, Domine! [remiste-nos, Senhor!]

Sim, Ele nos remiu. Mas — in sanguine tuo [pelo vosso Sangue] — esse foi o preço que Ele pagou; por menos não foi possível. O que o Jardim das Oliveiras viu, naquela noite, não foi um simples suor de sangue no rosto de Nosso Senhor. Mais do que isso: sudor eius sicut gutae sanguinis decurrentis in terram [seu suor tornou-se gotas de sangue a escorrer pela terra (Lc 22,44)].

Ultrapassa a nossa imaginação o suplício experimentado pelo Redentor naqueles momentos de agonia. O pavor diante do sofrimento previsto não se manifestou num suor comum; foi um suor de sangue e tão intenso que as gotas rolaram à terra. Naquela noite, Ele me viu também. E viu a minha vida, viu os meus pecados, que nenhuma impressão me fizeram, porque deles nem me lembro mais.

O seu Sangue continuou correndo na flagelação, na coroação de espinhos, na cruz; por menos eu não seria salvo. Quanto sangue nessa luta entre Deus e o demônio, pela posse de minha alma! Não será demais todo sacrifício que eu fizer, para que essa alma não volte a ser escrava; nem será demais todo cuidado que eu tenha pela pureza de minha consciência. Ele pagou por mim um preço que ninguém podia pagar: empti praetio magno [comprado por um preço muito alto].

30 DE JUNHO

Mors illi ultra non dominabitur [nem a morte terá domínio sobre Ele (Rm 6,9)]

'Vivida contra Deus ou ignorando a Deus, qualquer vida, mesmo insigne por obras e poder, é relâmpago estéril, que nenhuma memória póstuma tem a força de reacender; é destinada, na outra vida, à ressurreição para a morte. 

Mas toda vida humilde, se vivida em Deus, é semente de frutos excelsos, é sinfonia perene, que a morte não interrompe, mas sublima; e, sobre a terra, onde tudo morre, é mensagem de uma vida imortal. Na esperança da futura glória, tendes hoje a realizar obras de vida e não de morte. Espalhai por toda parte a torrente de vida que recebestes de Cristo.

Sabemos que quereis ser fermento de vida, mas receamos que vos possa prostrar, no abatimento, a prolongação das mesmas lutas e a repetição dos mesmos perigos. O perigo de hoje é o cansaço dos bons. Sacudi todo abatimento, retomai a costumada virtude. Que as vitórias já conquistadas pela vossa cooperação com a Fé, com a Igreja e com a humanidade, tornem-se estáveis e duradouras. Não descanseis sobre os louros do passado; não vos detenhais a contemplar o sulco outrora traçado mas, consolidando o que já foi adquirido, almejai sempre novos incrementos. Perseverai vigilantes na fé e unidos na concórdia!' (Pio XII)

29 DE JUNHO 

Semper in Templo [sempre no Templo (Lc 24,53)]

Após a Ascensão do Senhor, assim como nos assevera São Lucas, voltaram os Apóstolos a Jerusalém, e passaram a viver praticamente no Templo, laudantes et benedicentes Deum [louvando e bendizendo a Deus]. Eu não posso passar os meus dias na igreja; meu trabalho e minhas obrigações não o permitem. 

Mas posso e devo passar a minha vida fazendo de meus dias um canto de louvor à glória de meu Pai. Luz do mundo — minha vida sacerdotal estaria apagada, se não fosse um templo grandioso, continuamente iluminado pela presença de Deus. E somente Ele irá compreender e admirar a beleza dessa catedral que eu devo construir, dia por dia, com o auxílio da sua graça: vos estis templum Dei [vós sois templos de Deus].

É nesse templo que eu devo trabalhar e sofrer; nesse templo, é que irei transformar tudo em glória e louvor ao Pai. No templo de sua vida, Nosso Senhor viveu ocupado somente com os interesses de Deus. E eu poderei viver de outra maneira? Cada momento de minha existência tem que ser uma nota desse cântico de louvor que Ele espera de mim. Sua glória infinita enche os céus e a terra; que ela penetre a minha vida, porque eu também fui chamado a tomar parte do eterno festim dos eleitos: in conspectu Angelorum psallam tibi [à vista dos anjos, eu vos cantarei salmos].

28 DE JUNHO

Hominem non habeo [não tenho quem (me ajude) (Jo 5,7)]

Aquele paralítico não esperava que um anjo do céu o viesse ajudar. Queria apenas um homem que lhe desse a mão. Como padre, devo ser para todos esse homem providencial, porque devo ser um Homem de Deus. Se eu não der a mão da minha caridade a aqueles que a procuram, estarei traindo o meu nome e a minha missão. E quanto pobre, de corpo e da alma, ao longo do meu caminho, esperando por mim!

Sem ser anjo, vivendo nas alturas, tenho que viver neste mundo como Homem de Deus, humano e compreensivo para com todos. O meu lugar deverá ser sempre o lugar daqueles que me procuram, porque devo sentir e sofrer com eles. O Bom Samaritano, que eu devo ser, não poderá passar indiferente junto a aqueles que o sofrimento atirou à beira da estrada.

Não basta que eu tenha compaixão dos que sofrem; isso é apenas humano. Preciso traduzir minha compaixão em gestos de caridade sobrenatural. O meu nome pater [padre/pai] está me lembrando os meus encargos de pai. Non relinquam vos orphanos [não vos deixarei órfãos (Jo 14, 18)] — Nosso Senhor me deixou no seu lugar para que a todos eu dê a sua caridade e compreensão.

27 DE JUNHO

Dominus est! [é o Senhor! (Jo 21,7)]

No dia em que Nosso Senhor apareceu aos Apóstolos, à margem do lago em que pescavam, ninguém o reconheceu. Apenas São João o identificou, avisando logo aos demais: É Ele! Dominus est! [é o Senhor!]. 

Muitas vezes em nossa vida, estaremos em situação semelhante, sem saber distinguir onde Nosso Senhor está e onde Ele não está. Que a nossa fidelidade a Nosso Senhor nos faça reconhecer sempre o que é de Deus e o que é do mundo. Podemos dizer, tuta conscientia [de sã consciência],  que Nosso Senhor esteja em certas reuniões e divertimentos, em determinadas leituras, em certas idéias e hábitos que vamos adquirindo? Estará Ele em certas facilidades que se vão introduzindo em nossa vida, minando sempre o nosso fervor?

E podemos dizer que Ele não está nas ordens que recebemos, nos sacrifícios que machucam o nosso comodismo, na simplicidade que tanto mortifica o nosso orgulho, no cumprimento exato de nossos deveres? Mais apego e fidelidade a Nosso Senhor. Se o amarmos, como aquele discípulo quem diligebat Jesus [a quem Jesus amava], facilmente iremos ver onde Ele se encontra. Saberemos reconhecer sua presença, em geral, naquilo que nos desagrada e a sua ausência, em tudo aquilo que mais facilmente nos atrai.

26 DE JUNHO

Si vis ad vitam ingredi [se queres entrar na vida (Mt 19, 17)]

Para eu alcançar a vida eterna, Deus não está exigindo o impossível de mim. Apenas isto: que eu o ame. Diliges Dominum ex toto corde tuo [amarás o Senhor de todo o teu coração (Dt 6,5)]. A medida do meu amor para com Ele é que eu o ame sem medida — ex todo corde [de todo o coração].

Se eu o amar, saberei servi-lo e nele amarei os meus semelhantes: et proximum tuum sicut te ipsum [e o teu próximo como a ti mesmo (Lv 19,18)]. Por experiência, eu sei que tenho um coração feito a propósito para amar. Apego-me tanto a tanta coisa e... a cada coisa! Basta que eu queira e poderei apegar-me à infinita riqueza de Deus, em vez de amar o pó da terra. Sim, basta que eu queira, porque ninguém, nem Deus mesmo, poderá me impedir de o amar. 

Minha liberdade de querer é qualquer coisa de sagrado, que Deus respeita e não força. No entanto, se eu quiser apegar-me ao pó da terra, ninguém me poderá impedir igualmente; e a culpa será toda minha. Amando a Deus com todas as minhas forças, eu o terei, um dia, para sempre. E se eu o não quiser amar, se eu me apegar ao lodo deste mundo, só me restará depois o ódio a Deus e o ódio de Deus, na eternidade. Que eu queira bem a Nosso Senhor e tudo em minha vida entrará no seu lugar, para eu viver, já neste mundo, a vida eterna.

25 DE JUNHO 

Noli vinci a malo  [não te deixes vencer pelo mal (Rm 12,21)]

'Nós vivemos da Fé. Mas a Fé importa um completo abandono a Deus, independente de todo cálculo humano, sobre as possibilidades de um resultado favorável. No momento em que começássemos a orientar o nosso trabalho segundo esse cálculo, afastar-nos-íamos do sentido da Fé (Pio XII).

Vivendo e tratando com o mundo, facilmente nos deixamos contagiar pelo seu espírito. E os aborrecimentos e as dificuldades poderiam levar-nos ao desânimo. Imaginamos que tudo depende exclusivamente de nossas forças — o que não é certo. Precisamos contar com Deus. O mal estará sempre à nossa frente e as dificuldades ao nosso redor.

Vince in bono malum [vence o mal com o bem (Rm 12, 21)] — temos que aproveitar as dificuldades para a nossa mortificação, para a nossa humildade e confiança em Nosso Senhor. Já dizia São Francisco de Sales: aquele que se entrega ao desânimo e à falta de confiança é semelhante à pessoa que, de um roseiral, colhe os espinhos e deixa as rosas. 'Não devemos esquecer' — diz Pio XII, 'que o caminho da Igreja é o caminho da Cruz e seguir a Jesus Cristo, levando a Cruz, é o dever primário do sacerdote'.

24 DE JUNHO

Si vis religiosam ducere vitam... [se queres seguir a vida religiosa...]

A Imitação me diz que, se eu quiser viver uma vida religiosa, isto é, em união com Deus, tenho que viver, mais ou menos, como um louco aos olhos do mundo: oportet te stultum fieri [convém fazer-te louco]. Já no tempo de São Paulo, seguir a Nosso Senhor era um escândalo e uma loucura; em nossos dias, o mundo continua pensando da mesma forma, porque o seu espírito não mudou. 

Hoje ainda Nosso Senhor poderia queixar-se, como naquela noite, no Cenáculo: Pater juste, mundus te non cognovit [Pai justo, o mundo não te conheceu (Jo 17,25)]. Viver na obediência e no desapego, sem liberdade e sem conforto; viver como anjos em carne humana, enquanto ao meu redor todos se afogam no luxo, no prazer e na riqueza... Não importa que o mundo veja nisso uma loucura. O que me importa é compreender e seguir sempre o espírito de Nosso Senhor. 

Que eu não viva, no serviço de Deus, como um infeliz. Que eu não acompanhe o meu Mestre, como um criminoso, pegado à força. Que eu não reclame, enquanto sofro, por invejar a outros que estão gozando. Seria essa, realmente, uma loucura. Mas que eu acompanhe Nosso Senhor com generosidade, sem arrependimento, e verei que a sua palavra nunca enganou a ninguém: jugum meum suave est et onus meum leve [meu jugo é suave e meu peso é leve (Mt 11,30].

23 DE JUNHO

Pater, peccavi coram te! [Pai, pequei contra ti! (Lc 15,21)]

Apesar de toda a sua miséria, aquele filho pródigo ainda pôde encontrar o caminho para a casa paterna. Caiu em si, reconheceu o erro cometido, arrependeu-se, compreendeu que precisava sair daquela situação. Foi feliz, porque sua consciência ainda reagiu e o levou de volta para os braços de seu pai.

Nada mais triste para Nosso Senhor que constatar a morte da consciência no seu sacerdote. Se ela ainda reagisse... haveria alguma esperança. Mas quando ela não reage mais, quando não responde aos chamados da graça... é o fim. Si is qui odit me contra me insurrexisset, abscondissem me ab eo; sed eras tu, sodalis meus, amicus et familiaris, quocum dulce habui consortium [daqueles que me odeiam e me perseguem, poderia eu deles me esconder; porém, (isso não é possível) contra quem era meu amigo e companheiro e por quem nutria tão doce intimidade! (Sl 54)].

Um dia, Nosso Senhor tentou, num último esforço, ressuscitar uma consciência morta: Amice, ad quid venisti? [amigo, é para isto que vieste? (Mt 26, 50)]. E aquela consciência não reagiu; o traidor estava definitivamente perdido. Quid enim miserius misero non miserantem se ipsum, non flentem mortem suam, quae fiebat non amando Te, Deus, lumen cordis mei?... [o que, afinal, é mais miserável do que o miserável que não lamenta a sua miséria, que não chora a sua própria morte por não Vos ter amado, ó Deus, luz do meu coração? (Santo Agostinho)]

22 DE JUNHO 

Et alias oves habeo [tenho ainda outras ovelhas (Jo 10,16)]

'O Bom Pastor deve conhecer todas as ovelhas, ocupar-se de todas, prodigalizar-se a todas. O seu primeiro pensamento correrá para as ovelhas que não estão no redil: et illas oportet me adducere [preciso conduzi-las também].

É o problema das ovelhas que nunca entraram no redil; o problema das que dele fugiram, abandonando a fonte de água viva, para buscar lodo e lama nas cisternas fendidas — dereliquerunt fontes aquae vivae, et foderunt sibi cisternas, cisternas dissipatas [abandonaram a fonte da água viva para cavar cisternas, cisternas fendidas (Jr 2,13)].  Ovelhas desgarradas, que nem sequer aceitariam que as fossem buscar; outras, no entanto, gostariam de encontrar o olhar piedoso que as descubra e a mão caridosa que as recolha; enfim, que já se dispõem a voltar e talvez temem ser mal recebidas. 

Nós vos suplicamos que permaneçais num estado de santa e quase perene angústia pelas ovelhas ainda afastadas, porque nunca tiveram ou porque perderam a fé. Não duvidamos que, se elas baterem à vossa porta, no verão ou no inverno, de dia ou de noite, encontra-la-ão aberta ou pronta para se abrir. E aquelas que não vêm, buscai-as... com aquele apostolado da oração e do sacrifício, que não conhece obstáculo e é o mais eficaz' (Pio XII).

21 DE JUNHO

Non spiritum huius mundi accepimus [não recebemos o espírito desse mundo (1Cor 2,12)]

No Batismo, na Confirmação e na Ordem, o que nos disse a Santa Igreja foi isto: accipe Spiritum Sanctum [recebe o Espírito Santo]. Não foi, portanto, o espírito do mundo que recebemos, sed spiritum qui ex Deo est [mas sim o espírito que vem de Deus]. Este espírito de santidade é que nos distingue dos demais. É a nota característica de nossa vida sacerdotal, que deve ser uma luz.

Com facilidade as almas sabem distinguir o padre mundanizado e o padre que vive cheio de Deus, porque fructus autem spiritus est caritas, gaudium, pax, patientia, fides, modestia, continentia, castitas [ao contrário, o fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência, fidelidade, temperança, continência, castidade (Gl 5,19)]. As almas sabem que uma vida alimentada pelo espírito do mundo não pode produzir esses frutos, que só podem ser produzidos pelo espírito de Deus. A falta de zelo e mansidão, o apego, a vaidade, o comodismo são, entre outros, os frutos de uma vida alimentada pelo mundo.

Se não se apresentar às almas com o espírito de Deus, o sacerdote não será o homem diferente que elas procuram; será, sim, um tipo comum, incapaz, portanto, de realizar a sua missão de atrair e elevar as almas a Deus. Por isso insistia o Apóstolo: dico autem: Spiritu ambulate [digo, pois, conduzi-vos pelo Espírito (Gl 5,16)] — porque devemos viver de acordo com o espírito de Deus que recebemos.

20 DE JUNHO 

Pie vivamus in hoc saeculo [vivamos sobriamente no tempo presente (Tt 2,12)]

Viver piedosamente num mundo entregue à dissipação, desprezar o prazer que este mundo procura com tanta avidez e seguir Nosso Senhor sempre com a cruz às costas... diz o mundo que isso não passa de loucura. E compreendemos o porquê.

O mundo põe a sua esperança na mentira; nós, pelo contrário, confiamos na verdade. Tollat crucem suam [tome a sua cruz] — essa é uma ordem que não discutimos; confiamos na Verdade Eterna que assim nos falou. Sabemos bem que esse caminho para o Calvário terá um fim: cum Sanctis tuis in gloria numerari [com todos os Vossos Santos na glória].

Em meio às perseguições, à hora do martírio, os primeiros cristãos animavam-se mutuamente com a saudação: Dominus veniet! — [o Senhor vem!] porque eles O Esperavam, como fim e recompensa de todas as lutas. Era esse o consolo que os animava a suportar todos os tormentos. Para nós, Ele também há de vir. Se Ele nos mandou tollite iugum meum [tomai o meu jugo] — não foi apenas para nos ver com a cruz às costas; foi para nos entregar, um dia, a recompensa que nos preparou a constitutione mundi [desde a criação do mundo]. Compreendemos então o Apóstolo, aconselhando-nos a viver spe gaudentes [alegres na esperança] — gozando, desde agora, pela esperança de uma realidade que virá depois.

19 DE JUNHO

Non est opus valentibus medico [não são os sãos que precisam de médico (Mt 9,12)]

Apesar da tua mansidão, Senhor, apesar da tua infinita santidade, não posso deixar de ver, nesta palavra tua, uma pontinha de fina ironia. Era o teu desprezo para a hipocrisia dos teus inimigos; e mais, eles não teriam merecido.

Se eles se diziam santos e perfeitos, porque se queixavam das atenções que o médico das almas queria fazer aos pecadores? Mas eu sei que, na realidade, o teu zelo não tem limites e o teu amor não faz exceções. Os teus cuidados estão em toda parte, mas principalmente onde estiver uma ovelha desgarrada; e, no teu coração, junto a aqueles que te amam, os pródigos também podem ter o seu lugar.

Senhor, preciso imitar-te neste ponto, porque minha vaidade não se sente muito bem entre os ignorantes e o meu comodismo se acovarda ante as aperturas do pobre. Não tenho o teu amor nem a tua misericórdia e, por isso, gosto de fazer diferença entre aqueles que me procuram. Preciso compreender que sou de todos e a todos devo procurar com o teu zelo, a todos devo amar com o teu amor de Pai. É por isso que a tua Igreja me lembra que, hoje como ontem, omnes homines vis salvos fieri [(Deus quer) todos os homens sejam salvos (I Tm 2,4)].

18 DE JUNHO

Orate, fratres! [orai, irmãos!]

'Desejaríamos que nascesse em todos vós, e crescesse progressivamente, uma como santa inquietação por encontrar os meios aptos a fazer brilhar de novo a luz onde se encontram as trevas e a levar outra vez a vida a aqueles que estão mortos.

Começai procurando que respirem novamente, as almas atingidas pela asfixia, porque não rezam nunca, de maneira alguma. Esforçai-vos para que de todos os corações suba aos lábios, e dos lábios ao céu, uma invocação, embora breve, mas repetida todos os dias; eis um objetivo para o qual é justo que se mobilizem todas as forças do bem. Uma paróquia em que todos, a cada dia, se lembram de invocar o Senhor, não tardará a mostrar que nela germina a vida'.

Assim escreveu Pio XII; e o seu pensamento é claro; se hoje vemos que as almas morrem asfixiadas pelo mundo, não podendo respirar a Deus, a tarefa mais importante e urgente para nós, é fazer que as almas respirem ... pela oração! O mais, por importante que nos pareça, virá depois. Doce nos orare [ensina-nos a orar] — é o que as almas pedem ao Homem de Deus. E se ele não o sabe fazer, pela palavra e exemplo, é porque ele também vive asfixiado e não respira a Deus pela oração.


17 DE JUNHO

Oportet semper orare [é necessário orar sempre (Lc 18,1)]

Atirados ao trabalho de um apostolado que não nos dá descanso, precisamos de um profundo espírito de fé, que transforme a nossa atividade em contínua oração. Mesmo assim, porém, não podemos dispensar, todos os dias, um a sós com Deus, que alimente o nosso fervor habitual. 

A meditação, a Santa Missa com a devida ação de graças, o Breviário e uma breve leitura espiritual — é o mínimo para que não sejamos reduzidos a simples máquinas de trabalho. Um trabalho morto, sem alma, certamente não é digno de Deus. E nem será digno daquele que deve trabalhar e viver in unione illius divinae intentionis [em união com essa divina intenção].

Somente esses poucos momentos dedicados exclusivamente à oração, durante o dia, poderão elevar a nossa atividade, para que realizemos o nosso trabalho per Ipsum, et cum Ipso, et in Ipso [por (Ele) Cristo, com Cristo e em Cristo]. Necessária se torna, geralmente, a ditadura de um horário, que ponha tudo em seu tempo e lugar, dentro de uma vida bem ordenada. O autor da Imitação já observava em seu tempo: si te subtraxeris a superfluis locutionibus, necnon a novitatibus et rumoribus audiendis, tempus invenies pro bonis meditationibus instituendis [se te abstiveres de conversações supérfluas e também de ouvir novidades e boatos, acharás tempo suficiente para boas e santas meditações (Imit. I, 20,1)].

16 DE JUNHO 

Quid igitur faciam de Jesu? [que farei então de Jesus? (Mt 27,22)]

Para o sacerdote, Nosso Senhor está na oração e no recolhimento, no Breviário e na Missa de cada dia. Ele está nos anos de formação, intelectual e religiosa, está em todo o seu apostolado mas, principalmente, no poder que recebeu para ensinar e perdoar. Nosso Senhor está nas mãos do sacerdote.

Preocupado com a sua posição, Pilatos não sabia o que fazer com Nosso Senhor. Estava em suas mãos a sorte daquele Homem e ele, no entanto, perguntava: quid faciam de Jesu? [que farei de Jesus?]. A esse ponto poderá chegar também o sacerdote que se preocupa demasiado com certas coisas alheias ao seu ministério. Nosso Senhor está em suas mãos e ele não O sabe repartir com as almas. 

As ciências, as artes, a política, os negócios absorvem toda a sua atividade. Aquilo que podia ser apenas um meio de apostolado, acaba sendo a sua única preocupação. Temos assim um sacerdote que, sendo um gênio em ciências e artes, não sabe dizer duas palavras no púlpito ou atender algumas confissões. O fim principal da nossa vocação não consiste em alimentarmos nosso gosto e nossas inclinações particulares, mas em alimentarmos as almas, dando-lhes Nosso Senhor.

15 DE JUNHO 

Venite post me [vinde após mim (Mc 1,17)]

Nosso Senhor teve os seus planos quando nos chamou: Faciam vos piscatores hominum [farei de vós pescadores de homens]. Mas, para isso, há uma condição: venite post me [vinde após mim]. Temos que segui-lo, não somente com um olhar de boa vontade ou com simples desejos. Segui-lo em toda parte, como os Apóstolos, vivendo a sua vida, partilhando dos seus trabalhos e sacrifícios.

E para segui-lo, temos que deixar tudo: relictis retibus [deixaram as redes]. Eles trocaram o sossego das pescarias pela vida agitada e barulhenta em meio ao povo. Trocaram a vastidão das águas pelos caminhos cobertos de pó. Trocaram o que tinham pelo que poderiam ou não receber de esmola. Para segui-lo, não nos podemos apegar a nada. Hospes ego sum in terra [hóspede sou na terra] — apenas hóspedes, é o que somos neste mundo.

Et secuti sunt eum [e eles o seguiram] — aqui está a biografia dos Apóstolos e o resumo da vida de todos os santos. É a única explicação para as virtudes que praticaram e para os sacrifícios que venceram. Santificaram-se porque o seguiram. Esta igualmente é a explicação para a vida que devemos viver: Ele nos chamou e temos que segui-lo.

14 DE JUNHO 

Non te negabo [nunca vos negarei (Mt 26,35)]

Senhor, foi assim que te falou o teu Apóstolo, julgando-se dono de uma coragem que não possuía. E, como ele, todos os demais discípulos: Similiter et omnes dixerunt [e todos (os ostros discípulos) diziam o mesmo]. Certamente eles te falaram com sinceridade e não te quiseram enganar.

Por medo não cumpriram a palavra e, à hora da prova, eles te abandonaram. Mas logo depois estavam novamente à tua procura, no sepulcro. Tu sabes, Senhor, que eu sou também assim. Eu mesmo o sei; e ainda bem que o reconheço. Não quero e não posso alimentar a presunção de que sou inabalável nos meus propósitos. Quantas vezes eu já não te neguei, com a mesma frieza do Apóstolo, para depois voltar atrás!

Ensina-me a desconfiar de mim mesmo porque o meu orgulho não entende disso e vive me inspirando uma exagerada confiança em minhas resoluções. Embora seja grande a minha boa vontade — a dos Apóstolos também era — minha coragem não é tão grande como costumo supor. Que eu não me conforme com voltar sempre à tua presença como um filho pródigo. Muitas vezes já voltei e o teu amor me recebeu com festas; mas eu não sei quantas vezes ainda poderei voltar...

13 DE JUNHO 

Dum carni parcimus... [enquanto pela carne empenhamos...]

Esta palavra de Santo Agostinho chega aos nossos ouvidos qual longínqua reminiscência dos anacoretas. Vivemos, em geral, tão preocupados com a nossa saúde, com o nosso conforto e bem estar, que a penitência deixou de ser ponto obrigatório no nosso programa de vida.

Não entrar no terreno do ilícito — esse o resumo de certa ascese que se vai generalizando. E não raro se ouve a pergunta: Que mal haverá se alguém se concede um prazer lícito? Ao que poder-se-ia responder também com uma pergunta: Que mal haverá se alguém se nega um prazer lícito, in spiritu poenitentiae [com espírito de penitência]? A experiência mostra que, concedendo sempre à nossa vontade o que é permitido, nós a acostumamos mal; ad proelium hostem nutrimus [alimentamos um inimigo em batalha (S. Greg., Moral, XXX, cap. 14)].

O Apóstolo não dispensava a mortificação: castigo corpus meum [castigo o meu corpo (I Co 9,27)]. Por que? Ne reprobus efficiar... [para que não venha a ser condenado (por não cumprir aquilo que se pregava)]. E nós poderíamos dispensar essa virtude? Por menos não se amansa uma natureza animal como a nossa. Surge et ambula [Levanta-te e anda] — primeiro ficar de pé, dominar-se; depois, será possível caminhar. Por isso a Imitação já ensinava: Tantum proficies, quantum tibi ipsi vim intuleris [tanto mais aproveita (o homem) quanto mais vence a si mesmo (Imit. I 25,3)].

12 DE JUNHO 

Blasphemus fui et persecutor [era blasfemo e perseguidor (1Tm 1,13)]

Tanto antes como depois da sua conversão, o Apóstolo foi sempre um apaixonado pela Verdade. Por isso não nos estranha a profunda humildade com que fala de si mesmo: Peccatores, quorum primus sum ego [dos pecadores, sou o primeiro]. Mas a humildade nunca foi o desespero nem o pessimismo. A humildade que abate e desanima, outra coisa não é senão um orgulho mal disfarçado.

Com toda a sua humildade, Nossa Senhora pôde ver a sua grandeza, cantada pelos séculos afora: Beatam me dicent omnes generationes [todas as gerações me chamarão bem aventurada (Lc 1,48)]. Se a verdade me faz reconhecer o meu nada, a minha miséria, nem por isso me manda ignorar a infinita misericórdia de Deus. Eu seria um pobre condenado ao desespero se, ao considerar as minhas faltas, não pudesse contar com a bondade infinita de meu Pai.

São Paulo reconhecia o seu triste passado: blasphemus, et persecutor, et contumeliosus [blasfemo, e perseguidor e injuriador]. Nem por isso ele desesperou, deixando-se ficar num pessimismo estéril; pelo contrário, reconheceu o que a verdade também lhe mostrava: a misericórdia divina com que afirma tranquilamente: sed misericordiam Dei consecutus sum [mas alcancei a misericórdia de Deus].

11 DE JUNHO 

Qui volunt divites fieri [os que ambicionam tornar-se ricos (1Tm 6,9)]

Esses não se conformam com a pobreza do Mestre. Procuram rodear-se de todas as facilidades, de todo conforto. Em casa, tudo concorre para o bem estar. Fora, as visitas, as amizades, as rodas que não desprezam o luxo, ajudam as horas a passar menos monótonas e mais interessantes.

Na igreja, porém, a diferença é muito grande. Imagens, vasos, tapetes, castiçais, lembrando muita antiguidade e pouco interesse daquele que reza: diligo decorem domus tuae [amo a habitação da vossa casa (Sl 25, 8)]. Abandonado no sacrário, Nosso Senhor não vê passar uma alma pelo deserto da Igreja e o seu reino se prolonga bem mais que por quarenta dias e noites.

A isso nos leva a exagerada preocupação com o conforto e bem estar. Pensando em nós mesmos, esquecemos Nosso Senhor e as almas. Desideria multa nociva... mergunt homines in interitum et in perditionem [muitos desejos nefastos... que precipitam os homens na ruína e na perdição]. A raiz de todas as misérias é o desejo da riqueza. E para combatermos todos os males em sua raiz, não nos basta falar sobre a confiança na Providência. O mundo nos dirá que isso é muito fácil, quando se tem de tudo. Somente o nosso desapego e a nossa simplicidade poderão pregar e convencer.

10 DE JUNHO 

Qui parce seminat [aquele que semeia pouco (2Cor 9,6)]

Às vezes, o desânimo, o pessimismo ou mesmo a realidade me dizem que o resultado do meu trabalho não está sendo o que eu desejava. Queixo-me então da má vontade de outros, da incompreensão e indiferença com que respondem ao meu esforço. Minha preocupação é o resultado.

Tenho que me entregar ao trabalho, com todas as forças, com toda dedicação e boa vontade. Se eu não sei o quanto Deus está esperando de mim, é certo, no entanto que, se eu não lhe der todo o meu esforço, não estarei correspondendo à sua vontade. O resultado não me deve interessar tanto. Tenho que me interessar mais pela generosidade com que devo trabalhar. 

Não posso me impressionar com o que os outros pensem do resultado que eu possa conseguir; não é e nem deve ser por vaidade que eu ponho mãos ao arado. Se as censuras não me devem desanimar, chamando-me apenas a atenção, os elogios também não me façam envaidecer. Seja qual for o resultado, se eu não me poupar, dando a Nosso Senhor toda a minha boa vontade, o resultado sempre será grande aos olhos de Deus. E isso é tudo o que me deve interessar.

09 DE JUNHO

Qui quaerunt te, Deus [os que vos procuram, ó Deus (S 68,7)]

Aqueles que me vêem no altar, na igreja, no meu trabalho; aqueles que me ouvem, no púlpito ou no confessionário; todos aqueles que passam por mim, nas ruas e praças... poderei dizer o que vai na alma de cada um? Meu Deus, eu não sei qual seja o momento de tua graça para ninguém.

Não sei quais as circunstâncias que a tua misericórdia escolheu para o último assalto a uma alma que desejas conquistar. Eu não conheço bem todos os caminhos que o teu amor percorre, antes de chegar às profundezas de uma consciência. O que eu sei é que a tua misericórdia não descansa. A qualquer momento o teu amor poderá usar de mim, para os teus planos de conquista.

Colocado sobre o candelabro, quanto bem não poderei fazer, quando menos pense estar fazendo o bem! Mas, quanto mal não poderei fazer, se me esquecer que estou numa contínua evidência! Quanto bem poderás deixar de fazer porque, no momento exato, não poderias contar comigo! És o Bom Pastor que não descansa, à procura das tuas ovelhas. Que eu esteja, continuamente, em condições de ser usado pela tua graça na conquista das almas que o teu amor persegue!

08 DE JUNHO

Saeculi tristitia mortem operatur [a tristeza do mundo produz a morte (2Cor 7,10)]

Essa tristeza nunca poderá estar em nossa vida. Ela é do mundo porque não se eleva pela conformidade e pelo amor a Deus. É o desânimo que nos abate; é o pessimismo que nos leva ao isolamento, à falta de zelo e de caridade.

Vazia de Deus, essa tristeza não tem fé. Por isso acaba fechando a nossa alma para tudo e para todos. Mortem operatur [produz a morte] — é o resultado da falta de confiança. Quae enim secundum Deum tristitia est, poenitentiam operatur in salutem [com efeito, a tristeza segundo Deus produz um arrependimento salutar] — a tristeza cheia de Deus eleva a alma para o arrependimento, para as boas resoluções, enfim, para a graça. Não é o pessimismo nem o isolamento mas a confiança que nos leva a procurar o perdão e a força que Nosso Senhor nos pode dar.

Foi essa a tristeza do Apóstolo, após as negações; tristeza cheia de esperança, na certeza de que o Mestre o haveria de perdoar. A própria Igreja me aconselha essa tristeza de penitência e contrição: Humiliate capita vestra Deo [inclinai vossas cabeças diante de Deus], mas insiste na confiança, ao me dizer, todos os dias: Sursum corda! [Corações ao alto!]. Uma alegria santa e um otimismo alegre só poderão fazer bem à minha alma e às almas.

07 DE JUNHO 

Aprehende vitam aeternam [conquista a vida eterna (1Tm 6,12)]

Todos os dias, de manhã, tenho diante dos olhos o pondus diei [peso do dia] que me espera. E, muitas vezes, com que insistência não reclama os meus cuidados e minha atenção! Tanta coisa para pensar, para decidir e fazer! Todos os meses e todos os anos me apresentam novos problemas e novos trabalhos. 

E eu não posso fugir a essa luta sem tréguas, que exige nada menos que todas as minhas forças. Em meio a tanta agitação, unum est necessarium [só uma coisa é necessária]. Tenho que me preocupar com tudo, sem esquecer o principal: a eternidade que virá depois de tudo.

Sim, ela virá depois de tudo; mas se não me preocupar com ela, antes de tudo, estarei esquecendo a única coisa necessária. Se eu não me preocupar agora com a minha eternidade, depois será tarde. Se eu a não ganhar agora, nunca mais a poderei ganhar. Aprehende vitam aeternam, in qua vocatus es [conquista a vida eterna, para a qual foste chamado] — tudo em minha vida só pode ter essa finalidade. Quid prodest homini?... [que servirá ao homem?... (Mt 16, 26]. À luz dessa pergunta de Nosso Senhor, é que eu devo colocar todos os meus cuidados e preocupações hoje, amanhã e sempre.

06 DE JUNHO

Vinctus Christi Jesu [prisioneiro de Jesus Cristo (Ef 3,1)]

Há, nesta palavra do Apóstolo, uma secreta alegria, por ter provado até os horrores do cárcere por amor ao seu Mestre. E há também um santo orgulho em se dizer 'Prisioneiro de Cristo'. O pensamento de que estava preso por causa de Nosso Senhor era-lhe um consolo que somente o podia animar. Por isso, nenhum abatimento e nenhuma inveja daqueles que podiam trabalhar em liberdade. Ele sabia que o seu cárcere era um exemplo e uma pregação. Sua inatividade, por amor ao Mestre, só poderia aumentar o mérito do seu apostolado.

Quando as forças me abandonarem, quando a saúde não corresponder, quando me faltar a necessária capacidade, não poderei deixar que o desânimo e o pessimismo estraguem meu apostolado. Não é somente com as forças físicas que eu posso trabalhar para Nosso Senhor.

E quando a obediência, ou mesmo a incompreensão não me permitir realizar tudo o que eu desejaria realizar, vinctus Christi [prisioneiro de Cristo] — preciso aceitar essa prisão em que as circunstâncias me fecham, acrescentando mais um sacrifício ao meu apostolado. O bom exemplo será sempre a melhor pregação.

05 DE JUNHO 

Vae vobis! [ai de vós! (Lc 6,24)]

Oito vezes seguidas, Nosso Senhor pronunciou, numa única ocasião, esta palavra. Era o que tinha a dizer aos fariseus e mestres da Lei. Era o seu desprezo divino, condenando a presunção dos homens. Que gestos e que olhares não terão acompanhado essa linguagem tão forte, que arrasava, perante o povo, a hipocrisia daqueles que pareciam intangíveis!

Hoje, somos nós os Mestres da Lei divina. A verdade está muito mais ao nosso alcance que para o comum dos fiéis. In medio Ecclesiae [no meio da Igreja], à vista de todos, fomos colocados super candelabrum [(como luz) sobre o candelabro]. E é por isso que uma ruga em nossa vida é mais lamentável que uma chaga na vida de um leigo. Acostumados a ensinar a verdade e a condenar o erro, facilmente podemos cair na presunção de nos julgarmos um modelo em tudo.

Se algum colega fizer qualquer reparo a nosso respeito, diremos que é uma falta de caridade. Se houver algum comentário ou censura, da parte dos leigos, diremos que não precisamos levar em conta o que dizem as más línguas. E não procuramos saber, com sinceridade, se os reparos e censuras têm sua razão de ser. Fechamo-nos, intangíveis, na torre da nossa presunção. Se então a nossa consciência não nos despertar, fazendo-nos ver certas falhas, que o poderá  fazer?

04 DE JUNHO 

Duobus dominis servire  [servir a dois senhores (Lc 16,13)]

A tibieza em minha vida e a falta de fervor são sempre uma tentativa de realizar o que Nosso Senhor já declarou impossível. Querer a virtude e não romper com o pecado; rezar sempre: et ne nos inducas in tentationem [e não nos deixeis cair em tentação] e não evitar as ocasiões perigosas; querer o fervor e não renunciar a tudo o que me leva à dissipação... esse o absurdo que eu não posso realizar: nemo servus potest [nenhum servo pode].

São Paulo, cuja sinceridade não se prestava a servir a dois senhores ao mesmo tempo, já perguntava admirado: Quae enim participatio iustitiae cum iniquitate? quae societas lucis ad tenebras? [que união pode haver entre justiça e iniquidade? que sociedade entre a luz e a s trevas? (IICo, 6,14)]. O exemplo de minha vida para o mundo tem que ser um sal limpo e puro, pois Nosso Senhor já me disse que sal infatuatum ad nihilum valet ultra [o sal insosso para nada mais serve] nenhum resultado produz.

Aos olhos de todos, a minha virtude precisa ser uma luz sem sombra, que ilumine com segurança, inspirando certeza e coragem — luceat lux vestra! [brilhe a vossa luz!].  Preciso ter mais cuidado para que certos hábitos não estraguem o sal do meu bom exemplo e nem diminuam o brilho da minha vida, aos olhos do mundo e aos olhos de Deus.

03 DE JUNHO

Tu autem, o Homo Dei... [mas tu, ó homem de Deus... (1Tm 6,11)]

Com que respeito e convicção, o Apóstolo não terá escrito essa palavra! Se ele não me deixou uma definição verbal do Homo Dei [homem de Deus], em sua vida ele o soube retratar com perfeição. Pelo sacerdócio eu me tornei esse homem de Deus, porque fui destinado, ungido para Ele. Isso porém não basta. Tenho que ser um homem todo de Deus na minha vida.

Às vezes a tentação é esta: sou padre, é verdade, mas também sou homem. Preciso inverter a tentação, pensando de outra forma: Sou homem, é certo, mas também sou um sacerdote. Ungido e destinado para o serviço de Deus, tenho que ser diferente dos outros que não o foram. Sendo humano, não posso pretender uma vida nas alturas, despreocupado das almas. Sendo, porém, de Deus, não devo igualar-me aos outros que não o são. 

Sendo homem, preciso viver neste mundo, interessando-me pela sua salvação. Mas, como homem de Deus, preciso viver acima deste mundo, não me deixando contaminar pelo seu espírito. Quando deixei de ser um simples homem, foi para me tornar um homem de Deus, à imagem e semelhança do Homem de Deus.


02 DE JUNHO 

Crucifixi sunt cum eo duo latrones [foram crucificados com ele dois ladrões (Mt 27,38)]

Um dos ladrões era a revolta; o outro, a conformidade. O Mestre da paciência esteve crucificado entre a confiança e o desespero. Foi sempre assim. Nosso Senhor conheceu esses dois grupos: os inconformados e os que aceitam o sofrimento com espírito sobrenatural de reparação.

Sofrer porque não há remédio é próprio daqueles que não amam. Aceitar, porém, o sofrimento, com espírito de reparação, é coisa daqueles que pensam como o Apóstolo: adimpleo ea quae desunt passionum Christi [o que falta às tribulações de Cristo (Cl 1,24)]. Preciso pensar que minha vida só tem significação se estiver unida à morte de Nosso Senhor. Ela é a minha cooperação, para que as almas possam crescer in mensuram aetatis plenitudinis Christi [na medida da plena estatura de Cristo (Ef 4, 13)].

Não posso profanar o sofrimento com meu espírito pagão; ele é sagrado já que pertence à Redenção que eu devo realizar in unione illius divinae intentionis [em união com aquela divina intenção]. Toda a minha vida sacerdotal gira em torno de um sacrifício — o do Calvário, que eu renovo diariamente. A essa Redenção devo unir os sacrifícios da minha cooperação: pela Santa Igreja, pelos pecadores, por mim mesmo. Confixus sum Cruci [crucificado com Cristo]: esta palavra deve refletir a minha vida.

10 DE JUNHO 

Et contristati sunt vehementer [e ficaram profundamente consternados (Mt 17,23)]

Essa imensa tristeza dos Apóstolos foi causada pelas palavras de Nosso Senhor: Filius hominis tradendus est in manus hominum, et occident eum [o Filho do Homem deve ser entregue nas mãos dos homens, que vão matá-lo]. Os discípulos não podiam imaginar fosse essa a sorte reservada ao seu Mestre.

Em nossa vida não faltam tristezas e aborrecimentos que, muitas vezes, nos colocam numa situação de apatia, desânimo e pessimismo. Sinal que não agimos sempre de acordo com a Vontade de Deus, com verdadeiro espírito de fé. Se em tudo nos dirigíssemos pela boa intenção, ela não nos deixaria desanimar. Infelizmente, a nossa imprudência e precipitação é que dirigem muitas vezes a nossa atividade. E daí os aborrecimentos e os percalços que nos tornam desanimados e pessimistas.

Examinemos o nosso modo de agir e de trabalhar. Podemos dizer que, em tudo, aparece e prevalece o amor a Deus ou o zelo pelas almas? O que fazemos sinceramente para Nosso Senhor não nos aborrece nem desanima. O que nos torna apáticos ou mal humorados são as preocupações alheias ao nosso ministério, introduzidas em nossa vida pela vaidade, ambição e mesmo por uma caridade bastante sentimental. Que tenhamos zelo, sim, mas prudência também e boa intenção pois nemo militans Deo implicat se negotiis saecularibus [nenhum soldado de Deus pode dedicar-se aos negócios mundanos (2Tm 2,4)].

31 DE MAIO 

Petrus sequebatur eum a longe [Pedro o seguia de longe (Mt 26,58)]

Senhor: quanto não tenho que aprender do teu Apóstolo, nesse momento em que ele me poderia parecer um medroso, um covarde! Quando todos fugiram, embora de longe, ele te seguiu. Sozinho, em meio àquela turba, ele compreendia que nada seria possível fazer em tua defesa. 

Já estaria pressentindo a tormenta de ódio que iria desabar sobre o seu Mestre, naquele palácio do pontífice. Disfarçando, fingindo, ele procurou acompanhar-te, embora de longe. Uma força misteriosa não o deixava fugir, como os outros fizeram. Sentia-se preso pelo amor, a um Mestre e Amigo preso pela inveja e pelo ódio. Realmente, ele te queria bem!

Senhor, há muitos anos que eu te venho seguindo. E, se nem sempre te segui de perto, nunca também eu te quis abandonar. Meu consolo é que conheces minha boa vontade, assim como reconhecias o amor e dedicação do teu Apóstolo. Se ele te seguiu de longe foi porque as circunstâncias não lhe permitiram ficar ao teu lado, como sempre fizera. Tu scis quia amo te [tu sabes que te amo] — aumenta, Senhor, a minha generosidade para que eu não me conforme em te seguir sempre de longe. Que eu procure, com todas as forças, aproximar-me sempre mais de Ti!

30 DE MAIO

Non turbetur cor vestrum [Não se perturbe o vosso coração (Jo 14,1)]

'Uma terceira qualidade quereríamos no apóstolo que atende à santificação das almas. Há na Igreja um sopro do Espírito Santo, que convoca ao heroísmo, à dedicação completa. No meio dos espinhos de um mundo novamente pagão, brotam, sempre mais numerosas, flores imaculadas, que recreiam com sua frescura, e encantam com seu perfume: espíritos eleitos, de todas as idades e condições.

Quiséramos que, com uma santa coragem, os sacerdotes soubessem propor os alvos de uma santidade mais elevada. Porque tantas almas caem nas redes do mundo? Por acreditarem achar nele aquilo que faz o objeto de seus anseios; infelizmente tarde demais, percebem elas que os frutos dessa convivência são a inquietação, a dúvida, a tristeza, a desconfiança, o ódio. Sede corajosos!

Sabei tomar pela mão as almas e impeli-las, doce mas firmemente, para Jesus, para a amizade com Ele, para a transformação nEle. Fazei-lhes compreender que, só assim, elas acharão a paz, a fé, a alegria, a esperança, o amor; só assim elas acharão a vida. Sede discretos em começar, constantes em continuar, corajosos em levar a termo' (Pio XII).

29 DE MAIO

Non mea voluntas fiat [não se faça a minha vontade (Lc 22,42)]

'Outra qualidade, porém, deve ter o apóstolo, no trato com as almas, objeto dos seus cuidados pastorais. Sucede que nem sempre se consegue aquilo que se quer e raro é que se obtenha imediatamente. Nem está excluído que hostilidade, frieza ou indiferença possam tentar o sacerdote a desistir da sua obra ou tornem sua ação mais fraca e menos eficaz.

O apóstolo deve ser constante, persistente, sem ceder ao cansaço e ao tédio. Precisa saber ficar a pé, quando tudo impele a vacilar; ficar firme, quando se devesse cair de bruços ao peso de uma angústia que transforma em silenciosas agonias certas noites que parecem eternas. 

Então, quando os lábios do apóstolo murmura: Quid lucri? [o que ganhei?] ou quando dolorosamente ele exclama: Transeat a me... [aparte de mim...] é preciso que ele acrescente logo, como Jesus no Horto: Non mea voluntas sed tua, fiat [não se faça a minha vontade, mas a tua (Lc 22,42)]. E Deus enviará o anjo consolador para revigorá-lo, para sustentá-lo e a sua obra de salvação prosseguirá para coroar o seu zelo e o seu sacrifício' (Pio XII).

28 DE MAIO 

Zelus domus tuae [o zelo da tua casa (Jo 2,17)]

'Sede, antes de tudo, discretos em começar. Impelido pelo zelo que muitas vezes o devora, pode o sacerdote apóstolo cair num erro danoso pretendendo conseguir tudo de uma vez. Proceder desse modo significa expor-se primeiro a vãs ilusões, e depois, a desilusões amargas.

Não pode o apóstolo deixar de considerar a fraqueza moral alheia, a falta de preparo intelectual, as pessoas e coisas no meio das quais vive e, por assim dizer, a margem de onde a alma extraviada deveria vir a ele, melhor, voltar a Deus, se ela se deixasse induzir a empreender a travessia. Mas atacá-la com argumentos que ela não entende ou pedir o que ela não está preparada para lhe dar certamente seria nocivo aos efeitos do apostolado.

Essa discrição não quer dizer condescendência com a falsidade e com o mal. Trata-se aqui de iniciar os entendimentos para uma paz justa, não entre o bem e o mal, o que seria absurdo, mas entre o homem que renuncia a sua malícia e Deus que o acolhe. Saber renunciar a pressa, saber aguardar o momento propício, saber dosar o que se diz e o que se pede: eis um primeiro requisito indispensável à ação apostólica individual' (Pio XII).


27 DE MAIO

In tua simus voluntate concordes [concordes em fazer a Vossa Vontade]

Assim reza a Igreja. E, ensinando-nos a rezar, Nosso Senhor já nos lembrou que precisamos concordar com Deus, em tudo: Fiat voluntas tua, sicut in caelo [seja feita a vossa vontade como no céu]. Nós... discordando de Deus —  parece incrível, mas é o que acontece.

Temos que viver unidos a Nosso Senhor pela oração para que a nossa vontade e os nossos caprichos não ponham a perder nossas atividades. Nisi manserit in vite, palmes non potest ferre fructum a semet ipso [sem permanecer na videira, os ramos não podem dar frutos por si mesmos (Jo 15,4)]. Poderemos realizar maravilhas e passar pelos maiores sacrifícios; sem Ele, tudo será inútil, sem valor. A Igreja não é um regnum in se divisum [reino dividido em si mesmo] — é um corpo, cuja cabeça é Nosso Senhor. Para vivermos unidos a esta Cabeça, temos que viver com a Igreja, trabalhando com seu zelo sobrenatural, com seu amor e dedicação à glória de Deus.

Homo quidem habuit duos filios [um homem tinha dois filhos (Lc 15, 11)] — e um deles não quis concordar com seu pai, permanecendo em casa. Saiu para viver em liberdade. Nesse dia começou a sua ruína. É nessa desgraça que continuam a cair aqueles que não querem concordar com Deus, por não concordarem com sua Igreja ou com os próprios superiores.

26 DE MAIO 

Tu es qui venturus es? [sois vós aquele que deve vir? (Mt 11,3)]

A essa pergunta, Nosso Senhor respondeu, lembrando a sua doutrina e os seus milagres: Renuntiate quae audistis et vidistis [contai o que ouvistes e o que vistes (Mt 11,4)]. Hoje temos diante de nós aqueles que ainda não conhecem o Mestre. Querem conhecê-lo e por isso o procuram. Temos também aqueles que o conheceram e o abandonaram; não se interessam mais por Ele. A uns e outros deve chegar o nosso zelo, cheio de solicitude e prudência.

Se não lhes podemos oferecer milagres, como prova da nossa missão divina, nem por isso estamos desarmados diante da incredulidade ou da indiferença. O que podemos e devemos apresentar é o espetáculo de uma virtude a toda prova, assentada sobre uma doutrina que não é deste mundo. 

Se nossa vida estiver em tudo de acordo com a doutrina que pregamos, o mundo compreenderá que está diante daquele que pode perguntar: Quis ex vobis arguet me de peccato? [quem de vós me acusará de pecado? (Jo 8,46]. Para as almas não basta ouvir a doutrina do Mestre, querem vê-la praticada: Audistis et vidistis [ouvistes e vistes]. A santidade de nossa vida, toda iluminada pela presença de Nosso Senhor, será o argumento decisivo para aqueles que não creem. E, diante de nós, eles irão reconhecer: Invenimus Messiam [encontramos o Messias].

25 DE MAIO

Saepe videtur caritas... [muitas vezes parece caridade...]

Com a sua experiência, Santo Agostinho nos previne contra uma falsa caridade, nascida de um sentimentalismo perigoso — ubi non est nisi carnalitas [onde não há senão amor próprio]. Às vezes, são pessoas que trabalham nas obras paroquiais, nas associações, no cuidado da igreja... 

Às vezes, pessoas que nos distinguem com uma amizade toda especial: cartas, visitas, presentes. Aqui é uma pessoa que se diz escrupulosa, à procura de um guia e de um apoio. Ali é alguém que se julga vítima, incompreendida, sob o peso de mil problemas e dificuldades. Todas elas se julgam almas eleitas e, por isso, credoras de uma atenção especial. Querem elogios, visitas, horas de sala e de confessionário. Às vezes, por um nada, armam verdadeiras tempestades de ciúmes, comentários e aborrecimentos para o sacerdote. 

Aparentando piedade, querem monopolizar o vigário ou o confessor e, sob o disfarce de caridade, procuram apenas a si mesmas. Com um pouco de prudência, facilmente o sacerdote irá saber logo do que se trata. Valha-nos aqui o aviso de Nosso Senhor: Cavete ab hominibus! [cuidai-vos dos homens!]. E com a observação de um comentarista: Cavete a mulieribus! [cuidai-vos das mulheres!].


24 DE MAIO 

Dominus sollicitus est mei [O Senhor vela por mim (Sl 39, 18)]

Quanta poesia, quanta unção pôs Nosso Senhor em suas palavras, ao nos falar da Providência divina! (Mt 6,25). E, para o salmista, a Providência não é um simples cuidado de Deus a nosso respeito — o que já seria muito — mas é a solicitude de um Pai, verdadeira  preocupação de Deus para conosco.

Se Deus não somente cuida de nós, mas até vive preocupado conosco, porque teremos que pensar tanto em nós mesmos? Quid solliciti estis? [por que vos inquietais?]. Não precisamos pensar tanto no dia de amanhã: sufficit diei malitia sua [a cada dia basta o seu mal]. Os interesses de Nosso Senhor são as almas, e é a elas que nos devemos dedicar. Temos que ser a Providência divina para os outros, preocupando-nos com eles, material e espiritualmente. E como será isso possível, se não nos esquecermos de nós pela confiança em Deus?

Nosso egoísmo é tão grande que enche todos os nossos cuidados. Não há lugar para ninguém. Temos que sair das nossas preocupações, dando lugar a outros. E podemos sair tranquilos, confiando nessa verdade tão antiga, que Abrão, o Patriarca, já nos ensinou: Dominus providebit [o Senhor proverá].

23 DE MAIO 

Omnia vestra in caritate [tudo fazeis na caridade (1Cor 16,14)]

Se este conselho do Apóstolo valia para os simples fiéis, quanto mais não deverá valer para nós, sacerdotes. Que sentido terá a nossa vida de sacrifício, de renúncia e imolação, se não fizermos da glória de Deus uma como ideia fixa de toda a nossa atividade? Somente um grande amor a Nosso Senhor e às almas poderá justificar e explicar uma vida verdadeiramente sacerdotal.

Escrevendo aos padres da sua congregação, Santo Afonso dizia: 'Desejo imensamente que todos vivam como enamorados de Jesus Cristo, principalmente nestes tempos infelizes, em que Ele é tão pouco amado no mundo'. Realmente, Nosso Senhor está esquecido, porque o trabalho e a dissipação tomaram conta do mundo. Mas Ele espera que, ao menos os seus escolhidos se interessem por Ele: Numquid et vos vultis abire? [quereis vós também retirar-vos? (Jo 6,67].

Se nós, que devemos dar Nosso Senhor às almas, não nos interessamos por Ele; se damos ao mundo o espetáculo de uma vida dissipada porque nos preocupamos com outros interesses, muito mais que com Nosso Senhor; enfim, se nós não vivemos in caritate [na caridade], assim como ensinamos a outros, então é mesmo para se exclamar com Santo Afonso: Pobre Jesus Cristo!...

22 DE MAIO

Consurgunt reges terrae... [insurgem os reis da terra...(Sl 2,2)]

Deliciosa a expressão do salmista: Deus fazendo mofa dos seus inimigos. São reis e poderosos da terra que se levantam contra Ele. Mas, são reges terrae... [reis da terra...]. Pelo caminho de nosso ministério não faltam dificuldades que precisamos vencer. A oposição de alguns, a incompreensão de outros, a indiferença de muitos, e ainda, as nossas próprias falhas, tudo está diante de nós, dificultando o nosso trabalho.

Não nos admiremos; somos ministros de uma Igreja militante — in mundo pressuram habebitis [vós tereis aflições no mundo]. E se hoje a fé parece encontrar maiores dificuldades, nem por isso diminuiu a força de Deus que nunca abandonou a sua Igreja. Se pusermos a nossa confiança nos meios humanos, certamente iremos desanimar. Temos que nos apegar a Nosso Senhor pela vida de oração. A união com Deus é que nos dará a força de Deus.

E mesmo quando tudo nos parecer perdido, a confiança não nos deixará desanimar. Com a morte do Mestre, os discípulos poderiam pensar que tudo estava terminado. Mas a Ressurreição lhes mostrou que era apenas o começo, o que eles pensavam fosse o fim. Confidite, ego vici mundum [Coragem. Eu venci o mundo!].

21 DE MAIO 

Scio opera tua [conheço as vossas obras (Ap 2,2)]

Meu Deus, que consolo para mim saber que conheces tudo em minha vida! Se nada escapa aos olhos da tua Justiça, nada perde também a tua Misericórdia. O que me anima é pensar que olhas para a minha vida, mais com amor do que com justiça. 

O que te interessa não é tanto aquilo que possa merecer castigo; o que procuras em minha vida é, principalmente, o que possa merecer uma recompensa. Com amoroso carinho vives recolhendo tudo o que possa formar a minha eternidade, na glória que me queres dar. Sei muito bem que um simples copo de água dado por teu amor non perdet mercedem suam [não perderá a sua recompensa (Mt 10, 42)]. Se o mundo não reconhece o meu trabalho e se não dá valor aos meus sacrifícios, não importa.

In domo Patris mei [na casa do meu Pai] há uma recompensa à minha espera porque os teus olhos não perdem as migalhas que enchem a minha vida. O teu amor de Pai não me esquece e está recolhendo, um por um, os meus dias de trabalho. Quando estiver pronta a minha eternidade, sei que me virás buscar porque queres a minha companhia, para sempre: Intra in gaudium Domini tui! [entra na glória (alegria) do teu Senhor! (Mat 25, 21)].

20 DE MAIO 

Et videns eos sequentes... [e vendo que O seguiam...(Jo 1,38)]

Tendo ouvido que Nosso Senhor era o Cordeiro de Deus, os dois discípulos o seguiram. E o Mestre lhes perguntou: Quid quaeritis? [o que procurais?] — Eles queriam o Mestre, queriam a sua doutrina. Seguir a Nosso Senhor é o que já estamos fazendo há muito tempo. Mas se Ele nos perguntasse, às vezes: Quid quaeritis? [o que procurais?] — qual seria a nossa resposta?

Infelizmente nem sempre o seguimos com aquele interesse dos Apóstolos. Enquanto o acompanhamos, deixamo-nos prender por muita coisa que nos atrai, que desvia a nossa atenção e até nos afasta do caminho certo. Quando procuramos fugir a um trabalho, quando descuidamos alguma obrigação — quid quaeritis? [o que procurais?].

Quando reclamamos, sentindo-nos prejudicados em nosso descanso ou comodismo — quid quaeritis? [o que procurais?]. Quando condescendemos com a vaidade, preocupando-nos demasiado conosco, ou com outros — quid quaeritis? [o que procurais?]. Facilitando em certas ocasiões, alimentando certos apegos e amizades quid quaeritis? [o que procurais?]. Consultemos a nossa consciência e ela nos irá mostrar como, muitas vezes, pensando procurar a Nosso Senhor, estamos procurando a nós mesmos.

19 DE MAIO 

Iuvenilia desideria fuge! [foge das paixões da mocidade! (2Tm 2,22)]

Assim escreveu São Paulo a um moço. Mas, nem por isso, deixa de ser um conselho para aqueles que já estão mais avançados em anos. Iuvenilia desideria [paixões da mocidade] — porque atraem a mocidade, não deixam de impressionar também a idade madura.

Certas ilusões e ingenuidades são próprias da falta de experiência e, por isso, aparecem com mais frequência na mocidade. Outras porém, como a vaidade, o apego e os ciúmes não fazem questão de morar só em coração de moço; aninham-se perfeitamente em qualquer vida, em qualquer idade. Eu não devo pensar que, por ser mais avançado em anos, já esteja também mais longe nos caminhos da virtude. 

Eu bem sei que outros, em menos tempo, fizeram muito mais do que eu, nos anos todos que vivi. Preciso me prevenir contra essa falta de disposição para a luta, que os anos me poderão trazer. Avançando em idade, poderei atrasar-me ou até estacar no caminho da virtude. O programa do Apóstolo a Timóteo não é para ser realizado nuns poucos anos de mocidade; é trabalho, é luta para toda a vida: sectare vero iustitiam, fidem, spem, caritatem [busca com empenho a justiça, a fé, a esperança e a caridade]. Se eu não sei quantos anos de vida ainda terei, no caminho da virtude resta-me ainda muito para percorrer.


18 DE MAIO 

Ut etiam pro illo patiamini [mas, por Ele, sofrer (Fl 1,29)]

Diz o Apóstolo que nós recebemos não somente a graça de crer em Nosso Senhor, mas também a de podermos sofrer por Ele. Uma fé profunda leva-nos sempre ao espírito de sacrifício e reparação. Os mártires são a Fé que não morre.

Trabalhar para Nosso Senhor não nos pesa tanto, ainda mais quando dispomos de uma boa saúde, aliada a uma disposição natural para a atividade. Até a nossa vaidade se oferece para nos auxiliar no trabalho. Mas tratando-se de sofrer a falta de saúde, as incompreensões, a ausência de meios ou de qualidades... só mesmo um grande amor a Nosso Senhor é que nos pode animar. Ante o sofrimento as forças desaparecem.

Precisamos compreender que, sofrer por Ele, não é nenhum castigo; é uma graça. O sofrimento é um mérito puro, quando alimentado pelo amor; ninguém sofre por gosto ou vaidade. Messis quidem multa [a messe é grande (Lc 10,2)] — não é pouco o que devemos reparar com nossos sacrifícios. Operarii autem pauci [os operários são poucos (Lc 10,2)] — mas não são muitos os que se dedicam a essa forma de apostolado. No entanto, diz São Francisco de Sales, sofrer é quase a única coisa de bom que podemos fazer neste mundo. Nossa natureza não o entende; nossa generosidade o irá compreender.

17 DE MAIO 

Daemones rogabant eum [os demônios imploraram a Ele (Mt 8,31)]

Por incrível que pareça, um dia os demônios fizeram um pedido a Nosso Senhor: E que pedido! Si ejicis nos hinc, mitte nos in gregem porcorum... [se nos expulsas, envia-nos para aquela manada de porcos...]. Eram os demônios que pediam e Nosso Senhor os atendeu!

Depois disto, como não confiar nas palavras do Mestre: Petite et accipietis [Pedis e recebereis]? Impossível a Nosso Senhor não cumprir o que nos prometeu. Mas a condição é que peçamos. O Bone Jesu! [Ó Bom Jesus!] que eu me convença, de uma vez por todas, do amor com que me amas e da misericórdia com que me olhas! Eu devo pensar que nunca deixarias de atender a um pedido meu, porque, sem que eu o pedisse, já fizeste muito mais por mim.

Que eu reconheça a minha miséria de filho pródigo: preciso da tua força, da tua vida e, principalmente, do teu perdão. Embora pródigo, sempre serei teu filho, com direito de falar com meu Pai. Que eu não renuncie a esse direito porque seria essa a minha perdição. Preciso me convencer de que nada tenho e tenho tudo, na promessa de uma riqueza infinita que o teu amor me preparou. Mas essa riqueza somente será minha se eu a souber desejar e pedir, pois 'quem reza se salva'.

16 DE MAIO

Simile est regnum caelorum... [o Reino de Deus é similar ... (Mt 13,31)]

a uma sementeira que, lançada à terra, germinou, desenvolveu-se e se fez árvore, para abrigar as aves do céu: aí está o Reino de Deus em minha vida. Mas, para que a semente crescesse, foi necessário muito cuidado e carinho; do contrário, nem teria germinado.

No campo da minha vida, quanta sementinha tem sido atirada por Nosso Senhor. São, muitas vezes, insignificâncias, que eu não considero, mas que Ele já viu e sabe porque colocou nos meus caminhos. Nihil odisti eorum quae fecisti [(Deus) não odeia nada que fez (conforme Sb 11,25)] — os seus olhos consideram tudo, embora eu não queira considerar. Preciso dar às outras pequenas sementes o valor que elas têm. Se eu as desprezar, estarei desprezando a minha existência mesma. Aos olhos de Deus tudo é grande, porque de tudo Ele se serve para transformar a minha vida no seu Reino.

A fidelidade nas coisas pequenas nunca foi uma pequena virtude. Renunciar a uma palavrinha que eu iria dizer; caprichar numa simples genuflexão que iria ser apressada; fazer uma jaculatória para ganhar um momento que eu iria perder... quanto esforço e espírito de fé! E é desse esforço que está dependendo o Reino de Deus em minha vida.

15 DE MAIO

Implete hydrias aqua! [enchei as talhas de água! (Jo 2,7)]

O que pediam os convivas era vinho. Sua Mãe lhe diz: Vinum non habent [eles não têm vinho]. E Nosso Senhor manda encher as vasilhas com água... Sempre a sua misteriosa Providência! Et impleverunt eas [e encheram-nas] — logo depois a água estava transformada no melhor dos vinhos.

Em minha vida, há muita coisa a que não dou importância, como a água à hora daquele banquete em Caná. Mas... quodcumque dixerit vobis, facite [fazei o que Ele vos disser (Jo 2,5)] — que eu faça tudo, de acordo com Nosso Senhor. Que eu não me negue a cooperar com a sua Providência, embora não compreenda os seus desígnios. Que eu ponha toda a minha obediência e amor na vida simples que levo. Que eu me entregue, com toda confiança, à vontade de Nosso Senhor porque Ele não irá estragar nada, mas transformar tudo.

Não tenho que me inquietar, perguntando porque isto ou porque aquilo. A infinita Sabedoria já previu tudo em meu favor. Que eu não lhe negue a minha dedicação e Nosso Senhor saberá mudar a água da minha vida no vinho da minha eternidade. Que a minha única preocupação neste mundo seja o que Santo Tomás tão sabiamente pedia: Quae tibi placita sunt, ardenter concupiscere, prudenter investigare, verasciter agnoscere, et perfecte adimplere [aquilo que te agrada (ó Deus) ardentemente desejar, prudentemente investigar, verdadeiramente conhecer e perfeitamente realizar].

14 DE MAIO

Ut omnes facerem salvos [para que todos sejam salvos (1Cor 9,23)]

É São Francisco de Sales quem nos dá uma receita muito sábia para o nosso ministério pastoral. Diz ele que, para dirigir bem as almas, precisamos de um copo de ciência, um barril de prudência e um oceano de paciência.

Um copo de ciência — é certamente o mínimo. E se nos descuidamos, perdendo o contato com os livros, esse copo de ciência adquirido no seminário poderá secar. Um barril de prudência — e é Nosso Senhor quem indica a qualidade, mandando-nos ter uma prudência de serpentes. O Mestre já nos avisou que estaríamos no mundo, como ovelhas entre lobos. Geralmente ignoramos as dimensões da falsidade que nos rodeia: mundus vult decipi [o mundo quer ser enganado].

Um oceano de paciência — é o mais difícil, e também o mais necessário. Sem paciência, acabaremos no desânimo; não nos faremos ouvir nem compreender. Foi justamente pela paciência e mansidão que São Francisco de Sales realizou tanto. É que a bondade atrai a todos e para os pecadores, principalmente, ela já é uma promessa e uma esperança de perdão.

13 DE MAIO 

In veritatis amore crescamus [cresçamos no amor à verdade]

Esta a graça que a Igreja pede para nós na oração do dia. Uma graça que nunca deveríamos deixar de pedir: o amor à Verdade, e, consequentemente, o horror aos pecado, que é a mentira: In veritate non stetit, quia non est veritas in eo... mendax est [não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele... é mentiroso (Jo 8,44)].

Como a nossa natureza pende sempre para o pecado, entre a Verdade e a mentira, esta sempre ganha a nossa preferência. Daí o nosso medo à Verdade; custa-nos tanto a sinceridade com a nossa consciência, e com Deus mesmo! E daí também o nosso apego à mentira. 

Podemos dizer que ela anda solta em nossa vida: a mentira do orgulho, que já vem do Paraíso, a nos dizer que não precisamos obedecer tanto, nem a Deus, nem aos superiores; a mentira do apego, dizendo que este mundo pode muito bem contentar o nosso coração; a mentira da sensualidade, insinuando-se à nossa simpatia, como se o prazer dos sentidos superasse as alegrias do espírito. O demônio é a mentira; por isso a Igreja pede que Deus nos livre ab insidiis diaboli [das ciladas do demônio], para que sejamos mais sinceros com a nossa consciência e com Nosso Senhor.

12 DE MAIO 

Non omnia expediunt [nem tudo é oportuno (1Cor 10,22)]

Inspirado pelo meu orgulho e comodismo, às vezes, penso assim: Não me importa o que outros pensem ou digam a meu respeito; Deus é quem me julga. E se pergunto a minha consciência, porque chego a pensar dessa maneira, ela me responde: Porque não me quero impor certas renúncias... Para não dar o que falar, o Apóstolo renunciou a muita coisa que lhe seria lícita. E o mesmo eu terei que fazer muitas vezes. 

Certamente não estou em melhores condições que São Paulo cuja virtude, por si só, já bastava para fazer calar todos os seus inimigos. Nunca poderei sacudir os ombros, indiferente à impressão que possam ter de mim, não por respeito humano, mas porque assim exigem o meu ministério e a caridade. Não posso prejudicar a outros, expondo o meu nome. O que um faz, reflete nos outros, e até na própria Igreja.

De outro lado, a Moral me diz que muita coisa, em si lícita, poderá tornar-se ilícita, conforme as circunstâncias, principalmente em se tratando de ocasiões perigosas. Para mim também existe o perigo, pois, pela ordenação, não fui confirmado na graça. Aquele que facilita acaba caindo e, o que é pior, arrastando a muitos outros na queda.

11 DE MAIO 

Si sal evanuerit... [se o sal perder o sabor (Lc 14,34)]

Isso acontece quando o padre vai abandonando o seu fervor habitual. Com isso, perde a força... da graça. Qualquer pretexto é suficiente para dispensá-lo da meditação. Omite com facilidade o exame de consciência, à noite; o trabalho foi tanto e o cansaço é demais. Para os exercícios de piedade, não encontra o tempo necessário porque, não tendo ordem no seu trabalho, ainda se entrega à dissipação. 

A própria Missa, ele diz mas não a celebra rezando nem a pratica vivendo. Sem fervor, não se preocupa com a pureza de sua consciência. Facilita as ocasiões e as faltas vão se sucedendo, até que a consciência, morta, não reage mais ante as faltas mais graves. Logo o Homo Dei [homem de Deus] estará transformado num simples homem do mundo e, a essa altura, a própria batina poderá ir no naufrágio, se um milagre da graça a não salvar.

Ad nihilum valet ultra [para nada mais serve] — a esse ponto chegou: não servir para mais nada. Afastado de Deus e das almas, neque in sterquilinium utile est... [nem para adubo será útil...] assim falou Nosso Senhor. E com que tristeza não terá Ele proferido uma palavra tão dura!

10 DE MAIO 

Vinum novum in utres veteres [vinho novo em odres velhos (Mt 9,17)]

Nosso Senhor nos disse que não podemos conservar o vinho novo em vasilhame velho. E o mesmo pensamento exprimiu São Paulo, ao dizer que não podemos combinar o vetus homo [homem velho] com o homem renovado pela Graça. Querer conservar nossos defeitos, poupando-os, seria para nós o mesmo que renunciar à virtude. Como iríamos manifestar Nosso Senhor em nossa vida, mantendo, vivo em nós, o vetus homo [homem velho] comodista, vaidoso, apegado e cheio de si?

Não podendo ver a santidade em Nosso Senhor que lhes é invisível, as almas esperam ver a santidade no sacerdote. Supor não lhes basta, querem constatar a virtude do Alter Christus [outro Cristo]. Por isso o estudam e observam. Geralmente sabem distinguir muito bem o homem novo, feito de virtudes, e o homem velho, feito de falhas e fraquezas. Reconhecem com facilidade o Alter Christus, plenum gratiae et veritatis [outro Cristo, cheio de graça e de verdade] e o vetus homo [homem velho] que, a custo, consegue esconder-se atrás de uns poucos remendos de virtude. 

Nada mais triste, aos olhos do mundo, que um vetus homo [homem velho] transpirando vaidade, comodismo, apego e orgulho a pregar o desprendimento, a penitência, o amor a Deus. A impressão não pode ser outra: Alligant onera gravia, et imponunt in humeros hominum; digito autem suo nolunt ea movere [Atam fardos pesados e esmagadores e com eles sobrecarregam os ombros dos homens, mas não querem movê-los sequer com o dedo (Mt 23,4)].

09 DE MAIO 

Omnia in nomine Domini [(fazei) tudo em nome do Senhor (Cl 3,17)]

"Toda a vida do homem, peregrino neste mundo, deve tender para Deus e todos os atos humanos, devem, afinal, ser culto a Deus, em Jesus Cristo, e por Jesus Cristo. Ora, o oferecimento cotidiano das obras é já, per si [por si mesmo], culto prestado ao Senhor; é oração, e das melhores que, consagrando as primícias do dia, o santifica.

Mas quando vivido, animando conscientemente a executar bem as ações e a suportar bem cada sacrifício, então é a vida toda feita realmente culto a Deus, então é a oração vital de que falam os santos e que o Apóstolo inculcava aos fiéis: 'Fazei tudo em nome do Senhor Jesus'. 

Então a vida dos fiéis tenderá a elevar-se mais geralmente a um alto nível de santidade e a uma necessidade mais sentida de viver na graça de Deus, para que as nossas oblações lhe sejam aceitas. Assim, o pensamento mais frequente das grandes verdades da Fé e a maior intimidade com o Coração divino irão purificando a alma e ateando a chama do amor que vence as tentações, que não teme sacrifícios, que triunfa nos obstáculos e leva à santidade" (Pio XII).

08 DE MAIO 

Non erat eis locus in diversorio [não havia lugar para eles na hospedaria (Lc 2,7)]

Com que facilidade lemos estas palavras! E não refletimos bem quanto elas encerram de humildade para o Redentor e de doloroso para sua Mãe Santíssima. Não houve na cidade uma família que desse ao Messias um lugar para nascer. Ninguém quis receber aquela mulher que, com o seu filho, iriam dar muito trabalho... Antes de nascer, Nosso Senhor já estava sendo um incômodo, um indesejável para muita gente. E continuou sendo assim através dos tempos.

Uma senhora da sociedade pedia ao vigário para que não mandasse tocar os sinos de manhã porque a incomodavam... Após as missões, um pároco se queixava que os missionários lhe deixaram a paróquia fervorosa demais... E na minha vida, Nosso Senhor não estará sendo, às vezes, um tanto incômodo também?

Quando uma obrigação me vem tirar do meu sossego; quando um necessitado, do corpo ou da alma, me vem bater à porta fora de hora; quando um sacrifício se apresenta para estragar o meu repouso... então preciso pensar: É Ele, com toda certeza! Em Belém não o reconheceram; mas eu sei que é Ele, e preciso atendê-lo: quamdiu fecistis uni ex his fratribus meis minimis, mihi fecistis [o que fizerdes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes (Mt 25,40)].

07 DE MAIO 

Abscondi talentum tuum in terra ['escondi o teu talento na terra' (Mt 8,25)]

Meu Deus, não é para me queixar se eu digo que, na ordem temporal, não sou nenhum privilegiado. Pelo contrário, reconheço que a ausência de talentos me reduziu a uma completa nulidade. Mas na ordem espiritual, tenho que reconhecer a tua prodigalidade simplesmente incompreensível. 

A vocação à Fé, a graça, a oração e, principalmente, o sacerdócio, que me faz viver a teu lado... mais eu não poderia desejar, pois o teu amor de predileção não me podia elevar mais alto. Realmente, eu recebi demais. Se eu não tenho do que reclamar, o que eu devo, sim, é corresponder a  essa predileção, e ser digno da tua confiança. Não posso enterrar o que me deste; preciso fazer essa riqueza render, e muito mais. 

Senhor, Tu sabes quantos são aqueles que devem receber de mim e a tua Providência já determinou o quanto devo dar a cada um. Eu seria um servo inútil se não reconhecesse o valor desse tesouro que me deste e se o não soubesse administrar de acordo com teus planos. Preciso reconhecer a tua clemência nos talentos que me confiaste; essa riqueza eu a devo repartir com teus filhos, os meus irmãos.

06 DE MAIO 

Ite, docete [Ide, ensinai (Mt 28,19)]

Naquele tempo, essa palavra do Mestre poderia parecer absurda. Com que meios, com que recursos, aqueles homens sem experiência e sem prestígio, sairiam pelo mundo, ensinando a Cruz? Humanamente aquela missão deveria fracassar. Mas os discípulos obedeceram e o milagre se realizou.

Hoje desapareceram as distâncias. Posso pregar em toda parte, posso me fazer ouvir em todo o mundo, sem sair de casa. O progresso pôs em minhas mãos os meios que faltavam aos Apóstolos. Hoje eu posso me multiplicar. Nosso Senhor não me aconselhou apenas que pregasse; Ele me deu uma ordem nesse sentido. E se os meios para isso não me faltam, não posso alegar, como desculpa a minha falta de qualidades. Orator fit [o orador se faz] — tenho que me esforçar, pois o interesse pela minha missão exige que eu não me acomode na minha incapacidade.

Para ensinar a palavra de Deus, eu não devo certamente desprezar os meios humanos. Mas também não preciso ser um consumado orador sacro. Às almas de boa vontade aproveita muito mais uma palavra simples, cheia de Deus do que toda uma peça oratória, transpirando vaidade e cheirando a nada.

05 DE MAIO 

Diligo decorem domus tuae [amo a ornamentação da Vossa Casa (Sl 25,8)]

A Igreja nos lembra hoje* a figura de São Pio V, aquele que Deus escolheu ad divinum cultum reparandum [para restaurar o culto divino]. Esposa imaculada, a Igreja se dá em atenções e cuidados para com seu Esposo divino. Às vezes até nos poderia parecer exagerado o capricho, verdadeiro carinho com que ela prevê e determina todos os pormenores, referentes ao culto e à Casa de Deus.

Nós somos as pessoas dessa Casa, escalados, ou melhor, escolhidos para o serviço divino. E com que cuidado a Igreja não nos escolheu! Ela sabe o porquê. Amar a Casa de Deus significa bem mais que ter apenas um certo interesse pelas coisas da igreja. O principal, tratando-se do culto, somos nós mesmos. 

O nosso trabalho deve ser executado com aquele amor e carinho com que a Igreja procura servir a Nosso Senhor. Não pode ser executado mais ou menos. O culto sagrado está exigindo de nós alma e fervor, porque meras cerimônias, executadas sem piedade ou com uma piedade artificial, não convencem e nem elevam. No altar, mais do que nunca, somos os sacerdotes de um Deus vivo.

* no calendário católico tradicional

04 DE MAIO

Augusta porta quae ducit ad vitam! [estreita é a porta que conduz à vida! (Mt 7,14)]

Foi Nosso Senhor mesmo quem nos avisou: lata porta, et spatiosa via est, quae ducit ad perditionem [larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição (Mt 7, 13)]. Por isso Ele insiste conosco: intrate per angustam portam! [entrai pela porta estreita!]

É verdade que uma porta estreita não oferece tanta facilidade. E Nosso Senhor mesmo reconheceu que o caminho da virtude é estreito e apertada a porta de ingresso para a vida eterna: Quam angusta porta, et arcta via est, quae ducit ad vitam [porque estreita é a porta e apertado o caminho que conduz à vida!]. Segundo o Evangelho, a santidade, ora é um caminhar com a cruz às costas, ora um arado sulcando a terra. Às vezes é o trabalho numa vinha, outras vezes é o nosso empenho em forçar as portas de um Reino que sofre violências. Por isso, não devo estranhar se o trabalho me pesa e o caminho se apresenta longo e difícil. 

Nosso Senhor não me prometeu outra coisa neste mundo e Ele foi o primeiro a trilhar esse caminho do sacrifício: Exemplum dedi vobis [dei-vos o exemplo (Jo 13, 15)]. Não posso atender as queixas e lamúrias da minha natureza de morte. Quanto mais ela reclamar, tanto mais deverei compreender que não fui criado para viver sempre num vale de lágrimas. Tenho que aceitar os sacrifícios, como uma preparação amarga para uma alegria sem fim. In mundo pressuram habebitis [no mundo haveis de ter aflições (Jo 16,33)] — foi isto o que o Mestre me prometeu. 

03 DE MAIO

Nunquam indignationem tuam provocemus [(com o nosso orgulho) nunca provoquemos a vossa indignação]

É como reza a Santa Igreja, exprimindo uma preocupação sua, muito justa: Que o nosso orgulho não chegue a atrair sobre nós o desprezo e a ira de Deus. Com a sua grande experiência, dizia Santa Teresa: Prefiro ver os conventos cheios de todos os pecados, menos do pecado de orgulho: se os outros pecados dão lugar ao arrependimento, o orgulho cega a alma e não a deixa aproximar-se de Deus.

Para qualquer pecado existe sempre a Misericórdia divina; para o orgulho, só existe o desprezo de Nosso Senhor. É o que se vê no Evangelho. Até aquela mulier quae erat in civitate, peccatrix [mulher pecadora da cidade (Lc 7, 37)] encontra o perdão para a sua miséria. Mas as fariseus, que se fecharam no orgulho, não mereceram mais que o desprezo do Mestre, naquela palavra dura e corajosa: meretrices praecedent vos in regnum Dei [as mere­trizes vos precedem no Reino de Deus! (Mt 21,31)].

Preciso pensar que meu orgulho só deixará de existir na hora da minha morte. Enquanto eu estiver vivo, ele não estará morto. Se eu não o dominar, à medida que eu for crescendo em anos e experiência, poderei crescer também no orgulho e, nesse caso, irá crescer o desprezo de Deus para comigo.

02 DE MAIO 

Super candelabrum [(como luz) sobre o candelabro (candeeiro) (Mt 5,15)]

Somos a luz que Nosso Senhor acendeu in medio Ecclesiae [no meio da Igreja] e colocou super candelabrum, ut luceat omnibus qui in domo sunt [(como luz) sobre o candelabro, que ilumina assim todos os que estão em casa]. Nossa missão será iluminar sempre. A luz da Verdade terá que brilhar continuamente em nossas palavras, mas também na nossa vida, para que sejamos realmente uma luz.

Não podemos esquecer que essa evidência é, para nós, uma responsabilidade. Super candelabrum [(como luz) sobre o candelabro] — é natural que chamemos a atenção. Todos os olhares convergem sobre nós e nada perdem os amigos e inimigos que nos observam atenciosamente. Na escuridão os defeitos desaparecem. Mas na Luz, qualquer falha chama a atenção.

Alguém disse, e com razão, que o povo sabe não somente o que o padre faz, o que ele diz, mas também o que ele pensa... Ouve-se dizer, às vezes: com, ou sem motivo, as más línguas falam sempre. Que falem, isto é com as más línguas; que não devemos dar motivo, isto é conosco. Se falarem sem motivo, não importa, porque a luz sempre se impõe. Mas, se dermos motivo, não nos podemos queixar que as falhas apareçam, e, com elas, os comentários. Vítima das más línguas, São Paulo nunca se descuidou de seu bom nome. Por isso aconselhou também ao seu discípulo: In omnibus teipsum praebe exemplum [dá bom exemplo em todas as coisas (Tt 2,7)].

10 DE MAIO

Sub tuum praesidium... [sob a vossa proteção]

A devoção a Nossa Senhora — não é uma devoção que podemos ter; é uma devoção que devemos ter, por vontade de Deus. Desde a queda, no Paraíso, que Ele no-la mostrou. No plano divino da Redenção, nós a vemos em evidência nos dois momentos principais: Presépio e Calvário. E nunca talvez, como hoje, Nossa Senhora esteve tão presente na vida da Igreja e das almas.

Porque essa verdadeira preocupação de Deus em revelar sua Mãe Santíssima ao mundo? Simplesmente porque Deus quer o nosso amor para com Ela: é pelas mãos de uma mãe que o filho chega mais facilmente à presença de seu pai. Diz um autor que Deus, não nos podendo dar um retrato de si mesmo, para que dele nos lembrássemos sempre, deu-nos sua Mãe, que é o máximo em santidade e perfeição humana.

Para nós, sacerdotes, um motivo especial existe para essa devoção: Nossa Senhora nos ama com um amor particular porque vê em nós aqueles que perpetuam Nosso Senhor no mundo, mantendo-o nas almas. Porque somos participantes do sacerdócio eterno de seu Filho, Ela, Mater Christi [Mãe de Jesus Cristo], é a Mãe do nosso sacerdócio e o fervor de um padre é medido pela sua devoção a Nossa Senhora.

30 DE ABRIL 

Miser fui, et salvavit me [estava na miséria e (Ele) me salvou (Sl 114,6)]

O teu Evangelho, Senhor, me diz que todos neste mundo tiveram um lugar nas tuas preocupações; os pastores e as crianças, os Apóstolos e os traidores, os letrados e os Mestres da Lei, os publicanos e até os fariseus. Não posso acreditar que a tua Providência não me tenha visto e não se tenha preocupado comigo. Por isso é que também procuro o meu lugar, o lugar que ocupei na tua vida.

Não me vejo é certo, entre as crianças e os pastores: pois não tenho a inocência com que te procuravam. Não estou entre os Apóstolos e traidores: se não sou um apóstolo, também não sou um traidor, porque a tua Graça me amparou. Não fosse a tua graça, o que seria de mim? Não me julgo entre os publicamos e fariseus: apesar da minha miséria, Tu sabes, Senhor, que se alguma vez te abandonei, não foi para fugir ao teu domínio.

E nem me vejo entre os Mestres da Lei: se alguma vez a tua doutrina me foi dura, nem por isso deixei de a praticar. Eu me vejo, e muito bem, lá onde foste achar a ovelha desgarrada. Ela também não te abandonou, porque quisesse fugir aos teus cuidados. Por isso se entregou agradecida quando a foste buscar. A tua Providência me procurou, e... por quanto tempo! A tua mansidão me atraiu. E a tua misericórdia me colocou novamente em teu rebanho, porque o teu amor continua confiando em mim. E eu sei agora, melhor que antes, que não és o mercenário, mas o Bom Pastor, que eu bendigo e amo porque miser fui, et salvavit me [estava na miséria e (Ele) me salvou].

29 DE ABRIL 

Praedica Verbum! [prega a Palavra! (2Tm 4,2)]

Para um exame de consciência, siga este Decálogo do Pregador: (i) pregar a Verdade e não a vaidade.  Minha pessoa não interessa, de modo algum, aos ouvintes; (ii) Não pregar sem preparação.  Não posso profanar a Palavra que não é minha; ela é de Deus.

(iii) pregar aos domingos e dias santificados. Esta regularidade dá à palavra, que vem do coração, uma força que lenta, mas infalivelmente, exerce a sua eficácia (Pio XII); (iv) 4) não desfazer da pregação de outros. A caridade o exige. Se a minha palavra é de Deus, a dos outros também; (v) ensinar com a palavra, mas também com o exemplo. Não posso cair nesse absurdo, de matar com meu exemplo, aquilo que ensinei com a minha palavra.

(vi) não pecar contra a brevidade. Ensinar sem aborrecer!; (vii) não pregar somente o que outros escreveram. Preciso assimilar e preciso viver aquilo que prego, (viii) não esquecer a caridade, pregando a Verdade; (ix) não imitar cegamente a outros. Se eu me esforçar para dar ao povo uma palavra cheia de Deus, o mais é secundário; (x) pregar a Palavra e não palavras.

28 DE ABRIL

Semen est Verbum Dei [a semente é a Palavra de Deus (Lc 8,11)]

'Cada um de vós pregue esta palavra sagrada; cada um de vós insista com constância e coragem, mesmo quando uma falsa prudência aconselhar a desistir. Nós vemos o que aconteceu, o que está acontecendo, por se terem os homens afastado da sã doutrina, para pedirem, a mestres conformes as próprias paixões, as verdades a crer, as normas a seguir.

Hoje, como nos primeiros tempos, non est aequum nos derelinquere verbum Dei [não é razoável que abandonemos a Palavra de Deus (At 6,2)]. Devemos proclamar bem alto a advertência de São Paulo: fundamentum aliud nemo potest ponere... quod est Christus Jesus [quanto ao fundamento, ninguém pode por nenhum outro ... que não seja Jesus Cristo].

Por outros fundamentos à construção do mundo, significaria preparar sua ruína; lançar no terreno outra semente que não seja Cristo Jesus, significa ver crescer, junto ao trigo, o joio; esse joio que parece amor e é ódio; que parece paz e é guerra; que parece liberdade e é licença; que parece justiça e é opressão; que parece prudência e é medo; que parece coragem e é imprudência; que parece previdência e é desconfiança' (Pio XII).

27 DE ABRIL

Deus, pars mea in aeternum [Deus, minha herança na eternidade (Sl 72, 26)]


Dolorosa esta pergunta de São Bernardo: Quis, avidius clericis, quaerit temporalia? [quem pode ser mais avarento que um clérigo que cobiça coisas temporais?]. Nosso Senhor sabe que, devido à nossa posição, não podemos viver em extremos de miséria. E sabe também que as nossas obras de apostolado vivem, geralmente, de esmolas. Mas, precisamos ter sempre em conta, a opinião que o povo possa fazer de nós. 

Não é o escrúpulo, mas a prudência que nos aconselha cautela nesse ponto. Não basta que a nossa intenção seja boa, e o fim, que nos propomos, muito santo e necessário. Os meios terão que ser estudados com prudência. São Paulo também lidou com dinheiro e organizou obras de caridade. Mas não se descuidou da impressão que poderia dar: Exhibeamus nosmet ipsos sicut Dei ministros... in necessitatibus [nos apresentamos como ministros de Deus ... nas necessidades]. E porque esse cuidado? Ut non vituperetur ministerium nostrum [para que nosso ministério não seja repreendido (2Co 6,3)].

Não podemos dar a impressão de que o nosso ministério não consiste tanto em ganhar as almas, como ganhar outra coisa. Ganhando uma fama que não nos convêm, estaríamos perdendo tudo. Prudência na escolha dos meios, porque o apego, suposto ou verdadeiro, é a fogueira na qual, mais frequentemente, o povo sacrifica a boa fama e o bom nome do sacerdote.

26 DE ABRIL

Abominato Domini est omnis arrogans [todo (homem) arrogante é abominação a Deus (Pr 16,5)]

Se Deus detesta a arrogância, os homens também a desprezam. E se ela é tão antipática, tão ridícula, em qualquer pessoa, mais ainda no sacerdote, que deve ser o retrato vivo de Nosso Senhor. E Ele é inseparável da humildade.

Para que Deus e as almas não se afastem de mim, preciso por em prática o conselho da Escritura: superbiam in tuo sensu aut in tuo verbo numquam dominari permittas [Nunca permitas que o orgulho domine o teu espírito ou as tuas palavras (Tb 4,14)]. Preciso olhar para o meu Mestre, rodeado pelos pobres e humildes, falando com simplicidade aos mais ignorantes, atendendo a todos sem alardes de grandeza, com a maior bondade e mansidão. Ele era assim e eu não o posso mudar, apresentando aos olhos de todos um outro Cristo diferente.

A simplicidade e uma caridosa atenção para com todos serão armas valiosas no meu apostolado. Mas a vaidade, e presunção, o alarde de ciência e prestígio, o desprezo para com os pobres e ignorantes, só me poderão tornar ridículo diante de Deus e das almas. Quanto magnus es, humilia te in omnibus, et coram Deo invenies gratiam [Quanto mais fores elevado, mais te humilharás em tudo e, diante de Deus, encontrarás misericórdia (Eclo 3,20)].

25 DE ABRIL

Peccatores... quorum primus ego sum [pecadores... dos quais, sou eu o primeiro (1Tm 1,15)]

Comovedora a humildade do Apóstolo, considerando-se o maior dos pecadores. E não foi certamente por mero sentimentalismo, que ele, escrevendo aos coríntios, considerou-se o último dos Apóstolos, não merecendo sequer esse nome: Non sum dignus vocari apostolus, quoniam persecutus sum Ecclesiam Dei [não sou digno de ser chamado Apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus (1Co 15,9)]. Que tristeza amarga para aquele coração que tanto amava Nosso Senhor lembrar que perseguira a sua Igreja: Blasphemus fui, et persecutor! [fui blasfemo e perseguidor!].

São Paulo não esquecia o seu passado. Sabia bem onde a Graça o fôra buscar e, por isso, agradecia quia fidelem me existimavit, ponens in ministerio [porque me julgou fiel (digno de confian­ça) e me chamou ao ministério (1Tm 1,12)]. Eu também preciso olhar para trás e considerar o meu passado, não para me desanimar, reconhecendo que nem tudo ficou de acordo com a minha boa vontade. 

Preciso pensar no que fui, para compreender melhor o que sou e saber o que eu deveria ser. Que a humildade me coloque no meu lugar. Esse olhar sobre o meu passado irá tirar, da minha vida, um pouco do orgulho e do rigor com que olho para os outros. Terei mais paciência e compreensão, porque Peccatum meum contra me est semper [meu pecado está sempre diante de mim].

24 DE ABRIL

Ambo in foveam cadunt [ambos tombarão na mesma vala (Mt 15,14)]

Isso acontece quando um cego quer guiar a outro cego. Ambos acabam caindo, diz Nosso Senhor. É principalmente no confessionário que devemos ser os guias das consciências. O penitente busca ali o Caminho, a Verdade, a Vida sobrenatural, isto é, busca a Nosso Senhor mesmo. Para que não se iluda, é preciso que veja, que sinta no confessor, o amor a Deus, o zelo, o horror ao pecado, a mansidão, o espírito de fé.

Mas, ao lado da virtude, a ciência. A ruína das almas, dizia um santo, são os maus pregadores e os maus confessores. Um cego não terá confiança em seu guia, se perceber que ele também não está firme. É certo que, no confessionário, não podemos ser professores dando, a cada penitente, uma aula completa de ascese e moral. Mas também, não nos podemos transformar em máquinas de absolver. 

Homem algum poderia ocupar o confessionário para dizer a um pecador: Ego te absolvo [Eu te absolvo]. Nós o fazemos porque o sacerdócio nos deu esse poder. Mas ele não nos deu nem a ciência nem a virtude que o confessionário exige de nós. Homens de oração, precisamos estar em dia com a nossa Teologia Dogmática e Moral. Somente assim, poderemos ocupar, no confessionário, o lugar de Nosso Senhor.

23 DE ABRIL

Tradidit semet ipsum pro me [se entregou a si mesmo por mim (Gl 2,20)]

Assaltado e ferido por ladrões, estava um homem caído à beira de uma estrada. Passou um sacerdote. Olhou... e continuou tranquilamente o seu caminho. Naquele dia, pela estrada de Jericó, passou a figura exata do sacerdote sem caridade. Não conhecendo a Deus, não o soube ver naquele pobre homem, caído à beira do caminho. Era um sacerdote de nome; alguém que vivia no Templo.

Sacerdos pro populo [sacerdote pelo povo] — ele é das almas, deve viver para elas, vivendo exclusivamente para Deus. É um homem sui generis [único em seu gênero, especial] que não vive para si como outro qualquer. Sua vida é uma imolação que só termina com a morte. Sem caridade, porém, o sacerdote não se entrega nem a Deus e nem às almas. Sua vida é uma negação contínua já que procura poupar-se como um avarento de si mesmo. E se realiza alguma coisa é para si, para os próprios interesses; não pode pensar nos outros pois isso seria esquecer-se.

Preciso pensar que participo do sacerdócio dAquele que se entregou por mim. Se eu não me der todo a Deus, e às almas, serei sacerdote apenas de nome. Sine caritate sacerdos dici potes, esse vero non potes [sem a caridade, podereis dizer-vos sacerdotes, mas verdadeiramente não o sois].

22 DE ABRIL 

Domine, quid vis me facere? [Senhor, que queres que eu faça? (At 9,6)]

À beira da estrada, Bartimeu, o cego, gritando com toda força e simplicidade: Jesu... miserere mei!  [Jesus, tende piedade de mim!] Todo misericórdia, Nosso Senhor se aproxima e pergunta: Quid tibi vis faciam? [Que queres que eu te faça?]. Galopando pela estrada de Damasco, Saulo era o lobo, à procura das ovelhas de Cristo. De repente, cego, cai do cavalo. Desta vez não é o Agnus Dei [Cordeiro de Deus] quem pergunta: Quid tibi vis faciam? [Que queres que eu te faça?]. É o lobo, tremens ac stupens [trêmulo e atônito], quem indaga: Domine, quid vis me facere? [Senhor, que queres que eu faça?].

Nosso Senhor está pronto a atender sempre os meus pedidos. Foi Ele mesmo que me prometeu: Petite et accipietis [Pedi e recebereis]. Mas não posso esquecer também que Ele tem os seus desejos. Ele me deu as suas ordens e quer a minha obediência. De manhã até à noite, minhas obrigações estão diante de mim; eu as conheço muito bem e, por isso, não preciso perguntar qual a Vontade de Deus a meu respeito. 

Se eu prezo que Ele me ouça porque é meu Pai, Ele exige que eu o atenda como um filho. Às vezes, sua vontade poderá me parecer dura, exigindo sacrifícios e renúncias que me parecem acima de minhas forças. Mas eu sei que Ele não me pede o impossível. Não posso contra stimulum calcitrare [recalcitrar contra o aguilhão (resistir a ter como guia a Palavra de Deus) (At 26, 14)].

21 DE ABRIL

Curramus ad nobis propositum certamem [corramos ao combate que nos é proposto (Hb 12,1)]

Para estimular os fiéis a perseverarem na fé, São Paulo, na sua Carta aos Hebreus, lembra a firmeza e o heroísmo dos antepassados, quibus dignus non erat mundus [eles, de quem o mundo não era digno]. Preciso olhar para o exemplo dos mártires e confessores dos primeiros séculos, pois tenho muito a aprender daqueles que me precederam na vinha do Senhor.

E não posso esquecer aqueles que, ainda hoje, estão dando muito mais do que eu, no trabalho a que foram chamados. Enquanto eu penso e calculo para fazer um sacrifício, enquanto procuro avidamente o meu descanso e bem estar, queixando-me do pondus diei [peso do dia (Mt 20,12)], nos desertos ou cidades, nos cárceres ou campos de concentração, há outros que estão se consumindo num martírio que só Deus conhece.

Somente na eternidade irei saber tudo o que eles estão sofrendo, para conservarem a luz da fé em si e nos outros. Todos os dias tenho pela frente um combate a que não posso fugir. E ainda que eu dê, nessa luta, todo o meu tempo, minhas forças e minha saúde, eu só tenho que repetir: Servus inutilis sum [sou um servo inútil] — não estou fazendo mais que a minha obrigação.

20 DE ABRIL 

Neminem viderunt, nisi solum Jesum [não viram ninguém mais, mas tão somente Jesus (Mt 17,8)]

Cansados de caminhar sempre saturados com o povo que lhes não dava sossego, os Apóstolos gozaram bem um pedaço do céu, naqueles momentos da Transfiguração: Bonum est nos hic esse [é bom estarmos aqui (Mt 17,4)].  O espetáculo fôra deverás deslumbrante.

Durou pouco aquela ante visão do Paraíso, mas foi bem aproveitada. E quando ela terminou, tinham desaparecido Elias e Moisés, mas o Mestre ali estava como sempre; e isso era o principal para eles. Há muitos anos que eu vivo com Nosso Senhor. Moro na sua casa, trato continuamente com Ele e, todos os dias, eu o tenho diante de mim, tamquam occisum... [como que imolado... (Ap 5, 6)] transfigurado, portanto, pelos outros e por mim também. 

Se não o posso contemplar no Tabor, é na transfiguração do Calvário que eu o tenho diariamente em minhas mãos. No entanto, a minha missa termina e eu não continuo a ver nisi solum Jesum [tão somente Jesus]. De tal forma penetra a dissipação em minha vida, que não chego a perceber a presença de Nosso Senhor. Mihi vivere Christus est [para mim o viver é Cristo (Fp 1,21)] — era assim que vivia o Apóstolo e assim eu também deveria viver. Para isso tenho que viver o programa que ele realizou: Omnia, et in omnibus Christus [Cristo é tudo para todos (Cl 3,11)].

19 DE ABRIL

Ut exhibeatis... hostiam viventem [para que ofereceis... um sacrifício vivo (Rm 12,1)]

Essa hóstia viva deve ser o resultado de uma transformação, operada por um sacrifício. Mas Deus não nos quer como vítimas de um sacrifício imposto à força. A castidade foi a melhor parte que livremente escolhemos. Aceitando a dignidade sacerdotal, não fomos vítimas de nenhuma crueldade; aceitamos uma vocação, e, com ela, uma renúncia.

Deus não nos quer em sua casa, como condenados, arrastando penosamente uma carga injusta ou imprevista; nem se compraz em nos ver como vítimas de um castigo que nos abate e revolta. Ele nos quer simplesmente como filhos. Tratando-se de um Pai, qualquer renúncia será aceita com generosidade e alegria. Marcado com o arrependimento, ou com a má vontade, nosso sacrifício não poderia ser bem aceito. Hilarem datorem diligit Deus [Deus ama quem se dá com alegria (2Co 9,7)].

Ninguém se comove, nem se sente agradecido, diante de uma atenção forçada, sem alegria ou espontaneidade. Justamente por isso Deus nos ama como seus filhos prediletos porque lhe oferecemos um sacrifício livre aceitando, com a nossa vocação, uma renúncia que outros não quiseram ou não foram capazes de lhe oferecer: quidquid habeo, id Tibi restituo [Vós me destes tudo o que possuo].

18 DE ABRIL

In omni patientia et doctrina [com toda paciência e empenho de instruir (2Tm 4,2)]

Dada a natureza do seu ministério, muitas vezes terá o Padre que repreender e censurar. É este um dever a que não poderá fugir, sob pena de uma grave omissão. Terá que fazê-lo, no entanto, in omni patientia et doctrina [com toda paciência e empenho de instruir]. Dessa forma, estará mais ensinando que repreendendo.

In omni patientia [com toda paciência] — muitas vezes será necessário insistir porque o mal não se deixa arrancar de uma vez. E nesses casos, a precipitação e a impaciência nada resolvem. Et doctrina [e empenho de instruir] — gritamos muito contra certos abusos. Mas, talvez, não ensinamos e esclarecemos o suficiente. Nós mesmos achamos difícil obedecer sob ameaças e ofensas. Conseguiremos mais, procurando formar uma mentalidade esclarecida.

Fortiter in re [firmeza no trato] — é certo que não podemos cruzar os braços e condescender com o erro, ignorando-o. Mas, suaviter in modo [suavidade nos modos] — não são os nossos nervos, mas a prudência que nos deve indicar os meios de combater os abusos, sempre com paciência e doutrina. Os trovões e as tempestades não fazem germinar as sementes nem crescer as plantas. Uma chuvinha fina, de doutrina persistente, é o melhor que podemos fazer cair sobre a messe das almas.

17 DE ABRIL

Sine intermissione orate [orai sem cessar (1Ts 5,17)]

A um grupo de crianças, um sacerdote narrava os milagres de um santo quando uma delas, inocentemente, lhe perguntou: 'Padre, porque o senhor também não é um santo?' Essa pergunta impressionou o sacerdote que reconheceu depois: 'Não sou um santo porque não rezo'.

É São Bernardo quem nos mostra o resultado da oração: a) Mentem purificat [purifica o espírito] — os pensamentos se elevam, arejados; b) Regit affectus [rege as afeições]  — os sentimentos e afetos não ficam às soltas; c) dirigit actus [direciona as ações] — o nosso trabalho deixa de ser mera agitação; d) corrigit excessus [corrige os excessos] — porque os mostra e indica os meios de correção; e) componit mores [regula os costumes] — sobrenaturaliza a nossa vida; f) vitam honestat et ordinat [dá rumo e ordem à vida] — a união com Deus põe tudo no seu devido lugar.

Compreendemos São Tiago recomendando: Tristatur aliquis vestrum? Oret. Aequo animo est? Psallat. [Alguém dentre vós está triste? Re­ze! Está alegre? Cante. (Tg 5,13)]. Quantas vezes eu me perguntar: 'por que não sou um santo?', tantas vezes terei que responder, com minha consciência: 'Não sou um santo porque não levo uma vida de oração'. E se eu não rezo, não serei nunca o padre que sonhei ser um dia.

16 DE ABRIL

Vulpes foveas habent [as raposas têm as suas tocas (Mt 8,20)]

E o Mestre não teve sequer onde reclinar a cabeça. Ele não foi somente um homem pobre; foi, principalmente, um desapegado de tudo, mesmo do mais necessário. Alguém escreveu: Jesus é pobre, infinita e rigorosamente pobre. Príncipe da grande pobreza e Senhor da miséria perfeita. 

E Santo Afonso acrescenta: 'muitos gostariam de seguir a esse Pobre, contanto que nada lhe faltasse'. Não será esse o meu caso? Nosso Senhor não exige que eu viva como Ele, numa perfeita miséria. Permite que eu tenha o necessário; mas não pode permitir que eu me apegue a coisa alguma. Por causa desse apego, Ele foi vendido, um dia. E não será esse desejo de possuir o que o mundo oferece que mata, nas almas, o interesse pelo que é de Deus?

Quanto mais eu desejar deste mundo, tanto menos irei desejar a Nosso Senhor. Por experiência eu sei que, diante do conforto e bem estar, desaparecem o espírito de sacrifício, o zelo, os exercícios de piedade, o fervor. Pars haereditatis meae [minha parte de herança (Sl 15,5)] — ainda me interesso por ela? Primeiro o desapego de tudo; depois poderei apegar-me a esse Pobre, Senhor das riquezas infinitas: Da pauperibus, et veni, sequere me [dá aos pobres, vem e segue-me (Mt 19,21)].

15 DE ABRIL 

Vos, cum sitis mali... [vós, que sois maus (Mt 7,11)]

Meu Deus, eu devo ser mesmo um poço de maldade para estranhar tanto as provas da tua misericórdia infinita! Como os Mestres da Lei, eu me escandalizo, porque o teu amor ama os pecadores e a tua Providência os procura.

Como os Apóstolos que não te compreendiam, eu acho também que devias ter arrasado aquela cidade que não te quis receber. Teria sido uma lição para aquele povo. Como os fariseus, que te compreendiam ainda menos, acho também uma exibição absurda o que fez aquela pecadora que te lavou os pés, à hora daquele banquete.

Minha maldade não pode entender o teu amor; por isso não se conforma com a tua misericórdia, perdoando setenta vezes sete vezes... Sim, eu penso que és mau como eu sou. Por isso tenho tanto medo de Ti e fico, de longe, medindo o oceano das tuas misericórdias, com a medida curta de uma grande mesquinhez. E não me lembro que a maior prova da tua paciência e do teu amor sou eu mesmo, com toda a minha miséria.

14 DE ABRIL 

Misereor super turbam [tenho compaixão desse povo (Mc 8,2)]

Se Nosso Senhor quisesse dar a sua opinião a respeito de certas pregações e panegíricos, Ele teria que repetir a sua palavra: 'Tenho pena deste povo!' A um homem, religioso e simples, que saía da igreja, após a pregação de um famoso orador sacro, alguém perguntou: 'Que tal o pregador?' — 'Ele falou de tudo; mas não falou de Deus'. Uma palavra que vale por uma acusação.

Diante de certos pregadores, muitas vezes, somos obrigados a lamentar como Jeremias: Petierunt panem, et non erat qui frangeret eis [as crianças pedem pão e não há quem o reparta (Lm 4,4)]. Não é certamente com flores que se mata a fome a um indigente. As almas não nos pedem flores nem doces. Elas querem o pão que Nosso Senhor lhes deu; e tem direito de no-lo pedir. Elas querem uma palavra somente; mas uma palavra que esteja cheia de Deus, porque, de outra coisa, elas não se alimentam.

Para os alardes de ciência, vale a pergunta do Apóstolo: Et peribit infirmus in tua scientia, propter quem Christus mortuus est? [e vai se perder pela tua ciência o fraco, por quem Cristo morreu? (1 Co 8, 11]. E para a falta de estudo, para a falta de preparação, a dolorosa afirmação do mesmo São Paulo: Ignorantiam Dei quidam habent... [alguns vivem na ignorância de Deus... (1Co 15,34)].

13 DE ABRIL

Si secundum carmem vixeritis... [se viverdes segundo a carne (Rm 8,13)]

Lamentando a falta de fervor do clero de seu tempo, São Bernardo observou: Producitur somnus, producitur mensa, producuntur recreationes et lusus; solius Supremae Maiestatis cultus, summa qua potest celeritate, deproperatur [prolongam o sono e o tempo gasto à mesa, postergam as recreações e os passatempos; mas apressam o culto à Suprema Majestade o máximo que podem apressar].

Não estará, nessas palavras, um retrato da minha vida? Queixo-me frequentemente do excesso de trabalho e da consequente falta de tempo. Mas, poderei dizer que não tenho tempo para o meu repouso, para as minhas leituras, para as minhas distrações, passeios e visitas? Est modus in rebus [há uma medida (limite) das coisas]— e até no meu trabalho devo ter medida. O que não está certo, porém, é que eu dê todo o meu tempo ao trabalho e ao descanso, descuidando com isso da minha vida interior.

Nesse caso, um horário firme deverá diminuir um pouco a minha atividade e o repouso, para que minha alma também tenha a sua vez... de ser atendida. Pio XII tinha o mundo todo nas suas preocupações, e era homem da oração porque, se os cuidados andavam com ele, ele andava sempre com Deus. Que eu saiba dar o tempo necessário ao Deus das minhas obras e, certamente, não ficarão prejudicadas as obras do meu Deus.

12 DE ABRIL

Benedicam Dominum omni tempore [bendirei por todo o tempo o Senhor (Sl 33,2)]

Diz o Apóstolo que o sacerdote é o Homo Dei [homem de Deus], isto é, o homem que vive continuamente com Deus. Não é o homem que reza de vez em quando, em determinadas horas do dia, mas é aquele que vive rezando, porque a oração é a sua vida.

Ubicumque fueris, intra temetipsum ora [onde quer que estejas, reze consigo mesmo] — é o conselho que nos dá São Bernardo. Interrompido o contato entre a nossa alma e Deus, faltará vida sobrenatural à nossa vida humana. Aos olhos da dissipação do mundo, nada mais edificante que o sacerdote, transformado numa oração viva e contínua. Certamente não haverá pregação que penetre tanto as almas: 'Como prega bem Frei Exemplo! Não precisa alvoroçar o templo'...

Em contínuo contato com Deus, o sacerdote se transforma no Homem de Deus. Em todo o seu modo de pensar e de agir, haverá sempre um reflexo do mundo sobrenatural em que ele vive. Diante dele, as almas sentir-se-ão diante de Nosso Senhor. Dessa pregação, nenhum sacerdote poderá se dispensar. Muda, indireta, é a pregação de todo momento, que pode estar em toda parte. Qual uma chuva mansa e silenciosa, ela penetra as almas, impressiona a todos, sem necessidade de raios nem trovões. Vivus est enim sermo Dei, et efficax, et penetrabilior omni gladio ancipiti [porque a Palavra de Deus é viva e eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes (Hb 4,12)]

11 DE ABRIL

Fiat voluntas tua [seja feita a Vossa Vontade (Mt 6,10)]

No seu inspirado 'Hino da Conformidade', Santo Afonso conta: 'Ó vontade de meu Deus, como és digna de amor! Se nem sempre a sabemos amar, é porque nem sempre a reconhecemos. Porque a nossa vontade quer reinar soberana em nossa vida, a Vontade divina lhe parece uma força inimiga, invadindo os seus domínios. Com isso não nos conformamos.

Fiat voluntas tua [seja feita a Vossa Vontade] — é o que diariamente dizemos a Nosso Senhor, olhando-o sobre o altar, como Vítima. É a hora em que Ele nos aparece como perfeita expressão da conformidade às exigências da Justiça divina. Essa conformidade fez Nosso Senhor suar sangue no Jardim das Oliveiras. Tanto, certamente, Ele ainda não exigiu de nós. Mas, porque viu em tudo a Vontade do Pai, Nosso Senhor não desfaleceu, aceitou tudo, e foi para o Calvário.

Que será de nossa vida, se não soubermos ver em tudo a Vontade de Deus? Iremos semear o nosso caminho com queixas e reclamações, perdendo o respeito aos deveres e obrigações que enchem o nosso dia de trabalho. Realizar o mínimo, e isso porque não há outro remédio, não é digno de um filho de Deus, nem de um amigo de Nosso Senhor. Delectabor in mandatis tuis, quae diligo [deleitar-me em vossos mandamentos, que eu amo (Sl 118, 47)].

10 DE ABRIL 

Et mirabantur, quia cum muliere loquebatur [e maravilharam-se de que estivesse falando com uma mulher (Jo 4,27)]

Certamente porque não era esse um costume do Mestre. Também nesse ponto, Ele quis chamar a nossa atenção para a vigilância e prudência. Não podemos dizer que a mulher seja sempre, para o homem, um desvio no caminho da virtude. Mas também não podemos ignorar a força tremenda que o chamado sexo frágil exerce sobre o homem. 

Diz um autor que, no Paraíso, a mulher parece ter adquirido uma extraordinária força para impressionar, para convencer e seduzir. Reconhecendo-se mais fraca que o homem, ela não se manifesta, não se revela tanto como ele; é mais inclinada à falsidade. E o demônio sabe muito bem isto. Interessado em perder as almas, ele sabe usar da mulher para os seus planos. Já no Paraíso, não tentou diretamente ao homem. Tentou primeiro a mulher. E a experiência lhe deu resultado. Desde então, a mulher ficou sendo o instrumento cem por cento da sua confiança.

Não precisamos ver o demônio onde ele não está. Mas não podemos ignorar onde ele possa estar. Até certo ponto é verdadeira a observação do Cardeal Bona: 'a mulher conserva sempre o seu costume de expulsar o homem do Paraíso...'

09 DE ABRIL 

Lazare, veni foras [Lázaro, vem para fora! (Jo 11,43)]

O sacerdote é, como Lázaro, o amigo particular, o confidente de Nosso Senhor. É nas mãos do sacerdote que Nosso Senhor coloca o tesouro das suas graças, a chave da sua misericórdia, a riqueza da sua doutrina. Domine, ecce quem amas [Senhor, aquele que Vós amais (Jo 11,3)] — o sacerdote é simplesmente aquele que Nosso Senhor ama com verdadeira predileção, a ele se entregando numa prova de absoluta confiança.

Quando um sacerdote abandona o seu Mestre e Amigo, renunciando ao fervor ou à própria vocação, só mesmo um milagre da infinita Misericórdia para arrancar esse infeliz do túmulo em que se encerrou. O Bom Pastor não se nega a procurar a ovelha desgarrada: Vado ut excitem illum... [vou despertá-lo...]

É preciso que Nosso Senhor derrame as lágrimas da sua misericórdia e do seu amor: Et lacrymatus est Jesus [Jesus pôs-se a chorar (Jo 11, 35)]. Nem é para menos, porque corruptio optimi pessima [a corrupção dos melhores é a pior] — a ponto de arrancar lágrimas a Nosso Senhor. Por isso, diante do sacerdote vítima da tibieza ou do pecado, é preciso que Ele mande e grite com toda a insistência do seu amor: voce magna clamavit... [exclamou em alta voz...], num último e supremo esforço da sua misericórdia: Lazare, veni foras! [Lázaro, vem para fora! (Jo 11,43)]. E, apesar de tudo, às vezes, o milagre não se realiza...

08 DE ABRIL 

Non est Regnum Dei esca et potus [o Reino de Deus não é comida e nem bebida (Rm 14,17)]

Meu Deus, preciso compreender bem esta palavra do teu Apóstolo. E não a posso esquecer no meu apostolado, porque ela me mostra o espírito com que o Apóstolo via o teu Reino nas almas. Se eu não posso desprezar as coisas que me parecem insignificantes, também não posso transformar a minha vida numa nuvem de pó, cheia de agitação e de escrúpulos.

Ouço que me mandas por as mãos ao arado. E eu não posso perder tempo, a verificar se esse arado é leve ou pesado, se a sua lâmina corta ou não. O que me pedes é o meu trabalho. Queres que eu lance as redes ao mar. E eu não posso dizer que esperes e que as almas esperem também, até que eu estude, na retórica, a finura do meu gesto de pescador.

Tu queres as almas e com urgência. Por isso não posso ficar debruçado sobre os meus livros, a estudar a matemática dos meios, nem a escrupulosa perfeição dos meus planos de apostolado. Não posso protelar o meu trabalho, a estudar continuamente o modo como irei realizar o que me pedes. Que eu seja prudente, sim, não desprezando o estudo e a ponderação no meu apostolado. Mas que eu não ignore nunca a eficácia da tua Graça sobre tudo o mais.

07 DE ABRIL

Excidetur, et in ignem mittetur [cortada (a árvore) e lançada ao fogo (Lc 3,9)]

Será esse o fim da árvore que não dá bons frutos. Se a árvore da minha vida não está dando maus frutos, posso dizer que, com isso, ela já está sendo o que Deus quer? Não fazer o mal é certamente alguma coisa; mas não devo pensar que isso basta. Deus não me chamou às alturas do sacerdócio, para eu ser apenas uma boa árvore... de sombra. 

Uma figueira estéril não interessa a Nosso Senhor. O que Deus quer e espera de mim são os frutos de vida eterna. Por isso tenho que me preocupar com os frutos das boas obras que eu devo recolher aos celeiros de meu Pai. Pater meus agricola est [meu Pai é o agricultor (Jo 15,1)]. Um dia o Mestre estranhou a indolência de um grupo de trabalhadores, entregues à ociosidade: Quid statis tota die otiosi? [que fazeis ociosos todo o dia?]. E eles não estavam fazendo o mal. Faltava-lhes no entanto fazer o bem: Ite et vos in vineam meam [ide também vós à minha vinha].

Preciso pensar que, por omissão, também se peca. Se as circunstâncias não me permitem o trabalho direto na santificação das almas, indiretamente eu poderei fazer muito. E desse trabalho não me posso dispensar. Em plena luta de vida ou de morte para as almas, lamentar o mal não é tudo o que eu devo fazer.

06 DE ABRIL

Omnia arbitror ut stercora [tudo (do mundo) considero como esterco (Fl 3,8)]

Não devo estranhar que os mundanos amem tanto o mundo em que vivem. Nem posso admirar que eles se apeguem, com todas as forças, ao pó da terra. O que existe para eles é isso; não conhecem outra coisa. O que eu devo estranhar, sim, é que eu não me apegue tanto a Nosso Senhor como a minha vocação exige. 

Quando alguém não conhece o sobrenatural, o eterno, só pode amar o temporal, interessando-se pelo nada que tem nas mãos. O próprio São Paulo confessa que, antes de conhecer a Nosso Senhor, bem apegado andou à miséria deste mundo: Quae mihi fuerunt lucra... [o que para mim era lucro...]. Não me basta, portanto, conhecer o pouco ou nenhum valor deste mundo. Não me basta censurar o exagerado apego com que os mundanos se agarram ao pó da terra. Não me basta clamar contra essa verdadeira idolatria que eles praticam, diante do dinheiro, do luxo e do prazer. 

O que eu preciso é conhecer, sempre mais, a riqueza infinita de Nosso Senhor in quo sunt omnes thesauri sapientiae [na qual estão todos os tesouros da sabedoria (Cl 2, 3)]. Quanto mais eu conhecer essa riqueza, tanto menos irei pensar em outra coisa. Preciso conhecer, para depois repartir com as almas, Aquele de cujus plenitudine omnes accepimus [de quem a plenitude todos recebemos].

05 DE ABRIL 

Nolite diligere mundum! [não ameis o mundo! (1Jo 2,15)]

E como ter amor a este mundo se ele não me pertence e nem eu lhe posso pertencer? Por mais que eu amasse a este mundo, ele nunca poderia ser meu, porque estou por aqui de passagem. Por alguns anos... ou por alguns dias... não sei; o certo é que, a qualquer momento, eu poderei sair deste mundo.

Nesse caso, o que me deve interessar é a Casa de meu Pai, que me espera na eternidade. É para lá que eu devo ir pobre de tudo, porque lá eu terei muito mais. Essa casa é a minha herança, a infinita riqueza que meu Pai me preparou. Não a posso perder de vista, preocupando-me com este mundo e apegando-me a coisas que não poderei levar comigo.

In domo Patris mei [na casa do meu Pai] — sim, lá eu não serei um estranho; serei de casa, membro da família, com direitos adquiridos por toda a eternidade. Cum sanctis tuis, in aeternum [com os teus santos, pela eternidade] — embora muito indignamente, irei ocupar o meu lugar no Laus [glória, louvor] perene dos meus irmãos. E, eternamente dono de uma riqueza infinita, eu irei agradecer ao meu Pai a casa que Ele me preparou: In conspectu angelorum psallam Tibi, Deus meus! [Louvar-Vos-ei, Deus meu, em presença de vossos anjos!].

04 DE ABRIL 

Nescitis quid petatis [não sabeis o que pedis (Mt 20,22)]

O meu orgulho e o meu mau humor nunca viram com bons olhos aquela mater filiorum Zebedaei, cum filiis suis, petens aliquid ab eo [a mãe dos filhos de Zebedeu, com seus filhos, para lhe fazer uma súplica]. Demasiada pretensão, a daquela mulher, pedindo nada menos que os primeiros lugares do Reino, para seus dois filhos. Ambição exagerada, que não via a desvantagem para os outros, que também eram discípulos do Mestre.

No entanto, preciso agradecer a essa mulher simples e ignorante. Seu gesto de inocente pretensão me mostrou como Nosso Senhor é bom e humano. Minha vaidade não teria dado atenção àquela pobre mãe, que se preocupava com seus filhos e Nosso Senhor a atendeu. Meu comodismo não a teria ouvido e Nosso Senhor a ouviu pacientemente. Meu orgulho não a teria desculpado e Nosso Senhor a desculpou diante dos discípulos.

Eu, que não tenho humildade para pedir, que não tenho inocência para me aproximar de Deus... eu, que sempre me coloco de cima, como se não precisasse rezar, ouço o pedido daquela mulher, para dizer que era uma pretensão ingênua, ridícula. Mas, na sua encantadora simplicidade, a mãe dos dois discípulos me diz que a minha vaidade é bem mais ridícula e que o meu orgulho é bem mais desprezível diante de Deus.

03 DE ABRIL 

Erit Fletus et stridor dentium [(ali) haverá choro e ranger de dentes (Mt 8,12)]

Quase não compreendo essas palavras naqueles lábios divinos que tantas vezes se abriram, para consolar e perdoar. O Pai das misericórdias e Deus de toda consolação, falando-me de um suplício eterno, em termos bem claros e severos. Mas tenho que agradecer a sua misericórdia que não me escondeu essa verdade. Se Ele a repetiu tantas vezes, é porque eu a devo meditar não apenas uma vez. 

Suas ameaças foram pronunciadas com o mesmo amor com que pronunciou as suas palavras de perdão. Ele me avisou para não ter que me castigar. Certamente que o inferno não foi criado para aqueles que o temem, mas para aqueles que o querem ignorar. Ele existe para a má vontade. Mas eu também o devo temer, pois a experiência me diz que não posso confiar muito na minha vontade. Acaso ela também não foi ferida pelo pecado?

Nos insensati... erravimus a via veritatis; ambulavimus vias difficiles, viam autem Dei ignoravimus [nos enganamos... nos desviamos do caminho da verdade; andamos por caminhos difíceis e ignoramos o caminho de Deus]. Quantos não tiveram de reconhecer isto já à hora da morte! Quid nobis profuit superbia?... aut divitiarum iactantia? Transierunt omnia illa tamquam umbra. Talia dixerunt in inferno hi qui peccaverunt [o que ganhamos com o nosso orgulho? ... a riqueza mais a arrogância? ... tudo isso desapareceu como sombra. São tais coisas que os pecadores dizem no inferno (Sb 5,8.9.14)].

02 DE ABRIL

Totus in maligno est [todo (o mundo) sob o maligno (1Jo 5,9)]

Já em seu tempo, São João não se enganava a respeito do mundo: in maligno est [sob o julgo do maligno]. Se assim era, assim continua sendo. E é nesse mundo que eu devo trabalhar, é nesse mundo que eu devo viver, como um estranho, que ninguém compreende. Tenho que conservar a humildade, afogada entre os arranha-céus do orgulho que a despreza.

Tenho que ser pobre, desapegado e simples, em meio ao luxo que zomba do meu desprendimento. Tenho que guardar a inocência, qual uma flor em meio ao pântano da malícia e sensualidade que me rodeia. Tenho que me sacrificar no trabalho pelos outros, quando todos buscam o conforto e se afogam no prazer. Tenho que voltar meus olhos para o alto, quando todos me ensinam e tudo me obriga a buscar o pó da terra. E tenho que guardar acesa a luz da minha fé, quando todas as tempestades se arrojam sobre ela...

Deus me colocou tão alto!... para me ver lutando neste mundo tão baixo! Senhor, em meio a tanta negação, aumenta a minha resistência e a minha força na Fé! Haec est victoria quae vincit mundum: Fides vestra [Eis a vitória que vence o mundo: a vossa fé].

10 DE ABRIL 

Dominus operam eius desiderat [O Senhor precisa dele (Lc 19,31)]

Os discípulos deram apenas uma explicação: O Mestre queria o jumentinho para a sua entrada triunfal em Jerusalém. Queria — e isso era tudo. Nosso Senhor quis viver de esmolas; e muitas vezes Ele teve que pedir favores. Um pobre homem que nada tinha, nada podia. Mas, quando disse, Duc in altum [avança para o Alto; mar adentro] — Veni, sequere me [vem, segue-me] — ou Laxate retia vestra [lançai as vossas redes] — eram ordens que Ele estava dando, e queria ser obedecido.

Se hoje ainda Ele me repete aquele: Ite et vos in vineam meam [Ide vós também para a minha vinha], Ele não está me perguntando se posso ou se não posso, se tenho qualidades ou se não tenho forças. Ele quer a minha obediência pronta e generosa. Quer o meu trabalho, no conjunto da sua glória infinita. E eu não posso ficar estudando as suas ordens ou analisando a sua vontade. Nem posso discutir os caminhos que a sua Providência quer trilhar.

O que tenho a fazer é aceitar o trabalho que Ele me impõe. Sem demora, tenho que por mãos à obra. E nem devo estranhar que Ele queira precisar da minha miséria para a sua glória. Naquele dia, em Jerusalém, Ele, aclamado em seu triunfo, não quis usar de um jumentinho?

31 DE MARÇO

Ager est mundus [o campo é o mundo (Mt 13,38)]

"Há um mundo corrupto e corruptor, porque impregnado do mal — in maligno positus [sob o julgo do maligno]. Este mundo foi condenado por Jesus — nunc judicium est mundi [agora é o juízo deste mundo (Jo 12,31)]. A este mundo vós não pertenceis e, por isso, ele vos odeia — quia de mundo non estis... propterea odit vos mundus [porque não sois do mundo, por isso o mundo vos odeia].  

Com este mundo não vos deveis misturar, e menos ainda, confundir. Não podeis entreter diálogos, descer a pactos ou procurar compromissos; seu príncipe é Satanás — princeps huius mundi [príncipe deste mundo] — e com Satanás não pode haver acordo. Há porém um outro mundo: o mundo que Deus amou: Sic Deus dilexit mundum [porque deus amou o mundo] — o mundo ao qual Jesus foi enviado, não para condená-lo, mas para salvá-lo: Non misit Deus Filium suum in mundum, ut iudicet mundum, sed ut salvetur mundus per ipsum [pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele (Jo 3, 17)] — neste mundo há rebentos que esperam ser cultivados; plantas que querem crescer e multiplicar-se; frutos a serem recolhidos. 

Há, sobretudo, um terreno à espera de ser semeado. Sulcos estão prontos, traçados e escavados em profundidade pelas desilusões sofridas, pelas lágrimas derramadas, pela intensa vontade de ver reflorescer a fé e frutificar a esperança. Quereríamos que não considerásseis os espinhos que existem aqui e ali, mas apenas o bom terreno, que não falta e está esperando, embora inconscientemente, uma farta sementeira” (Pio XII).

30 DE MARÇO 

Cum veneris in regnum tuum [quanto estiveres em teu reino (Lc 23,42)]

Senhor, eu sei que a tua misericórdia, infinita como é, não pode me esquecer. Ela me acompanha e me assiste, qual uma mãe que não abandona o seu filho. E, ainda que essa mãe fosse capaz de esquecer o filho de suas entranhas, o teu amor nunca seria capaz de me esquecer.

Aquele ladrão que agonizou e morreu ao teu lado, no Calvário, não era um dos teus amigos. Não viveu contigo, nem sequer te conhecia. E teve a coragem de pedir m lugar no teu Reino, que a tua misericórdia não teve coragem de lhe negar. Somente esse gesto da tua bondade bastaria para me mostrar que és realmente o Amor, a misericórdia, o perdão.

Senhor, eu te venho acompanhando há tantos anos... e Tu sabes que toda a poeira da minha imensa miséria não chegou a secar aquela gota de boa vontade que me deste. Confesso que, ao longo do meu caminho, há vestígios de muita infidelidade, sombras de muita negação. Mas, há também, e Tu o sabes, muito golpe de espada em tua defesa, e muito sacrifício vencido por teu amor. É por isso que, com a mesma coragem do Bom Ladrão, eu olho para o meu Redentor e, com a mesma confiança, eu lhe peço: Memento mei, Domine! [lembra-te de mim, Senhor!].

29 DE MARÇO 

Mihi mundus crucifixus est [o mundo está crucificado para mim (Gl 6,14)]

A crucificação era o ódio, a execração e a ignomínia que caíam sobre o condenado à cruz. Para o mundo, nós somos uns crucificados. Ele não nos entende e nem pode contar conosco. Por isso ele não nos quer e nos cobre como seu desprezo, ridicularizando o nosso modo de pensar. Si mundus vos odit [se o mundo vos odeia (Jo 15, 18)] — ele nos dá o que tem.

Mas que o mundo esteja também crucificado para nós. Positus in maligno [sob o julgo do maligno], ele só pode merecer o nosso desprezo, pela sua malícia e leviandade. Das suas vítimas, sim, nós nos compadecemos, e por elas, temos que fazer tudo; certamente merecem o nosso interesse, a nossa dedicação.

Dois crucificados — nada podem fazer um pelo outro. O mundo nada fará por nós; não lhe pedimos, nem esperamos por isso. Mas ele também nada exija de nós e nem espere a nossa condescendência para com a sua leviandade. De modo alguma nossa compaixão para com os que erram poderá se transformar em aprovação ou tolerância para com seus erros. Estamos e devemos estar crucificados para esse mundo mergulhado na malícia. Mortui sumus peccato; quomodo adhuc vivemus in illo? [se estamos mortos ao pecado, como poderemos ainda viver nele?]. Realmente seria um absurdo.


28 DE MARÇO

Religio pura et immaculata [religião pura e imaculada (Tg 1,27)]

São Tiago a define, dizendo: visitare pupillos et viduas in necessitatibus eorum [visitar os órfãos e as viúvas em suas necessidades]. Minha religião com Deus obriga-me a pensar nos filhos de Deus, interessando-me por eles. Tenho que sofrer com meus irmãos que sofrem, socorrendo-os, espiritual e também materialmente.

Dificilmente irá pensar no Reino dos Céus o homem que não tem o mais necessário neste mundo. Mas, acrescenta o Apóstolo: Et immaculatum se custodire ab hoc saeculo [e conservar-se sem mácula neste mundo]. Eu não tenho deveres somente para com meus semelhantes; eu os tenho, principalmente, para com meu Deus. E como irei pensar em Deus, se me deixar arrastar pelo espírito do mundo que o não conhece? Pater juste, mundus te non cognovit [Pai Justo, o mundo não te conheceu (Jo 17,25)]. 

Somente irei pensar que meus semelhantes são meus irmãos, se me lembrar que eu e eles temos o mesmo Pai, Aquele que está nos céus. Não posso, portanto, aceitar o contágio do mundo, sob pretexto de fazer caridade ao mundo. Impossível esquecer meu Deus, porque devo pensar nos meus irmãos. Caridade absurda, a de querer socorrer aos outros, com prejuízo da minha consciência. Tanto mais eficiente será minha caridade quanto mais livre eu estiver no mundo. Então, minha caridade estará cheia de Deus.

27 DE MARÇO

Spiritus postulat pro nobis [O Espírito intercede por nós (Rm 8,26)]

Enquanto eu trabalho, enquanto eu rezo ou me sacrifico pelas almas, no fundo da minha alma, Alguém reza por mim. É o Espírito Santo quem fala ao Pai em meu favor. Como? Gemitibus inenarrabilibus [com gemidos inefáveis] — diz o Apóstolo.

E quanto eu me afasto de Deus, quando falto aos meus deveres ou me entrego à dissipação, Ele continua rezando. O que Ele pede para mim, o que diz a meu respeito, eu não sei. Mas, qui scrutatur corda scit quid desideret Spiritus [aquele que perscruta os corações sabe o que deseja o Espírito (Rm 8, 27)].  Se o meu fervor precisa de Deus, muito mais a minha indiferença e 'e aquele que perscruta os corações sabe o que deseja o Espírito', a minha tibieza. Se eu pudesse penetrar esse mistério! A vida de Deus em mim; a ação do Espírito Santo em minha alma! Como posso esquecer uma verdade tão consoladora? 

O Espírito Santo vive em mim e me acompanha; Ele se preocupa, Ele se interessa pela minha santificação. Eu o recebi pelo batismo, pela confirmação, pelo sacerdócio; é em mim dulcis hospes animae [doce hóspede da alma]. E dele eu me lembro tão pouco! Se eu me interessasse mais pela sua presença em minha alma, se eu contasse mais com essa realidade, compreenderia a delicadeza do Apóstolo escrevendo: nolite contristare Spiritum Sanctum, in quo signati estis [não contristeis o Espírito Santo, com quem estais assinalado]. Preciso ter esse cuidado...

26 DE MARÇO 

Adversus insidias diaboli  [contra as ciladas do demônio (Ef 6,11)]

Para podermos enfrentar as ciladas do demônio, o conselho do Apóstolo é este: induite armaturam Dei [revesti-vos da armadura de Deus]. Fechar os olhos para não se ver o perigo é sempre uma imprudência muito grande. E infelizmente há os que procedem assim. Mas se examinarmos, com sinceridade, a nossa consciência, ela nos dirá que, em nossos caminhos, há realmente ciladas e não poucas: Satanas expetivit vos ut cribraret sicut triticum [satanás vos postulou para vos peneirar como trigo]. Nosso Senhor certamente não exagerou. 

Pecando com facilidade, alguém chega ao ponto de não ver mais o perigo. É que as faltas continuadas criam o hábito do pecado e este se encarrega de justificar tudo. Compreende-se então essa lamentável leviandade com que são aceitas, e até procuradas, certas ocasiões perigosas. Somente uma piedade sólida, alimentada pela oração e vigilância, nos dará essa armatura Dei [armadura de Deus] que São Paulo nos manda vestir. 

Um Apóstolo achou que, à força dos inimigos, podia opor-se pela força da sua espada e esta nada mais fez do que cortar a orelha de um criado. Logo depois, a língua de uma mulher bastou para fazê-lo negar o seu Mestre, aquele que antes só falava de morrer com Ele. Eis aí uma advertência pesada para nós.

25 DE MARÇO

Ecce ancilla Domini [eis a serva do Senhor (Lc 1,38)]

Ela nunca teria esperado ver diante de si um Anjo, saudando-a com aquelas palavras: Ave, gratia plena! [Salve cheia de graça!]. E, menos ainda, teria imaginado para si a maternidade divina. Que momento aquele na vida de Nossa Senhora. Começava a ser Mãe do seu Criador, continuando uma simples criatura. 

E o momento mais sublime da sua vida foi, por excelência, a hora da sua humildade. Como se não quisesse penetrar todo o significado daquela saudação, preferiu apegar-se à ideia que sempre fizera de si mesma: ecce ancilla Domini [eis a serva do Senhor] — o Anjo a diz 'Mãe do Senhor' e ela se diz apenas 'escrava'. Naquele momento, Nossa Senhora compreendeu a sua missão; Deus a queria nos seus planos de redenção do mundo. E ela nada mais poderia querer, senão servir; estava pronta para cooperar: sou a sua serva, cumpra-se a sua vontade! 

A ideia que eu faço de mim mesmo é ditada pela humildade? Meus pensamentos, palavras e atitudes não trazem sempre a cor da vaidade e do orgulho? Se eu vivo preocupado com aparecer, é natural que a humildade não tenha, em minha vida, o seu momento. Acho que ela poderia me rebaixar... O non ministrari, sed ministrare [não para ser servido, mas para servir] deve valer para mim também.


24 DE MARÇO 

Et stupebant super doctrina eius [maravilham-se com a sua doutrina (Mc 1,22)]

Não era para menos. Ele não tinha outra doutrina senão a Verdade simples e límpida, que sempre atrai aqueles que a não conhecem. Ele não falava para agradar, mas para convencer. 

A nossa palavra, às vezes, não chega a penetrar as almas, não toca nas consciências, não produz resultado. Por que? A distância do ouvido ao coração é muito grande. Somente a palavra cheia de Deus a pode percorrer. Às vezes não damos ao povo a Palavra que Nosso Senhor nos deu: simples, cheia de zelo, de mansidão e, principalmente, de doutrina. Oferecemos a palavra dos homens, muito estudada, e até enfeitada, mas vazia de Deus, e até de nós mesmos porque a não vivemos. Essa palavra não vai do ouvido ao coração; falta-lhe a força. 

As almas não se deixam impressionar pela vaidade, mas pela verdade. E esta, não a podemos improvisar, embora possamos contar com os recursos de uma exuberante retórica. Antes de ser ensinada, a Verdade precisa ser vivida, para ter força de penetração. As almas não se interessam pela água de uma palavra eloquente, caprichada, mas vazia. Elas querem é a Verdade: ad eum vinum non habent [eles já não têm vinho (Jo 2, 3] — numa palavra, cheia da vida que Nosso Senhor lhe deu.

23 DE MARÇO

Lux venit mundum [a luz veio ao mundo (Jo 3,18)]

O que ninguém poderia esperar: a Luz eterna, infinita, fez-se homem. Descendit de caelis [descido do Céu] — veio ao mundo, para viver conosco et habitavit in nobis [e habitar entre nós]. No entanto... dilexerunt homines magis tenebras quam lucem [os homens amaram mais as trevas que a luz (Jo 3, 19)] e isto não se podia também esperar. Mas São João explica: erant enim eorum mala opera [pois suas obras eram más (Jo 3, 19)]. As más obras não podiam mesmo tolerar a Luz, e preferiram as trevas.

Na meditação, no exame de consciência, continua descendo sobre mim essa Luz eterna. Mas eu tenho sempre um certo medo de estar a sós com Deus e de falar com minha consciência. Porque será? Diante de Deus, eu teria de constatar as minhas faltas e a consciência me iria repreender. No recolhimento e na oração, eu teria que tomar certas resoluções, que seriam a morte de algumas ou de muitas faltas que eu não quero renunciar. Prefiro assim, não me achegar muito à Luz... 

Com Deus, eu não posso viver às escuras. Ele é a Luz que tudo penetra e devassa em minha vida. Preciso viver em dia com Nosso Senhor e estarei em paz com minha consciência. Que queira sinceramente acabar com certas faltas e evitar certas ocasiões e não precisarei ter tanto medo da oração e nem do exame de consciência.

22 DE MARÇO 

Consepulti cum illo per baptismum [sepultados com Ele pelo batismo (Rm 6,4)]

Aí está a nossa vocação batismal: Viver com Cristo, sepultados na Graça, ut destruatur corpus peccati, et ultra non serviamus peccato [para que o corpo do pecado seja destruído e para que não sejamos escravos do pecado (Rm 6, 6)].

Se pelo batismo já fomos sepultados com Nosso Senhor, quanto mais pelo sacerdócio! Desse vetus homo [homem velho] que o batismo sepultou, nasce um homem novo, com novo espírito — christianus [cristão]  — o qual, elevado pelo sacerdócio, é transformado num alter Christus [outro Cristo]Compreendamos porque tendo afirmado um dia: Lux sum mundi [sou a Luz do mundo], Nosso Senhor afirmou o mesmo a respeito dos seus discípulos: Vos estis lux mundi [vós sois a Luz do mundo]. 

Temos que ser, aos olhos do mundo, uma continuação viva de Nosso Senhor. A diferença que o hábito clerical nos imprime, diante de todos, é uma diferença apenas exterior, com a qual não nos podemos contentar. O que os deve distinguir é a vida sobrenatural que devemos viver: Ut quomodo Christus surrexit a mortuis, ita et nos in novitate vitae ambulemus [como Cristo ressurgiu dos mortos pela glória do Pai, assim nós também vivamos uma vida nova (Rm 6, 4)]. Essa a consequência do batismo e do sacerdócio. Se não realizarmos essa transformação interior, tudo o mais será inútil para que as almas vejam em nós a luz do mundo. Elas sabem distinguir bem a realidade e o artifício e não ignoram que um simples hábito clerical não basta para fazer um sacerdote.

21 DE MARÇO 

Sperant ut peccent [esperam confiantes para poder pecar (Santo Agostinho)]

O Santo Doutor se refere àqueles que não se resolvem a romper com o pecado. Confiam na bondade divina e fazem a paciência de Deus esperar, enquanto continuam pecando. Dinumerari non possunt quantos haec inanis spei umbra deceperit [ó quantos não são enganados por essa vã esperança]. Realmente, esta é uma esperança falsa.

Nosso Senhor já nos falou daquele homem que, tendo uma dívida a pagar, pediu humildemente: Patientiam habe in me, et omnia reddam tibi [tem paciência comigo e eu te restituirei tudo]. Logo depois estava aumentando a sua culpa... Quantas vezes não lamentamos, diante de Deus, esta ou aquela queda! Se Deus nos dissesse que é a última vez, tomaríamos mais cuidado. Mas, porque contamos com a sua paciência infinita, saímos da sua presença para novos pecados. Se Deus nos chamou, ante mundi constitutionem [antes da criação do mundo], não foi certamente para ficar à nossa espera.

O Bom Ladrão não pediu a Nosso Senhor que o livrasse da morte para converter-se depois. Mas converteu-se na hora em que a Graça o tocou. Certamente a paciência de Deus não tem limites, contanto que ponhamos um limite à nossa tibieza. Por isso Ele já nos avisou, e tantas vezes, que poderá chegar de surpresa, para um ajuste definitivo das contas...

20 DE MARÇO 

Sub umbra alarum tuarum [sob a sombra de tuas asas (Sl 16,8)]

Santo Inácio costumava dizer: 'Nada de grande fará para Deus aquele que teme exageradamente os homens'. Um dia, São José teve que empreender uma fuga para o Egito. Sem conhecimento algum da região, por estradas desertas, ele saiu para iniciar a vida numa terra completamente estranha. Acompanhado de uma mulher e de uma criança, era um pobre homem perseguido por um exército. Mas, confiando em Deus, entregou-se à Providência; obedeceu, e salvou a vida do Redentor. Enquanto isso, fracassaram todos os planos de um rei que dispunha de todos os meios para realizar o seu intento. A velha história de Davi, enfrentando Golias...

De que meios dispomos para as lutas do nosso apostolado? Somos uma simples gota de fé, lutando para sobreviver num oceano de paganismo. O mundo tem tudo para perder as almas. Jogando com o dinheiro e com a sensualidade, sua força de atração é simplesmente irresistível. 

Nós, como atração, apresentamos uma cruz e, quando muito, uma promessa. Humanamente seria para desanimar. No entanto, omnia possum in eo qui me confortat [tudo posso naquele que me fortalece (Fl 4,13)]. Nossa força não repousa nos meios humanos, mas na palavra do Mestre: Ego vici mundum [Eu venci o mundo].

19 DE MARÇO 

Cum esset iustus [porque era (homem) justo (de bem) (Mt 1,19)]

Com isso, o Evangelista nos diz que São José era bem o Homo Dei, Homem de Deus, como nenhum outro. Para viver ao lado da santidade infinita, Ele foi o Santo, o Justo, que trabalhou para Nosso Senhor até à morte. Que modelo para nós!

Em certo modo, a nossa missão é muito superior a de São José. Mas a nossa virtude estará também à altura dessa dignidade a que Deus nos elevou? Se a santidade não está exigindo que todos os dias apresentemos grandiosas realizações, ela exige, no entanto, que ponhamos, cada vez mais, amor e dedicação em tudo o que fazemos. Somente a caridade poderá impedir que a nossa vida seja um fracasso.

Para realizar menos do que nós, São José foi o Santo, o Justo. E nós? Alimentamos realmente um desejo firme, sincero, dessa santidade sacerdotal que nos devem distinguir? Certamente nunca seremos dignos da grandeza a que fomos elevados; mas nem por isso nos iremos dar por satisfeitos, com a pouca virtude que já alcançamos. Se quisermos progredir, há muito ainda por fazer nesse campo de nossa vida interior. Cum esset iustus [porque era (homem) justo] — aí está toda a biografia de um santo. Oxalá essa palavra possa resumir também a nossa vida!

18 DE MARÇO 

Si fidem quis dicat se habere opera [se alguém diz ter fé mas não tem obras (Tg 2,14)]

O Apóstolo já estranhava a fé sem as obras e perguntava: Quid proderit? [qual é o benefício (disso)?]. É uma fé morta, que nada realiza. Nós também estranhamos, na vida de outros, essa fé que se resume em determinadas exterioridades. Muitos há que têm fé, sem religião; mas há também os que dizem ter religião e não têm fé, porque não a vivem.

Podemos dizer que a nossa vida esteja sendo realmente uma consequência das verdades que cremos? É o resultado de uma fé viva? A vida eterna, a presença de Deus, a malícia do pecado, a necessidade da oração, enfim, as verdades que eu creio, talvez estejam mais nas minhas palavras, que na vida que eu levo. Minhas orações não caíram na rotina? E minha atividade não estará sendo fruto, não do zelo, mas de uma natureza irrequieta ou de uma vaidade mal controlada?

In fide vivo Filii Dei [vivo na fé do Filho de Deus] — por isso, o Apóstolo foi capaz de realizar tanto para Deus e para as almas; soube ser o justo que vive realmente da fé. E eu, que procuro reavivar a fé em outras almas, porque não faço o mesmo em minha alma? Que não seja para mim a admiração de São Gregório: En haec credidisti, et tamem sic vixisti? [Nas coisas crestes, mas foi deste modo que vivestes?].

17 DE MARÇO 

Tu non poteris quod isti et istae? [Tu não podes fazer o que outros fizeram? (Santo Agostinho)]

Frequentemente acontece que não realizamos em nossa alma o que conseguimos realizar nas almas. Não raro uma simples palavra nossa é suficiente para despertar, em outros, o arrependimento e bons propósitos. Chegamos mesmo a operar verdadeiras conversões; mas, impressionando a outros, nem sempre conseguimos impressionar a nós mesmos.

Quanto não nos falam o Breviário, a Santa Missa, os Sacramentos, as Verdades que pregamos! E que impressão nos fazem? Levam-nos realmente a uma vida mais fervorosa? É que nos falta a vontade séria de melhorar. Falta-nos a energia necessária para colocarmos a virtude no lugar ocupado por determinadas faltas. Fazemos o papel daquele rapaz do Evangelho, o qual, com um simples bom desejo, pensava poder ganhar o Reino dos Céus. O que outros conseguiram, nós também poderíamos realizar, se resolvêssemos querer isso com toda a sinceridade. 

Duc in altum [avança para o Alto*] — que Deus nos livre dessa praia que é a mediocridade. Ele nos quer lutando, no mar alto, pois já nos avisou que simples desejos não abrem as portas do seu Reino. É preciso muito mais. Que o digam os santos!

* nas palavras de Cristo no Evangelho: avança mar adentro, rema para águas mais profundas, busca sempre e em tudo as coisas de Deus.

16 DE MARÇO 

Veni, Domine Jesu! [Vinde, Senhor Jesus!(Ap 22,20)]

Era assim que o teu Apóstolo rezava. Na sua inocência e no seu amor, ele suspirava pela tua presença, e te pedia com sinceridade: Veni, Domine! [Vinde, Senhor!]. Mas eu, Senhor, preciso de um médico, porque o pecado me assaltou nos meus caminhos e, precisando de uma força para manter a minha fraqueza, de uma luz para iluminar a escuridão em que vivo e precisando de um amigo e de um pai, não chego a pedir a tua presença, nem me interesso pela tua vinda.

É que eu tenho medo de contrariar aqueles que se apossaram de mim, tomando conta de minha vida. O orgulho, a leviandade, o comodismo, o apego, a dissipação, não iriam concordar com a tua presença. Não serias somente um incômodo para eles, mas a própria morte. À tua chegada, alguma ou muita coisa teria que morrer em mim; a minha indecisão e a minha covardia não se conformam com isso.

Senhor, Tu sabes que, apesar de tudo, eu desejo a tua presença em minha vida. Ainda que eu não o diga, por medo, atende o desejo de minha alma que te pede: Veni, noli tardare! [Vinde, não tardeis!].

15 DE MARÇO 

Omnipotentes facit omnes qui in se sperant [(Ele) torna todo-poderosos aqueles que nEle esperam (São Bernardo)]

Foi Nosso Senhor mesmo quem garantiu a onipotência para aquele que crê e confia: Omnia possibilia sunt credenti [tudo é possível para aquele que crê]. Se os santos realizaram milagres, isto é, o impossível, foi porque puderam dispor da onipotência divina, pela fé e confiança em Deus.

Em meio ao nosso apostolado, muita coisa há que deve ser realizada, mas que nos parece impossível. Como transformar para o bem um mundo positus in maligno [sob o julgo do maligno]? Como santificar as almas que vivem nesse mundo, ouvindo, vendo e respirando o mal continuamente? Se a fé puser em nossas mãos a força de Deus, tudo será possível.

O apostolado que Nosso Senhor indicou aos seus discípulos, humanamente falando, era um absurdo. No entanto, a fé e a confiança no Mestre realizaram o impossível: Confidite, ego vici mundum! [Tende confiança, Eu venci o mundo!]. Eles confiaram, e venceram também. Se quisermos trabalhar, contando com as nossas forças e ignorando a força de Deus, perderemos o nosso tempo. Com ele, porém, a nossa fraqueza realizará maravilhas e o nosso trabalho fará milagres.

14 DE MARÇO 

Pacem meam do vobis [dou-vos a minha paz (Jo 14,27)]

A paz de Nosso Senhor era a serenidade imperturbável de quem sabia ter cumprido sua missão: Ego te clarificavi [eu te glorifiquei]. A paz de Deus supõe a paz da consciência. E esta precisa estar viva, em liberdade, pois a paz de uma consciência amordaçada ou morta pelo pecado é a paz do sepulcro; e esta certamente não é a paz de Nosso Senhor.

Non turbetur cor vestrum [não se perturbe vosso coração] — era o que o Mestre aconselhava aos discípulos que, logo mais, o iriam abandonar. Mas seria essa uma fraqueza que eles não estavam prevendo. Apesar de tudo, continuariam com seu Mestre, passada a tempestade. Não havia, por isso, motivos de confusão e desespero.

Na minha vida, a única desordem é sempre o pecado. E essa desordem é que gera a confusão. Se eu não estiver em paz com Deus, não estarei contente comigo mesmo; minha consciência não terá paz, a não ser que esteja morta... Quando eu não mais puder olhar para Deus, com a consciência tranquila; quando eu tiver medo da presença de meu Pai; quando eu não tiver mais coragem de falar com Ele, então, sim, terei que me inquietar, para resolver logo a minha situação: ibo ad Patrem meum [irei ao meu Pai].

13 DE MARÇO 

Adversarius vester circuit [vosso adversário anda ao redor (1Pd 5,8)]

São Pedro no-lo mostra tamquam leo rugiens [como o leão que ruge], solto, à procura da presa, circuit, quaerens quem devoret [anda ao redor, buscando a quem devorar].

Mas o demônio sabe muito bem despistar a própria presença. Desde o Paraíso, ele já usa máscara. Quanta vítima ele já não fez, escondido na desculpa de que isto ou aquilo é muito natural! Não haverá condescendência e até certo interesse em querer ignorá-lo? Se ele não está em certas ocasiões perigosas que eu facilito: leituras, diversões, amizades, onde estará ele então? Somente no inferno?...

É a própria Igreja quem me avisa que ele anda pelo mundo, para por a perder as almas. E se há uma alma que ele deseja perder, essa é a minha. Um padre que ele desvia do fervor, são multidões que ele ganha. Para se destruir ocultamente uma casa, nada melhor que minar os seus alicerces e, ferido o pastor, as ovelhas não terão defesa. Preciso atender melhor a minha consciência. Não posso descuidar, toda vez que ela der o sinal de alarme. Eu sei que ela não costuma gritar sem motivo...

12  DE MARÇO 

Sine me nihil potestis facere  [sem mim nada podeis fazer (Jo 15,5)]

"O que somos todos nós, o que fazemos todos nós? Sem Jesus não somos nada e, sem Ele, nada podemos fazer. Compreendereis em cheio a necessidade, para todos quantos desejam trabalhar na vinha do senhor, de estarem estreitissimamente unidos a Ele, de se identificarem com Ele. 

Não é difícil imaginar o que aconteceria ao mundo, se todos os sacerdotes se apresentassem aos homens non in persuasibilibus humanae sapientiae verbis, sed in ostensione spiritus et virtutis [não com os discursos persuasivos da sabedoria humana, mas antes com os efeitos sensíveis do espírito e da virtude (de Deus) (1Cor 2,4)], pois a luz da fé, a firmeza da esperança e o ardor da caridade não derivam da sabedoria dos homens, mas da força de Deus.

Se neles for Jesus quem reza, Jesus quem prega, Jesus quem opera, quem poderia descrever a abundância das águas a fluir pelo mundo e as plantas a se multiplicarem, o encanto das flores e o valor dos frutos? Possa Jesus fazer resplandecer em vosso espírito o encanto desta luz e fazer-vos sentir no coração a força desta certeza! Possa Jesus tornar-se o senhor absoluto de vossas almas!" (Pio XII).

11 DE MARÇO 

Omnia sustineo propter electos [tudo suporto pelos escolhidos (2Tm 2,10)]

São Paulo certamente não exagerou quando disse que suportava tudo pelas almas; seu ideal não era outro: Ut et ipsi salutem consequantur [para que eles encontrem a  salvação]. E as suas Cartas e Atos já nos dão uma ideia do que ele sofreu no apostolado.

Nós não podemos resumir o nosso zelo em celebrar diariamente a Santa Missa, e depois, esperar que nos chamem para administrar algum sacramento. Mais alguma coisa? Sim; pelo menos a oração e o estudo. Temos que ser, nas mãos de Nosso Senhor, instrumentos aptos a realizar, pelas almas, tudo o que Ele quer realizar. Com Ele, que somos nós? Que podemos fazer, unidos a Ele, tendo em nós Jesus vivo, habitante, operante? Tudo. Omnia possum in eo que me confortat [tudo posso naquele que me fortalece  (Fl 4,13)]. 

Portanto, não somos nós os autores das obras apostólicas, mas instrumentos de Deus, cultivadores do seu campo, dispensadores da sua palavra e da sua graça: dispensatores mysteriorum Dei [administradores dos mistérios de Deus (I Cr 4,1]. Se perdermos o contato com Deus e com os livros, deixaremos de ser instrumentos da graça para sermos simples máquinas de trabalho. Que apostolado imenso não poderá realizar uma inteligência cheia de cultura, num homem cheio de Deus!

10 DE MARÇO 

In his quae didicisti [naquilo que aprendeste (2Tm 3,14)]

Não podendo servir a dois senhores, ao mesmo tempo, também não podemos seguir a outro Mestre que não seja Nosso Senhor. Unus est Magister vester [um só é o Vosso Mestre]. E conhecemos bem a sua doutrina. Tudo o que Ele nos ensinou, com a palavra e com o exemplo, está entre o Presépio e a Cruz. 

Entre esses parênteses de renúncia e humilhação não está certamente uma vida fácil; o que se vê é o sacrifício de uma Vítima. O mundo também quer ser o nosso mestre e a nossa natureza olha com muita simpatia para tudo o que ele nos quer ensinar. Sempre houve quem quisesse abrandar Nosso Senhor, visando amaciar a sua doutrina. Tentativa inútil; entre a humilhação do Presépio e o aniquilamento do Calvário, existe apenas uma explicação: regnum caelorum vim patitur et violenti rapiunt illud [o reino dos céus é tomado à força e são os violentos que o arrebatam (Mt 11,12)]. Foi essa realidade que o Mestre nos deixou.

Nosso Senhor nunca modificou a sua doutrina para adotá-la ao gosto do homem. Antigo ou moderno, o homem é quem precisa adaptar-se à palavra do Mestre. Si quis vult post me venire [Se alguém quer vir após mim ] — Ele não força ninguém, mas se quiser, terá que ser assim: abneget semetipsum et tollat crucem suam [negue-se a si mesmo e tome a sua cruz cada dia (Lc 6, 23)]. Esta palavra é bem clara, para não nos deixar dúvidas.

09 DE MARÇO 

Recogitabo tibi omnes annos meos [recordarei todos os meus anos (Is 38,15)]

Sobre os anos que já vivi, não é muito o que posso ver, porque é pouco o que a minha memória pode alcançar. Mesmo assim tenho que olhar para os caminhos que já deixei atrás. In amaritudine animae [com amargura da alma],  um dia o filho pródigo pôs-se a pensar e compreendeu a própria situação. É assim também que eu devo olhar para a minha vida.

Graças a Deus vejo muito esforço realizado, à sombra da boa vontade que sempre me acompanhou. Mas não posso fechar os olhos, diante das falhas e quedas que estão marcando os meus caminhos. Muitas vezes nada mais fiz que arrastar penosamente o peso da minha miséria, para que ela não me arrastasse. Aqui e ali, sobram restos de um esforço inútil porque achei que meu entusiasmo não se deixaria vencer. Eu, que deveria ser o guia e apoio para outros, mal conseguia me manter de pé.

Meu Deus, eu quis vencer a distância sozinho e agora reconheço que a boa vontade não é tudo. Não posso confiar tanto em mim mesmo. Preciso confiar mais no auxílio que a tua mão me oferece, enquanto me repetes o que tantas vezes já ouvi: Surge et ambula! [Levanta-te e anda!].

08 DE MARÇO 

Filii lucis estis et diei [sois filhos da luz e do dia (1Ts 5,5)]

No dia em que nasci para a graça, pelo batismo, uma luz estava ao meu lado, lembrando a Fé que Deus se dignou acender em minha vida: accipe lampadem ardentem! [recebe a luz da fé! (do rito batismal)]. Pelo sacerdócio fui escolhido para viver in domo Domini, omnibus diebus vitae meae [na casa do Senhor, por todos os dias da minha vida]. E como viver diante da Luz eterna, se minha vida não for também uma luz pela santidade que me deve distinguir? Sic luceat lux vestra! [Assim brilhe a vossa luz! (Mt 5,16)].

Isto quer dizer que eu devo brilhar não somente pela dignidade mas, de um modo especial, pela virtude. Non sumus noctis neque tenebrarum [não somos da noite e nem das trevas (1Ts 5,5)] — o que o Apóstolo escreveu para os simples fiéis deverá valer muito mais para mim. Como irei iluminar aqueles que vivem na treva, e na sombra da morte se eu estiver nas mesmas ou em piores condições? 

Não serei a luz do mundo se eu não viver em pleno dia de uma absoluta sinceridade com minha consciência e com Deus. Mais devoção para com o dia do meu batismo! Ele me lembra que preciso viver às claras, não me refugiando à sombra de pretextos e desculpas. Sicut in die honeste ambulemus [vivamos honestamente como em pleno dia (Rm 13,13)] — com meu Deus, eu posso e devo ser sincero. E uma consciência limpa irá tornar a minha vida clara e luminosa como o dia.

07 DE MARÇO 

Ut mederer contritis corde [para curar corações contritos (Is 61,1)]

É principalmente no confessionário que o sacerdote exerce o seu ofício de médico das almas. Tão importante quanto pesado, esse munus [encargo] exige do confessor:

Doutrina — recolhida não somente nos anos de seminário, mas principalmente depois através da experiência e do estudo; Piedade — um doente da alma não busca apenas a um sábio; Compreensão — paciente, sem facilitar conversas inúteis e compreensivo, sem exageros de complacência, o confessor saberá ganhar a confiança do doente; Zelo — estando pronto para socorrer a todos e não reservando sua atenção para meia dúzia de almas eleitas; Prudência — não se deixando contagiar nem ser influenciado pelo penitente, sendo reservado em determinados assuntos e comedido nas palavras. 

Não se confunda a prudência com o escrúpulo, nem o zelo com o apego. Assim como o médico do corpo, também o médico das almas, ao atender os seus doentes, terá que precaver-se contra possíveis contágios. Se a rispidez prejudica o penitente, excessos de delicadeza comprometem o confessor. Alguém observou, e com razão, que o sentimentalismo nunca deve estar presente no confessionário.

06 DE MARÇO 

Omnes ejecit de templo [expulsou todos do templo (Jo 2,15)]

Quanta indignação e quanta energia em Nosso Senhor no dia em que fez aquela limpeza no Templo! O Mestre da mansidão surpreendeu a todos, com a sua atitude firme, transbordante de autoridade: Omnes ejecit de templo, oves quoque et boves, et nummulariorum effudit aes, et mensas subvertit [expulsou todos do templo, e também as ovelhas e os bois, espalhou pelo chão o dinheiro dos cambistas e derrubou as mesas].

Toda a minha vida deve ser a casa de Deus uma vez que Ele deve estar presente em tudo. Mas, posso dizer que ela tem sido aquela domus orationis [casa de oração] que Nosso Senhor espera? Pode ser que eu tenha introduzido, em minha vida, alguma ou muita coisa que não pertence a Deus, nem a Ele se dirige.

Quanto trabalho que eu poderia ter entregue a Nosso Senhor e eu vendi por um pouco de vaidade! Quanto sacrifício que eu poderia ter feito em meu apostolado e não fiz, preferindo um descanso bem dispensável! Quantas obras de zelo que nem cheguei a iniciar para ter uma vida mais cômoda e sossegada! E a minha meditação, minha leitura espiritual, o Breviário, o recolhimento... não foram também negociados? Preciso por ordem na minha vida, mas com aquela decisão e energia de que Nosso Senhor me deu como exemplo.

05 DE MARÇO

Eluceat in eis totius forma iustitiae (Pontifical) [brilhe neles o modelo de toda justiça (virtude)]

'A grandeza e a força do padre vêm por ser ele um homem plenamente de Deus e das almas. Ser homem de Deus é, antes de tudo, tender à perfeição da divina caridade: sancti estote, quia ego sanctus sum, Dominus Deus vester [sereis santos porque Eu, Vosso Deus e Senhor, sou santo (Lv 19,2)].

Hoje como ontem, a santidade tem, como condições indispensáveis, a oração e a ascese. Não poderemos recomendar bastante, por mais que o façamos, a todos os nossos filhos empenhados no trabalho do ministério sacerdotal que se examinem sobre a sua fidelidade no exercício dessa dupla obrigação.

Não foi sem motivo que, no início do nosso pontificado*, demos esta palavra de ordem a todos os sacerdotes da Igreja: Orate, magis magisque et instanter orate! [Orai, orai cada vez mais e com maior insistência!]. As grandes leis que regem a união a Deus e à fecundidade apostólica são as mesmas no decorrer dos séculos: a cruz continua sendo o instrumento de nossa salvação; é sempre pelo sacrifício de si mesmo, inspirado pela caridade divina, é sempre in oratione et jejunio [em oração e jejum] que o Príncipe deste mundo tem de ser vencido'. Diante dessas palavras de Pio XII*,  é lamentável que se coloque sob outra base a santidade das almas.

04 DE MARÇO 

Nisi folia tantum [somente folhas (Mt 21,19)]

À procura de frutos naquela figueira, Nosso Senhor não encontrou mais do que folhas. Foi tudo o que a árvore lhe ofereceu. Minha vida sacerdotal também poderá chegar a esse ponto: ser uma figueira estéril, uma vida vazia, que nada oferece para a eternidade. 

Se eu não viver com Nosso Senhor poderei realizar muito, mas Ele não aceitará nada. Preciso viver da sua vida, pois qui manet in me, et ego in eo, hic fert fructum multum [quem permanecer em mim e eu nele, esse dará muito fruto (Jo 15, 5)]. Por si mesmo, a minha vida é apenas uma figueira estéril. Ele me escolheu e, com isso, mostrou que confia em mim. Só mesmo a sua misericórdia para confiar nessa nulidade que eu sou. Agora preciso corresponder, apresentando a Nosso Senhor o fruto do meu trabalho, realizado na minha alma e nas almas que Ele me confiou. Quanto não poderei fazer se eu souber trabalhar com Ele!

Que a noite não me venha lembrar aquele remorso: diem perdidi! [perdi o dia!]. Minha vida é a vinha de Nosso Senhor e a toda hora Ele quer recolher frutos, já que folhas não interessam. Tenho que lhe entregar meu tempo, minha saúde, minhas forças, porque tudo lhe pertence. E para não iludir suas esperanças a meu respeito, basta que eu conte com Ele sempre: Gratia Dei mecum [que a graça de Deus esteja comigo!].

03 DE MARÇO

Quorum deus venter est  [cujo deus é o ventre (Fl 3,19)]

Qual será o meu deus — perguntava alguém — será Deus mesmo? Aí está uma pergunta que eu também deveria fazer, às vezes, à minha consciência. Pode ser que Deus não esteja sendo o meu Deus, como penso geralmente.

Quando uma alma procura libertar-se de Deus acaba escrava de si mesma. As paixões a dominam e, não vivendo para Deus, ela vive para o orgulho, para a sensualidade e para a ambição. A experiência mostra que, quando uma alma se cansa de Deus, é porque não tem mais forças; o pecado a destruiu. Preciso colocar Deus no centro de toda a minha vida para o qual terá que convergir toda a minha atividade. Ele será a única direção dos meus pensamentos, desejos e preocupações. 

E se não for assim, minha vida não será mais que uma agitação contínua, em todas as direções, sem uma finalidade que a leve, dirija e sobrenaturalize. Frequenter et ferventer da mihi, dulcissime Domine, cor meum ad Te dirigere [com fervor contínuo, o meu coração possa se erguer para Vós, Senhor] — quanta sabedoria neste pedido de Santo Tomás! E, reconhecendo a minha dissipação: defectionem meam, cum emendationis proposito, dolendo pensare [com o firme propósito de arrepender-me e emendar-me das minhas faltas]. Que eu procure o meu Deus sicut cervus desiderat fontes aquarum [como o cervo anseia pelas águas da fonte].

02 DE MARÇO 

Stude cognoscere te [Estude para conhecer a ti mesmo]

Ao nos dar este conselho, São Bernardo pergunta: Quid prosunt lecta et intellecta, nisi temetipsum legas et intelligas? [De que adiantam as coisas lidas e entendidas se não leres e entenderes a ti mesmo?]. Muita coisa, certamente, está reclamando o nosso estudo e a nossa atenção. Para a nossa vida pastoral, já não podemos dispensar sequer a leitura dos jornais. Mas, entre todos os conhecimentos úteis e necessários, há um que nunca poderá ser descuidado; é o conhecimento de nós mesmos.

Para a construção do edifício da nossa virtude, não nos basta um conhecimento superficial de nós mesmos, uma ideia vaga das nossas boas e más qualidades. Precisamos nos conhecer a fundo, para sabermos com que material iremos construir. Alguma coisa poderemos aproveitar do vetus homo [homem velho] e não será muito, certamente. Tudo o mais terá que ser material novo, trabalhado com muito esforço e perseverança. 

Se por menos não se faz um simples cristão, quanto mais tratando-se de um Alter Christus! [um segundo Cristo!]. Certamente não nos iremos transformar na lux mundi [luz do mundo] com uns simples retoques de boa vontade e alguns bons desejos. Compreendamos São Boaventura rezando: Transfige medullas et viscera animae meae! [transpasse a medula e as entranhas da minha alma!].

10 DE MARÇO 

Sub capite spinoso [sob uma Cabeça coroada de espinhos]

Uma palavra de São Bernardo, que nos pede um exame de consciência: Non decet sub capite spinoso esse membrum delicatum [não convém um membro tíbio sob uma Cabeça coroada de espinhos]. Cristo é a nossa Cabeça, mas uma Cabeça coroada de espinhos. Ele aceitou todas as dores e todo o sarcasmo daquela coroa. E nós... com essa Cabeça coroada de espinhos, poderemos viver à procura de conforto, de fama, elogios e bem estar?

Crescamus in illo qui est caput Christus [cresçamos em todos os sentidos, naquele que é a Cabeça, Cristo (Ef 4,15)]. Embora nossa natureza não se simpatize muito com uma Cabeça coroada de espinhos, embora nosso orgulho se recuse a aceitá-la, é com ela que devemos crescer na virtude, para que, unidos também a ela, o Pai nos possa, um dia, reconhecer por filhos. O nosso comodismo precisa saber que momentaneum quod delectat, aeternum quod cruciat... [é passageiro o que deleita, é eterno o que atormenta...].

Poucas almas neste mundo foram tão provadas como o Apóstolo. E se ele nunca desfaleceu foi porque teve os olhos sempre voltados para a glória, que deveria substituir os espinhos: reposita est mihi corona iustitiae [me aguarda a coroa da justiça]. Por isso a Igreja também nos lembra a recompensa final: ab ipso gloria et honore coronari mereamur in caelis [para sermos coroados em glória e esplendor no Céu]. Triste seria se perdêssemos de vista o que o Profeta já previu: corona tribulationis effloruit...[a coroa de tribulações resplandecerá...(como uma coroa de glória), conforme Is 28,5].

29 DE FEVEREIRO 

Memento quia pulvis es! [lembra-te que és pó!]

Senhor, todos os dias estou vendo a morte que passa à minha frente, levando outros consigo. Ela está nas flores que murcham, no ocaso do sol, como na cabeceira dos agonizantes que assisto. Ela está em toda parte e eu não a quero ver em parte alguma. Tenho medo de pensar que ela está a meu lado, com a impressão de que ela já roubou a minha vida. Como se a morte pudesse impedir que eu viva...

No entanto, diariamente, eu tenho em minhas mãos o Cordeiro divino tamquam occisum [como que imolado] para eu saber que, todos os dias, deverá extinguir-se um pouco o óleo da minha lâmpada, para glória do meu Pai. Que eu compreenda, Senhor, a minha vocação: sepultado in mortem [à morte] pelo Batismo. Tenho que morrer, todos os dias, um pouco física e espiritualmente. Quero aprender a contar os meus dias: dinumerare nos doce dies nostros [ensinai-nos a bem contar os nossos dias] não com a riqueza de quem está perdendo alguma coisa, mas com a alegria de quem está ganhando a eternidade. 

Quero pensar nos dias que vivi, com a alegria de quem pôde lutar e sofrer para a tua Glória. Posso olhar os meus dias que vão morrendo porque a minha vida foi sempre uma lâmpada acesa — super candelabrum [(como luz) sobre o candelabro] — ardendo para a glória do teu Nome. Os meus dias não passaram; foi tua mão quem os recolheu para, com eles, preparar a minha eternidade. Senhor, ensina-me a contar os meus dias, os meses e anos que vivi, com a alegria de quem está prestes a começar uma vida sem fim, com a alegria de um peregrino que volta para a sua Pátria; com a confiança do filho pródigo que encontra finalmente a casa de seu Pai — in gloria Dei Patris [na glória de Deus Pai]. Ensina-me a contar os dias que vivi com a coragem do teu Apóstolo que, alquebrado, no fim da sua carreira, podia exultar, cantando de esperança: cursum consummavi; in reliquo reposita est mihi corona iustitiae [terminei a carreira, me aguarda desde agora a coroa da justiça (2 Tm 4,7-8)].

28 DE FEVEREIRO 

aspiciens retro... [olham para trás (Lc 9,9)]

Senhor, quantos não começaram a trabalhar na tua vinha com entusiasmo e dedicação para depois abandonarem tudo! Começaram a olhar para trás, com saudades do que haviam deixado e acabaram como aquele primeiro filho pródigo: Et cupiebat implere ventrem suum de siliquis, quas porci manducabant... [e queria se fartar das alfarrobas (espécie de vagens) que os porcos comiam...].

Depois de te abandonarem, abandonando a oração, todos eles se encontram nesse ponto. Meu Deus, eu sei que não devo olhar para atrás. O que eu abandonei, não me deve mais interessar. Foi uma renúncia livre e espontânea da minha parte, preparada com sinceridade e durante anos. Agora tenho que olhar para a frente porque a tua riqueza é muito grande para me deixar pensar em outra coisa.

Mãos ao arado — esse o gesto, o mesmo gesto que devo renovar todos os dias. Nenhum desânimo e nenhum pessimismo deverão cruzar o meu caminho: Non sunt condignae passiones huius temporis... [os sofrimentos do tempo presente não são nada...]. Que eu não me esqueça a Quem eu fiz o meu sacrifício e que eu me lembre para Quem trabalho. Poderei assim ouvir continuamente a palavra do teu reconhecimento que me espera: Intra in gaudium Domini tui! [entra na glória eterna do Vosso Deus! (Mt 25, 21)].

27 DE FEVEREIRO 

Simile est regnum caelorum fermento [O reino dos Céus é como o fermento (Mt 13,33)]

Santo Afonso não se cansava de insistir com seus missionários: 'Eu vos recomendo um grande amor a Jesus Cristo!' Com a experiência que tinha, ele sabia que, sem um grande amor a Nosso Senhor, a nossa vida se torna vazia e inútil toda a nossa atividade.

Aí está o fermento que deverá influir em toda a massa de nossa vida cotidiana, dando força ao nosso apostolado. Uma palavra ou um gesto que tenha amor a Deus é uma colher cheia de fermento, capaz de transformar as almas. Vazio de Deus, porém, todo um sermão nada realiza para Nosso Senhor. Doze Apóstolos converteram nações inteiras porque eles eram realmente apóstolos, que amavam sinceramente o seu Mestre. O que eles tinham era somente isso: amor a Nosso Senhor.

Às vezes ouvimos dizer: mas o que eu posso fazer sozinho se o trabalho é tanto? Sem dúvida, o trabalho é imenso e aumenta sempre mais. Justamente por isso, se a nossa é grande, o fermento deve estar em proporção. E o fermento não serão as nossas qualidades e os nossos recursos, mas unicamente um grande amor a Nosso Senhor e às almas.

26 DE FEVEREIRO 

Praedicamus Christum Crucifixum [pregamos Cristo Crucificado (1Cor 1,23)]

A doutrina que devemos pregar é a doutrina de um Crucificado. E a vida que devemos viver é a vida que Ele viveu. Não importa que os pagãos ou semi-pagãos de nossos dias vejam nisso uma loucura. Não nos podemos impressionar porque o mundo se escandaliza com nossa doutrina e com nossa vida.

Nossa vocação é pregar e viver a Redenção que se realizou na Cruz. Somente assim estaremos cooperando com o Redentor, diante do qual o mundo também se escandalizou. É verdade que a nossa natureza também estará pronta a fazer coro com os gentios, reclamando. Não importa; o Modelo que temos a copiar, o Mestre que temos a seguir é um Crucificado. 

Nosso Senhor é sempre o mesmo. E se Ele escandalizou o mundo pagão de outrora, continuará escandalizando o nosso século que alguém caracterizou com este nome: século do colchão de molas... Expressão pitoresca, mas real. Diante do Crucificado, lembremo-nos da palavra do salmista: Firmiter inhaesit gressus meus semitis tuis, non titubarunt pedes mei [fortaleça meus passos em vossos caminhos para que meus pés não se confundam]. Que outros pensem de outra forma, que vivam uma vida diferente: nos autem sensum Christi habemus [nós, porém, temos o sentimento de Cristo (1Cor 2,16)].

25 DE FEVEREIRO 

Debitores sumus non carni... [não somos devedores da carne (Rm 8,12)]

Não foi a natureza que nos salvou, ut secundum carnem vivamus [para que vivamos segundo a carne (Rm 8,12)] — diz São Paulo. A natureza nada devemos, a não ser motivos de muito remorso. A graça devemos tudo: Gratia Dei sum id quod sum [pela graça de Deus, eu sou o que sou].

Não podemos permitir que o naturalismo entre em nossa vida. Ocultando-se sob a capa de certas idéias novas, ele se oferece para atenuar e desculpar certas fraquezas, procurando ignorar o pecado original. Costumamos dizer que a nossa natureza é fraca; mas ela dispõe de uma força tremenda. E não foi com meias medidas que os santos chegaram a dominá-la. Apesar de todos os nossos esforços e boa vontade, não conseguimos fazer que a nossa natureza acompanhe os passos do nosso fervor.

Ferida pelo pecado, mal conseguimos arrastá-la e, se não o fizermos, seremos arrastados por ela. Quanta queda não começou com um simples defeito ou uma má inclinação que pareciam muito inocentes, coisa muito natural como geralmente se diz. O que os santos conseguiram somente à custa de um esforço contínuo, não será com simples desejos que nós iremos conseguir: si spiritu facta carnis mortificaveritis, vivetis [ se, pelo espírito, mortificardes as obras da carne, vivereis (Rm 8,13)].

24 DE FEVEREIRO 

Ut digne ambuletis [que andeis (viveis) digno (Ef 4,1)]

Que saibamos viver santamente a nossa vocação — foi o que nos disse o Apóstolo, quando escreveu: Ut digne ambuletis vocatione qua vocati estis [que andeis digno da vocação pela qual fostes chamado]. A nossa vocação não poderá ser vivida com dignidade se a não vivermos com santidade.

São Paulo mesmo nos lembra que Deus nos escolheu, ut essemus sancti [para que sejamos santos]. É pela santidade, e somente por ela, que realizaremos o programa de Deus e o que as almas esperam de nós. Em nossos dias fala-se tanto na técnica e especialização dos métodos de apostolado. Ótimo, mas não nos esqueçamos, porém, que a nossa especialização é, por excelência, a santidade. Sem ela, estaremos no plano comum dos fiéis, embora Nosso Senhor nos queira ver muito acima, super candelabrum [(como luz) sobre o candelabro (referência à condição superior de santificação pessoal exigida pela vocação sacerdotal)].

Quer sejamos apóstolos da palavra, no púlpito, na imprensa ou no rádio, quer realizemos maravilhas com a nossa atividade, se não estivermos trabalhando seriamente em nos santificar, Deus não estará satisfeito conosco: Quaerite primum regnum Dei! [Buscai primeiro o Reino de Deus!]. Nosso Senhor não quer de nós um apostolado comum, mas um apostolado de santidade: In sanctitate et iustitia coram ipso, omnibus diebus nostris [em santidade e justiça, em sua presença, todos os dias da nossa vida (Lc 1,75)].

23 DE FEVEREIRO 

Hic non est eius [este não é dele (Rm 8,10)]

Se alguém não tem o espírito de Nosso Senhor não lhe pertence — assim diz o Apóstolo. E o espírito de Nosso Senhor está entre o Presépio e o Calvário: sacrifício e imolação. A diferença entre o Bom Pastor e o mercenário é que o primeiro dá a sua vida pelas ovelhas, imolando-se por elas, e o mercenário foge à imolação a fim de se poupar. 

Não podemos separar o sacrifício do nosso ministério sacerdotal. Sacrifício do orgulho, pela obediência; do comodismo, pela mortificação; da natureza, pela castidade; do apego exagerado, pelo desprendimento. Se não for esse o espírito de nossa vida, poderemos ter todas as qualidades que o mundo admira, mas não seremos os sacerdotes daquele que foi Sacerdote e Vítima também. 

As almas, que geralmente têm o sensus Dei [sentimento de Deus], percebem muito bem quando estão diante de um sacerdote que se poupa no trabalho de se santificar e de santificar os outros. Guardam uma certa desconfiança, e, embora não o digam elas pensam com razão: Hic non est eius [este não é dele]. Será essa a impressão que estamos dando com nossa vida? Que impressão amarga, verdadeira desilusão, para aqueles que nos observam!

22 DE FEVEREIRO 

Non diligamus verbo... [não amemos com palavras (1Jo 3,18)]

Quantas vezes não dizemos a Nosso Senhor que o amamos e, tantas vezes, Ele verifica o contrário em nossa vida. Quantas vezes não pregamos sobre a caridade e, muitas vezes, o que fazemos não está de acordo com o que pregamos. Nosso Senhor resumiu a hipocrisia dos fariseus nestas palavras: Dicunt, et non faciunt [pregam mas não praticam].

O Apóstolo quer que a nossa caridade não fique em palavras mas se traduza em obras. No entanto: Opere et veritate [de fato e de verdade] — porque nem toda caridade é verdadeira. Pode ser que o motivo da nossa caridade não seja Nosso Senhor mas um mero capricho ou sentimentalismo de nossa parte. Chegamos então a restringir a nossa caridade a um determinado grupo, a uma classe de pessoas ou a uma determinada obra de assistência. Pode ser que essa caridade não seja tanto para os outros mas para nós mesmos. 

A verdadeira caridade não é somente aquela que nos agrada; a que não nos agrada é também verdadeira e poderá ser mais meritória. Se não nos resolvemos a praticar a caridade opere et veritate [de fato e de verdade], como quer o Apóstolo, não nos admiremos que os inimigos explorem a falsa caridade como meio de atrair as almas. Saepe videtur caritas, ubi non est nisi carnalitas [Muitas vezes parece ser caridade o que não é senão amor-próprio (Santo Agostinho)].

21 DE FEVEREIRO 

Qui faciunt omnia quae licent... [quem faz tudo o que é permitido.. .]

Foi Santo Agostinho quem escreveu: Qui faciunt omnia quae licent, cito facient quae non licent [quem faz tudo o que é permitido, em breve fará o que não é permitido]. Faltando-nos o hábito da mortificação interior, não nos preocupamos com o espírito da lei; olhamos somente para a letra e acabamos aceitando o pecado como coisa muito natural. Cito facient [em breve fará]: é uma consequência quase inevitável.

Não podemos e nem devemos andar com o metro nas mãos, a medir cada palmo de terreno, procurando saber até onde podemos ir sem cair no despenhadeiro. Era essa a moral dos fariseus para a qual não existe amor a Deus, espírito de sacrifício, nem delicadeza de consciência. Temos que servir a Deus in spiritu et veritate [em espírito e verdade]. 

Não nos basta salvar apenas as aparências, guardando farisaicamente o pé da letra. Essa é a moral do mundo. Para nós vale o que diz Nosso Senhor: Spiritus est Deus, et eos qui adorant, eum, in spiritu et veritate oportet adorare [Deus é espírito, e os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade (Jo 4,24)]. Tanto amor a Deus e às almas devemos ter para chegarmos a renunciar o pé da letra e ficarmos com seu espírito: Pater tales quaerit qui adorent eum [são esses adoradores que o Pai deseja (Jo 4,23 ].

20 DE FEVEREIRO 

Vade et amplius noli peccare! [Vá e não peques mais! (Jo 8,7)]

O Mestre não condenou aquela pecadora; sua misericórdia assim não o permitiu: Nec ego te condemnabo [nem eu te condeno]. Os fariseus, sim, quiseram condená-la. E foi preciso que o Mestre lhes fizesse ver que não podiam condenar-se a si próprios: Unus post unum exibant... [retiraram-se um por um...].

Senhor, porque não sou misericordioso como Vós e porque sou um pouco pior que os próprios fariseus, costumo condenar a todos e a tudo. Tratando-se dos outros, o meu zelo e a minha hipocrisia estão sempre vigilantes, como os Mestres da Lei que nada perdiam: Excolantes culicem, camelumen autem glutientes [que filtram o mosquito e engolem o camelo* (Mt 23, 24)]. Exatamente o que fiz, muitas vezes.

* expressão que tem o significado de caracterizar o farisaísmo hipócrita que se apega a coisas secundárias e não ao que é realmente relevante (como guias cegos) e que tem sua origem no fato de que os filtros antigos eram feitos de linha grossa, chamada 'camelo' (sem correlação, portanto, com o animal). Ou seja, os guias cegos são aqueles que, pensando coar o mosquito, na verdade engolem o próprio filtro.

Que eu não julgue ninguém. In quo enim iudicas alterum, teipsum condemnas [no que julgas a outro, a ti mesmo te condenas]. Esta é uma verdade que já constatei, mais vezes, em minha vida, embora meu orgulho a não aceite. Que eu aprenda a perdoar: Vade [Vá] — sem, no entanto, aprovar o pecado: et amplius noli peccare [e não peques mais]. Que eu guarde o meu zelo para vigiar os meus defeitos. E que não reserve o meu rigor para as faltas alheias, mas para as minhas, que são mais graves. E que eu aprenda, como os fariseus aprenderam, de uma vez por todas, que eu não sou dono da Lei nem senhor único da virtude.

19 DE FEVEREIRO 

Omnibus omnia factus sum [fiz-me tudo para todos (1Cor 10,24)]

Assim falava São Paulo, porque seu zelo não conhecia limites: Ut omnes facerem salvos [para por todos (os meios) salvar alguns]. São palavras que refletem a vida mesma de Nosso Senhor e deveriam refletir também a minha vida.

Quantas vezes, porém, as almas reclamam o meu trabalho e o meu comodismo se nega porque estou absorvido em outras ocupações, mais de acordo com o meu gosto! Às vezes, é meu orgulho que protesta, dizendo que este ou aquele trabalho não me fica bem. Quantas vezes é minha covardia, procurando refugiar-se em pretextos de última hora e em desculpas que ela consegue vestir até com aparências de boa intenção! 

É assim que chego, às vezes, a pensar: preciso poupar a minha saúde para poder trabalhar mais. E, sempre a me poupar, não chega nunca esse dia de eu trabalhar mais para Nosso Senhor. Essa prudência demasiada humana acaba matando o meu espírito de sacrifício, meu entusiasmo e meu zelo pelas almas. Se o Bom Pastor tivesse consultado essa prudência o que seria da ovelha desgarrada? Prudentia carnis mors est [a prudência da carne é a morte].

18 DE FEVEREIRO 

Ut impleamini in omnem plenitudinem Dei [para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus (Ef 3,19)]

Nessa intenção rezava o Apóstolo, pelos fiéis do seu tempo: Flecto genua mea ad Patrem [dobro meus joelhos em presença do Pai (Ef 3, 14)]. Certamente que o meu zelo não deseja menos para as almas que me foram confiadas. Mas, antes de pensar nas almas, tenho que pensar na minha alma. Como desejar a plenitude de Deus, para outros, se eu mesmo a não desejo para mim?

Eu sou o nada e Deus é a plenitude. No entanto, por incrível que pareça, essa plenitude não chega para encher o vazio de minha vida, simplesmente porque a não desejo, nem me interesso por ela. Quantas vezes não falo da grandeza divina... para os outros! Eu mesmo não a procuro para a minha vida; ela é muito grande para a minha mesquinhez.

É que Deus, sendo a plenitude, não deixa lugar para coisa alguma. E eu gostaria de reservar, em minha vida, um ou mais lugares para certas coisas que não chego a renunciar porque não quero perder. Pode ser que pessoas mais simples e de menos formação vivam mais na plenitude de Deus do que eu. Foi sempre assim: não encontrando acolhida in diversorio [numa estalagem], Nosso Senhor se contenta até com um presépio, contando que seja exclusivamente seu.

17 DE FEVEREIRO 

Ipsi autem spreverunt me [mas se revoltaram contra mim (Is 1,2)]

Deus se compara a uma mãe, que recebe o desprezo dos filhos alimentados com sua carne e o seu sangue, suas lágrimas e sacrifícios. O texto não nos fala de um simples abandono de Deus, mas o que é pior, do desprezo que Deus recebe da sua criatura: spreverunt me [revoltaram contra mim]. Nesse desprezo, põe o homem toda a sua malícia.

Nosso Senhor nunca desprezou a ninguém, exceto os fariseus, em cujo orgulho havia mais do que uma simples indiferença para com a Verdade; havia um desprezo frio e cínico para com Nosso Senhor. Mal pensavam eles na palavra do Profeta: Vae qui spernis nonne et ipse sperneris [ai de ti que desprezas e ainda não fostes desprezado (Is 33,1)].

Se o desprezo do homem é o que mais ofende a Deus, o desprezo de Deus é o pior que pode acontecer para o homem. Os Mestres da Lei não se lembram disso? E eu me lembro? Desprezando a oração, sob o pretexto de aproveitar melhor o tempo, e descuidando da pureza de minha consciência, com a desculpa de não alimentar escrúpulos, não estarei desprezando o próprio Nosso Senhor? Esse descuido e esse desprezo podem me levar ao ponto de ver Nosso Senhor envergonhar-se de mim: Hunc Filius Hominis erubescet [(Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras), o Filho do Homem também se envergonhará (dele) (Lc 9, 26)].

16 DE FEVEREIRO

Propter nimiam caritatem [por extrema caridade (Ef 2,4)]

Meu Deus, não foi sem motivo que um dia o Apóstolo exclamou: Quis consiliarius eius fuit? [quem já foi seu conselheiro?] porque há tanto segredo e tanto mistério nos caminhos da tua Providência! Se o teu amor me escolheu desde toda a eternidade para formar na tua Igreja, em lugar de destaque...

Se a tua misericórdia me facilitou anos de formação, para que eu melhor te conhecesse, através dos sacramentos e da oração; se o teu amor me perdoou, tantas vezes e, se apesar da minha indiferença, ele ainda me persegue e me ama... Senhor, eu não te compreenderia, se o teu Apóstolo não me desse uma explicação, a única possível: propter nimiam caritatem [por extrema caridade] — realmente o teu amor é infinito e somente por ele é que eu chego a te compreender.

Mas se até hoje não me impressionei com essas provas de predileção, pois não procuro corresponder; se minha vida continua presa a tanta coisa inútil e indigna, transformada geralmente num montão de fraquezas e misérias, porque será? Eu mesmo não acho uma explicação. Preciso perguntar à minha consciência.

15 DE FEVEREIRO 

Quia non novisset hominem [porque sequer conhecia o homem (Mt 26,74)]

Naquela noite da Paixão, apesar de todas as suas promessas de fidelidade, por diversas vezes, o Apóstolo negou o seu Mestre. Mas depois, caindo em si, flevit amare [chorou amargamente]. 

Toda vez que subo ao altar, sem a devida preparação, levando comigo tantos pensamentos alheios ao Santo Sacrifício... Toda vez que vou ao púlpito, preocupado mais com a minha vaidade do que com a salvação das almas... Sempre que condescendo com a minha impaciência ou não mortifico o meu comodismo... Toda vez que descuido a oração ou fujo de um dever a cumprir... não estarei revivendo a covardia do Apóstolo?

Ele pelo menos chorou depois amargamente. E será que eu o tenho imitado também nisso? Um simples olhar sobre a minha vida me fará compreender que preciso viver in spiritu humiliatis et in animo contrito [em espírito de humildade e de coração contrito]. Vivo tão despreocupado como se, em minha vida, tudo estivesse numa ordem perfeita. No entanto, sei bem que não sou um inocente diante de Deus. Nesse caso, só me resta viver como penitente, antes que chegue a hora do redde rationem... [ajuste de contas...].

14 DE FEVEREIRO 

Domine, scrutaris me [Vós me perscrutais (Sl 138, 1)]

Que Deus me acompanha, semper et ubique [sempre e em toda a parte]: um pensamento que me devia preocupar, como já preocupava o salmista: Mirabilis est mihi scientia haec, sublimis: non capio eam [esse conhecimento é tão sublime e maravilhoso para mim, que eu não o posso apreender]. Deus lê meus pensamentos: intelligis cogitationes meas e longinquo [de longe penetrais meus pensamentos] — para Ele não existe antes nem depois.

Ele conhece todos os meus caminhos; não posso fugir à sua presença: ad omnes vias meas advertis [(Vós) me sondais de todas as maneiras]. Antes que eu fale, Ele já está me ouvindo: Verbum nondum est super lingram meam... jam nosti totum [a palavra ainda não me chegou à língua... e já a conheceis por inteiro]. Ele me envolve como uma bênção: a tergo et a fronte complecteris me et ponis super me manum tuam [me cercais por todos os lados e estendeis sobre mim a vossa mão]. 

Para onde eu for, sua Providência irá comigo: Si summam pennas aurorae, si habitem in termino maris, illic manus tua ducet me [se tomar as asas da aurora ou habitar os confins do mar, é ainda Vossa mão que há de me conduzir]. Como seria diferente a minha vida, se eu vivesse compenetrado dessa preocupação de Deus para comigo! Projice te in eum, noli metuere; non se subtrahet ut cadas; excipiet, et sanabit te [Abriga-te em Deus sem medo algum pois Ele não o abandonará nas suas quedas, mas o acolherá e o curará (de todos os seus males) (Santo Agostinho)].

13 DE FEVEREIRO 

Presbyteri sint ad commiserationem proni [os presbíteros devem ser movidos pela compaixão]

Era o que recomendava São Policarpo, acrescentando: Misericordes erga cunctos, non severi nimium in iudicio, scientes nos omnes debitores esse peccati [misericordiosos com todos, sem serem severos demais nos julgamentos, cientes de que todos nós estamos sob o débito do pecado; trecho da Epístola aos Filipenses, de São Policarpo de Esmirna]. 

A mansidão terá que ser a arma secreta do nosso apostolado. Fugindo à rudeza no falar, à rispidez no trato, o sacerdote será sempre o Bom Samaritano, sem fel nem vinagre, levando consigo o óleo inesgotável da misericórdia e da compreensão. Deus não quis distância entre a sua grandeza e a nossa miséria: Et homo factus est — mitis et humillis corde [E se fez homem — manso e humilde de coração].

Se pela nossa dignidade estamos muito acima dos fiéis, nem por isso precisamos olhar sempre de cima, encerrados na torre inacessível do nosso orgulho e vaidade. Estudamos mais, é certo; mas nem por isso podemos desprezar aqueles que estudaram menos. Temos certamente uma noção mais clara do Bem e do Mal; nem por isso podemos ter sempre uma palavra de crítica, à espera de todos e de tudo. Quanto mais nos julgarmos donos da verdade, tanto mais escravos seremos dos nossos erros. Não podemos fazer uma diferença que só a Deus pertence, scientes nos omnes debitores esse peccati [cientes de que todos nós estamos sob o débito do pecado].

12 DE FEVEREIRO

In manus tuas [em Vossas mãos]

Nas minhas mãos, possuído da minha vaidade ou do meu orgulho, nada poderei realizar de bom para Deus ou para as almas. Nas mãos de Nosso Senhor, eu serei o seu instrumento para realizar maravilhas: opera quae ego facio, et ipse faciet, et majora horum faciet [(aquele que crê em mim) fará também as obras que eu faço e fará ainda maiores do que estas (Jo 14,12)].

Um dia Ele estava em lugar deserto, acompanhado de milhares de pessoas. Nas mãos de um menino, cinco pães nada significavam para aquela multidão mal alimentada durante três dias. Mas, nas mãos de Nosso Senhor, os pães se multiplicaram; todo o povo se fartou, e ainda sobraram doze cestos... Preciso cuidar do meu trabalho e do meu esforço para que a minha vaidade não ponha tudo a perder. Nas minhas mãos, os maiores heroísmos e milagres nenhum valor teriam, porque preciso estar nas mãos de Nosso Senhor.

Tenho que proteger toda a minha atividade com o muro da boa intenção; do contrário, estarei de mãos vazias no fim do dia e no fim da minha vida. Sine me nihil potestis facere [sem Mim, nada podeis fazer] — a boa intenção me fará trabalhar com as mãos de Nosso Senhor. Por mim mesmo nada poderei realizar para a minha eternidade; por mais que eu faça, tudo será perdido porque quin non colligit mecum, dispergit [quem não recolhe comigo, dispersa (Lc 11,23)].

11 DE FEVEREIRO

In caritate radicati [arraigados na caridade (Ef 3,17)]

Uma árvore, com suas raízes em terra seca ou pedregosa, nada poderá produzir. Assim também uma vida sacerdotal que não esteja enraizada num grande amor a Deus, nada produz para as almas. Ninguém se alimenta de flores.

In caritate fundati [firmados na caridade] — não pode ser outro o alicerce da nossa vida sacerdotal. Somente assim haverá, em toda a nossa atividade, aquele bonus odor Christi [bom odor de Cristo] que atrai as almas e que as eleva para Deus. Uma profunda e sólida piedade, na palavra e no exemplo, será, para as almas, o que a chuva é para uma terra árida e seca. 

Faltando-lhe, porém, a vida interior, o padre não será mais que uma nubes sine aqua [nuvem sem água]: é a nuvem que somente lembra a chuva, mas que a não pode dar. Vemos então o povo, com fome e sede de Deus, morrendo à míngua, sem nada receber do sacerdote que não tem Deus consigo, para reparti-lo com as almas. Dicunt et non faciunt; alligant enim onera gravia et imponunt in humeros hominum; digito vero suo nolunt ea movere [dizem e não fazem, mas impõem fardos pesados que sobrecarregam os ombros dos homens, mas não querem movê-los nem mesmo com o dedo (Mt 23, 3-4)] é o que acontece, quando os que ensinam e pregam não estão in caritate radicati [arraigados na caridade].

10 DE FEVEREIRO

Exemplum esto fidelium [modelo para os fieis (1Tm 4,12)]

Numa de suas orações, a Igreja reza: Nominis tui gloriam verbo et exemplo diffundere valeamus [possamos difundir pela palavra e pelo exemplo a glória do Vosso Nome]. Muito mais que a nossa pregação pela palavra, a Igreja quer a nossa pregação pelo exemplo. Esta realiza muito mais que aquela.

O Santo Cura de Ars não foi orador de nome. Não escreveu livros, nem foi conferencista de fama. Para o seu apostolado, num simples lugarejo, não dispôs do rádio e menos ainda da televisão. No entanto, abalou a França inteira e o mundo todo, apenas com a força de sua santidade.

Escrita ou falada, a palavra será sempre um meio de inestimável valor para o meu apostolado. Mas, ela não terá valor algum, se não tiver a força do meu exemplo. Quanto papel e tinta mal empregados, às vezes, em escritos que podem revelar outras preocupações, menos a da glória de Deus! Quanta eloquência inútil, no púlpito ou no rádio, porque o povo está percebendo que o pregador não vive aquilo que ensina! Minha palavra não dará às almas um Cristo vivo, se Ele estiver morto na minha vida. É que as almas não se impressionam com o simples ruído de um cymbalum tinniens...[címbalo que retine... (I Cr 13, 1)].

09 DE FEVEREIRO

Se quis non amat Dominum Jesum... [se alguém não amar o Senhor Jesus... (1Cor 16,22)]

Que alguém pudesse ignorar o Amor infinito e não se interessasse por Nosso Senhor — era o que São Paulo não podia compreender. Daí a sua expressão: Sit anathema! [seja maldito!]. Se essa palavra vale para todos, como não deverá valer para aqueles que Nosso Senhor distinguiu como um amor todo particular!

Quantas provas de predileção não recebi de Nosso Senhor! Se eu não me interessar por Ele, como exigir que outros se interessem? Como irei citar essa palavra para outros se ela não está valendo principalmente para mim? Anathema sit [maldito seja!]: é a palavra que me lembra bem o que me espera na eternidade, se agora eu não quiser corresponder à predileção de Nosso Senhor para comigo.

Judas foi chamado como os demais Apóstolos. Um eleito de Nosso Senhor como todos os outros. Mas não quis reconhecer que a escolha do Mestre era uma responsabilidade. Não correspondeu e, com a queda final, veio o desespero. Bonum erat ei si non esset natus [melhor seria não ter nascido (Mc 14,21)]. Tenho que corresponder à predileção de Nosso Senhor para comigo, vivendo essa realidade que São Paulo não esquecia: Dilexit me et tradidit semetipsum pro me [Amou-me e se entregou (até à morte) por mim (Gl 2, 20].

08 DE FEVEREIRO

Simon Johannis, amas me? [Simão, filho de João, tu me amas? (Jo 21,15)]

Nosso Senhor sabia bem que o Apóstolo o amava: Domine, Tu scis quia amo te [Senhor, tu sabes que te amo]. Porque, então, aquela pergunta misteriosa: Amas me?... Nunca o Mestre lhe falara assim. Et contristatus est Petrus [E Pedro se entristeceu]. Aquela palavra do Mestre soava-lhe como uma indireta, com referência às negociações... uma humilhação diante dos companheiros ou um ajuste de contas em momento oportuno. Tudo isso poderia ter passado pela mente do Apóstolo. 

No entanto, ele não perdeu a confiança. Com a sinceridade de sempre, respondeu, tantas vezes quantas o Mestre perguntou: Domine, Tu scis quia amo te [Senhor, tu sabes que te amo]. Ele compreendeu que a Misericórdia infinita ali estava, fechando-lhe no coração uma ferida que ainda sangrava. O Mestre, antes de voltar para a eternidade, queria por uma pedra em cima daquelas negações, não deixando, para o Apóstolo, uma dúvida que o iria martirizar sempre. E o reabilitou, elevando-o aos olhos de todos: Pasce oves meas [guia as minhas ovelhas].

Quanta delicadeza nesse gesto aparentemente duro de Nosso Senhor! Diante de uma humilhação, de um fracasso ou aborrecimento, preciso pensar que Nosso Senhor não está me ferindo porque disso Ele é incapaz. Estará, sim, chamando a minha atenção: Diligam Te, Domine, et gratias agam! [Amar-Te-ei, Senhor, e dar-Te-ei graças!].

07 DE FEVEREIRO

Sobriam duxit sine labe vitam [levam uma vida sóbria e pura

Assim canta a Igreja, celebrando os seus confessores. E lembra as virtudes que lhes adornaram uma vida sem mancha: pius, prudens, humillis, pudicus [piedosos, prudentes, humildes, castos]. Nos meus primeiros anos de sacerdócio, o meu fervor era todo zelo, amor ao estudo e à oração; a docilidade, a pureza de consciência, a pontualidade nos meus deveres, caracterizavam o meu entusiasmo e dedicação.

Os anos foram passando. E, com um pouco de orgulho, apareceu também uma certa independência no meu modo de julgar as coisas. Achei que podia substituir certas idéias, que me pareceram antigas, por outras mais arejadas, que eu dizia ser fruto da experiência. Mais largas e mais cômodas, essas idéias se prestaram muito bem para justificar algumas falhas que meu fervor primitivo não teria justificado. E os frutos foram aparecendo pouco a pouco.

Hoje... quam mutatus ab illo! [quanto se mudou do que era!]. É verdade que os tempos mudam e todos mudam com eles. Mas não posso mudar para pior. Relinquentes vanitatem multorum, et falsas doctrinas, ad traditam nobis ab initio doctrinam, revertamur [Abandonemos os discursos vãos e as falsas doutrinas de tantos e retornemos aos ensinamentos que nos foram transmitidos desde o princípio, texto da Epístola de São Policarpo de Esmirna aos Filipenses].

06 DE FEVEREIRO

Sicut bonus miles Christi [como bom soldado de Cristo (2Tm 2,3)]

Um soldado que dá todo o seu entusiasmo, todas as suas forças, toda a sua dedicação à causa que defende; um soldado que não pede repouso, porque não conhece o cansaço nem o desânimo na luta de todos os dias: esse é o Miles Christi [soldado de Cristo] que o Apóstolo desejava para cada um de nós. 

E ele soube tão bem realizar esse ideal em sua vida! O seu contínuo impendam et superimpendar [gastar-se e se desgastar] não era um simples bom desejo, nem uma simples aspiração fervorosa. Era a realidade que encheu os longos anos do seu apostolado. É certo que num combate a vitória depende de todos. Por isso, cada qual deve dar a sua parte de esforço e dedicação. 

Sendo assim, eu não posso dar apenas uma parte do meu tempo, um pouco de atividade, uma parcela de esforço. Tenho que dar o máximo, porque a parte que me toca é essa: dar toda a minha vida pelas almas. Que pela minha dedicação, possa eu estar entre aqueles pelos quais a Igreja reza: Tuorum militum, Rex omnipotens, virtutem robora, ut consummato cursu certaminis, immortalitis bravium apprehendant [confirmai, ó Rei onipotente, a virtude dos vossos soldados, a fim de que, consumada essa vida mortal, alcancem a recompensa eterna].

05 DE FEVEREIRO

Verbo et exemplo, nos orare docuisti  [em palavras e no exemplo, nos ensinou a rezar]

Diz a Igreja que, no Jardim das Oliveiras, Ele nos ensinou a rezar. Para que? Ad tentationum pericula vitanda [evitar os perigos das tentações]. Preciso me convencer de que, sem a vida de oração, não poderei vencer as tentações. Uma alma sem fervor é presa fácil para qualquer assalto. 

Eu devo pensar que, se eu não fosse um sacerdote, já seria visado pelo demônio. Como padre, muito mais. Não posso pensar que o sacerdócio me colocou fora do alcance das tentações. Pelo contrário... é o que me diz a experiência. É certo que o demônio sempre terá mais força do que eu, caso eu esteja sozinho. Mas, sempre terei mais força do que ele, se eu me aliar com Deus. 

E essa aliança é estabelecida pela oração. Rezando, terei horror ao pecado e saberei evitar o perigo, porque o fervor abrirá os olhos de minha consciência. Rezando, as tentações nunca me encontrarão desprevenido, mas armado com a força de Deus. Tivessem os Apóstolos vigiado no Getsêmani e a prova não os teria colhido de surpresa. Estivessem mais preocupados com o Mestre, não o teriam abandonado.


04 DE FEVEREIRO

Fiat voluntas tua [seja feita a Vossa Vontade]

Tantas vezes rezamos esta palavra que Nosso Senhor nos ensinou! E é tão difícil praticar o que ela diz! Santa Teresa não exagerou quando disse que o caminho mais curto para o inferno é a nossa vontade própria. Basta dizer que, em tudo, ela é orientada pelo seu conselheiro particular, que se chama orgulho.

Depois de transtornar a obra de Deus no Paraíso, não admira que o orgulho cause tanta desordem na nossa vida. Ele é, para nós, o maior criador de casos. Quanta agitação inútil, quanto aborrecimento e desgosto ele nos prepara! Com um pouco mais de humildade, a nossa vida poderia ser menos complicada. 

Para nos impressionar, a arma secreta do orgulho é sempre a mesma: apresentar, como ameaçados de morte, os nossos direitos sagrados, que  outros procuram destruir. Geralmente, quanto orgulho atrás desses nossos direitos! Olhemos para Nosso Senhor: se Ele tivesse querido zelar tanto pelos seus direitos, como nós zelamos pelos nossos, o que seria de nós? O Presépio e a Cruz não conheceram direitos.

03 DE FEVEREIRO

Cordis tui suavitate percepta [conscientes da suavidade do Vosso Coração]

À medida que os primeiros discípulos foram conhecendo o Mestre, tanto mais se interessaram por Ele. Magister, ubi habitas? [Mestre, onde moras?]. Queriam estar na sua companhia, para ouvi-lo mais frequentemente. Tanto mais irei sentir quam suavis est Dominus [quão suave é o Senhor] quanto mais me interessar por Ele, a fim de O conhecer e O amar. 

Meu Mestre é, sim, um Crucificado; mas Ele não me enganou quando me disse que o seu jugo é suave. Se ainda não o percebi, compreende-se: Animalis homo non percipit... [o homem natural não capta (as coisas de Deus)...]. Com o paladar estragado pelo gosto da dissipação, uma alma nada pode sentir junto a Nosso Senhor. Porque podiam os santos passar noites inteiras em oração, enquanto eu me sinto aborrecido com uma meditação, cansado com uma leitura espiritual?

Somente depois de ter quebrado o vaso de sua vaidade e do seu apego, foi que a pecadora pôde sentir a misericórdia do Coração divino. Enquanto eu não me decidir a certas renúncias, não me irei sentir atraído por Nosso Senhor. In Corde Filii tui, nostris vulnerato peccatis, infinitos dilectionis thesaurus, misericorditer largiri dignatus es [No Coração do Vosso Filho, ferido por nossos pecados, infinitos tesouros do amor nos são profusamente concedidos pela Misericórdia divina] — preciso pensar que eu também posso e devo ter parte nessa riqueza infinita.

02 DE FEVEREIRO

In templo gloriae tuae praesentari [apresentar-nos no Templo de Tua Glória]

Não foi somente a mãe daqueles dois discípulos que sonhou com o Reino dos Céus para os seus filhos. A Santa Igreja também se preocupa com a nossa recompensa e hoje, de um modo especial, pede para nós um lugar na glória eterna.

Que apresentação solene não deverá ser a nossa in splendoribus sanctorum [no esplendor dos Santos!] - apresentação dos eleitos de Nosso Senhor. Ita nos facias [assim nos faça]: apresentados por Nossa Senhora, que já nos reconheceu por filhos quando recebeu, como filho, o Evangelista recém ordenado sacerdote. Ela nos viu desempenhando a sua missão de dar Nosso Senhor às almas; Ela esteve sempre conosco: Stabat juxta crucem [de pé, junto da Cruz]. Apresentados ao Pai per Dominum nostrum Jesum Christum [por Nosso Senhor Jesus Cristo]: Ele nos escolheu e nos marcou com o seu sacerdócio para sempre. Ele nos teve como seus amigos prediletos: Filioli mei [filhinhos meus]. 

Que saibamos passar pelo crivo das lutas e provações: purificatis tibi mentibus [com os espíritos purificados] — somente assim poderemos contar com a nossa apresentação solene, não a um Juiz mas a um Pai: in templo gloriae tuae [no Templo de Tua Glória] — para dEle recebermos o lugar que a Sua misericórdia nos preparou: cum Sanctis tuis in aeternum [com os teus Santos na eternidade].

10 DE FEVEREIRO

Frumentum Christi sum [sou trigo de Cristo]

Era este o pensamento que animava o grande bispo Santo Inácio, a caminho do martírio. E este, o pensamento que nos deveria preocupar sempre: somos o trigo que Nosso Senhor escolheu, para com ele alimentar as almas — cibus viatorum [pão dos peregrinos]. Sabemos que, para se tornar alimento, o grão de trigo deve antes morrer. Não foi assim com Nosso Senhor? Por isso exclamava Santo Inácio: Molar dentibus leonum [moído pelos dentes das feras].

Se não fomos, como ele, destinados às feras, aí está o nosso dia de trabalho, como um altar, à espera de sua vítima. Temos que nos imolar nos sacrifícios de cada dia, pois, somente assim, poderão as almas alimentar-se de nós. Ut panis mundus inveniar [para me converter em pão puro] — Deus sabe a quantas almas alimentou com esse grão de trigo que as feras moeram, transformando-o num pão imaculado.

Que esse exemplo alimente a nossa coragem, fazendo-nos aceitar com mais generosidade esse martírio lento a que Deus nos chamou. Christo confixus sum cruci [Estou pregado à Cruz de Cristo (Gl 2, 19)] — não podemos encarar nossa vida de outra maneira, pois, se o grão de trigo não morrer, não produzirá fruto.


31 DE JANEIRO

Video aliam legem... [reconheço outra lei (devido à minha natureza humana)... (Rm 7,23)]

Meu Deus, como é pesada, às vezes, esta natureza humana, com suas leis, exigências e imposições! Eu sei que a minha viagem é longa e difícil; por isso não posso levar nada comigo, para estar livre e desimpedido. Mas, se eu não tivesse que levar sempre comigo o peso insuportável desta natureza que me deste, seria bem mais fácil.

É que às vezes, eu me esqueço de que me fizeste homem e não anjo. Não esperas que eu te glorifique como um espírito celeste, mas como um simples homem. Para a tua infinita grandeza, queres a cooperação desta imensa miséria humana que eu sou. Tanto como a pureza dos anjos, ela também deve glorificar o teu Nome.

Senhor, que eu não viva alimentando pretensões de ser anjo, mas que me contente com uma santamente humana e humanamente santa. Criado à tua imagem e semelhança, eu sei que o pecado me desfigurou. Mas sei também que a redenção de teu Filho me purificou de tal forma, que voltei a ser digno de teu amor de Pai. E assim transfigurado pela tua graça, espero ser digno também de dar a minha nota nessa harmonia divina de tua glória! Um dia achaste que até as pedras poderiam cantar a tua grandeza. Compreendo então que eu também posso e devo amar o teu amor, e cantar a glória de teu Nome. 

30 DE JANEIRO

Qui unxit nos Deus [Deus é Aquele que nos consagrou (2Cr 1,21)]

A sua escolha foi como uma unção que me marcou desde toda a eternidade: Elegit nos ante mundi constitutionem [escolheu-nos antes da criação do mundo]. Quando a Igreja me ungiu, sacerdote para sempre, ela confirmou a unção pela qual Deus já me fizera Sacerdote desde sempre, marcando-me com um sinal da sua eleição.

E esse sinal, impresso por Ele em minha alma, nada poderá destruir. Esteja eu onde estiver, estará comigo o sinal dos eleitos de Deus. Pelos séculos afora, no céu ou no inferno, serei sempre o mesmo, reconhecido como sacerdos in aeternum [sacerdote eterno]. Em estado de graça ou em pecado, não poderei ocultar, diante dos anjos e dos homens, o sinal com que Deus me marcou. Quanto não deverá valer para mim a insistência do Apóstolo: Omnia, et in omnibus Christus! [Cristo, em tudo e em todos! (Cl 3,11)]. 

Muito mais que os simples cristãos, marcados com o batismo, devo refletir em mim o sacerdote eterno, porque sou uma continuação eterna do seu Sacerdócio, e está em mim o sinal da sua escolha de predileção: sicut electi Dei, sancti et dilecti [como eleitos de Deus, diletos e santos] — é assim que eu devo viver, pois que sinal de predileção mais significativo que o sacerdócio poderia Deus imprimir numa criatura sua? Foi principalmente para mim que São Paulo escreveu: Omne quodcumque facitis, in verbo aut in opere, omnia in nomine Domini Jesu Christi [Tudo quanto fizerdes, por palavra ou por obra, fazei tudo em nome do Senhor Jesus Cristo (Cl 3, 17].


29 DE JANEIRO

Adtendite ad petram! [atentai para a rocha! (Is 51,2)]

Não me basta olhar para esse meu Mestre de perfeição infinita. Ele não é uma estátua fria, colocada à minha frente, nem uma obra de arte esperando pela minha admiração. Senhor, eu reconheço que o meu modelo é de uma perfeição infinita que preciso estudar, e estudar atenciosamente, não só em um retiro ou dois, mas continuamente. 

Todos os dias, a cada momento, preciso consultar a sua santidade e perfeição, porque nunca chegarei a imitá-lo como devo. Não posso alimentar a presunção de pensar que já copiei, na minha vida, o suficiente para que as almas vejam em mim um retrato de Nosso Senhor. Infelizmente preciso confessar que ainda não conheço bastante Aquele que ensino a mim mesmo e às almas. Que eu não me dispense da obrigação de aprender, estudando o meu modelo. 

Sempre que ensinar a outros, preciso pensar que, se minha dignidade me colocou muito alto, nem por isso aumentou a minha virtude. Que eu não me apresente a ninguém como exemplo e modelo porque o mais necessitado de aprender sou eu mesmo. Vae nobis, ad quos pharisaeorum vitia transierunt!  [Ai de nós, quem temos herdado os vícios dos fariseus!] (São Jerônimo).

28 DE JANEIRO

Depositum custodi [guarda fielmente o bem confiado (ou seja, o depósito da fé) (1Tm 6,20)]

Nos primeiros séculos, escrevia Santo Inácio Mártir: Cum audirem quosdam dicentes: Nisi invenero in archivis, hoc est in Evangelio, non credam... Mihi vero Archiva Jesus Christus [É que ouvi alguns dizerem: se não o encontro nos documentos antigos, não creio no  Evangelho... para mim, documentos antigos são Jesus Cristo; trecho da Epístola aos Filadelfos, de Santo Inácio de Antioquia]. 

Temos que entregar a Verdade ao povo, tal qual a Igreja no-la entrega. E a Igreja a recebe de Nosso Senhor que não está somente no Evangelho, mas também na Tradição. Não podemos alimentar o espírito farisaico, que se prendia ao pé da letra. Littera enin occidit [a letra, por si, mata; referência negativa à observância rígida e literal aos princípios e às leis], observara São Paulo.

Em matéria de Fé e Moral, tudo o que não estiver de acordo com a Igreja, é novidade nociva às almas, porque a Igreja guarda, não somente a letra das verdades evangélicas, mas também o espírito dessas verdades, que está na Tradição. Doctrinis variis et peregrinis nolite abduci [não vos deixeis desviar pela diversidade de doutrinas estranhas] — era o conselho do Apóstolo (Hb 13,9). Se não podemos ensinar novidades estranhas à doutrina da Igreja, também não podemos atenuar a Verdade ou vesti-la de uma linguagem que a possa comprometer. Os alardes de ciência, o sentimentalismo ou o rigor exagerado não condizem com a simplicidade límpida e natural da Doutrina. Ao povo não interessa a nossa vaidade, mas a Verdade: Devitans profanas vocum novitates [evita as falácias profanas].


27 DE JANEIRO

Pars haereditatis meae [parte da minha herança (Sl 15,5)]

Naquele dia, da minha primeira Tonsura, eu disse que só Deus me bastava. Ele, a minha herança, e somente por Ele eu iria me interessar. Depois, com o correr dos anos, fui achando que o meu sacrifício fôra grande demais e que a minha generosidade fôra exagerada. Achei que Deus era pouco para me contentar.

Pobre mendigo, julgando-me iludido no meu sacrifício, comecei a ajuntar todos os restos que encontrei pelo meu caminho. E não percebi que, enquanto amontoava ninharias, pouco a pouco, eu ia perdendo a minha riqueza. Apeguei-me a tudo... pensando que era alguma coisa. Fui um avarento de tudo o que pude recolher. E agora reconheço o meu erro. Compreendi que só Deus pode encher a minha vida. Somente a sua riqueza tem valor porque é infinita.

Meu coração já foi criado assim: tão grande, que só Deus pode contentar. Preciso voltar atrás, à procura da herança que perdi. Para levá-la comigo, não posso desejar sequer outra coisa que não seja a minha riqueza infinita. Preciso abandonar tudo o que andei ajuntando ao longo do meu caminho. Deus meus et omnia [meu Deus e meu tudo] — eu estava certo quando pensei assim, naquele dia da minha Primeira Tonsura.

26 DE JANEIRO

Sempiternus Pontifex aedificat vos [o Pontífice Eterno vos engrandeça]

Assim escreveu, aos seus fiéis, o grande bispo dos primeiros séculos, São Policarpo: que o Pontífice eterno, Cristo, edifique a vossa santidade, in fine et veritate, in mansuetudine, in patientia, in castitate [ao final e verdadeiramente, pela mansidão, pela paciência, pela castidade]. Que maravilhoso programa de vida sacerdotal!

In fide et veritate [pela  fé e pela verdade]. É com Nosso Senhor que devemos erguer o edifício da nossa santidade sobre as verdades da fé, sinceramente apegados ao Pai que está nos céus. In mansuetudine, in patientia [pela mansidão, pela paciência] essa norma do nosso apostolado. Ser, para todos, um reflexo da misericórdia de Nosso Senhor, com uma paciência alegre e perseverante, porque vivemos expectantes beatam spem [na expectativa de nossa esperança feliz (Tt 2, 13)], conforme diz o Apóstolo.

In castitate [pela castidade]: a sinceridade com Deus nos dará a inocência e a reta intenção em tudo, com um santo respeito a nós mesmos e às almas. Não será demais, se realizarmos, em nossa vida sacerdotal, esse programa de santidade que o grande bispo apresentava aos simples fiéis do seu tempo. Não podemos construir sobre outra base, a não ser essa: In fide et veritate [pela fé e pela verdade] — porque omne quod non est ex fide, peccatum est [tudo o que não procede da fé é pecado (Rm 14, 23)].

25 DE JANEIRO

Ubi abundavit delictum [onde abundou o pecado  (Rm 5,20)]

Ao escrever estas palavras, o Apóstolo não quis falar de si próprio, mas da redenção em geral. No entanto, esse texto é bem um resumo da conversão do grande Perseguidor. Dedicando-se à caçada de cristãos, era ele o lobo feroz que todos temiam. Mas a Graça o transformou no servus Jesu Christi [servo de Jesus Cristo].

Preciso pensar que a conversão não é somente do erro para a Verdade, do pecado para a Graça. Dessa conversão, graças a Deus, não estarei necessitando. Mas, a conversão da tibieza para o fervor — é dessa conversão que estou precisando. Todos os dias, a todo momento, minha natureza está me empurrando para longe de Nosso Senhor. E posso dizer que ela nada conseguiu?

À hora de sua morte, um santo religioso pedia aos seus confrades: rezem, rezem muito pela minha conversão total! Essa conversão total, de toda a minha vida, é a que devo realizar continuamente, até ao fim dos meus dias. Nosso Senhor não deve estar simplesmente ao lado de uma vida sacerdotal, mas tem que ser o centro de toda essa vida: In quo fixa et firma, et immobiliter semper sit radicata mens mea et cor meum [Em quem meu coração e minha mente estejam fixados e firmemente enredados agora e para sempre; trecho da chamada Oração de São Boaventura]. Seja meu esse desejo de São Boaventura.

24 DE JANEIRO


Si de mundo fuissetis... [se fôsseis do mundo...(Jo 15,19)]

Ah!... se fôssemos do mundo! Ele estaria aos nossos pés, ele seria nosso: Haec tibi dabo, si adoraveris me... [te darei estas coisas se me adorares...] Se fôssemos do mundo, ele nos saberia compreender e amar: Quod suum erat mundus diligeret... [o mundo vos amaria como sendo seus...]. Se trabalhássemos para o mundo, ele nos saberia cobrir de elogios, e não nos pouparia recompensas; ele não usaria de todos os meios para impedir o nosso trabalho.

Mas, graças a Deus, não somos do mundo: Quia vero de mundo non estis, sed ego elegi vos de mundo, propterea odit vos mundus [Como, porém, não sois do mundo, mas do mundo vos escolhi, por isso o mundo vos odeia (Jo 15,19)]. Nosso Senhor não exagerou quando disse que o mundo nos odeia. 

Positus in maligno [sob o maligno (1Jo 5, 19)], ele [o mundo] não nos quer porque vê em nós a negação do seu espírito e da sua doutrina. Tanto melhor para nós. Uma prova a mais, de que somos realmente de Nosso Senhor. Quando Ele sentiu todo o peso da hipocrisia do mundo, foi que nos avisou: Se o mundo não vos quer, lembrai-vos que a mim também ele não quis. Quia de mundo non estis [porque não sois do mundo], nada mais triste que o sacerdote procurando agradar o mundo, condescendendo com seu espírito e com a sua mentalidade.

23 DE JANEIRO

Dentur idonei confessarii [haja confessores capazes]

Para São Pio V, era essa a receita indicada para a afervoramento das almas: Ecce omnium christianorum reformatio [e veremos uma reforma completa em toda a cristandade]. É certo que o púlpito, o rádio ou a pena poderão exercer muita atração sobre as minhas qualidades. E se eu as tiver, para todos os meios de apostolado, graças a Deus! Nesse bonum certamen [bom combate] pela salvação das almas, tenho que me utilizar de todos os meios ao meu alcance.

Não devo, porém, esquecer que uma coisa é falar a todos, em geral, e outra, falar a cada um em particular. Junto ao púlpito, ou junto ao rádio, meus ouvintes são apenas ouvintes, a caminho da verdade. No confessionário, eles já serão mais do que isso: penitentes, que desejam livrar-se da própria miséria.

É certo que o trabalho do púlpito, da pena ou do rádio é um apostolado relativamente leve e interessante. Chega mesmo a agradar a minha vaidade. No confessionário, o trabalho é, sem dúvida, mais pesado. Mas... um dia, exausto com suas longas caminhadas, Nosso Senhor estava descansando junto a um poço. E o seu cansaço não o impediu falar àquela samaritana que voltou à cidade, convertida. Diante dos penitentes é que eu serei médico, mestre e pai contanto que in omni patientia, et doctrina [com toda paciência e doutrina, ou seja, segundo as regras da caridade cristã].

22 DE JANEIRO

Elegit nos [nos escolheu (Ef 1,4)]

Certamente não foi por acaso que cheguei ao sacerdócio. O dedo da Providência andou trabalhando sempre, ao longo desse caminho que percorri, até chegar ao altar. Ante mundi constitutionem [antes da criação do mundo] — portanto, muito antes de que eu o pudesse saber, Deus já me havia escolhido. E, se houve uma escolha, foi porque havia outros que também podiam ser chamados. 

Mas eles não foram escolhidos e eu fui. Assim fez Ele também quando, entre os discípulos, escolheu os doze, que chamou Apóstolos: Vocavit discipulos suos, et elegit duodecim, quos et Apostolos nominavit [chamou os seus discípulos e escolheu doze dentre eles, os quais chamou de apóstolos (Lc 6,13)]. Portanto, minha vocação foi uma escolha a dedo; menos não se pode supor da sua infinita sabedoria, ante a sublimidade dos seus planos: Ut essemus sancti et immaculati in conspectu eius [para sermos santos e irrepreensíveis diante dos seus olhos (Ef 1,4)]. Não é pouco o que Ele espera de mim.

Fui escolhido para realizar em minha vida uma santidade superior. Não é apenas aos olhos do mundo que eu devo parecer santo, mas eu tenho que ser um santo aos olhos de Deus: in conspectu eius [diante dos seus olhos]. Compreendo então como deve valer para mim aquela insistência do Apóstolo: Videte vocationem vestram [Vede a vossa vocação!].  Se eu não a meditar, se eu não a tiver diante dos olhos, como a irei viver?

21 DE JANEIRO

Spectaculum facti sumus [fomos entregues em espetáculo (1Cr 4,9)]

Um espetáculo... é alguma coisa que chama a atenção, que prende a admiração e os olhares de todos. A nossa dignidade é esse espetáculo, aos olhos dos anjos e dos homens: et angelis et hominibus [aos anjos e aos homens]. Eles têm diante de si um simples homem, participando do sacerdócio eterno de Cristo. É realmente sublime esse espetáculo da sabedoria e misericórdia de Deus.

Mas não basta que Deus chame a atenção dos anjos e dos homens. Nós também temos que oferecer et angelis et hominibus [aos anjos e aos homens] um espetáculo de santidade e virtudes com a nossa vida sacerdotal. Podemos dizer que já chegamos a esse ponto? E, se não chegamos, será esse ao menos o nosso desejo, a nossa preocupação de todos os dias?

Em meio às trevas, a luz é sempre um espetáculo de calor e de vida. Lux mundi [luz do mundo]— temos que ser para todos um espetáculo de vida sobrenatural. Se não houver de nossa parte um esforço contínuo, pode ser que o mundo veja em nós um triste espetáculo de tibieza e indiferença. Que o nosso exame de consciência e os nossos retiros chamem a nossa atenção para esse ponto.

20 DE JANEIRO

Donec dies est [enquanto for dia (Jo 9,4)]

Meu Deus, tenho diante de mim um campo imenso de trabalho. E minha covardia, meu comodismo, nem sempre querem olhar para essa vinha que está exigindo meu esforço e dedicação. Tenho que aproveitar donec dies est [enquanto for dia]. Enquanto tenho tempo, enquanto as forças não me abandonam, enquanto não chega a noite da morte, preciso trabalhar sem descanso.

O bem que eu não fizer agora, nunca mais eu o farei. E o mérito que eu não ganhar agora, nunca mais será meu. Somos tão poucos, e o trabalho é tanto! Messis quidem multa [a messe é grande]— cada dia ela se torna mais difícil. Senhor, desperta a minha generosidade, para eu saber dar tudo pelas almas: meu tempo, meu descanso, minha morte. Que eu não me queira poupar, vendo que as almas se perdem. Adveniat regnum tuum [que venha o Vosso Reino]— não seja esta uma palavra morta nos meus lábios, mas a alma de toda a minha vida. 

Embora meu comodismo queira ignorar, meus olhos dizem que o inimicus homo ['homem inimigo', expressão que identifica o semeador de joio nas vinhas do Senhor (Jo 13, 28) e que denomina, por extrapolação, todos os grandes inimigos da Igreja] não descansa um momento. Por incrível que pareça, os filhos da treva atiram-se ao trabalho com mais inteligência e coragem que os filhos da luz. Não posso continuar, lamentando apenas, que o inimigo não descansa. Não é solução. O que eu tenho a fazer, é o que já fazia o teu Apóstolo: Impendam et superimpendar [gastar e se desgastar, no contexto de uma entrega contínua e redobrada em favor da salvação das almas, conforme as palavras de São Paulo em IICr 12, 15].

19 DE JANEIRO

Mea doctrina non est mea [minha doutrina não é minha (Jo 7,16)]

Temos que ensinar, verbo et opere [por palavras e ações], o que Nosso Senhor ensinou. E como ensinar? Pela palavra simples e despretensiosa, com o zelo e a mansidão do Mestre. Voar apenas sobre o auditório, com as asas de idéias demasiado elevadas, alardear ciência ou tentar vestir a simplicidade das verdades com a poesia de sedas e arminhos, é uma lamentável profanação do nosso Ministerium verbi [ministério da palavra].

Nosso Senhor não foi chamado de orador, mas de Mestre, porque a sua única preocupação era: Ut cognoscant te, solum Deum verum, et quem misisti [que Vos conheçam, um só Deus Verdadeiro, e quem enviastes (Jo 17,3)]. E temos que pregar também com o exemplo. Se em cada sacerdote há um pregador que reparte ao povo o pão da palavra, não falte igualmente o santo, que a todos alimente com a riqueza do exemplo.

Ouve-se às vezes: hoje o mundo não quer mais ouvir certas verdades antigas. Realmente, São Paulo já previu: Erit enim tempus, cum sanam doctrinam nos sustinebunt [porque virá tempo em que a sã doutrina não será suportada (pelos homens), em 2 Tm 4,3] Mas, se esse tempo já chegou, temos que perguntar: de quem é a culpa? Se soubermos viver as verdades antigas, o mundo certamente não as irá estranhar quando as pregarmos.

18 DE JANEIRO

Quoniam Ecclesia sancta est [porque a Igreja é santa]

Nosso Senhor nos fez membros de sua Igreja. Pelo sacerdócio, Ele nos elevou a uma posição de destaque, distinguindo-nos como seus amigos particulares: Jan non dicam vos servos, sed amicos [já não vos chamo de servos, mas de amigos]. Mas, não nos esqueçamos: essa distinção nos foi conferida unicamente em atenção à Santa Igreja. Temos portanto que servi-la, mas com amor e dedicação. Não somos empregados ou meros funcionários de uma organização.

O que a Santa Igreja espera de nós, não são tanto as obras de uma vida simplesmente ativa, mas as obras de uma vida santamente sacerdotal. O que mais interessa à Igreja não é o nosso trabalho pela santificação das almas; antes de tudo ela quer que nos santifiquemos.

Se o padre, tendo um nome feito no rádio e televisão, nos jornais e revistas, tiver seu nome desfeito na língua do povo... que ganhará a Igreja com isso? E ainda que muitos o tenham por virtuoso, se ele não for realmente Homo Dei [homem de Deus]— e Deus o sabe — não estará sendo o que a Igreja quer. Nossas virtudes serão atribuídas à Igreja como nossos falhas também o são. Como poderá pensar em santificar as almas aquele que não se preocupa com a própria alma? Que nos santifiquemos, para podermos santificar: é tudo o que a Igreja espera de nós. Quantum quisque amat Ecclesiam Christi, tantum habet Spiritum Sanctum [Quanto mais se ama a Igreja de Cristo, tanto mais se possui o Espírito Santo (Santo Agostinho].


17 DE JANEIRO

Mortui enim estis [porque estais mortos (Cl 3,3)]
  
Segundo a doutrina do Apóstolo, nós já morremos com Cristo, pelo batismo: Mortui estis [estais mortos]. No entanto, devemos continuar vivendo, mas de uma vida diferente: Vita vestra abscondita est in Christo Jesu [a vossa vida está escondida em Cristo Jesus].

Essa a grande realidade que a nossa natureza se recusa a aceitar. Justamente por não seguirmos a mentalidade do mundo, este não nos compreende e nos tem por mortos. Oxalá tenha razão, que estejamos realmente mortos para nós mesmos e para tudo o que o mundo nos põe diante dos olhos! Poderemos viver assim, mais in Christo Jesu [em Cristo Jesus], unicamente para as almas, olhando para a glória de Deus.

Essa foi a vida dos santos: o corpo neste mundo; mas a alma abscondita in Christo Jesu [escondida em Cristo Jesus] já vivendo num mundo superior. Para o Apóstolo São Paulo, do mundo só existiam as almas que ele queria salvar; o mais não lhe interessava, porque estava acima de tudo, vivendo em Nosso Senhor. Nemo enim nostrum sibi vivit et nemo sibi moritur. Sive enim vivimus, sive morimur, Domini sumus [Nenhum de nós vive para si e ninguém morre para si. Se vivemos, se morremos, pertencemos ao Senhor (Rm 14 7,8)].

16 DE JANEIRO

In medio luporum [no meio de lobos (Mt 10,16)]


Foi assim que Nosso Senhor nos viu neste mundo. Ele teve poucos amigos sinceros aqui na terra. Inimigos, no entanto, não lhe faltaram. Pelo caminho do nosso ministério sacerdotal, iremos encontrar, muitas vezes, os lobos que Nosso Senhor também encontrou. Mais perigosos, porém, que os lobos declarados, são aqueles que se apresentam com aparências de ovelhas.

Tome cuidado o sacerdote com certas amizades que ocultam segundas intenções. Amizades que visam envolver o padre na política ou que pretendem vantagens financeiras ou mesmo legalizar aparentemente certas situações duvidosas; essas amizades não passam de lupi rapaces [lobos vorazes]. Acabam despojando o padre do seu bom nome e da sua fama, para atirá-lo depois ao desprezo e desconfiança do povo.

Com um pouco de prudência, não nos será difícil distinguir entre um anjo bom e um demônio mediano: Qui veniunt ad vos in vestimentis ovium; intrinsecus autem sunt lupi rapaces [Eles vêm até vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes (Mt 7,15)]. São Paulo os conheceu de perto e deixou para os fiéis um aviso que vale para nós: Videte, fratres, quomodo caute ambuletis! [Vigiai, irmãos, com cuidado sobre a vossa conduta! (Ef 5,15)].

15 DE JANEIRO

Non quaero gloriam meam [Não busco a minha glória (Jo 8,50)]

O Sumo Sacerdote da Redenção não procurava a sua glória. Subindo ao altar do sacrifício, no Presépio, até consumar sua oblação, na Cruz, Ele só pensou na glória do Pai. E nós, sacerdotes cooperadores da Redenção?

Neste mundo eu não quero pedestal — dizia um padre com muita humildade. Se a exagerada preocupação de si mesmo é ridícula em qualquer indivíduo, mais desprezível se torna quando a notamos no sacerdote. Um exterior todo retocado pela vaidade, o gosto de falar sempre ex-cathedra [do alto, como um catedrático, sem admitir objeções], o desejo de estar em toda parte à procura de evidência, de amizades e elogios, a preocupação de agradar os mais altamente colocados, com desprezo dos mais humildes; enfim, o abuso da dignidade sacerdotal em proveito da própria vaidade... é triste, é lamentável.

Querer viver na glória quem deveria viver na imolação... não será um escândalo para as almas de boa vontade? A exagerada preocupação de se fazer simpático, poderá ter, para o padre, um resultado contrário. Coloquemos sempre um pouco mais de alma e convicção nesse Gloria Patri [Glória ao Pai], que rezamos, com os lábios, tantas vezes!

14 DE JANEIRO

Qui se existimat stare... [quem pensa estar de pé (1Cr 10,12)]

É muito grande a força do demônio. Se ele já dobrou muito caniço, já arrancou muito carvalho também. Cedros do Líbano vieram abaixo, porque confiaram demasiado na força das próprias raízes. É pela presunção que o demônio consegue minar os alicerces de muita vida sacerdotal. Videat ne cadat [vigiar para não cair] — isto quer dizer esforço e trabalho. 

Tome cuidado, empregue os meios, não se descuide, nem facilite. Tempestades há no ambiente que nos cerca. E as mais terríveis não são as que entram pelos sentidos, mas aquelas que rugem dentro de nós mesmos. Lamennais, o grande apologeta, pregou certa vez numa igreja dos redentoristas, na Suíça. Um sucesso. Perguntaram ao reitor da comunidade, o que achava daquele orador, coluna da Igreja na França. Com um ar de tristeza, o reitor, Ven. Pe. Passerat, respondeu: 'Tenho medo desse homem; ele não reza'. Algum tempo depois, Lamennais era um apóstata.

Naquela vida, como em tantas outras, a presunção e o orgulho minaram os alicerces. A base cedeu. Et descendit pluvia, et venerunt flumina, et flaverunt venti, et irruerunt in domum illam, et cecidit, et fuit ruina illius magna [caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa; ela caiu e grande foi a sua ruína (Mt 7,27)].

13 DE JANEIRO

Descendit de Caelis [Desceu dos Céus!]

Infelizmente esta palavra já não chama a nossa atenção. Achamos tão natural que isso tenha acontecido! Um dia, o orgulho do homem quis ocupar o trono de Deus. E esse orgulho absurdo pôs a humanidade a perder. Para salvá-la, Deus deixou o seu trono, e veio ao mundo, ocupar um estábulo... Esta solução redentora não foi apenas uma indireta divina contra o orgulho humano. Mais claramente  Deus não o poderia ter condenado.

Apesar disso, o meu orgulho continua vivo. Sei que Deus desceu dos céus à terra, e não tiro dessa verdade as consequências que devia tirar para a minha vida. Quando me coloco diante do Presépio ou da Cruz, meu orgulho fecha os olhos, para não ver a que ponto eu devo chegar. E depois de transformar o Paraíso num vale de lágrimas, ele vive enchendo a minha vida de queixas,  revoltas e reclamações. 

Soubesse eu ocupar 'o meu lugar', sempre na humildade, e seria tão feliz! Diante do Presépio e da Cruz é que eu devo meditar bem as palavras do Precursor: Illum oportet crescere, me autem minui [é preciso que Ele cresça e eu diminua]. Então compreenderei que preciso viver como Nosso Senhor viveu: Formam servi accipiens [assumindo a condição de escravo (Fl 2,7)].

12 DE JANEIRO

Mundamini qui fertis vasa Domini [purificai-vos, vós que levais os vasos do Senhor (Is 52,11)]

Seria essa uma das consequências do nosso exame diário de consciência: maior cuidado pela pureza de nossa alma. Se deviam ser puros e inocentes aqueles que apenas tocavam nos vasos do Templo, quanta inocência Deus não estará exigindo daqueles que devem tratar diariamente com o Panis Angelicus [Pão dos Anjos (Sagrada Eucaristia)].

Triste e lamentável seria, se justamente a alma do sacerdote destoasse daquela pureza e dignidade que a Igreja requer em tudo o que está a serviço do culto divino. Deponentes igitur omnem malitiam, et omnem dolum, et simulationes, et invidias, et omnes detractiones. Sicut modo geniti infantes [Deponde, pois, toda malícia, toda astúcia, fingimentos, invejas e toda espécie de maledicência, como crianças recém-nascidas (1Pd 2,1)]. Como seria diferente a minha vida, se diariamente, à noite, eu examinasse, com minha consciência, os pensamentos, palavras e ações do dia!

Não foi sem motivo que a Igreja insistiu comigo, dizendo: Estote ergo talis, ut sacrificiis divinis digne servire valeas [sejas assim, portanto, para que possas servir dignamente ao sacrifício divino; trecho do rito de ordenação constante do Pontifical Romano]. Revendo e estudando a minha vida de todos os dias, irei me convencer de que tudo leva certamente o selo da boa vontade, mas que alguma coisa poderá estar em desacordo com esse digne servire [servir dignamente]. Não irei permitir, então, que certas falhas me acompanhem sempre, como coisa normal, que a minha indiferença não vê, e, por isso mesmo, não condena.

11 DE JANEIRO

Mihi vivere Christus est [para mim o viver é Cristo (Fl 1,21)]

Por eu ser um Alter Christus [outro Cristo], minha vida precisa refletir continuamente a vida do meu Mestre. E isto não me será possível, sem um profundo conhecimento de Nosso Senhor. Por eu ser o Praedicator veritatis [pregador da Verdade], preciso conhecer a Verdade em sua fonte, assim como ela veio ao mundo. Mas, como irei imitar um Mestre que não conheço? E como irei ensinar e viver a Verdade que não estudo?

A biografia de Nosso Senhor — completa, enquanto possível — está no Evangelho. Aí posso encontrar veluti viva et spirans imago eius [a imagem dEle, viva e palpitante]. Irei vê-lo, para que o possa imitar e ensinar, assim como Ele era realmente. Mas, o Evangelho é talvez o livro que menos leio, e que menos estudo. Acho indispensável a leitura diária dos jornais e revistas. Mas, do Livro por excelência, leio apenas algum trecho, aos domingos, para os fiéis; e, talvez, nem isso. 

Há livros que me interessam muito mais, porque, infelizmente, ainda não descobri que há, no Evangelho, uma riqueza inesgotável, para mim, e para as almas que eu devo alimentar com a Palavra divina. A falta de interesse pelo Evangelho, denuncia sempre, no sacerdote, a falta de interesse no próprio Nosso Senhor.

10 DE JANEIRO

Infelix ego homo! [homem infeliz que sou! (Rm 7,24)]

Tratando-se das ocasiões de pecado, há um modo de encarar as coisas, não com simplicidade cristã, mas com exagerada naturalidade. Chama-se a isto mentalidade arejada, segundo a qual, as ocasiões não seriam tão frequentes, nem o perigo tão grande como quer a mentalidade antiga e acanhada. Nem tanto ao mar, mas também nem tanto à terra.

O Antigo Testamento já condenou aquele que ama o perigo. E São Paulo nos diz que, para nos enganar, o demônio é capaz de tudo; chega mesmo a se transfigurar: Ipse Satanas transfigurat se in angelum lucis [o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz]... A nossa fraqueza é tão grande, que facilmente chegamos a defender uma coisa, pelo simples motivo de a desejarmos. E assim, às vezes, dizemos não haver perigo, porque realmente queremos o perigo.

Estaremos em melhores condições que o Apóstolo? Infelix ego homo, quis me liberabit de corpore mortis huius? [Homem infeliz que sou! Quem me livrará deste corpo que me acarreta a morte?, palavras de São Paulo aos romanos, em Rm 7,24]. Spiritus quidem promptus est [o espírito, na verdade, está pronto] — não há dúvida; mas... caro autem infirma [mas a carne é fraca], e disto não podemos duvidar também. Temos uma natureza de morte; e quando ela quer alguma coisa, usa de todos os meios para a justificar: Quod volumus libenter credimus...[sempre acreditamos no que queremos acreditar].

09 DE JANEIRO

Similes ei erimus [seremos semelhantes a Deus (1Jo 3,2)]

Meu Deus, o que me pedes, neste mundo, é um nada; apenas alguns anos de luta. No entanto, o teu amor tem, reservada para mim, uma eternidade de glória: In hac brevi et exigua vita agones et labores; in illa vero vita, quae aeterna est, praemia meritorum [nesta vida breve e passageira, provações e fatigas; na outra e verdadeira vida, recompensa eterna (São Beda)].

Senhor, que este mundo não me faça perder de vista essa eternidade que, com tanto carinho, puseste diante dos meus olhos. Como irei desinteressar-me dessa recompensa que preparaste para teus filhos, ante mundi constitutionem [antes de criar o mundo]? Que dignidade, e que riqueza para mim: Nunc filli Dei sumus [desde agora somos fi­lhos de Deus!] No entanto, ainda preciso esperar: Nondum apparuit quid erimus [não se manifestou ainda o que seremos]; quero acalentar esta esperança, pois, cum apparuerit, similes ei erimus [quando se manifestar, sere­mos semelhantes a Deus].

Meu Deus, diante do que me espera, que eu não viva neste mundo como um escravo, nem sofra como se eu fosse um condenado ao desespero! Não posso me esquecer de que sou um dos teus filhos, com direito a uma parte da tua riqueza infinita. Ela está à minha espera, pois é herança minha. E eu estaria ofendendo a tua liberalidade, se quisesse fechar os olhos, para não ver aquilo que o teu amor, desde já, me quis mostrar. Levate oculos vestros! [levantai os vossos olhos! (Jo 4,35)].

08 DE JANEIRO

Si adhuc homnibus placerem [se quisesse agradar aos homens (Gl 1,10)]

É verdade que precisamos ganhar a todos para Nosso Senhor. E as palavras duras, as atitudes ríspidas, nunca foram meios de apostolado. Foi pela mansidão que Nosso Senhor atraiu a todos: Discite a me, quia mitis sum, et humilis corde  [aprendei de mim que sou manso e humilde de coração].

Mas que o nosso zelo não seja imprudente e sentimental, a ponto de nos levar a um erro perigoso. Condescender com certas ideias e fraquezas, por de lado a simplicidade cristã, porque certa classe de pessoas a não tolera, modernizar-se mundanamente com o intuito de agradar e atrair; enfim, sacrificar a verdade, apresentando-a menos pesada e mais agradável, certamente não seria isso digno do sacerdote de Nosso Senhor, o qual estaria perdendo pensando ganhar.

As almas somente se deixam atrair pela virtude. E se esta nem sempre agrada, nem por isso a podemos profanar. O sacrifício da Verdade não ganha a ninguém; antes põe a perder as almas; elas querem ver no sacerdote o homem de Verdade que não se diminui. Com o nosso modo de apresentar a Verdade aos homens, nunca poderemos prejudicá-la. O Apóstolo, com todo o seu zelo, confessava não ter agradado a todos: Si adhuc hominibus placerem, Christi servus non essem [Se quisesse agradar aos homens, não seria servo de Cristo, palavras de São Paulo aos Gálatas, em Gl 1, 10]. 

07 DE JANEIRO

Ego elegi vos [eu vos escolhi (Jo 15,19)]

Pouco antes de morrer, num discurso que não chegou a pronunciar, Pio XII escreveu: imensa é a bondade de Deus para com aqueles que Ele escolhe, como instrumento da sua vontade salvífica. Depositário e dispensador dos meios de salvação, o sacerdote, como não pode dispor deles segundo o próprio arbítrio, pois que é 'ministro', assim mantém inalterada a autonomia da sua pessoa, a liberdade e responsabilidade dos seus atos. 

Ele é portanto um instrumento consciente de Cristo, que, como um artista genial, dele se serve, como de um cinzel, para esculpir nas almas a imagem divina. Ai se o instrumento se negasse a seguir a mão do divino Artista; se deformasse o desenho dele, por próprio capricho! Bem medíocre resultaria a obra, se o instrumento fosse, por própria culpa, inepto. 

A santidade é o elemento primário que faz do sacerdote um instrumento perfeito de Cristo, já que o instrumento é tanto mais perfeito e eficaz, quanto mais unido estiver à causa principal (...) Em muitos casos não basta o fervor das próprias persuasões, nem o zelo da caridade para conquistar e conservar as almas para Cristo. Também aqui o bom povo tem razão, quando reclama de sacerdotes 'santos e doutos'.

06 DE JANEIRO

Invenerunt puerum... [acharam o menino... (Mt 2, 11)]

Sim, eles acharam o Menino, mas à custa de muito trabalho e sacrifício. Após uma viagem longa e penosa, chegaram enfim ao palácio do Rei dos judeus: um casebre, onde, na maior pobreza, estava uma simples criança. Para mim foi tão fácil achar Nosso Senhor! E nem sempre eu soube aproveitar dessa facilidade...

Eles acharam o Menino cum Maria, Matre eius [com Maria, sua Mãe]. Sempre com sua Mãe — foi assim que o Redentor realizou a sua obra de Redenção. Se não podemos separar o Redentor de sua Mãe Santíssima também não podemos separar Nossa Senhora da vida sacerdotal. O Alter Christus [outro Cristo] não saberá trabalhar sem Ela.

Os Magos ofereceram ouro, incenso e mirra. Não nos é tão difícil oferecer a Nosso Senhor o ouro e o incenso de um exuberante apostolado exterior. Anos e anos de trabalho, no afervoramento de uma paróquia, na organização de uma obra de assistência social, é com satisfação que entregamos tudo a Nosso Senhor. Mas... oferecer a mirra de certas renúncias interiores e mesmo exteriores... oferta dolorosa, muitas vezes, no entanto, necessária. Nosso Senhor não se contenta com uma parte do sacrifício que nos pede. Ele quer um sacrifício completo. Ele quer tudo. Ecce nos reliquimus omnia [Eis que deixamos tudo, palavras de São Pedro a Jesus, em Mt 19, 27].

05 DE JANEIRO

Fundamentum aliud... [um fundamento diferente... (1Cor 3,10)]

Nós, os sacerdotes, pensamos muito em realizar, em construir. Nada mais natural, pois o nosso ministério o exige. Muito mais importante, porém, que qualquer atividade exterior, é o nosso trabalho na construção de nossa vida interior. Desta é que depende tudo o mais.

Quanto mais alto um edifício, tanto mais sólida deverá ser a sua base, mais profundas os seus alicerces. Ora, a nossa vida sacerdotal é um verdadeiro arranha-céu, porque dá na vista de todo o mundo, e atinge mesmo a altura do céu, no que ela tem de grandioso e sublime. E que será dessa construção toda, se ela não assentar sobre o concreto de uma virtude a toda prova?

Se o exame de consciência me diz que a árvore de minha vida sacerdotal não está produzindo bons frutos, o remédio não está numas gotinhas d’água, derramadas sobre suas folhas... Tenho que regar as raízes dessa árvore. Por falta de vida interior, isto é, de base sólida, quanta vocação já não desmoronou! Até cedros do Líbano foram vistos, rolando correnteza abaixo... Fundamentum enim aliud nemo potest ponere, praeter id quod positum est, quod est Christus Jesus [Quanto ao fundamento, ninguém pode por outro diverso daquele que já foi posto, que é Jesus Cristo].

04 DE JANEIRO

Quomodo cecidisti! [como caíste!]

O exame diário de nossa consciência — quanto bem não nos faria, se o fizéssemos bem! Temos que fazê-lo sem medo, com um sincero desejo de ver a nossa miséria bem de perto. Um construtor precisa, frequentemente, examinar se a sua construção está sendo executada, de acordo com a planta estabelecida; qualquer erro poderá influir em todo o conjunto da obra. Maior cuidado exige de nós a construção de nossa vida espiritual (sacerdotal).

O modelo que devemos realizar é o de perfeição infinita. E o nosso trabalho está sendo objeto de admiração dos anjos e santos da eternidade. Costumamos dar tanta atenção às faltas alheias! Quanto assunto não nos fornecem para nossos comentários! Deixando-as de lado, em santa paz, tomemos diariamente as nossas faltas como assunto de uma conversa séria com a nossa consciência. 

Integritatis tuae curiosus explorator, vitam tuam quotidiana discussione examina. Attende diligenter quantum proficias vel quantum deficias; stude cognoscere te. Pone omnes transgressiones tuas ante oculos tuos, statue te ante teipsum, tamquam ante alium, et sic teipsum plange [como curioso explorador da sua própria conduta, examine com diligência a sua vida diária. Considera cuidadosamente os progressos feitos e o que se perdeu... esforce-se para conhecer a si mesmo... exponha todas as suas faltas diante dos seus olhos e coloque-se diante de si mesmo como se fosse outra pessoa ... e, então, lamente pelos seus erros]. Este é o conselho que nos dá São Bernardo (em Meditationes piissimae).

03 DE JANEIRO

Dum tempus habemus... [enquanto temos tempo (Gl 6,10)...]

Se a minha vida é feita de anos, os meus anos se compõem de minutos. Assim como Deus não me dá toda a existência de uma só vez, mas pouco a pouco, assim também não posso santificar a minha vida num momento, mas tenho que viver para Deus todos os meus minutos.

Que eu possa perder a vida num momento — isso me impressiona. Mas que, num momento, eu possa perder a eternidade — isso deveria impressionar-me muito mais. Saber aproveitar o tempo é viver com sabedoria: Non quasi insipientes, sed ut sapientes redimentes tempus, quoniam dies mali sunt (Ef 5,15) [não sejam néscios mas sábios, aproveitando bem o tempo, porque os dias são maus].

Ninguém sabe o bem que faz, quando faz o bem; e nem sabe o mal que faz, quando deixa de fazer o bem. Por isso, em matéria de passar o tempo, eu posso e devo ser um ignorante. Mas devo ser um sábio, tratando-se de aproveitar o tempo. Quando a minha vida chegar ao fim, nada irei desejar mais que uma parcela desse tempo que agora está nas minhas mãos. Antes que chegue o meu último dia, preciso aproveitar os meus dias, para não perder os meus anos: tempora labuntur, et senescimus annis [trecho de 'Os fastos' de Ovídio: tempora labuntur, tacitisque senescimus annis et fugiunt, freno non remorante, dies – os tempos se completam e envelhecemos nos anos silenciosos; os dias fogem, não havendo como estancá-los].

02 DE JANEIRO

In unione illius divinae intentionis [Em união com essa divina intenção]

Tenho pela frente um novo ano, que eu devo ganhar para a minha eternidade. Logo de início preciso me compenetrar do que disse Nosso Senhor: 'Sem mim nada podeis fazer'. Portanto, é com Ele que eu devo ir recolhendo, um por um, os dias que me esperam: Qui non colligit mecum, dispergit [quem comigo não ajunta, dispersa].

Se eu quiser trabalhar sozinho, terei que ouvir um dia a Escritura: Seminasti multum et intulisti parum (Ag 1,6) [semeais muito e recolheis pouco]. Deus me criou para a sua maior glória. E, fazendo uma seleção entre as almas que o amam, eu fui um dos contemplados. Ele deve ser mesmo infinitamente bom, para querer que a minha miséria coopere na sua Redenção, para sua glória infinita. Mas quanta atividade, grandiosa aos olhos do mundo, já não foi declarada sem valor, à hora da morte, porque lhe faltava o selo illius divinae intentionis! [com essa divina intenção!].

No dia em que me chamar, Deus irá examinar comigo a boa intenção que eu devia ter posto em tudo: Quaeretur a nobis quid fecimus, quam religiose viximus [seremos perguntados sobre o que fizemos e o quão honestamente vivemos - Imitação de Cristo, de Thomas de Kempis]. Posso aguardar tranquilo a hora dessa avaliação? Que o diga minha vida passada. Preciso vigiar a minha vaidade, meu apego, meu comodismo, para não lamentar um dia: Qui mercedes congregavit, misit eas in saeculum pertusum (Ag 1, 6) [para não lamentar como o trabalhador que guarda o seu salário numa sacola furada].

10 de JANEIRO

Procedamus in pace! [Vamos prosseguir em paz!]

E nem poderia ser de outra maneira: em paz com minha consciência, e em paz com Nosso Senhor: assim terei um ano realmente novo, diferente de quantos já vivi. Em paz comigo e com Deus, haverá em minha vida um aumento de fervor, para que eu possa dedicar este ano às almas e à minha alma. Olhando para os dias que estão para chegar, eu os vejo como um altar à minha espera. Quanto sacrifício nesse campo das almas que eu devo trabalhar!

Sacerdos pro populo [sacerdote para o próximo] — mas não serei, para as almas, a vida que elas esperam, se descuidar da minha própria vida interior; como cuidar das almas, ignorando as necessidades da própria alma? Tenho que agradecer a Nosso Senhor este novo ano que Ele me quer dar. E não posso esquecer que este poderá ser o último ano em minha vida. Será que, em 31 de dezembro deste ano, ainda estarei lendo os últimos pensamentos deste livro?

Que o meu fervor destes dias me acompanhe sempre; não posso deixar, ao longo do meu caminho, os propósitos que tomei. E já que pode ser este o último ano da minha vida, preciso aproveitá-lo, quanto mais, para as almas, e para a minha alma. Um ano é tão pouco para o muito que tenho a realizar! Não posso esbanjar o meu tempo. Cotidie morior...['Morro a cada dia'].