quarta-feira, 6 de julho de 2022

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XXXV)

Capítulo XXXIV

Razões da Expiação no Purgatório - Negligência na Oração - Venerável Inês de Langeac e Irmã Angelique - São Severino de Colônia - Venerável Francisca de Pamplona e os Sacerdotes - Padre Streit e sua única Falta

Devemos tratar as coisas sagradas de maneira santa. Toda irreverência nos exercícios religiosos é extremamente desagradável a Deus. Quando a Venerável Inês de Langeac, de quem já falamos, era prioresa do seu convento, ela recomendou expressamente às suas religiosas respeito e especial fervor em todas as suas relações com Deus, lembrando-lhes estas palavras da Sagrada Escritura: 'maldito aquele que faz o trabalho de Deus com negligência'. Uma certa irmã da comunidade chamada Angelique faleceu. A piedosa superiora estava rezando perto do seu túmulo, quando de repente viu a irmã falecida diante dela, vestida com o hábito religioso; ela sentiu ao mesmo tempo como se uma chama de fogo tocasse o seu rosto. Irmã Angelique agradeceu a ela por tê-la estimulado no fervor e, em particular, por tê-la feito repetir com frequência durante a vida estas palavras: maldito aquele que faz o trabalho de Deus com negligência. 'Continue, mãe' - acrescentou ela - 'a incitar as irmãs neste fervor; para que sirvam a Deus com a máxima diligência e amem a Deus de todo o coração e com todo o poder de sua alma. Se elas pudessem entender quão rigorosos são os tormentos do Purgatório, nunca seriam culpadas da menor negligência'.

A advertência anterior diz respeito de maneira especial aos sacerdotes, cujas relações com Deus são contínuas e mais sublimes. Lembrem-se, portanto, sempre e nunca se esqueçam disso, quer ofereçam a Deus o incenso da oração, quer distribuam os Tesouros Divinos dos sacramentos, quer no altar celebrem os mistérios do Corpo e Sangue de Jesus Cristo. Veja o que relata, por exemplo, São Pedro Damião em sua 14ª Carta a Desidério.

São Severino, Arcebispo de Colônia, edificou a sua igreja como exemplo de todas as virtudes. A sua vida apostólica e as suas grandes obras de de evangelização e proclamação do reino de Deus nas almas fizeram que merecesse as honras da canonização. No entanto, após a sua morte, ele apareceu a um dos cônegos de sua catedral para pedir orações. Este digno sacerdote, não sendo capaz de entender como um santo prelado - como sabia que Severino o era - precisaria obter orações na outra vida, ouviu o seguinte do falecido bispo: 'É verdade que Deus me deu a graça de servi-lo com todo o meu coração e trabalhar na sua vinha, mas muitas vezes o ofendi com a pressa com que recitei o Santo Ofício. As ocupações de cada dia absorviam tanto a minha atenção que, quando chegava a hora da oração, eu buscava me desincumbir desse grande dever sem a devida atenção e, muitas vezes, em horários diversos daqueles recomendados pela Santa Igreja. Assim agora estou expiando essas infidelidades, e Deus me permite vir até aqui e pedir as suas orações'. A biografia acrescenta que Severino permaneceu seis meses no Purgatório por estas faltas.

A Venerável Irmã Francisca de Pamplona, que também já mencionamos, viu um dia no Purgatório um pobre padre cujos dedos estavam carcomidos por terríveis úlceras. Foi assim castigado por ter feito o Sinal da Cruz no altar com demasiada leviandade e sem a necessária gravidade. Ela disse que, em geral, os padres permanecem no Purgatório por mais tempo do que os leigos e que a intensidade dos seus tormentos é proporcional à sua dignidade. Deus revelou a ela o destino de vários sacerdotes falecidos. Um deles teve que suportar quarenta anos de sofrimento por ter permitido, por sua negligência, que uma pessoa morresse sem os sacramentos; outro ali permaneceu quarenta e cinco anos por ter desempenhado com certa leviandade as sublimes funções do seu ministério. Um bispo, cuja liberalidade o levou a ser nomeado esmoler [um capelão encarregado de distribuir dinheiro aos pobres], ficou detido ali por cinco anos por ter ansiado por tal dignidade; outro, não tão caridoso, foi purgado por quarenta anos pelo mesmo motivo.

Deus quer que o sirvamos com todo o nosso coração e que evitemos, na medida em que a fragilidade da natureza humana assim o permita, até as menores imperfeições; mas o cuidado de agradá-lo e o temor de desagradá-lo devem ser acompanhados por uma humilde confiança em sua misericórdia. Jesus Cristo nos admoestou a ouvir aqueles a quem Ele designou para serem os nossos guias espirituais como nós o ouviríamos e a seguir o conselho do nosso superior ou confessor com perfeita confiança. Assim, um temor excessivo é uma ofensa à sua misericórdia.

Em 12 de novembro de 1643, padre Philip Streit, da Companhia de Jesus, religioso de grande santidade, faleceu no Noviciado de Brünn, na Boêmia. Todos os dias ele fazia o seu exame de consciência com o maior cuidado e assim adquiriu uma grande pureza de alma. Algumas horas depois de sua morte, ele apareceu glorioso para um dos Padres de sua Ordem, o Venerável Martin Strzeda. 'Uma única falta' - disse ele - 'ainda me impede de ir para o Céu e me detém por oito horas no Purgatório; é a de não ter confiado suficientemente nas palavras do meu superior que, nos últimos momentos da minha vida, esforçou-se por acalmar-me um pequeno problema de consciência. Eu deveria ter considerado as suas palavras como a voz do próprio Deus'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)