segunda-feira, 19 de abril de 2021

O DOGMA DO PURGATÓRIO (IV)


Capítulo IV

Lugar do Purgatório - Doutrina dos Teólogos - Catecismo do Concílio de Trento - São Tomás

Embora a fé nada nos diga de definitivo sobre a localização do Purgatório, a opinião mais comum, aquela que mais está de acordo com a linguagem das Escrituras e que é mais geralmente aceita entre os teólogos, é aquela que o situa nas entranhas da terra e não muito longe do Inferno dos réprobos. Os teólogos são quase unânimes, diz São Belarmino, em ensinar que o Purgatório, pelo menos o lugar de expiação por excelência, está situado no interior da terra e tanto as almas do Purgatório como as dos condenados encontram-se no mesmo espaço subterrâneo do abismo profundo que as Escrituras chamam de Inferno (De purgat. lib. 2. cap. 6).

Quando repetimos no Credo dos Apóstolos que, depois de sua morte, Jesus Cristo desceu ao Inferno - o nome Inferno, diz o Catecismo do Concílio de Trento (Catech. Rom., Cap. 6, § 1), compreende todos aqueles lugares secretos onde se encontram as almas que ainda não alcançaram a beatitude eterna. Mas essas prisões são de tipos diferentes. Uma delas é uma masmorra escura e sombria, onde os condenados são continuamente atormentados por espíritos malignos e por um fogo que nunca se apaga. Este lugar, que é o inferno propriamente dito, também é chamado de geena e abismo. Existe um outro Inferno, que retém o fogo do Purgatório. Ali as almas dos justos sofrem por um determinado tempo, para que possam ser inteiramente purificadas de suas faltas, para então ser acolhidas na pátria celestial, onde contaminação alguma pelo pecado pode entrar.

Um terceiro Inferno foi aquele no qual foram acolhidas as almas dos santos que morreram antes da vinda de Jesus Cristo, no qual desfrutaram de um repouso tranquilo e isento de dores, consolados e sustentados pela esperança de sua redenção. Elas eram aquelas almas santificadas que aguardavam Jesus Cristo no seio de Abraão, e que foram resgatadas quando Cristo desceu ao Inferno. Nosso Salvador infundiu de repente sobre elas uma luz muito brilhante, que os encheu de alegria infinita e deu-lhes a bem-aventurança beatífica, que é a visão de Deus. Cumpriu-se então a promessa de Jesus revelada ao bom ladrão: 'Hoje estarás comigo no Paraíso'.

'Uma opinião muito provável' - diz São Tomás - 'e que, aliás, é ratificada pelas palavras dos santos em revelações particulares, é que o Purgatório apresenta um duplo espaço de expiação. O primeiro está destinado às almas em geral e situa-se em profundezas maiores, próximo ao Inferno; o segundo abrange casos particulares, dos quais provêm as tantas aparições' (Suplemento, part iii, ques. ult.). O santo Doutor admite, portanto, como tantos outros que compartilham de suas opiniões que, às vezes, a Justiça Divina atribui um lugar especial de purificação a certas almas, e permite inclusive que elas apareçam para instruir os vivos ou para obter para as almas sofredoras os sufrágios de que precisam e, em outros casos, por outros desígnios da sabedoria e da misericórdia de Deus.

Essa é a visão geral sobre a localização do Purgatório. Visto que não estamos escrevendo um tratado contencioso, não adicionamos nem provas nem refutações; estas podem ser acessadas nas obras de autores como Suarez e Belarmino. Vamos nos atentar aqui à opinião sobre um inferno subterrâneo que nada tem a temer da ciência moderna pois uma ciência puramente natural é incompetente para resolver questões que pertencem, como esta, à ordem sobrenatural. Além disso, sabemos que os espíritos podem estar em um lugar ocupado por corpos, como se esses corpos não existissem. Qualquer que seja, então, o interior da terra, seja inteiramente de fogo como os geólogos defendem ser, seja em qualquer outro estado, não há nada que tal lugar não possa servir de permanência de espíritos, mesmo de espíritos revestidos com um corpo ressuscitado. O apóstolo São Paulo ensina-nos que o ar está repleto de uma multidão de espíritos malignos: 'temos de lutar ... contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares' (Ef 6,12). Por outro lado, sabemos que os anjos bons que nos protegem não são menos numerosos no mundo. Assim, se anjos e outros espíritos podem habitar a nossa atmosfera, sem que o mundo físico experimente qualquer variação, por que as almas dos mortos não poderiam habitar o seio da terra?

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)