segunda-feira, 14 de outubro de 2019

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XL)

XI

DA UNIDADE E MULTIPLICAÇÃO EM CRISTO CONSIDERADAS QUANTO AO SER, À VONTADE E ÀS OPERAÇÕES

Constitui Jesus Cristo um só ser ou um agregado de seres?
Um só, Deus e homem ao mesmo tempo, porque uma só é a pessoa que subsiste em ambas as naturezas divina e humana (XVIII, 1, 2)*.

Há em Cristo mais de uma vontade?
Sim, Senhor; possui a vontade divina como Deus; e como homem, a vontade humana (XVIII, 1).

A vontade humana de Cristo é uma ou múltipla?
Se entendermos por vontade não só o apetite afetivo intelectual, mas também o sensível e ainda os atos diversos da mesma potência afetiva, é múltipla (XVIII, 2, 3).

O Verbo Encarnado teve e tem livre arbítrio?
Sim, Senhor; e em grau excelente e perfeitíssimo, apesar do que, de maneira alguma, pode pecar, porque a sua vontade deliberada esteve sempre de acordo com a divina até nas coisas em que o apetite sensitivo e as propensões naturais da vontade o inclinavam a desviar-se do que a vontade deliberada exigia, conforme ao divino querer (XVIII, 4).

Houve e há em Jesus Cristo diversas classes de operações?
Sim, Senhor, visto que, se bem que a pessoa a quem os atos se atribuem é uma única, atendendo aos princípios imediatos de operação, estes se multiplicam quanto se multiplicam as potências ou faculdades da natureza humana, mesmo sem ter em conta a variedade dos atos divinos, distintos dos próprios da humanidade (XIX 1, 2).

Logo, em que sentido falamos de 'operações teândricas' em Jesus Cristo e o que significa esta expressão?
Significa que em Jesus Cristo, Deus e homem ao mesmo tempo, existiam subordinação e dependência entre as faculdades ou princípios operativos próprios da natureza humana e os exclusivos da divina, de tal forma, que nele as obras humanas revestiam um gênero especialíssimo de perfeição e enobrecimento, sob a influência da natureza divina, e as divinas, poderíamos dizer, como que se humanizavam, manifestando-se ao exterior por meio da natureza humana e com o seu concurso (XIX, 1 ad 1).

Pôde Jesus Cristo merecer alguma coisa com suas obras humanas?
Pôde e foi conveniente que merecesse tudo aquilo cuja falta não redundava em desdouro de sua perfeição e suprema dignidade, e assim mereceu a glória do corpo e a exaltação do seu nome no céu e na terra (XIX, 3).

Pode merecer pelos outros?
Sim, Senhor; e com mérito adequado, visto que, como temos dito, forma unidade mística com todos os membros da Igreja, da qual Ele a cabeça é, de tal sorte que os seus atos não só foram meritórios para Ele pessoalmente, mas também em favor de todos os que de algum modo pertencem à sua Igreja, no sentido e com a extensão explicada quando tratamos da sua graça capital (XIX, 4).

Que é necessário para que aproveitem aos homens os méritos de Jesus Cristo?
Que se unam a Ele mediante a graça do batismo, que é graça de incorporação, como logo veremos (XIX, 4, ad 3).

XII

CONSEQUÊNCIAS DA ENCARNAÇÃO DO FILHO DE DEUS COM RESPEITO AO PAI — SUJEIÇÃO AO PAI, ORAÇÃO E SACERDÓCIO DE CRISTO

Que se segue do fato da Encarnação, atendendo às relações do Filho de Deus com o Pai e às deste com o Filho?
Segue-se que o Verbo Encarnado esteve sujeito ao Pai; que orou, que o serviu como sacerdote e que, permanecendo Filho natural e não adotivo, pode e deve ser sujeito de predestinação divina (XX-XXIV).

Que entendeis, quando afirmais que Jesus Cristo esteve sujeito ao Pai?
Que, considerando que o Pai é a bondade por essência, e o Filho, atendendo à natureza humana, só tem bondade participada, segue-se que, no que se refere à vida humana, tudo estava regulado, disposto e ordenado pelo Pai, e que, enquanto homem, viveu a Ele sujeito com a obediência mais perfeita e absoluta (XX, 1).

Podemos deduzir destas razões que também estava sujeito a si mesmo enquanto Deus?
Sim, Senhor; porque a natureza divina, base da superioridade do Pai sobre o Filho, é comum aos dois (XX, 2).

Por que devemos admitir que o Verbo Encarnado pôde e pode orar?
Porque a sua vontade humana, independentemente da divina, não podia realizar todos os seus anelos; isto é razão suficiente para que o Filho se dirija ao Pai, suplicando-lhe que, com sua vontade onipotente que é também a sua enquanto Deus, execute o que a vontade humana não pode realizar (XXI, 1).

Pode Jesus Cristo orar e pedir alguma coisa em seu favor?
Sim, Senhor, para pedir ao Pai os bens do corpo e a exaltação do seu nome, coisas que não possuía enquanto viveu na terra, como também para dar-lhe graças por todos os dons e privilégios que lhe havia concedido na natureza humana e, neste sentido, durará a sua oração eternamente XXI, 3).

Foram sempre bem acolhidas as orações de Jesus Cristo enquanto viveu na terra?
Tomando a oração no sentido de súplica e desejo deliberado e firme de alguma coisa, sim, Senhor; porque, Jesus Cristo, que conhecia maravilhosamente os planos divinos, jamais quis com vontade deliberada coisa menos conforme com o querer do Pai, que era o seu enquanto Deus (Ibid).

Que entendeis por sacerdócio de Cristo?
Entendo que a Ele, por excelência, pertence distribuir aos homens os dons celestiais e em nosso nome apresentar-se diante de Deus, para oferecer-lhe as nossas súplicas, aplacar a sua cólera e reconciliar-nos com Ele (XXII, 1).

Podemos dizer que Jesus Cristo foi, ao mesmo tempo, sacerdote e vítima?
Sim, Senhor; já que, ao aceitar a morte por nós, verificou em sua pessoa os três antigos sacrifícios de vítima pelos pecados, hóstia pacífica e holocausto, porque lavou nossos pecados, satisfazendo por eles, alcançou-nos a graça e abriu-nos as portas da glória, onde definitivamente nos uniremos com Ele (XXII, 2).

Foi Jesus Cristo sacerdote em benefício próprio?
Não, Senhor; porque estava capacitado de que, para acercar-se de Deus, não tinha necessidade de intermediários e porque, isento de pecado, do qual só tinha tomado a aparência, não necessitava oferecer sacrifícios expiatórios por si mesmo, mas por nós (XXII, 4).

É eterno o sacerdócio de Cristo?
Sim, Senhor; porque eternamente durará o seu efeito que é a glória consumada dos santos, purificados em virtude do seu sacrifício (XXII, 5).

Por que se diz que Jesus Cristo é sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque?
Para fazer notar a superioridade do sacerdócio de Cristo sobre o levítico, sombra e figura sua (XXII, 6).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)