quinta-feira, 2 de março de 2017

AS QUATRO TÊMPORAS


É lícito e de grande valia a Igreja proclamar a natureza como obra da excelência da divina criação, mais do que tudo porque a natureza representa o reflexo direto da grandeza e da imensa bondade e amor de Deus por nós. Uma outra razão particularmente relevante nesta celebração da natureza pela Igreja está no contraponto de uma abordagem verdadeiramente cristã ao ecologismo panteísta militante e artificial em voga, edulcorado da retórica vazia de coisas como planeta verde e mãe terra.

Tal visão cristã torna-se ainda mais relevante nestes tristes tempos em que a verborragia do paganismo militante alçou a defesa do meio ambiente a uma escala de religião panteísta, cujos principais dogmas são o aquecimento global, o desmatamento e a poluição urbana. Investida de cenários apocalípticos, os ativistas desta seita universal se escalpelam na defesa intransigente da preservação ambiental dos habitats do mico leão dourado ou das tartarugas em nidação. E incensam, com a mesma determinação frenética, o aborto como um direito da mulher e o sacrifício inocente de milhares de fetos indesejados como conquistas sociais. Aqueles que defendem a natureza com tanta veemência são os mesmos que violam os preceitos mais elementares da vida humana.

A visão cristã da natureza como obra do amor e da misericórdia de Deus remonta às próprias origens de Cristianismo, associada à prática de jejuns sazonais. Os cristãos do primeiro século jejuavam regularmente às quartas (dia em que ocorreu a traição de Judas) e sextas (dia da crucificação e morte de Jesus). Este costume foi se consolidando como eventos sazonais, dando origem às Festas das Têmporas ou Quatro Estações, que passaram a incluir também o jejum aos sábados, dia em que o Senhor jazia no sepulcro. 

As Quatro Têmporas, como períodos específicos de jejum e penitência associados em sintonia ao ciclo da natureza e às quatro estações do ano, foram formalmente estabelecidas pelo Papa Gregório VII. Aplicadas ao hemisfério sul, a primavera contempla as Têmporas de Setembro (terceira semana de setembro), o verão relaciona-se às Têmporas de Dezembro (tempo do Advento, terceira semana de dezembro); ao outono corresponde as Têmporas da Quaresma (primeira semana da quaresma) e, finalmente, o inverno compreende as Têmporas de Pentecostes, que ocorrem dentro da Oitava de Pentecostes (primeira semana de pentecostes). Nos jejuns sazonais dos judeus ou nas Têmporas cristãs, manifestava-se o amor incondicional das criaturas pela natureza e suas estações, como louvor à obra do Criador.

Como expressões dos ciclos da natureza, as Têmporas passaram a representar, no âmbito litúrgico, tempos especiais de retiro espiritual e de amor à natureza como obra do Pai, caracterizados por intensos períodos de jejum e de oração. Assim, durante quatro épocas do ano, na mudança das estações, três dias da semana – quarta, sexta e sábado – eram devotados ao jejum e à oração, de modo a agradecer os bens naturais recebidos e evocar as graças e as bênçãos de Deus para a nova estação que então se iniciava. E, em função do antigo costume cristão de se impor o jejum antes das ordenações sagradas, estas consagrações ocorriam comumente durante os sábados das Têmperas, porque os ordenados constituem por excelência as primícias do povo cristão.

E, como as estações da natureza material, as Têmporas produziram sementes e frutos espirituais de grande relevo na história da Igreja. E, como tantas outras colunas de pedra, forjadas no rigor da fé e das tradições da civilização cristã, estas também ruíram em nome da praticidade de se ajustar a Igreja aos tempos e aos modismos dos homens, a ponto de restar atualmente pouquíssimo zelo pela sua prática e reavivamento*.

* um exemplo dessas enormes perdas litúrgicas são os repetidos e recorrentes temas das recentes campanhas da fraternidade, inseridas sempre num contexto de base social ou ambiental, tão ao gosto dos princípios da nova ordem mundial da globalização e do ecumenismo e de uma perda crescente dos valores da autêntica civilização cristã.