sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

AS ORIGENS DO MONAQUISMO CRISTÃO

Embora os ideais de castidade e completo recolhimento em louvor do Reino de Deus fossem buscados desde os primórdios da Cristandade, é desconhecida a origem formal do chamado Monaquismo ou Monacato; em geral, um monge é aquele que segue uma determinada regra antiga, mas, é certo que muito antes destas regras, já existiam formas de vida monástica baseadas na segregação do mundo – o contemptus saeculi – como condição prévia para a purificação interior e a contemplação divina.

João Cassiano que, depois de passar muitos anos entre os monges da Palestina, Egito e Constantinopla, estabeleceu-se na região da Provença e fundou dois mosteiros em Marselha, onde permaneceu o resto da sua vida, considerava que o Monaquismo tinha origem no tempo dos Apóstolos; outros asseguram a sua origem na época de Jesus (por meio dos essênios e terapeutas, que se dispersaram até a região da Tebaida – fronteira entre a Ásia e a África – onde teria nascido efetivamente o Monaquismo Cristão.

Com a promulgação da liberdade de culto e religião decretada pelo Édito de Milão de Constantino, ser cristão passou a não comportar os riscos de outrora e, assim, muitos deles, querendo levar uma vida mais fervorosa e menos atrelada aos valores do mundo, partiram para o deserto para uma vida de pobreza e humildade de acordo com os preceitos do Evangelho, ficando conhecidos como os 'Padres do Deserto'.

A maior parte vivia isolada, por vezes com alguns discípulos à volta de um mestre, só voltando a encontrar-se com a comunidade para a celebração da liturgia. Muito pouco se sabe sobre a sua vida, revelado pelos chamados Apotegmas – textos que nos relatam os seus atos através das suas palavras e que nos apresentam homens submetidos à tentação que se dedicam a viver o ideal de perfeição ensinado por Jesus.

Como expoente e símbolo deste tipo de vida monástica, chamada de anacoreta ou eremita, tem-se Santo Antônio do Egito, também conhecido por Santo Antão, falecido no ano de 356, que influenciou diretamente através do seu próprio exemplo, e indiretamente por meio do espírito, um grande número de discípulos do anacoretismo. Graças à sua ação, o Monaquismo espalhou-se pelo alto Egito, Palestina, e até à Síria e à Mesopotâmia. Nesta variante, existiram eremitas que viveram em cima de árvores ou simplesmente apoiados sobre uma coluna. 

Mas o anacoretismo não foi a única forma de vida consagrada existente nesta época. São Pacômio, contemporâneo de Santo Antão, inseriu ao Monaquismo novos elementos como a vida em comum e a obediência a um superior religioso, versão conhecida como cenobitismo. De forma abrangente, a Regra de São Pacômio estabelecia a natureza dos trabalhos dos monges, dando indicações sobre a alimentação, os jejuns, o sono, a oração, o silêncio e instaurando a autoridade de um superior. Os discípulos começaram então a ficarem juntos, compartilhando uma vida em comunidade e afastando-se dos extremos dos anacoretas.

Depois de São Pacômio, o Monaquismo espalhou-se pelo Ocidente, onde desempenhou um papel de extrema importância para a consolidação do ideal cristão, vinculado à elaboração de um conjunto de normas orientadoras ou regras para a organização dos mosteiros, utilizando a terminologia do atual Código do Direito Canônico. Regras particularmente notáveis foram escritas por São Basílio, bispo de Cesarea, Santo Agostinho de Hipona,  São Martinho de Tours e ainda Columba e Patrício, grandes impulsionadores do monaquismo celta.

A mais famosa e importante destas regras, porém, foi escrita por São Bento de Núrsia e iria reger, durante vários séculos, quase todos os mosteiros do Ocidente,o que levou o seu autor a ser justamente chamado Pai dos Monges do Ocidente e Patrono da Europa. A Regra de São Bento era baseada nas próprias experiências vividas por ele nos mosteiros que fundou e nas proposições feitas por Pacômio, Agostinho e Cassiano.

A Regra de São Bento tinha por base o ideal de obediência de corpo e alma aos princípios espirituais dos Evangelhos, tornando extremamente relevante a figura do abade, considerado, então, o vigário de Cristo junto à comunidade. Estabelecendo preceitos rigorosos para as atividades diárias dos monges, em termos de orações. trabalhos, leituras e afazeres em geral, permitiu uma rápida e efetiva formação religiosa aos membros da comunidade. Esta formação beneditina foi intensamente propagada a partir da eleição do Papa Gregório, o Grande, ele mesmo um antigo monge beneditino.

(texto adaptado pelo autor do artigo 'O Monaquismo: Dos Primórdios ao Século VII', de Maria Ester Vargas, publicado na Revista Millenium)