sexta-feira, 15 de novembro de 2013

OS PRIMEIROS CRISTÃOS: SÃO PEDRO E A IGREJA DE ROMA

Quando São Pedro chegou a Roma, já ali existia uma florescente comunidade cristã. Ele mesmo escrevera em 58, quando da sua estada em Corinto: 'Graças dou ao meu Deus... porque a vossa fé é celebrada em todo o mundo' (Rom 1,8). Não sabemos quem tenha sido o primeiro pregador do Evangelho na capital. Provavelmente foram aqueles judeus que de Roma tinham ido à Festa de Pentecostes e tinham assistido o primeiro sermão de São Pedro (At 2,10). Pode ser também que tenham sido soldados da coorte itálica, que tinha a sua sede em Cesaréia. O centurião Cornélio, batizado por São Pedro, era desta coorte. A primeira notícia certa do cristianismo de Roma data dos últimos anos do imperador Cláudio (Suet. Claud. 25, 4). Havendo sérias perturbações da ordem política por causa do nome de Cristo, Cláudio mandou expulsar toda a colônia dos hebreus. Esta notícia de Suetônio é confirmada pelos Atos dos Apóstolos (At 18,2). 

Mas, se é incerto que foi o primeiro pregador do Evangelho em Roma, é certo que o próprio príncipe dos apóstolos ali pregou, estabeleceu a sua sede episcopal e sofreu o martírio. Infelizmente, as notícias que temos de São Pedro são muito escassas. Os Atos dos Apóstolos, nos primeiros onze capítulos, só se referem à sua pregação em Jerusalém e outras partes da Palestina, até o batismo de Cornélio. A sua atividade durante os anos seguintes nos é quase completamente desconhecida. 

Pilatos havia sido deposto por Vitélio, governador da Síria, que o havia enviado a Roma (Jos Ant 18 4,2). Marcelo, seu substituto, não chegara ainda quando Anás e Caifás, arrogando-se direitos que não lhes pertenciam, condenaram Estêvão e perseguiram os cristãos. O novo governador depôs do seu cargo o sumo sacerdote. A Tibério sucedeu Calígula que, para si mesmo, exigia um culto divino (Suet. Cal. 22). Os judeus, como súditos que eram deste monstro coroado, viam-se constrangidos também a adorá-lo. A resistência que opunham valeu-lhes as mais funestas consequências. Perseguidos eles mesmos, não puderam ser perseguidores. Por conseguinte, a Igreja gozava então de paz em toda a Palestina.

São Pedro aproveitou-se da ocasião para visitar as igrejas já fundadas. Em Lida, deu saúde a Enéias; em Jope, ressuscitou Tabita (At 9, 33-). Achava-se ainda em Jope quando teve a visão dos animais imundos, que o levou ao batismo de Cornélio e de toda a sua família (At 10, 1-). Entrementes, Calígula caiu morto pelo punhal dos conjuradores. Claúdio subiu ao trono (41 - 54). Os reis tributários felicitaram-no pela elevação e, entre estes, quem mais se distinguiu foi Herodes Agripa. Lembrando-se da sua antiga amizade, Cláudio, após a morte de Marcelo, confirmou-o rei de toda a Palestina (Jos., Ant. 19, 4, 1-2, 5,1), o que encheu de alegria os judeus; mas para os cristãos significava o início de novas perseguições. 

A primeira vítima foi São Tiago, a quem Herodes mandou matar à espada (At 12, 1-2). Vendo que esta ordem agradava aos judeus, ordenou também a prisão de São Pedro, para que fosse morto depois da Páscoa. Mas um anjo veio restituir-lhe a liberdade, e Pedro partiu para outro lugar (At 12, 17). Para onde? Antioquia? Roma? Não o sabemos. Orígenes e outros escritores eclesiásticos atribuem-no a fundação da sede episcopal de Antioquia. Segundo antiga tradição, o apóstolo dirigiu esta igreja pelo espaço de sete anos. Mas não temos uma prova a favor da tradição. E nada impede admitir que de Jerusalém se tenha dirigido à Roma. é isto que nos diz outra antiga tradição transmitida por Eusébio (Eu 2,14) e outros escritores. Pelo decreto de Cláudio provavelmente teve de deixar de novo a capital. Certo é que, depois da morte de Agripa, voltou à igreja-mãe, presidiu o concílio dos apóstolos e encontrou-se com São Paulo em Antioquia. Depois de diversas viagens pelo Oriente e pela Grécia, estabeleceu-se definitivamente em Roma e dirigiu os destinos desta comunidade até a sua morte.

O primeiro a levantar uma dúvida contra esta tese católica [São Pedro ter estado em Roma] foi Marsílio de Pádua, sectário de Luís IV da Baviera, na luta contra o Papa João XXII (1316 - 1334). Negaram-na, em seguida, também Calvino e, no século XIX, ainda Baur, Lipsius e outros protestantes. Sobremaneira fortes tornaram-se as negações protestantes por ocasião do Concílio Vaticano. E ainda que a maioria dos protestantes, como Harnack, reconheçam o fato hoje em dia, há ainda quem ouse negá-lo, cego pelos preconceitos de uma historiografia tendenciosa.

Não Jerusalém, a cidade deicida, mas Roma tinha sido escolhida pela Providência Divina para ser a capital do reino de Deus na terra. Para Roma é que ela dirigiu os passos do primeiro papa. Realmente, há tantas provas da estada de São Pedro em Roma, e provas tão convincentes, que só um homem de má fé pode ainda duvidar dela. Já as palavras dos Atos dos Apóstolos (At 12, 17) designam, com muita probabilidade, a cidade de Roma. Se, em seguida, o mesmo apóstolo, em sua primeira epístola, chama 'Babilônia' o lugar de sua residência (I Pe 5,13), esta Babilônia não pode ser senão Roma. Aquela das margens do Eufrates, ainda que existisse, estava deserta, como nos diz Estrabão e Plínio, o Velho; e, conforme a narração de Josefo (Ant. 18, 9), judeus quase não havia mais nela. A Babilônia do Egito era apenas um pequeno castelo romano. Depois de ter São João Evangelista chamado Roma 'a grande Babilônia' (Apoc 16, 19; 17, 5; 18, 2-), toda a antiguidade cristã a conhecia por este nome, como Pápias atesta e, mais claramente, Clemente de Alexandria (Eus,. HE 2,15).

Pelo ano de 96, três decênios depois da morte de São Pedro, Clemento Romano escreveu aos coríntios: 'A esses santos varões (Pedro e Paulo), que ensinavam a santidade, se associou grande multidão de eleitos que, suplicados e atormentados pelo ódio, foram entre nós, de ótimo exemplo' (Cor 6,1). Do mesmo modo, Santo Inácio de Antioquia, nos primeiros anos do século II, supõe a existência dos príncipes dos apóstolos em Roma quando escreve: 'Eu não vos ordeno como Pedro e Paulo' (Rom 4,3). Eusébio conservou-nos o testemunho de Clemente de Alexandria (c. 150-215) e de Pápias, bispo de Hierapólis e discípulo de São João, segundo os quais São Pedro pregou em Roma e ali pregou o evangelho de São Marcos, escrito a instâncias da comunidade romana. Pápias acrescenta que São Pedro escreveu em Roma a sua primeira epístola (Eus. HE 2; 15; 6, 14). Dionísio de Corinto escreveu ao papa Sotero (165-74): 'Pedro e Paulo, assim como vieram à cidade de Corinto, plantando a nossa Igreja, com os seus ensinamentos, assim igualmente se foram à Itália, onde vos doutrinaram e sofreram o martírio ao mesmo tempo' (Eus. HE 2,25).

Dez anos depois, Santo Irineu fala da fundação da igreja romana pelos apóstolos Pedro e Paulo (Adv. Haer. 3,3,2) e o seu testemunho é de tão alto valor que, por si só, bastaria para confundir todos os adversários. Discípulo de São Policarpo e clérigo e bispo de Lião, conhecia a tradição do Oriente e do Ocidente; e não contente ainda, foi a Roma, a fim de estudar as origens e a doutrina da igreja da capital.

Contemporâneo de Santo Irineu foi Tertuliano que, pelo fim do século II, passou longos anos em Roma. Ele atesta a pregação e  a morte de São Pedro em Roma (De Praesc., 32, 36). Pelo mesmo tempo, o presbítero romano Caio podia objetar, numa disputa com Proclo, chefe da seita catafrígia: 'Eu posso mostrar os troféus (sepulcros) dos apóstolos. Quer vás ao Vaticano, quer vás à Via Ostiense, encontrarás os troféus daqueles que fundaram esta Igreja' (Eus. HE, 2,25).

Com isso já nos achamos no campo da arqueologia. Tanto em cima da terra, como nas galerias subterrâneas, encontramos inúmeras vezes os nomes de Pedro e Paulo. Em medalhões, copos e paredes os achamos, às vezes acompanhados de suas imagens. A cadeira de São Pedro no cemitério de Priscila, as inscrições nas catacumbas de São Sebastião e os baixos relevos de muitos sarcófagos atestam bem altamente a estada de São Pedro em Roma. Aliás, nenhuma outra cidade jamais reclamou para si a honra de possuir os sepulcros dos príncipes dos apóstolos. Foi, pois, em Roma que São Pedro doutrinou e batizou. Foi em Roma também que governou a igreja, primeiro bispo da cidade eterna.

Efetivamente, para essa afirmação podemos aduzir número interminável de testemunhos históricos. Basta dizer que os autores de toda a antiguidade cristã estão de acordo em atestar o episcopado romano de Pedro, e que, com o nome de Pedro, todos os catálogos dos pontífices romanos abrem a lista de sucessão episcopal de Roma. Assim, o catálogo de Santo Irineu, o mais antigo e de irrefutável autenticidade (Adv. Haer. 3, 3, 3); assim, Eusébio na sua Crônica e na sua História da Igreja; assim o catálogo liberiano de 354; assim também o Index, i. é, um grupo de catálogos dos séculos V-VII; assim finalmente o Liber Pontificalis.

Segundo antiga tradição que remonta ao século IV ou talvez o século III, São Pedro foi bispo de Roma pelo espaço de vinte e cinco anos. São Jerônimo escreve que, no segundo ano do imperador Cláudio, 'Simon Petrus... Roman pergit ibiqui viginti quinque annis cathedram sacerdotale tenuit' (De Vir. ill. 1, cfr. Chron. 2). Colocando-se a morte do apóstolo no ano 67, este teria chegado à Roma no ano 42, precisamente depois de sua prisão em Jerusalém.

(Excertos da obra 'Compêndio de História da Igreja' de Frei Dagoberto Romão, Petrópolis, 1949)