quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

SERMÃO DAS SETE PALAVRAS

REFLEXÕES SOBRE AS SETE PALAVRAS DE JESUS NA CRUZ E DAS SETE PALAVRAS DE NOSSA SENHORA NOS EVANGELHOS
                                                                                             (Arcebispo Fulton Sheen)

PRIMEIRA PALAVRA

A primeira expressão de Nosso Senhor na Cruz foi esta: 'Perdoai-lhes, Pai, porque eles não sabem o que fazem'. Não é a sabedoria do mundo que salva, mas a ignorância. Se os carrascos soubessem o que de horrível faziam, quando repeliam o Filho do Homem; se, sabendo que Ele era o Filho de Deus, tivessem continuado deliberadamente a provocar-lhe a morte, então não haveria esperança de os pecadores se salvarem. Foi por virtude da ignorância da blasfêmia que praticavam que eles foram chamados a ouvir cair sobre si às palavras de perdão, e a obtê-lo. 

Esta primeira expressão lembra a Maria a sua. Também Ela dizia respeito à ignorância. Quando o anjo lhe anunciou que ia ser mãe do Filho de Deus, perguntara: 'Como pode ser isso, se não conheci varão?' Ignorância, aqui, significava inocência, virtude, virgindade. Ignorância que se confessa não é ignorância da verdade, mas ignorância do mal. 

Jesus perdoa aos pecadores que são ignorantes, mas não os anjos rebeldes que sabiam o que faziam e que, por consequência, tinham-se colocado fora da Redenção. Maria é bendita, porque era ignorante do homem, devido ao seu voto de virgindade. As duas expressões unem-se aqui numa só dor para Jesus e para Maria: a dor de ver que os homens não possuem a verdadeira sabedoria, aquela que só às crianças é dada: eles ignoram que só Cristo os pode salvar. 

SEGUNDA PALAVRA

A segunda expressão de Cristo foi dirigida ao ladrão arrependido. Este começou por blasfemar contra Ele, mas, ao ouvir as palavras de perdão, ao ver a beleza de sua Mãe, correspondeu à graça; considera o seu castigo como 'uma recompensa dos seus crimes'. A vista do Homem na cruz central, obedecendo à vontade do seu Pai, leva-o a aceitar a sua própria cruz, como provinha da vontade de Deus. E então lança ele um supremo apelo ao perdão, e Cristo lhe responde: 'Hoje estarás comigo no Paraíso'. 

Esta magnífica aceitação dos seus sofrimentos, por parte do ladrão, para expiar as suas faltas, faz que Maria se lembre da outra palavra do Anjo. Quando este lhe disse que Ela ia ser mãe d’Aquele a quem Isaías descreveu como o homem batido e afligido por Deus, proferiu a sua segunda palavra: Fiat. 'Faça-se em mim a tua palavra'. Não há nada no Universo que mais importância tenha do que fazer a vontade de Deus, ainda que isso leve ao ladrão um suplício, e uma dor Àquela que se tem de pé junto da Cruz. 

O Fiat de Maria foi uma dos grandes Fiats do mundo: um fez a luz, o outro aceitou a vontade do Pai, no Jardim das Oliveiras. Quanto ao de Maria, traduz-se na aceitação de uma outra vida, em que Ela se esquecerá de si própria, para ser a companheira da Cruz. O Coração de Jesus e o Coração de Maria formaram um só no Monte do Calvário, pela submissão à vontade do Pai. 

Cada um tem a sua cruz no mundo, mas não há duas cruzes que sejam idênticas. A de Nosso Senhor era a Cruz da Redenção para os pecados do Mundo; a de Nossa Senhora foi uma vida inteira de união com a Cruz. Quanto à do ladrão, consistiu em suportar a agonia na cruz, como prelúdio de uma coroa. Uma vez que a nossa liberdade é a única coisa que possuímos como própria, constitui a mais perfeita oferenda que a Deus podemos fazer. 

TERCEIRA PALAVRA

A primeira palavra de Nosso Senhor era para os seus carrascos; a segunda para os pecadores; a terceira foi dirigida à sua Mãe e a São João. Palavra de saudação e, no entanto, mercê dessa palavra, todas as relações humanas foram modificadas. Jesus chama a sua Mãe 'Mulher', e a João 'Filho' – 'Mulher, eis ai o teu Filho' – 'Filho, eis aí a tua Mãe.' É a ordem dada a todos os que irão querer segui-lo, para que vejam em sua Mãe a própria Mãe deles. Tudo o mais Ele o dera. Ia agora dar-se também. Mas, naturalmente, voltaria a encontrá-la, como Mãe do seu Corpo Místico. 

A terceira expressão de Maria foi também uma saudação. Não sabemos com rigor quais as palavras que empregou, mas sabemos que ia visitar e cumprimentar sua prima Isabel. Nesta cena evangélica, havia também um João – João Batista – que proclamava Maria como sua Mãe. Isabel, sentindo seu filho agitar-se de alegria em seu próprio ventre, fala, por sua vez, e dirige-se a Maria como 'Mãe de Deus'. Dois meninos estabelecem relações ainda mesmo antes de nascerem! 

Quando Jesus, na Cruz, proferia a sua terceira expressão, pensava Maria na sua. Na Visitação, era portadora da influência de Cristo, antes mesmo de Ele ter nascido; no Calvário, estava destinada a ser Mãe de todos aqueles que quisessem renascer. O nascimento de Jesus nenhuma dor lhe causou. Mas o de João e de milhões de entre nós, ao pé da Cruz, tal agonia lhe levaram, que Ela bem mereceu o título de Rainha dos Mártires. Jesus sacrificou-nos sua Mãe, para dela fazer nossa Mãe. Maria sacrificou o seu Divino Filho, para de nós fazer os seus filhos. Triste troca! Mas Ela estava convencida de que valia bem a pena. 

QUARTA PALAVRA

A quarta palavra da Santíssima Virgem foi o seu Magnificat; a quarta expressão de Nosso Senhor é tirada do salmo vinte e um, que começa com este desabafo de tristeza: 'Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?' – mas que, todavia, termina quase como o canto de Maria: 'Os pobres comerão e ficarão saciados; os extremos da Terra se lembrarão do Senhor e a Ele adorarão.' Os dois cânticos elevam-se, sem que seja dado nenhum sinal de segura vitória. 

Como parece fraca, quando a consideramos apenas pelo lado humano, essa Mulher que mergulha os seus olhares até ao fim dos tempos e que profetiza: 'todas as gerações me chamarão bem-aventurada!' E como, pelo lado humano, se nos afigura sem esperança o desejo d’Aquele que ao mundo veio para se apoderar da Terra e que, repelido agora por ela, clama por seu Pai! Mas, para Jesus e para Maria, há tesouros na noite: para Maria, na noite de uma Mulher; para Jesus, na noite do Gólgota. Só aqueles que marcham na noite vêem as estrelas. 

QUINTA PALAVRA

A quinta expressão de Maria foi proferida quando Ela interroga Jesus: 'Meu Filho! Porque procedeste assim conosco? Vosso pai e eu Te procurávamos aflitos.' É essa a expressão de todas as criaturas à procura de Deus. A quinta expressão de Nosso Senhor é a do Criador à procura do homem: 'Tenho sede'. Não é a sede das águas da Terra, mas das almas. 

As palavras de Maria resumem as aspirações de todas as almas em relação a Cristo, e as palavras de Cristo consubstanciam o seu amor por cada uma das almas que Ele criou. Ora, no mundo, só existe uma coisa capaz de impedir esse encontro: é a vontade do homem. Para encontrar Deus, é preciso querer. Do contrário, Ele parecerá sempre que é um Deus que se esconde. 

SEXTA PALAVRA

A sexta expressão de Maria tinha sido uma simples prece: 'Eles não têm vinho': palavras que apressaram Nosso Senhor a realizar o seu primeiro milagre e a meter-se no caminho real do Calvário. Depois de Nosso Senhor ter saboreado, na Cruz, o vinho que lhe foi dado por um soldado, disse Ele: 'Tudo está consumado.' Essa 'hora', que Maria tinha, por assim dizer, começado, quando Cristo transmutou a água em vinho, está agora terminada: o vinho da sua vida transformou-se em Sangue: o Sangue do seu Sacrifício. 

Em Caná, Maria mandava o seu Filho para a Cruz; no Calvário, Cristo declara que terminou o seu trabalho de Redenção. O Coração Imaculado de Maria era o altar vivo sobre o qual o Sagrado Coração de Jesus se oferecia em sacrifício, e Maria não ignorava que, a partir desse momento, os homens só seriam salvos pela oferenda do Filho de Deus.

SÉTIMA PALAVRA

As últimas palavras de Maria, referidas pelo Evangelho, são as de abandono completo à vontade de Deus: 'Fazei tudo o que Ele vos disser' (Jo 11-5). Na Transfiguração, o Pai Celeste fala assim: 'Eis o meu Filho bem-amado, escutai-o'. E Maria lança este supremo apelo: 'Fazei a sua Vontade.' As últimas palavras de Jesus, na Cruz, foram aquelas pelas quais Ele abandonou a sua vida à vontade de Deus: 'Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito.' 

Maria abandonou-se a Jesus, e Jesus abandonou-se ao seu Pai. Fazer a vontade de Deus, até a morte, tal o segredo de toda a santidade. E aqui Jesus nos ensina a morrer, porque se Ele quis ter a sua Mãe junto de si, na suprema hora do seu grande abandono, como nos atreveríamos nós a deixar de dizer a ela, diariamente: 'Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém'!

31 DE JANEIRO - SÃO JOÃO BOSCO


Filho de uma humilde família de camponeses, São João (Melchior) Bosco nasceu em Colle dos Becchi, localidade próxima a Castelnuovo de Asti em 16 de agosto de 1815. Órfão de pai aos dois anos, viveu de ofícios diversos na pobreza da infância e da juventude, até ser ordenado sacerdote em 5 de junho de 1841, com a missão apostólica de servir, educar e catequizar os jovens, o que fez com extremado zelo e santificação durante toda a sua vida.

Em 1846, fundou o Oratório de São Francisco de Sales em Turim, dando início à sua obra prodigiosa, arregimentando colaboradores e filhos, aos quais chamava de salesianos, em meio a um intenso e profícuo apostolado. Em 1859, fundou  a Congregação Salesiana e, em 1872, com a ajuda de Santa Maria Domingas Mazzarello, fundou o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora para a educação da juventude feminina. Em 1875, enviou a primeira turma de seus missionários para a América do Sul. No Brasil, as primeiras casas salesianas foram o Colégio Santa Rosa em Niterói e o Liceu Coração de Jesus em São Paulo. 

Faleceu a 31 de janeiro de 1888 em Turim, aos 72 anos, deixando como herança cristã a Congregação Religiosa Salesiana espalhada por diversos países da Europa e das Américas. O Papa Pio XI, que o conheceu e gozou da sua amizade, canonizou-o na Páscoa de 1934. Popularizado como 'Dom Bosco', foi aclamado pelo Papa João Paulo II como 'pai e mestre da juventude' e se tornaram lendários os seus sonhos proféticos (exemplo abaixo), que ele narrava em suas pregações aos jovens salesianosem suas pregações.

A BIGORNA E O MARTELO

Em 20 de agosto de 1862, depois de rezadas as orações da noite e de dar alguns avisos relacionados com a ordem da casa, Dom Bosco disse: 'Quero contar-lhes um sonho que tive faz algumas noites'.

Sonhei que estava em companhia de todos os jovens em Castelnuovo do Asti, na casa de meu irmão. Enquanto todos faziam recreio, dirigiu-se a mim um desconhecido e convidou-me a acompanhá-lo. Segui-o e ele me conduziu a um prado próximo ao pátio e ali indicou-me, entre a erva, uma enorme serpente de sete ou oito metros de comprimento e grossura extraordinária. Horrorizado ao contemplá-la, quis fugir.

— 'Não, não' — disse-me meu acompanhante — 'não fujas; vem comigo'.
 'Ah!' — exclamei — 'não sou tão néscio para me expor a um tal perigo'.
— 'Então' — continuou meu acompanhante —'aguarda aqui'.
E, em seguida, foi em busca de uma corda e com ela na mão voltou novamente junto a mim e disse-me:
— 'Tome esta corda por uma ponta e agarre-a bem; eu agarrarei o outro extremo e por-me-ei na parte oposta e, assim, a manteremos suspensa sobre a serpente'.
— 'E depois?'
— 'Depois a deixaremos cair sobre a espinha dorsal'.
— 'Ah! não; por caridade. Pois ai de nós se o fizermos! A serpente saltará enfurecida e nos despedaçará'.
— 'Não, não; confie em mim' — acrescentou o desconhecido —'eu sei o que faço'.
— 'De maneira nenhuma; não quero fazer uma experiência que pode-me custar a vida'.

E já me dispunha a fugir, quando o homem insistiu de novo, assegurando-me que não havia nada que temer; e tanto me disse que fiquei onde estava, disposto a fazer o que me dizia. Ele, entretanto, passou do outro lado do monstro, levantou a corda e com ela deu uma chicotada sobre o lombo do animal. A serpente deu um salto voltando a cabeça para trás para morder ao objeto que a tinha ferido, mas em lugar de cravar os dentes na corda, ficou enlaçada nela mediante um nó corrediço. Então o desconhecido gritou-me:

— 'Agarre bem a corda, agarre-a bem, que não se lhe escape'.

E correu a uma pereira que havia ali perto e atou a seu tronco o extremo que tinha na mão; correu depois para mim, agarrou a outra ponta e foi amarrá-la à grade de uma janela. Enquanto isso, a serpente agitava-se, movia-se em espirais e dava tais golpes com a cabeça e com sua calda no chão, que suas carnes rompiam-se saltando em pedaços a grande distancia. Assim continuou enquanto teve vida; e, uma vez morta, só ficou dela o esqueleto descascado e sem carne. Então, aquele mesmo homem desatou a corda da árvore e da janela, recolheu-a, formou com ela um novelo e disse-me:

— 'Presta atenção!'

Colocou a corda em uma caixa, fechou-a e depois de uns momentos a abriu. Os jovens tinham-se ajuntado ao ao meu redor. Olhamos o interior da caixa e ficamos maravilhados. A corda estava disposta de tal maneira, que formava as palavras: Ave Maria!

— 'Mas como é possível?' — disse — 'Você colocou a corda na caixa e agora ela aparece dessa maneira!'.

— 'Olhe' — disse ele — 'a serpente representa o demônio e a corda é a Ave Maria, ou melhor, o Santo Rosário, que é uma série de Ave Marias com a qual e com as quais se pode derrubar, vencer e destruir  todos os demônios do inferno.

Enquanto falávamos sobre o significado da corda e da serpente, voltei-me para trás e vi alguns jovens que, agarrando os pedaços da carne da serpente, os comiam. Então gritei-lhes imediatamente:

— 'Mas o que é o que fazem? Estão loucos? Não sabem que essa carne é venenosa e que far-lhes-á muito dano?'

'Não, não' — respondiam-me os jovens — 'a carne está muito boa'.

Mas, depois de havê-la comido, caíam ao chão, inchavam-se e tornavam-se duros como uma pedra. Eu não podia ficar em paz porque, apesar daquele espetáculo, cada vez era major o número de jovens que comiam aquelas carnes. Eu gritava a um e a outro; dava bofetadas a este, um murro naquele, tentando impedir que comessem; mas era inútil. Aqui caía um, enquanto que lá começava a comer outro. Então chamei os clérigos em meu auxílio e disse-lhes que se mesclassem entre os jovens e se organizassem de maneira que ninguém comesse aquela carne. Minha ordem não teve o efeito desejado, pois alguns dos clérigos começaram também a comer as carnes da serpente, caindo ao chão como os outros. Eu estava fora de mim quando vi a meu redor um grande número de moços estendidos pelo chão no mais miserável dos estados. Voltei-me, então, para desconhecido e disse-lhe:

— 'Mas o que quer dizer isto? Estes jovens sabem que esta carne ocasiona-lhes a morte e, contudo, a comem. Qual é a causa?'

Ele respondeu-me: ' — Já sabes que animalis homo non pércipit ea quae Dei sunt : Alguns homens não percebem as coisas que são de Deus'.

— 'Mas não há remédio para que estes jovens voltem em si?'

— 'Sim, há'.

— 'E qual seria?'

— 'Não há outro que não seja pela bigorna e pelo martelo'.

— 'Bigorna? Martelo? E como terei que empregá-los?'

— 'Terás que submeter os jovens à ação de ambos estes instrumentos'.

— 'Como? Acaso devo colocá-los sobre a bigorna e golpeá-los com o martelo?'

Então meu companheiro me esclareceu, dizendo:

— 'O martelo significa a Confissão e a bigorna, a Comunhão; é necessário fazer uso destes dois meios'.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

DA VIDA ESPIRITUAL (41)



Tens especial preocupação com a salvação eterna da alma de alguma pessoa? Ao rezar por ela, encerra esta alma nas chagas abertas do Imaculado Coração de Jesus: oceano de compaixão e abismo de misericórdia que tudo sublima e tudo perdoa. A infinita misericórdia de Deus é o bálsamo e o refúgio de todos os pecadores.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

18 CONSELHOS PARA SE ALCANÇAR A SALVAÇÃO


Cornelius A. Lapide foi um jesuíta e exegeta flamengo (nascido em 1567 na cidade de Bocholt na Bélgica e falecido em Roma em 1637). Cursou filosofia e teologia nas universidades de Maastrich, Colônia e Louvain, sendo ordenado sacerdote em 24 de dezembro de 1595. Sua obra inclui comentários de todos os livros das Sagradas Escrituras, com exceção do Livro dos Salmos e do Livro de Jó. Eis os seus dezoito conselhos para se alcançar a salvação eterna:

1. É necessário esforçar-se violentamente: '...o Reino dos céus é arrebatado à força e são os violentos que o conquistam', disse Jesus Cristo (Mat 11, 12). Em outra parte, lê-se que 'Procurai entrar pela porta estreita' (Lc 13, 24). E ainda: 'Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me' (Lc 9, 23).

2. É preciso morrer: 'Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á' disse Jesus Cristo (Mt 16, 25), ou seja, deve-se dedicar à prática da mortificação e de todas as virtudes.

3. É preciso avançar sempre: 'Correi, pois, de tal maneira que o consigais (o prêmio)' (1 Cor 9, 24). 'Todos os atletas se impõem a si muitas privações; e o fazem para alcançar uma coroa corruptível. Nós o fazemos por uma coroa incorruptível. Assim, eu corro, mas não sem rumo certo. Dou golpes, mas não no ar. Ao contrário, castigo o meu corpo e o mantenho em servidão' (1 Cor 9, 25-27).

4. É preciso não olhar para trás: 'Aquele que põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o Reino de Deus', disse Jesus Cristo (Lc 9, 62).

5. É preciso trabalhar 'para nossa salvação com temor e tremor', como disse o Grande Apóstolo (Filip. 2, 12).

6. É preciso esquecer a terra e pensar no Céu. Disse São Paulo: '... Eu me empenho em conquistá-la (esta meta), uma vez que também eu fui conquistado por Jesus Cristo. Consciente de não tê-la ainda conquistado, só procuro isto: prescindindo do passado e atirando-me ao que resta para a frente, persigo o alvo, rumo ao prêmio celeste, ao qual Deus nos chama, em Jesus Cristo' (Filip 3, 12-14).

7. É preciso aproveitar-nos do tempo favorável, que é o presente, como diz São Paulo: 'Agora é o tempo favorável, agora é o dia da salvação' (2 Cor 6, 2).

8. É preciso viver para Jesus Cristo pois, como disse o Grande Apóstolo: 'os que vivem já não vivam para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou' (2 Cor 5, 15).

9. É necessário combater pela fé: 'Combate o bom combate da fé. Conquista a vida eterna, para a qual foste chamado', escreve São Paulo a Timóteo (1Tim 6, 12).

10. É preciso sofrer as provas com paciência, como diz São Paulo: 'É necessário entrarmos no Reino de Deus por meio de muitas tribulações' (Atos, 14, 22).

11. É necessário retirar-se (do mundo) e guardar silêncio. Temos de empregar os meios dados pelo anjo a Santo Arsênio: 'Arsênio, afasta-te, guarda silêncio e o retiro; estes são os princípios da salvação' (In Vit. Patr.).

12. É preciso ser prudente: 'a língua do imprudente é a sua própria ruína', diz o Eclesiástico (Ecl 20, 24). A prudência é o que a Sabedoria chama de 'ciência profunda' (Prov 8,12) e o que o anjo chama de 'sabedoria dos justos' no Evangelho de São Lucas (Lc 1, 17).

13. É preciso ter compaixão da alma e vigiá-la. 'Tem compaixão de tua alma, torna-te agradável a Deus, e sê firme', diz o Eclesiástico (Ecl 30, 24).

14. Temos de pensar no Juízo. 'Deus - diz Orígenes- tem confiado e recomendado a vós uma alma à sua imagem e semelhança, e haveis de devolvê-la tão intacta quanto Ele vos legou este precioso depósito' (In Cant.).

15. É preciso seguir, recomeçar, ter apenas Deus por meta. Ao ser indagado para que indicasse os melhores meios para agradar a Deus e assegurar a salvação das almas, São Carlos Borromeu estabeleceu as seguintes regras: (i) é preciso fazer este propósito a cada dia, ou seja, temos de nos esforçar a cada dia para servir a Deus com mais fervor; (ii) viver o momento presente na presença de Deus; (iii) ter somente Deus por meta em todas e em cada uma de nossas ações' (In Ejus Vita).

16. Temos de manter a alma em solicitude, conforme diz o Eclesiástico: 'Guardai-vos de toda iniquidade' (Ecl 17, 11).

17. É necessário observar a lei de Deus. 'Se queres entrar na vida, observa os mandamentos', disse Jesus Cristo (Mat 19, 17). 'O que observa o preceito guarda sua vida', dizem os Provérbios (Prov. 19, 16). Disse Jesus Cristo: 'Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus' (Mat 7, 21).

18. É preciso querer salvar-se e querer energicamente. Indagado por sua irmã sobre o que ela deveria fazer para se salvar, São Tomás de Aquino respondeu: 'Querendo', ou seja, 'poderás ser salvo se o quiseres eficazmente, pois esta vontade eficaz pela salvação obrigar-te-á a adotar com ardor todos os meios necessários para que o consigas'. E, diante da pergunta seguinte da irmã quanto ao que mais desejava ardentemente nesta vida, São Tomás respondeu: 'Morrer bem'.

ORAÇÕES DE SÃO TOMÁS DE AQUINO

São Tomás de Aquino nasceu por volta de 1225, filho de uma família da alta nobreza italiana da Sicília e  faleceu na Abadia de Fossanova, em 7 de março de 1274, antes de completar cinquenta anos de idade. Suas relíquias foram transportadas para Toulouse em 28 de janeiro de 1369, data em que a Igreja Universal celebra sua memória. Neste espaço, já publicamos a 'Oração para Antes dos Estudos' de São Tomás de Aquino e agora apresentamos outras duas orações do chamado 'Doutor Angélico' da Santa Igreja.

São Tomás de Aquino (1225 - 1274)

ORAÇÃO UNIVERSAL

CREDO DOMINE! SED CREDAM FIRMIUS.SPERO DOMINE! SED SPEREM SECURIUS. AMO DOMINE! SED AMEN ARDENTIUS . DOLEO DOMINE! SED DOLEAM VEHEMENTIUS.
CREIO, SENHOR, ESPERO, AMO, ARREPENDO-ME; DAI-ME PORÉM FÉ MAIS FIRME, ESPERANÇA MAIS SEGURA, AMOR MAIS ARDENTE, PESAR MAIS PROFUNDO.
ADORO TE , UT PRIMUM PRINCIPIUM: DESIDERO, UT FINEM ULTIMUM; LAUDO, UT BENEFACTOREM PERPETUUM: INVOCO, UT DEFENSOREM PROPITIUM.
EU VOS ADORO, PRIMEIRO PRINCÍPIO; EU VOS DESEJO, FIM ÚLTIMO; EU VOS LOUVO. BENFEITOR PERPÉTUO; EU VOS INVOCO, PROPÍCIO DEFENSOR.
TUA ME SAPIENTIA DIRIGE: JUSTITIA CONTINE: CLEMENTIA SOLARE: POTENCIA PROTEGE.
SEJA MINHA LUZ VOSSA SABEDORIA, MINHA REGRA VOSSA JUSTIÇA, MEU CONSOLO VOSSA CLEMÊNCIA, MEU AMPARO VOSSA ONIPOTÊNCIA.
OFFERO TIBI DEUS COGITANDA, UT SINT AD TE:
DICENDA, UT SINT DE TE:
FACIENDA, UT SINT SECUNDUM TE: FERENDA, UT SINT PROPTER TE.
SEJAM , SENHOR, MEUS PENSAMENTOS SÓ EM VÓS,
MEUS DISCURSOS SÓ DE VÓS,
MEUS ATOS A VÓS CONFORMES,
MINHAS PENAS POR VÓS SOFRIDAS.
VOLO, QUOD VIS: VOLO QUIA VIS : VOLO, QUOMODO VIS: VOLO QUANDIU VIS.
QUERO O QUE VÓS QUEREIS, PORQUE QUEREIS, COMO QUEREIS, QUANDO QUEREIS.
ORO DOMINE ! INTELLECTUM ILLUMINES: VOLUMTATEM INFLAMES:
CORPUS EMUNDES:
ANIMAM SANCTIFICES.
ROGO-VOS SENHOR!  ALUMIAI-ME O ENTENDIMENTO, INCENDIAI-ME A VONTADE, PURIFICAI-ME O CORPO, SANTIFICAI-ME A ALMA.
A SUPERBIA NON INFICIAR;
ADULATIONE NON AFFICIAR; A MUNDO NON DECIPIAR; A SATANA NON CIRCUNVENIAR.
NÃO ME EIVE A SOBERBA, NÃO ME AFEIÇOE A LISONJA, NÃO ME ENGANE O MUNDO, NÃO ME ENREDE SATANÁS.
GRATIAM PRAESTA MEMORIAM PURGANTI, LINGUAM FRENANDI OCULOS COHIBENDI SENSUS COERCENDI.
VENHA VOSSA GRAÇA LIMPAR-ME A MEMÓRIA, REFREAR-ME A LÍNGUA, GUARDAR-ME OS OLHOS, CONTER-ME OS SENTIDOS
DEFLEAM PRAETERITAS INIQUITATES: REPELLAM FUTURAS TENTATIONES: CORRIGAM VITIOSAS PROPENSIONES: EXCOLAM IDONEAS VIRTUTES.
FAZEI-ME CHORAR OS PECADOS PASSADOS, REPELIR AS FUTURAS TENTAÇÕES, REPRIMIR AS MÁS INCLINAÇÕES, PRATICAR AS NECESSÁRIAS VIRTUDES.
TRIBUE MIHI BONE DEUS AMOREM TUI: ODIUM MEI : ZELUM PROXIMI: CONTEMPTUM MUNDI.
CONCEDEI-ME, DEUS, DE BONDADE, O AMOR DE VÓS , O ÓDIO DE MIM, O ZELO PELO PRÓXIMO, O DESPREZO DO MUNDO.
STUDEAM SUPERIORIBUS OBDIRE: INFERIORIBUS SUBVENIRE: AMICIS CONSULERE: INIMICIS PARCERE
PROPONHO OBEDECER AOS SUPERIORES, AJUDAR OS INFERIORES, CUIDAR DOS AMIGOS, PERDOAR OS INIMIGOS.
MEMINERIM, O JESU, MANDATI TUI ET EXEMPLI, INIMICOS DILIGENDO, INJURIAS SUFFERENDO, PERSEQUENTIBUS BENEFACIENDO, PRO CALUMNIATORIBUS ORANDO.
LEMBRAR-ME-EI , SENHOR JESUS , DE VOSSA ORDEM E EXEMPLO, PARA AMAR OS INIMIGOS, SOFRER AS INJÚRIAS, BEM QUERER AOS QUE ME PERSEGUEM, ORAR PELOS QUE ME DETRATAM.
VINCAM VOLUPTATEM AUSTERITATE: AVARITIAM LARGITATE: IRACUDIAM LENITATE: TEPIDITATEM PEITATE.
FAZEI-ME MODERAR OS SENTIDOS COM A AUSTERIDADE, A AVAREZA COM A ESMOLA, A IRA COM A BRANDURA, A TIBIEZA COM A DEVOÇÃO.
REDDE ME PRUDENTEM IN CONSILIIS: CONSTANTEM IN PERICULIS: PATIENTEM IN ADVERSIS : HUMILEM IN PROSPERIS.
TORNAI-ME PRUDENTE NAS EMPRESAS, CONSTANTE NOS PERIGOS, PACIENTE NA DESGRAÇA, RECATADO NA PROSPERIDADE.
FAC DOMINE, UT SIM IN ORATIONE ATTENTUS: IN EPULIS SOBRIUS : IN MUNERE SEDULUS IN PROPOSITO FIRMUS.
FAZEI-ME , SENHOR, ATENTO NA ORAÇÃO, SÓBRIO NO ALIMENTO, DILIGENTE NAS OBRIGAÇÕES, FIRME NOS PROPÓSITOS.
SANCTIMONIAM ASSEQUAR SINCERA PECCATORUM CONFESSIONE, FERVIDA CORPORIS CHRISTI COMMUNIONE, CONTINUA MENTIS RECOLLECTIONE, PURA CORDIS INTENTIONE.
ESPERO SANTIFICAR-ME COM A SINCERA CONFISSÃO, COMUNHÃO FERVOROSA, CONTÍNUO RECOLHIMENTO E PUREZA DE INTENÇÃO.
DISCAM A TE , DEUS, QUAM TENUE, QUOD TERRENUM: QUAM GRANDE, QUOD DIVINUM : QUAM BREVE, QUOD TEMPORANEUM: QUAM DURABILE, QUOD AETERNUM.
ENSINAI-ME, SENHOR , QUÃO PEQUENO É O QUE É DA TERRA, QUÃO GRANDE É O QUE É DE DEUS, QUÃO BREVE É O TEMPO, QUÃO DILATADA É A ETERNIDADE.
DA, MORTEM PRAEVENIAM: JUDICIUM PERTIMEAM: INFERNUM EFFUGIAM: PARADISUM OBTINEAM.
PER CHRISTUM DOMINUM NOSTRUM. AMEN.

CONCEDEI-ME, QUE ME PREPARE PARA A MORTE, TEMA O JUÍZO, EVITE O INFERNO, ADENTRE O PARAÍSO.
POR CRISTO SENHOR NOSSO. AMÉM. 
ADORO TE DEVOTE


1. Adoro te devote, latens Deitas,
Quae sub his figuris vere latitas
Tibi se cor meum totum subjicit
Quia te contemplans totum deficit.

1. Eu vos adoro devotamente, ó Divindade escondida
Que verdadeiramente oculta-se sob estas aparências,
A Vós, meu coração submete-se todo por inteiro,
Porque, vos contemplando, tudo desfalece.

2. Visus, tactus, gustus in te fallitur,
Sed auditu solo tuto creditur
Credo quidquid dixit Dei Filius
Nil hoc verbo veritatis verius.

2. A vista, o tato, o gosto falham com relação a Vós
Mas, somente em vos ouvir em tudo creio.
Creio em tudo aquilo que disse o Filho de Deus,
Nada mais verdadeiro que esta Palavra de Verdade.

3. In cruce latebat sola Deitas,
At hic latet simul et humanitas
Ambo tamen credens atque confitens,
Peto quod petivit latro paenitens.

3. Na cruz, estava oculta somente a vossa Divindade,
Mas aqui, oculta-se também a vossa Humanidade.
Eu, contudo, crendo e professando ambas,
Peço aquilo que pediu o ladrão arrependido.

4. Plagas, sicut Thomas, non intueor
Deus tamen meum te confiteor
Fac me tibi semper magis credere,
In te spem habere, te diligere.

4. Não vejo, como Tomé, as vossas chagas
Entretanto, vos confesso meu Senhor e meu Deus
Faça que eu sempre creia mais em Vós,
Em vós esperar e vos amar.

5. O memoriale mortis Domini,
Panis vivus vitam praestans homini,
Praesta meae menti de te vivere,
Et te illi semper dulce sapere.

5. Ó memorial da morte do Senhor,
Pão vivo que dá vida aos homens,
Faça que minha alma viva de Vós,
E que a ela seja sempre doce este saber.

6. Pie pellicane Jesu Domine,
Me immundum munda tuo sanguine,
Cujus una stilla salvum facere
Totum mundum quit ab omni scelere.

6. Senhor Jesus, bondoso pelicano,
Lava-me, eu que sou imundo, em teu sangue
Pois que uma única gota faz salvar
Todo o mundo e apagar todo pecado.

7. Jesu, quem velatum nunc aspicio,
Oro fiat illud quod tam sitio
Ut te revelata cernens facie,
Visu sim beatus tuae gloriae. Amen.

7. Ó Jesus, que velado agora vejo,
Peço que se realize aquilo que tanto desejo
Que eu veja claramente vossa face revelada
Que eu seja feliz contemplando a vossa glória. Amém.

domingo, 27 de janeiro de 2013

QUANDO O INFERNO É AQUI



232 mortos confirmados em um incêndio que se alastrou rapidamente no interior de uma casa noturna, na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. A maioria dos frequentadores eram alunos da universidade local. Eram duas horas da manhã e centenas de jovens participavam da festa, quando um sinalizador, disparado por um dos integrantes da banda que tocava, atingiu o teto de material inflamável, desencadeando a tragédia. Muitos morreram queimados, a maioria pisoteados e asfixiados no tumulto geral que se seguiu, pois o local possuía apenas uma única área de acesso. Tragédia previsível, terror em escala real ceifando jovens numa madrugada de desespero. E, para muitos, a noite final nesta vida: certamente para todos inesperada, quantos preparados para a eternidade?

Que Deus lhes tenha dado a misericórdia final e que nossas orações possam elevar-se até o Pai em favor destes seus filhos e ser também um pequeno alívio a tantos pais e parentes que padecem agora o infortúnio de verem destroçadas brutalmente as suas famílias. Neste domingo, em Santa Maria, o inferno foi aqui...

PALAVRAS DE SALVAÇÃO





'Não fiqueis tristes, porque a alegria do Senhor será a vossa força' 
(Ne 8, 10) 

JESUS NA SINAGOGA DE NAZARÉ


A dimensão messiânica de Jesus é revelada no Evangelho deste terceiro domingo do Tempo Comum aos moradores da aldeia de Nazaré, onde Jesus vivera até a juventude, como o filho do carpinteiro.  Quase ao término do segundo ano de sua pregação pública e após o batismo por João, Jesus retorna às suas origens para proclamar aos seus conterrâneos que Ele é o Messias prometido das Escrituras. E aí vai experimentar, se não pela primeira vez, talvez a rejeição mais dolorosa, pois oriunda daqueles que lhe eram mais próximos, mais conhecidos, que com Ele conviveram cotidianamente por quase trinta anos. 

E naquele sábado, Jesus encontrava-se novamente na sinagoga de Nazaré. O filho do carpinteiro estava de volta à sua pequena cidade natal, amparado pelo conhecimento generalizado da enorme fama de suas pregações e dos seus milagres por toda a Galileia, como nos relata São Lucas: 'sua fama espalhou-se por toda a redondeza' (Lc, 4,14). É possível imaginar a enorme expectativa daquele povo, que deve ter lotado a sinagoga de Nazaré, para ouvir o filho que portava agora tão grande fama e admiração. Depois das orações preliminares e da leitura de uma passagem da Torá, Jesus foi convidado a comentar um trecho de um dos profetas e Lhe foi entregue o rolo de Isaías. 

Jesus abriu o livro profético nas passagens relativas às previsões messiânicas (Is 61, 1ss). Na sua oratória, embora não se tenha transcrição alguma do conteúdo de sua fala, Jesus certamente explicou com suma riqueza de doutrina e de detalhes o texto de Isaías, conforme o testemunho do evangelista:  'E todos davam testemunho em seu favor, e admiravam-se das palavras de graça que saíam da sua boca' (Lc, 4,22). Á margem o tesouro da doutrina exposta, aquele evento proclamava a chegada do Ungido, do Messias revelado pelos tempos nas Sagradas Escrituras. E a portentosa revelação é explicitada nas palavras finais do Mestre: 'Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabaste de ouvir' (Lc, 4, 21).

Mas os seus, ainda que admirados de sua pregação e oratória, não vão entendê-Lo. Eles O têm apenas no espectro da perplexidade e de certa admiração: o mero artesão que conheciam tinha adquirido um elevado grau de sabedoria e conhecimento das Escrituras. Mas não o reconhecem e não vão segui-Lo. Naquele dia histórico em Nazaré, os seus não foram capazes de apreender a admirável revelação messiânica de Jesus e  seu chamado de Filho de Deus. Da certeza de que um profeta não é bem recebido em sua terra (Lc 4, 24), Jesus não foi acolhido pelos seus e, por isso, 'não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles' (Mt 13, 58). Para os homens de Nazaré daquele tempo, Jesus foi apenas uma sombra de admiração, tolhida pela incredulidade e covardia de tantos que preferiram, por puro preconceito, a 'se encher de ira' e perder o convite à plena conversão: 'Não fiqueis tristes, porque a alegria do Senhor será a vossa força' (Ne, 8, 10). 

sábado, 26 de janeiro de 2013

A BÍBLIA EXPLICADA (III)

'... PADECEU SOB PÔNCIO PILATOS...' 

Ecce Homo de Antonio Ciseri (1821 - 1891)

A passagem do Credo, símbolo da fé cristã, faz referência estrita ao homem que mandou executar Nosso Senhor Jesus Cristo, não para tirá-lo do limbo da história, mas para enfatizar que o cristianismo é realmente uma religião histórica e não apenas uma filosofia de cunho moral, nascida de um mistério de redenção ocorrido num lugar determinado do mundo - a Palestina e num tempo concreto da história - quando Pôncio Pilatos era o prefeito ('praefectus') da Judeia.

O que se sabe com certeza é que no ano 26 de nossa era, Pôncio Pilatos sucedeu Valério Grato no governo da região da Judeia, Samaria e Idumeia, então províncias romanas, já desposado de Cláudia Prócula, que tinha parentesco com o imperador Tibério (42 a.C. - 37 d.C.). Sua residência oficial era em Cesareia (cidade à beira-mar construída por Herodes, o Grande) mas, em eventos especiais, deslocava-se para o Pretório em Jerusalém com todo o seu regimento. 

Dos poucos registros históricos disponíveis de sua administração, Flávio Josefo relata violentos entreveros com os judeus, particularmente quando Pilatos tentou introduzir em Jerusalém os estandartes de suas tropas com as insígnias de Tibério e quando quis utilizar os recursos do templo para construir um aqueduto de Belém até Jerusalém. Foi destituído do cargo pelo seu superior imediato, Lúcio Vitélio, governador da Síria, após violentos protestos devido ao massacre ocorrido no Monte Garazim, ao tentar conter uma rebelião dos samaritanos, no ano 35 da nossa era. Seu destino final é incerto, tendo sido feitas diversas conjecturas que vão desde o suicídio no exílio na França até uma eventual conversão ao cristianismo junto com a sua esposa Prócula.

CRÍTICAS ÀS OBJEÇÕES À DOUTRINA DO INFERNO


EXCERTO DA OBRA: 'O PROBLEMA DO SOFRIMENTO' DE C.S LEWIS


Num capítulo anterior, foi admitido que somente a dor que pode despertar o homem perverso para uma noção de que nem tudo está bem pode, da mesma forma, levá-lo a uma rebelião final e sem arrependimento. Foi admitido sempre que o homem possui livre arbítrio e que todas as concessões feitas a ele são portanto de dois gumes. A partir dessas premissas, segue-se diretamente que a obra divina de remir o mundo não pode ter certeza de êxito com respeito a cada alma individual. Alguns não serão remidos. Não existe doutrina no cristianismo que eu gostasse mais de remover do que esta, se tivesse esse poder. Mas ela tem o pleno apoio das Escrituras e, especialmente, das próprias palavras de Nosso Senhor; foi sempre mantida pela cristandade; e está fundamentada na razão. 

Quando jogamos deve haver a possibilidade de perder o jogo. Se a felicidade de uma criatura se acha na auto-rendição, ninguém mais pode realizar essa rendição além dela mesma (embora muitos possam ajudá-la nesse sentido) e ela pode recusar. Eu estaria disposto a pagar qualquer preço para poder dizer sinceramente: 'Todos serão salvos'. A minha razão, porém, replica: 'Com ou sem o consentimento deles?' Se disser: 'sem seu consentimento', percebo imediatamente uma contradição; como pode o ato supremo e voluntário da auto-rendição ser involuntário? Se disser 'com seu consentimento', minha razão replica, 'Como, se não quiserem ceder?'

Os sermões dominicais sobre o inferno, como fazem todos eles, são dirigidos à consciência e à vontade e não à nossa curiosidade intelectual. Quando eles nos despertam para a ação, convencendo-nos de uma terrível possibilidade, terão provavelmente feito tudo o que pretendiam fazer; e se o mundo inteiro fosse composto de cristãos convictos, seria desnecessário dizer uma palavra sequer a mais sobre o assunto. Como as coisas se acham, porém, esta doutrina é uma das bases principais para se atacar o cristianismo como sendo bárbaro, e impugnar a bondade de Deus. Dizem-nos que se trata de uma doutrina detestável - e, na verdade, também a detesto do fundo do coração - e somos lembrados das tragédias nas vidas humanas que têm origem nessa crença. Quanto às demais tragédias resultantes do fato de não crermos na mesma, pouco se fala nelas. Por essas razões, e só essas, torna-se necessário discutir o assunto.

O problema não é simplesmente o de um Deus que destina algumas de suas criaturas à ruína final. Seria esse o problema se fôssemos maometanos. O cristianismo, leal como sempre à complexidade do que é real, nos apresenta algo mais intrincado e mais ambíguo - um Deus tão cheio de misericórdia que se torna homem e morre torturado para impedir a ruína final de suas criaturas e que, porém, onde falha esse remédio heroico, parece pouco disposto, ou até mesmo incapaz, de sustar a ruína por um ato de simples poder. Eu afirmei loquazmente pouco atrás que pagaria 'qualquer preço' para remover esta doutrina. Mas menti. Eu não poderia pagar um milésimo do preço que Deus já pagou para remover o fato. Este é um problema real: tanta misericórdia e, ainda assim, existe o inferno.

Não vou fazer qualquer tentativa no sentido de demonstrar que a doutrina é tolerável. Não nos enganemos; ela não é tolerável. Penso, entretanto, que pode ser demonstrado que ela é moral, mediante uma crítica das objeções geralmente feitas, ou sentidas, em relação à mesma. Primeiro, existe uma objeção, em muitas mentes, quanto à ideia de castigo retributivo como tal. Isto foi tratado parcialmente em outro capítulo. Dissemos então que todo castigo se tornaria injusto se as idéias de demérito e retribuição fossem removidas dele; e um núcleo de retidão fosse descoberto no próprio íntimo da paixão vingadora, na exigência de que o perverso não permaneça perfeitamente satisfeito com a sua maldade, que ela venha a parecer-lhe o que corretamente parece a outros - um mal. Eu disse que a dor finca a bandeira da verdade na fortaleza rebelde. Estávamos então discutindo o sofrimento que poderia ainda levar ao arrependimento. E se isso não acontecer - se nenhuma outra vitória além de enterrar a bandeira no solo jamais tenha lugar? Vamos ser honestos conosco mesmos. 

Imagino um homem que tenha ficado rico ou poderoso através de uma série contínua de traições e crueldades, explorando com fins puramente egoístas os sentimentos nobres de suas vítimas, rindo de sua ingenuidade; que, tendo alcançado assim o sucesso, faz uso dele para sua própria gratificação, cobiça e ódio e finalmente perde o último vestígio de honra entre malfeitores, traindo seus cúmplices e zombando de seus derradeiros momentos de desilusão desnorteada. Suponhamos, ainda, que ele faça tudo isso, não (como gostaríamos de imaginar) atormentado pelo remorso ou mesmo apreensão, mas comendo como um adolescente e dormindo como uma criança saudável - um homem alegre, sadio, sem um cuidado no mundo. Confiante até o fim de que só ele encontrou a resposta para o enigma da vida, que Deus e o homem são tolos de quem se aproveitou, que seu modo de viver é completamente satisfatório, cheio de sucesso, inatacável. Temos de ser cuidadosos neste ponto. A menor indulgência da paixão vingativa é um pecado mortal. A caridade cristã aconselha-nos a empreender todos os esforços para a conversão de alguém assim: preferir a sua conversão, mesmo ao risco de nossa própria vida, talvez de nossa própria alma, do que o seu castigo; e preferir isso infinitamente. Mas esse não é o ponto. Suponhamos que ele não venha a converter-se, que destino no mundo eterno você consideraria adequado para ele? Será que pode realmente desejar que um indivíduo desse tipo, permanecendo como é (e ele deve ter capacidade para tanto se tiver livre-arbítrio), seja confirmado para sempre na sua felicidade presente - deveria ele continuar, por toda eternidade, a manter-se perfeitamente convencido de que a última risada será sua?

Se você não puder considerar isto como tolerável, será apenas a sua maldade - apenas o despeito - que impede que o faça? Ou você encontra agora esse conflito entre a Justiça e a Misericórdia, que algumas vezes lhe pareceu uma parte obsoleta da teologia, atuando em sua mente, e tem a sensação de que ele vem do alto, e não de baixo? Você não é movido pelo desejo de ver sofrer essa miserável criatura, mas por uma exigência verdadeiramente ética de que, cedo ou tarde, o direito deve vencer, a bandeira deve ser plantada nessa alma tremendamente rebelde, mesmo que não seja seguida de uma vitória melhor e mais ampla, já que a própria misericórdia dificilmente poderia desejar que um indivíduo assim continue eternamente satisfeito em sua deplorável ilusão. Tomás de Aquino falou a respeito do sofrimento o mesmo que Aristóteles falou da vergonha: tratava-se de algo que não era bom em si mesmo, mas que poderia apresentar certos aspectos bons em determinadas circunstâncias. Isto é, se o mal está presente, a dor ao reconhecer o mal, sendo uma espécie de conhecimento, é relativamente boa; pois a alternativa seria que a alma ignorasse o mal, ou ignorasse que o mal é contrário à sua natureza, 'sendo ambas', diz o filósofo, 'manifestamente prejudiciais'1. E penso que, embora tremendo, concordamos.

A exigência de que Deus deva perdoar tal homem enquanto permaneça como é, está baseada numa confusão entre tolerar e perdoar. Tolerar um mal é simplesmente ignorá-lo, tratá-lo como se fosse um bem. Mas o perdão precisa ser tanto aceito como oferecido caso deva ser completo: e a pessoa que não admite culpa não pode aceitar perdão. Iniciei com o conceito de inferno como um castigo retributivo e positivo infringido por Deus, por ser essa a forma em que a doutrina é mais repelente, e queria tentar resolver a objeção mais forte. Mas, naturalmente, embora Nosso Senhor fale com frequência do inferno como de uma sentença infligida por um tribunal, Ele também diz em outro ponto que o juízo consiste no próprio fato de que os homens preferem as trevas à luz, e que sua 'palavra' e não Ele julga os homens2. Temos, portanto, liberdade - desde que os dois conceitos, a longo prazo, significam a mesma coisa - de pensar na perdição deste perverso, não como uma sentença imposta a ele, mas como o simples fato de ele ser o que é. A característica das almas perdidas é 'sua rejeição de tudo que não seja simplesmente elas mesmas'3. Nosso egoísta imaginário tentou transformar tudo o que encontra em uma província ou apêndice do EU. A preferência pelo outro, isto é, a própria capacidade de gozar do bem, é apagada nele exceto até o ponto em que seu corpo ainda o arrasta a um contato rudimentar com o mundo exterior. A morte remove este último contato. Ele alcança o que deseja - viver inteiramente para si mesmo e tirar o melhor proveito do que descobre em seu interior. E o que encontra ali é o inferno.

Outra objeção se prende à aparente desproporção entre a danação eterna e o pecado transitório. Se pensarmos na eternidade como um simples prolongamento do tempo, é mesmo desproporcional. Mas muitos rejeitariam esta ideia de eternidade. Se pensarmos no tempo como uma linha - que é uma boa imagem, porque as partes do tempo são sucessivas e duas delas não podem coexistir; i,e., não existe largura no tempo, apenas comprimento - provavelmente pensaríamos na eternidade como sendo um plano ou mesmo um sólido. Assim sendo, toda a realidade de um ser humano seria representada por uma figura sólida. Esse sólido seria principalmente a obra de Deus, agindo através da graça e da natureza, mas o livre-arbítrio humano teria contribuído com a linha-base que chamamos de vida terrena: e se você traçar sua linha-base torta, todo o sólido irá ficar no lugar errado. O fato de a vida ser curta ou, no símbolo, que contribuímos apenas com uma linha pequena e fina em toda figura complexa, poderia ser considerado como uma misericórdia divina. Pois se até mesmo o traçado dessa pequena linha, deixada ao nosso livre-arbítrio, é tão mal feito que pode prejudicar o todo, quanto mais estragaríamos a figura se mais dela nos fosse confiado? 

Uma forma mais simples da mesma objeção consiste em dizer que a morte não deveria ser final, que deveria haver uma segunda oportunidade4. Acredito que se um milhão de oportunidades tivessem qualquer probabilidade de ajudar, elas seriam dadas. Mas um professor sempre sabe, mesmo quando os alunos e os pais não sabem, que é realmente inútil fazer um estudante repetir uma determinada prova. O fim deve chegar um dia, e não é necessária uma fé muito forte para crer que a onisciência sabe quando deve ser esse dia.

Uma terceira objeção se concentra na terrível intensidade das penas do inferno como sugerido pela arte medieval e, sem dúvida, por algumas passagens das Escrituras. Von Hügel nos adverte aqui para não confundirmos a doutrina em si com as imagens mediante as quais é transmitida. Nosso Senhor fala do inferno sob três símbolos: primeiro, o do castigo ('castigo eterno' Mt 25:46); segundo, da destruição ('temam apenas a Deus, que pode destruir no inferno a alma e o corpo juntos' Mt 10:28); e terceiro, da privação, exclusão e expulsão para as 'trevas exteriores', como nas parábolas do homem que não tinha as roupas do casamento ou a das virgens sábias e das tolas. A imagem predominante do fogo é significativa porque combina as noções de tormento e destruição.

É, porém, praticamente certo que todas essas expressões têm na verdade a intenção de sugerir algo indiscutivelmente horrível, e qualquer interpretação que não enfrente esse fato estará, conforme receio, errada desde o princípio. Não é, entretanto, necessário concentrar-se nas imagens de tortura, excluindo as que sugerem destruição e privação. O que pode ser então aquilo de que as três imagens são símbolo? A destruição, podemos naturalmente presumir, significa a eliminação ou aniquilação dos destruídos. E as pessoas falam com frequência como se a 'aniquilação' de uma alma fosse possível. Em nossa experiência, porém, a destruição de uma coisa significa a emergência de outra. Queime um pedaço de madeira e terá gases, calor e cinzas. Ter sido um pedaço de madeira significa agora ser essas três coisas. Se a alma pode ser destruída, não haverá um estado de ter sido uma alma humana? E não é esse, talvez, o estado que é igualmente bem descrito como tormento, destruição e privação? Você estará lembrado de que, na parábola, os salvos vão para um lugar preparado para eles, enquanto os perdidos vão para um lugar que não foi absolutamente feito para homens5.

Entrar no céu é tornar-se mais humano do que jamais alguém o foi na terra; entrar no inferno é ser banido da humanidade. O que é lançado (ou se lança) no inferno não é um homem: são 'refugos'. Ser um homem completo significa ter as paixões obedientes à vontade e essa vontade oferecida a Deus: ter sido um homem – ser um ex-homem ou um 'fantasma perdido' - iria presumivelmente significar consistir de uma vontade completamente voltada para o Eu e paixões não controladas pela vontade. Torna-se, naturalmente, impossível imaginar com o que a consciência de tal criatura – já então um agregado indefinido de pecados mutuamente antagônicos em lugar de um pecador - poderia comparar-se. O conceito de uma 'segunda oportunidade' não deve ser confundido nem com o Purgatório (para as almas já salvas) nem com o Limbo (para as almas que já estão perdidas).

Pode haver grande parte de verdade no ditado: 'o inferno é inferno, não de seu próprio ponto de vista, mas do ponto de vista celestial'. Não acredito que isto interprete mal a severidade das palavras de Nosso Senhor. Somente aos condenados é que seu destino poderia parecer menos do que insuportável. E deve ser admitido que, nestes últimos capítulos, à medida que pensamos na eternidade, as categorias de dor e prazer, que nos prenderam por tanto tempo, começam a retroceder, enquanto bens e males mais vastos surgem no horizonte. Nem a dor nem o prazer como tais têm a última palavra. Mesmo se fosse possível que a experiência (se pode ser chamada assim) dos perdidos não contivesse dor mas muito prazer; ainda assim, esse prazer negro seria de um tipo tal que faria qualquer alma, ainda não condenada, voar para as suas orações num terror de pesadelo: mesmo que houvesse sofrimentos no céu, todos os que têm entendimento os desejariam.

Uma quarta objeção é que nenhum homem caridoso poderia considerar-se abençoado no céu enquanto soubesse que uma única alma continuasse ainda no inferno; e se for assim, somos então mais misericordiosos que Deus? Por trás dessa objeção existe uma imagem mental de céu e inferno coexistindo numa época unilinear como coexistem as histórias da Inglaterra e América: dessa forma a cada momento os bem-aventurados poderiam dizer: 'As misérias do inferno estão agora continuando'. Mas eu noto que Nosso Senhor, embora enfatizando os terrores do inferno com grande severidade, no geral não destaca a ideia de duração, mas de finalidade.

A entrega ao fogo destruidor é geralmente tratada como o fim da história e não como o começo de outra nova. Não podemos duvidar que a alma perdida esteja eternamente fixada em sua atitude diabólica; mas se esta fixidez eterna implica numa duração sem fim - ou que dure mesmo - não podemos dizer. O Dr. Edwyn Bevan faz algumas especulações interessantes sobre este ponto6. Sabemos muito mais sobre o céu do que sobre o inferno, pois o céu é o lar da humanidade e, portanto, contém tudo o que está implícito numa vida humana glorificada: mas o inferno não foi feito para homens. Ele não é de forma alguma paralelo ao céu, mas a 'escuridão lá fora', a borda externa em que o ser se desvanece no nada.

Finalmente, é objetado que a perda final de uma única alma significa a derrota da onipotência. E assim é. Ao criar seres com livre-arbítrio, a onipotência desde o início se submete à possibilidade de tal fracasso. O que você chama de derrota, eu chamo de milagre: pois fazer coisas que não são Ele mesmo, e tornar-se assim, num certo sentido, capaz de sofrer resistência por parte das obras de suas próprias mãos, é o mais surpreendente e inconcebível dos feitos que atribuímos à divindade. Acredito realmente que os perdidos são, de certa forma, rebeldes bem sucedidos até o fim; que as portas do inferno são fechadas por dentro. Não quero dizer que os fantasmas não desejem sair do inferno, da maneira vaga como uma pessoa invejosa 'deseja' ser feliz: mas eles certamente não querem nem sequer os primeiros estágios preliminares daquele auto-abandono através do qual a alma pode alcançar qualquer bem. Eles gozarão para sempre da horrível liberdade que exigiram, e são portanto auto-escravizados; da mesma maneira que os justos, para sempre submissos à obediência, tornam-se através de toda eternidade cada vez mais livres.

A longo prazo, a resposta a todos os que se opõem à doutrina do inferno é, em si mesma, uma pergunta: 'O que você está querendo que Deus faça?' Apagar os pecados cometidos por eles no passado e permitir-lhes um novo começo, alisando toda dificuldade e oferecendo toda ajuda milagrosa? Mas Ele fez isso, no Calvário. Perdoá-los? Não podem ser perdoados. Abandoná-los? Sim, tenho medo de que é justamente isso que Ele faz.

Summa Theol. I, II, Q, xxxix, Art. 1
Jo 3:19; 12:48

3 Von Hügel, Essays and Addresses, lst series, 'What do we mean by Heaven and Hell?'
O conceito de uma 'segunda oportunidade' não deve ser confundido nem com o Purgatório (para as almas já salvas) nem com o Limbo (para as almas que já estão perdidas).
Mt 25:34,41
Symbolism and Belief, pág, 101.

                                                        C.S. Lewis (1898 - 1963) - 'The Problem of Pain' (1940)

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