sexta-feira, 11 de setembro de 2015

DOCUMENTOS DO CONCÍLIO VATICANO I (I)

Concílio Vaticano I, proclamado por Pio IX (1846 a 1878).
Sessão III (24/04/1870)
Constituição Dogmática Dei Filius, sobre a Fé Católica, dividida em quatro capítulos: Deus, criador de todas as coisas; a Revelação; a Fé; A Fé e a Razão.

Pio IX (1846 a 1878)

1781. Agora, porém, Nós, juntamente com todos os bispos do mundo que conosco governam a Igreja, congregados no Espírito Santo neste Concílio Ecumênico, sob a nossa autoridade, apoiados na palavra de Deus, quer escrita quer transmitida por Tradição, conforme a recebemos santamente conservada e genuinamente exposta pela Igreja Católica, resolvemos professar e declarar, desta cátedra de Pedro, diante de todos, a salutar doutrina de Cristo, proscrevendo e condenando, com o poder divino a Nós confiado, os erros contrários.

Cap. I – Deus, Criador de todas as coisas

1782. A Santa Igreja Católica Apostólica Romana crê e confessa que há um [só] Deus verdadeiro e vivo, Criador e Senhor do céu e da terra, onipotente, eterno, imenso, incompreensível, infinito em intelecto, vontade e toda a perfeição; o qual, sendo uma substância espiritual una e singular, inteiramente simples e incomunicável, é real e essencialmente distinto do mundo, sumamente feliz em si e por si mesmo, e está inefavelmente acima de tudo o que existe ou fora dele se possa conceber [cân. 1-4].

1783. Este único e verdadeiro Deus, por sua bondade e por sua 'virtude onipotente', não para adquirir nova felicidade ou para aumentá-la, mas a fim de manifestar a sua perfeição pelos bens que prodigaliza às criaturas, com vontade plenamente livre, 'criou simultaneamente no início do tempo ambas as criaturas do nada: a espiritual e a corporal, ou seja, os anjos e o mundo; e em seguida a humana, constituída de espírito e corpo' [IV Concílio de Latrão].

1784. Tudo o que Deus criou, conserva-o e governa-o com sua providência, atingindo fortemente desde uma extremidade a outra, e dispondo de todas as coisas com suavidade [cf. Sab 8,1]. Pois tudo está nu e descoberto aos seus olhos [Heb 4,13], mesmo os atos dependentes da ação livre das criaturas.

Cap. II – A Revelação

1785. A mesma Santa Igreja crê e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas; pois as perfeições invisíveis tornaram-se visíveis depois da criação do mundo, pelo conhecimento que as suas obras nos dão dele [Rom 1,20]; mas que aprouve à sua misericórdia e bondade revelar-se a si e os eternos decretos da sua vontade ao gênero humano por outra via, e esta sobrenatural, conforme testemunha o Apóstolo: 'Havendo Deus outrora falado aos pais pelos profetas, muitas vezes e de muitos modos, ultimamente, nestes dias, falou-nos pelo Filho' [Heb 1,1 s; cân. 1].

1786. A esta revelação divina deve-se certamente atribuir o poder em todos, mesmo nas condições atuais do gênero humano, conhecer expeditamente, com firme certeza e sem mistura de erro, aquilo que nas coisas divinas não é de per si inacessível à razão humana. Contudo, não se deve dizer que a revelação é absolutamente necessária por este motivo, mas porque Deus, em sua infinita bondade, ordenou o homem para o fim sobrenatural, isto é, para participar dos bens divinos, que estão inteiramente acima da compreensão humana; 'pois nem os olhos viram, nem os ouvidos ouviram, nem penetrou no coração do homem, o que Deus preparou para aqueles que o amam' [1 Cor 2,9; cân. 2 e 3].

1787. Esta revelação sobrenatural, porém, segundo a doutrina da Igreja universal, definida pelo Concílio Tridentino, está contida 'nos livros e nas tradições não escritas que, recebidas pelos Apóstolos da boca do próprio Cristo, ou que transmitidas como que mão em mão pelos próprios Apóstolos sob a inspiração do Espírito Santo, chegaram até nós' [Concílio Tridentino]. E estes livros do Antigo e do Novo Testamento, inteiros e com todas as suas partes, conforme vêm enumerados no decreto do mesmo Concílio e se encontram na antiga edição latina da Vulgata, devem ser aceitos como sagrados e canônicos. E a Santa Igreja os tem como tais, não por terem sido redigidos somente por obra humana e em seguida aprovados pela sua autoridade, nem somente por conterem a revelação isenta de erro, mas porque, escritos sob a inspiração do Espírito Santo, têm a Deus por autor, e como tais foram confiados à mesma Igreja [cân. 4].

1788. Todavia, já que o salutar decreto dado pelo Concílio Tridentino sobre a interpretação da Sagrada Escritura para corrigir espíritos petulantes é erradamente exposto por alguns, Nós, renovando o mesmo decreto, declaramos que o seu sentido é que, nas coisas da fé e da moral, pertencentes à estrutura da doutrina cristã, deve-se ter por verdadeiro sentido da Sagrada Escritura aquele que foi e é mantido pela Santa Madre Igreja, a quem compete decidir do verdadeiro sentido e da interpretação da Sagrada Escritura; e que, por conseguinte, a ninguém é permitido interpretar a mesma Sagrada Escritura contrariamente a este sentido ou também contra o consenso unânime dos Santos Padres.


Cap. III – A Fé

1789. Visto que o homem depende inteiramente de Deus como seu Criador e Senhor, e que a razão criada está inteiramente sujeita à Verdade incriada, somos obrigados a prestar, pela fé, à revelação de Deus, plena adesão do intelecto e da vontade [cân. 1]. Esta fé, porém, que é 'o início da salvação humana', a Igreja a define como uma virtude sobrenatural pela qual, inspirados e ajudados pela graça, cremos ser verdade o que Deus revelou, não devido à verdade intrínseca das coisas, conhecida pela luz natural da razão, mas em virtude da autoridade do próprio Deus, autor da revelação, que não pode enganar-se nem enganar [cân. 2]. Pois, segundo o testemunho do Apóstolo, a fé é o fundamento firme das coisas esperadas, uma prova das coisas que não se veem [Heb 11,1].

1790. Não obstante, para que a homenagem de nossa fé estivesse em conformidade com a razão [cf. Rom 12,1], quis Deus ajuntar ao auxílio interno do Espírito Santo os argumentos externos da sua revelação, isto é, os fatos divinos, e sobretudo os milagres e as profecias, que, por demonstrarem abundantemente a onipotência e a ciência infinita de Deus, são sinais certíssimos as revelação divina, acomodados que são à inteligência de todos [cân. 3 e 4]. Foi por isso que Moisés, os profetas e principalmente o próprio Jesus Cristo fizeram muitos e manifestíssimos sinais e profecias; e dos Apóstolos lemos: 'Eles, porém, partiram e pregaram em toda a parte, cooperando com eles o Senhor e confirmando a sua palavra com os sinais que a acompanhavam' [Mc 16,20]. E em outro texto se lê: 'E temos ainda mais firme a palavra dos profetas, à qual fazeis bem de atender, como a uma candeia que alumia em um lugar tenebroso' [ 2 Ped 1,19].

1791. Embora, porém, a adesão da fé não seja de modo algum um movimento cego do espírito, ninguém, contudo, pode 'crer na pregação evangélica', como se exige para conseguir a salvação, 'sem a iluminação e a inspiração do Espírito Santo, que a todos faz encontrar doçura em consentir e crer na verdade' [Concílio II Arausicano]. Pelo que, [já] a própria fé em si, embora não opere pela caridade [cf. Gál 5,6], é um dom de Deus, e o seu exercício é um ato salutar, pelo qual o homem presta livre obediência ao próprio Deus, prestando consentimento e cooperação à sua graça, à qual poderia resistir [cân. 5].

1792. Deve-se, pois, crer com fé divina e católica tudo o que está contido na palavra divina escrita ou transmitida pela Tradição, bem como tudo o que a Igreja, quer em declaração solene, quer pelo Magistério ordinário e universal, nos propõe a crer como revelado por Deus.

1793. Como, porém, sem a fé é impossível agradar a Deus [Heb 11,6] e chegar ao consórcio dos seus filhos, ninguém jamais pode ser justificado sem ela, nem conseguir a vida eterna se nela não permanecer até o fim [Mt 10,22;24,13]. E para que pudéssemos cumprir o dever de abraçar a verdadeira fé e nela perseverar constantemente, Deus instituiu, por meio de seu Filho Unigênito, a Igreja, e a muniu com os sinais manifestos da sua instituição, para que pudesse ser por todos reconhecida como guarda e mestra da palavra revelada.

1794. Porquanto somente à Igreja Católica pertencem todos os caracteres, tão numerosos e tão admiravelmente estabelecidos por Deus, para tornar evidente a credibilidade da fé cristã. Além disso, a Igreja em si mesma, pela sua admirável propagação, exímia santidade e inesgotável fecundidade em todos os bens, pela sua unidade católica e invicta estabilidade, é um grave e perpétuo motivo de credibilidade, e um testemunho irrefragável da sua missão divina. Donde resulta que a mesma Igreja, como um estandarte que se ergue no meio das nações [Is 11,12], não só convida os incrédulos a entrarem no seu grêmio, mas também garante a seus filhos que a fé que professam se baseia em fundamento firmíssimo. A este testemunho acresce o auxílio eficaz da virtude do alto. Porquanto o begníssimo Senhor excita e ajuda com a sua graça os que vagueiam no erro, a fim de poderem chegar ao conhecimento da verdade [1 Tim 2,4]. E aos que chamou das trevas à luz maravilhosa [1 Ped 2,9], confirma-os com sua graça, para que permaneçam nesta mesma luz, não os abandonando senão quando primeiro abandonado por eles. Pelo que, de maneira alguma é igual a condição daqueles que, pelo dom celeste da fé, abraçaram a verdade católica, e dos que, levados por opiniões humanas, seguem uma religião falsa; pois os que receberam a fé sob o Magistério da Igreja, jamais poderão ter justa razão de alterar ou por em dúvida esta mesma fé [ cân. 6]. E por isso, dando graças a Deus Pai, que nos fez idôneos de participar da sorte dos santos na luz [Col 1,12], não menosprezemos tão grande vantagem, mas, pondo os olhos em Jesus, autor e consumador da fé [Heb 12,2], conservemos firme a profissão da nossa esperança [Heb 10,23].

Cap. IV – A Fé e a Razão

1795. O consenso constante da Igreja Católica tem também crido e crê que há duas ordens de conhecimento, distintas não só por seu princípio, mas também por seu objeto; por seu princípio, visto que numa conhecemos pela razão natural, e na outra pela fé divina; e por seu objeto, porque, além daquilo que a razão natural pode atingir, propõem-se-nos a crer mistérios escondidos em Deus, que não podemos conhecer sem a revelação divina [cân. 1]. E eis por que o Apóstolo, que assegura que os gentios conheceram a Deus por meio das suas obras [Rom 1,20], discorrendo, todavia, sobre a graça e verdade que foram anunciadas por Jesus Cristo [cf. Jo 1,17], diz: 'Falamos da sabedoria de Deus em mistério, que fora descoberta e que Deus predestinou antes dos séculos, para nossa glória. A qual nenhum dos poderosos deste mundo conheceu..., a nós, porém, o revelou Deus pelo seu Espírito; porque o Espírito tudo penetra, também as coisas profundas de Deus' [1 Cor 7,8,10]. E o próprio Unigênito glorifica ao Pai, porque escondeu essas coisas aos sábios e entendidos e as revelou aos pequeninos [cf. Mt 11,25].

1796. Em verdade, a razão, iluminada pela fé, quando investiga diligente, pia e sobriamente, consegue, com a ajuda de Deus, alguma compreensão dos mistérios, e esta frutuosíssima quer pela analogia das coisas conhecidas naturalmente, quer pela conexão dos próprios mistérios entre si e com o fim último do homem; nunca, porém, se torna capaz de compreendê-los como compreende as verdades que constituem o seu objeto próprio, pois os mistérios divinos, por sua própria natureza, excedem de tal modo a inteligência criada, que, mesmo depois de revelados e aceitos pela fé, permanecem ainda encobertos com os véus da mesma fé, e como que envoltos em um nevoeiro, enquanto durante esta vida vivermos ausentes do Senhor; pois andamos guiados pela fé, e não pela contemplação [2 Cor 5,6 s].

1797. Porém, ainda que a fé esteja acima da razão, jamais pode haver verdadeira desarmonia entre uma e outra, porquanto o mesmo Deus que revela os mistérios e infunde a fé, dotou o espírito humano da luz da razão; e Deus não pode negar-se a si mesmo, nem a verdade jamais contradizer à verdade. A vã aparência de tal contradição nasce principalmente ou de os dogmas da fé não terem sido entendidos e expostos segundo a mente da Igreja, ou de se terem as simples opiniões em conta de axiomas certos da razão. Por conseguinte, 'definimos como inteiramente falsas qualquer asserção contrária a uma verdade de fé' [V Concílio de Latrão].

1798. Ademais a Igreja, que juntamente com o múnus apostólico de ensinar recebeu o mandato de guardar o depósito da fé, tem também de Deus o direito e o dever de proscrever a ciência falsa [1 Tim 6,20], a fim de que ninguém se deixe embaçar pela filosofia e por sofismas pagãos [cf. Col 2, 8; cân 2]. Eis por que não só é vedado a todos os cristãos defender como legítimas conclusões da ciência tais opiniões reconhecidamente contrárias à fé, máxime se tiverem sido reprovadas pela Igreja, mas ainda estão inteiramente obrigados a tê-las por conta de erros, revestidas de uma falsa aparência de verdade.

1799. E não só não pode jamais haver desarmonia entre fé e a razão, mas uma serve de auxílio à outra, visto que a reta razão demonstra os fundamentos da fé, e cultiva, iluminada com a luz desta, a ciência das coisas divinas; e a fé livra e guarda a razão dos erros, enriquecendo-a de múltiplos conhecimentos. Por isso a Igreja, longe de se opor ao cultivo das artes e das ciências humanas, até as auxilia e promove de muitos modos. Porquanto não ignora nem despreza as vantagens que delas dimanam para a vida humana; pelo contrário, ensina que, derivando elas de Deus, o Senhor das ciências [1 Rs 2,3], se forem bem empregadas, conduzem para Deus, com o auxílio de sua graça. Nem proíbe [a Igreja] que tais disciplinas, dentro de seu respectivo âmbito, façam uso de seus princípios e métodos próprios; mas, reconhecendo embora esta justa liberdade, admoesta cuidadosamente que não admitam em si erros contrários à doutrina de Deus ou ultrapassem os próprios limites, invadindo e perturbando o que é do domínio da fé.

1800. Pois a doutrina da fé, que Deus revelou, não foi proposta ao engenho humano como uma descoberta filosófica a ser por ele aperfeiçoada, mas foi entregue à Esposa de Cristo como um depósito divino, para ser por ela finalmente guardada e infalivelmente ensinada. Daí segue que sempre se deve ter por verdadeiro sentido dos dogmas aquele que a Santa Madre Igreja uma vez tenha declarado, não sendo jamais permitido, nem a título de uma inteligência mais elevada, afastar-se deste sentido [ cân. 3]. 'Cresçam, pois, e multipliquem-se abundantemente, tanto em cada um como em todos, tanto no homem individual como em toda a Igreja, segundo o progresso das idades e dos séculos, a inteligência, a ciência e a sabedoria, mas somente no seu gênero, isto é, na mesma doutrina, no mesmo sentido e no mesmo pensamento' [Vicente de Lirino, Commonitorium, nº 28. ML 50, 668 (c. 23)].

(Do Enchiridion Symbolorum, tradução de Frei Guilherme Baraúna) 

ORÁCULO DAS ALMAS DO PURGATÓRIO (IV)

Em 1887 morreu, em Jerusalém, o célebre padre dominicano, Frei Mateus Leconte, homem de grande talento e de uma virtude admirável. Foi um missionário que converteu muita gente em pregações pelas principais cidades da Europa. Quis, depois de uma vida apostólica cheia de méritos, recolher-se na Cida­de Santa e fundar lá um convento da sua Ordem, no lugar onde foi martirizado o protomártir Santo Es­tevão. 

Caiu gravemente enfermo e foi transportado para um hospital, onde esteve sob os cuidados de uma santa religiosa que fora sua dirigida espiritual por lon­gos anos, outrora. O piedoso Frei Mateus se assus­tava com as contas que havia de dar a Deus no tribunal do Juízo. 'Meu padre', consolava-o a enfermeira, 'fizes­tes tanto bem com vossa pregações e salvastes tan­tas almas! Que podeis temer?' — 'Ó, minha filha', respondia o bom padre, 'não basta fazer boas obras, é mister fazê-las bem feitas e com muita pureza de intenção! Quando eu morrer, reze muito e muito por mim'. — 'Rezarei, sim, meu padre, e se um dia não precisar mais, venha me avisar' — 'Minha filha', respondeu sorrindo o Padre Ma­teus da simplicidade da Irmã, 'não é assim tão fácil voltar a este mundo. Em todo caso, prometo ajudá-la quando estiver no céu pela misericórdia de Deus. Ajude-me muito a entrar no céu, socorrendo-me no purgatório'.

Poucos dias depois falecia santamente o bom pa­dre. Durante uma semana mais ou menos, a religiosa orou muito pela alma do Padre Mateus. Depois, ou por ocupações, ou porque pensasse que o padre tão santo não precisasse mais de orações e sufrágios, deixou de orar por ele. Um dia a boa religiosa estava na cela, em tra­balho, quando sentiu de repente um forte cheiro de fumaça e alguma coisa que se queimava e muita fumaça insuportável. Em meio do fumo ouviu um gemido angustioso e terrível, que a gelou toda de horror — 'Minha filha! Minha filha! Reze muito por mim, reze muito por mim!'

E tudo desapareceu num instante. Quinze dias depois, o mesmo fenômeno se repete, mas já não com tanta intensidade. A religiosa, neste espaço de tem­po, rezou e sofreu muito pela alma que lhe pedira orações. Desta vez, a voz misteriosa lhe disse: 'mui­to agradecido, minha filha, as tuas orações me aliviaram muito, foram um refrigerante orvalho nas chamas do purgatório que estou padecendo. Eu te peço uma caridade: a de dizer ao Prior do Convento que fundei, mande celebrar uma novena de Missas pela minha alma'.

A religiosa, sem hesitar, foi transmitir o reca­do ao Superior. Este recebeu-a com certa descon­fiança, julgando se tratasse de uma visionária. Em todo caso, pensou ele, uma novena de Missas por al­ma do Padre Mateus não lhe fará mal. E sem demo­ra mandou celebrar as Santas Missas. No último dia da novena, depois de celebrada a última Santa Missa, o Padre Guardião e os reli­giosos, após as últimas orações da noite, se retira­ram para suas celas. 

Um Irmão Leigo, homem muito equilibrado e de um temperamento positivo, nada sujeito a ilusões, sentiu que lhe batiam à porta da cela — 'Entre'! gritou logo. Qual não foi o seu espanto ao ver entrar o Pa­dre Mateus, todo resplandecente e belo, cheio de ale­gria. O defunto se adiantou para o Irmão e tal como o fazia em vida, sorriu e perguntou com iam as coi­sas pelo convento — 'Tudo vai bem, Padre Mateus, só as saudades de V. Revma. e a falta que nos faz.' — 'Coragem', disse o defunto, 'eu agora parto para o céu e lá vos serei mais útil do que neste mundo'.

E estendeu a mão, apertando a mão do leigo com tanta força, que este sentiu por muitos dias este aperto. E Frei Mateus desapareceu num halo de luz. O Irmão, comovido, quis acordar o Superior e a Comunidade àquela hora. O Superior ouviu-o e conferindo as datas e as circunstâncias, e atendendo ao espírito equilibrado do Irmão leigo, viu que se trata­va de uma verdadeira aparição. Louvou a misericór­dia de Deus por ter mandado sufragar a alma do san­to sacerdote, segundo o pedido da Irmã. 

(Excertos da obra 'Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!' de Monsenhor Ascânio Brandão, 1948)

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

OS RITOS LITÚRGICOS DA IGREJA CATÓLICA

No âmbito da Igreja Católica Apostólica Romana, a liturgia é a mesma e é única a soberania da cátedra de Pedro. Entretanto, há diferentes FORMAS de se rezar a Missa e de se realizar as cerimônias litúrgicas católicas, todas autênticas e aprovadas formalmente pela Igreja. A origem destas diferenças é histórica: desde os primórdios dos Atos dos Apóstolos, cada comunidade cristã desenvolveu, de forma independente e adaptada à cultura e aos costumes locais. 

No Ocidente, o rito latino foi dominante desde o princípio, mas, no Oriente, com o surgimento dos grandes patriarcados como Jerusalém, Constantinopla, Alexandria e Antioquia, estes ritos assumiram um caráter mais regional e específico:  o rito bizantino teve origem em Bizâncio, capital do Império romano do Oriente, e dominou a região da Ásia Menor (greco-melquita, eslavo, ucraniano e outros); o antioquenho (siríaco, antioquenho, maronita e malancar na Índia), o caldeu (na Índia) e o alexandrino (copta e etíope) que se tornou preponderante, por exemplo, em certas regiões da África. 

Assim, a Igreja Católica comporta atualmente 23 Igrejas autônomas (chamadas sui juris), todas mantendo a mesma integridade da Fé Católica e a obediência ao Sumo Pontífice, que é simultaneamente Papa, Bispo de Roma e Chefe de toda a Igreja Católica. Destas, a Igreja Católica Latina que segue o Rito Latino é, de longe, a maior delas, contando com cerca de 98% dos fiéis católicos do mundo inteiro. Em função dos diferentes ritos litúrgicos adotados, são estas as seguintes igrejas que compõem a Igreja Católica (a data entre parênteses, logo após a nominação das igrejas orientais, refere-se às datas em que as mesmas abdicaram de suas posições e retornaram à plena comunhão com a Verdadeira Igreja):

1. Ritos Ocidentais – Igreja Católica Latina

* Rito Romano (missa tridentina e missa nova)
* Rito Ambrosiano
* Rito Bracarense
* Rito Galicano
* Rito Moçárabe
* Uso Anglicano (para absorver os convertidos da Religião Anglicana)
* Rito dos Cartuxos

2. Rito Bizantino – adotado pelas Igrejas:

* Igreja Greco-Católica Melquita (1726)
* Igreja Católica Bizantina Grega (1829)
* Igreja Greco-Católica Ucraniana (1595)
* Igreja Católica Bizantina Rutena (1646)
* Igreja Católica Bizantina Eslovaca (1646)
* Igreja Católica Búlgara (1861)
* Igreja Greco-Católica Croata (1611)
* Igreja Greco-Católica Macedônica (1918 )
* Igreja Católica Bizantina Húngara (1646)
* Igreja Greco-Católica Romena unida a Roma (1697)
* Igreja Católica Ítalo-Albanesa (sempre em comunhão com a Igreja Católica)
* Igreja Católica Bizantina Russa (1905)
* Igreja Católica Bizantina Albanesa (1628 )
* Igreja Católica Bizantina Bielorrussa (1596)

3. Rito de Antioquia – adotado pelas Igrejas:

* Igreja Maronita (união oficial reafirmada em 1182)
* Igreja Católica Siro-Malancar (1930)
* Igreja Católica Siríaca (1781)

4. Rito Siríaco – adotado pelas Igrejas:

* Igreja Caldeia (1692)
* Igreja Católica Siro-Malabar (1599)

5. Rito Armênio 

* Igreja Católica Armênia (1742)

6. Rito de Alexandria – adotado pelas Igrejas:

* Igreja Católica Copta (1741)
* Igreja Católica Etíope (1846)

Os fiéis pertencentes a estas igrejas orientais católicas (não confundir com as igrejas orientais não-católicas, chamadas ortodoxas, separadas de Roma, que, muitas vezes, adotam os mesmos ritos litúrgicos) são tão católicos quanto aqueles pertencentes à Igreja Latina, mas, de acordo com o Direito Canônico, só podem mudar de rito sob autorização expressa da Santa Sé. Embora conservem tradições litúrgicas e devocionais próprias há séculos e apresentem abordagens teológicas, ritos litúrgicos e regras canônicas específicas (os chamados católicos bizantinos ou greco-católicos constituem cerca de 50% dos católicos orientais e professam o rito bizantino), têm em comum com a Igreja Latina o primado pela unidade da fé e a submissão ao poder do Santo Padre, reconhecido em sua suprema autoridade e infalibilidade magisterial. 

Em função de suas particularidades histórico-geográficas, as igrejas orientais católicas apresentam estruturas e organização distinta da Igreja Católica Latina,  sendo dirigidas por um hierarca e o seu respectivo Sínodo (Concílio de Hierarcas), da seguinte forma:
  • seis Igrejas (Igreja Católica Copta, Igreja Católica Siríaca, Igreja Greco-Católica Melquita, Igreja Maronita, Igreja Católica Caldeia e Igreja Católica Armênia são governadas por Patriarcas* (eleitos pelos seus Sínodos e depois somente reconhecidos pelo Papa);
  • quatro (Igreja Greco-Católica Ucraniana, Igreja Católica Siro-Malabar, Igreja Católica Siro-Malancar e Igreja Greco-Católica Romena unida à Roma) são governadas por Arcebispos Maiores (eleitos pelos seus Sínodos e depois, ao contrário dos Patriarcas, aprovados formalmente pelo Papa);
  • três (Igreja Católica Etíope, Igreja Católica Bizantina Eslovaca e Igreja Católica Bizantina Rutena) são governadas por Arcebispos Metropolitas (indicados em lista tríplice pelos respectivos Concílios de Hierarcas, sendo um deles escolhido e nomeado pelo Papa);
  • demais nove Igrejas: governadas por um ou mais hierarcas, diretamente nomeados e supervisionados pelo Papa, por não existirem sínodos nem concílios de hierarcas.
* Patriarca era o título dado antigamente ao bispo de uma diocese onde vivera e governara um dos Apóstolos ou discípulos de Jesus Cristo; assim havia o Patriarca de Jerusalém, cidade da qual fora primeiro Bispo o Apóstolo São Tiago; Antioquia, onde São Pedro fora Bispo; Alexandria, regida por São Marcos e Roma, onde São Pedro foi Bispo. Mais tarde, o título de Patriarca foi concedido honorificamente aos arcebispos de algumas cidades como Constantinopla, Veneza e Lisboa, por exemplo. 

terça-feira, 8 de setembro de 2015

GLÓRIAS DE MARIA: FESTA DA NATIVIDADE DE MARIA


Com o nascimento de Maria, Deus dá ao mundo a aurora que anuncia a vinda do Messias, o início histórico da obra da Redenção. Maria, 'bendita entre todas as mulheres' e rainha dos anjos, foi privilegiada pelos desígnios da Providência com as graças mais sublimes para ser elevada à excelsa dignidade de Mãe do Nosso Salvador Jesus Cristo, Mãe de Deus. 

'Deus onipotente, antes que o homem caísse, previu a sua queda e decidiu, antes dos séculos, a redenção humana. Decidiu Ele encarnar-se em Maria... Hoje é o dia em que Deus começa a pôr em prática o seu plano eterno, pois era necessário que se construísse a casa, antes que o Rei descesse para habitá-la. Casa linda, porque, se a Sabedoria constrói uma casa com sete colunas trabalhadas, este palácio de Maria está alicerçado nos sete dons do Espírito Santo. Salomão celebrou de modo soleníssimo a inauguração de um templo de pedra. Como celebraremos o nascimento de Maria, templo do Verbo encarnado?'

(Homilia sobre a Natividade de Maria, de São Pedro Damião)

A Festa da Natividade de Maria (celebrada no dia 8 de Setembro, pelo calendário tridentino) era celebrada no Oriente Católico muito antes de ser instituída no Ocidente e tem sua origem provavelmente em Jerusalém, pelos meados do século V. De acordo com a Tradição, Maria nasceu de pais virtuosos e avançados em idade, Joaquim e Ana, que cumpriam fielmente os seus preceitos cristãos em Jerusalém, resignados e pacientes diante a esterilidade do casal. Contemplados com a gravidez tardia, nasceu-lhes pela Divina Providência a filha que seria a Mãe de Deus, evento singular da história da humanidade que não foi objeto nem de profecias e nem de sinais extraordinários antes, durante ou depois da natividade de Maria.

'Ó Joaquim e Ana, casal bem-aventurado e verdadeiramente sem mancha! Pelo fruto do vosso seio fostes reconhecidos, segundo a palavra do Senhor: 'Pelos seus frutos os reconhecereis'. A vossa conduta foi agradável a Deus e digna daquela que nasceu de vós. Tendo levado uma vida casta e santa, engendrastes a joia da virgindade, aquela que deveria permanecer Virgem antes, durante e depois do parto, a única sempre Virgem de espírito, de alma e de corpo. Convinha, de fato, que a virgindade saída da castidade produzisse a Luz única e monógena, corporalmente, pela benevolência d’Aquele que A gerou sem corpo – o Ser que não gera, mas que é eternamente gerado, para Quem ser gerado é a única qualidade própria da Sua Pessoa. Ó que maravilhas, e que alianças estão neste menino! Ó Filha da esterilidade, virgindade que engravida, nela se unirão divindade e humanidade, sofrimento e impassibilidade, vida e morte, para que em todas as coisas o menos perfeito seja vencido pelo melhor! E tudo isto para minha salvação, ó Mestre! Amas-me tanto que não realizaste esta salvação nem pelos anjos, nem por nenhuma outra criatura, mas tal como já a minha criação, também a minha regeneração foi Tua obra pessoal. Assim, eu exulto, faço despertar a minha alegria e o meu júbilo, volto à fonte das maravilhas, e embriagado de uma torrente de alegria, toco de novo a cítara do espírito e canto o hino divino da natividade'.

(Homilia sobre a Natividade de Maria, de São João Damasceno)

Nasce Maria, dádiva de Deus, santíssima em sua concepção, santíssima no seio de sua mãe, santíssima desde o primeiro instante de sua vida. Pois não convinha que o santuário de Deus, a mansão da sabedoria, o relicário do Espírito Santo, a urna do maná celestial, tivesse em si a menor mácula. Antes de receber sua alma santíssima, sua carne foi completamente purificada até do menor resíduo de toda mancha, sem a mais ínfima inclinação para o pecado.

'A gloriosa Virgem não apenas foi preservada do pecado original em sua concepção, como foi também adornada da justiça original e confirmada em graça desde o primeiro momento de sua vida, segundo muitos eminentes teólogos, a fim de ser mais digna de conceber e dar à luz o Salvador do mundo. Privilégio que jamais foi concedido à criatura alguma, nem humana nem angélica, pertencendo somente à Mãe do Santo dos Santos, depois de seu Filho Jesus ... Todas as virtudes, com todos os dons e frutos do Espírito Santo, e as oito bem-aventuranças evangélicas se encontram no coração de Maria desde o momento de sua concepção, tomando inteira posse e estabelecendo n'Ela seu trono num grau altíssimo e proporcionado à eminência de sua graça'.

(Homilia, São João Eudes)


Maria Santíssima é a nova Eva, a mãe espiritual dos homens; é Judite que será vitoriosa sobre o inimigo do povo de Deus; é Ester que alcançará misericórdia para o seu povo. Foi Maria que Adão entreviu quando Deus lhe disse que uma mulher esmagaria a cabeça da serpente. Deus a tinha em vista quando prometeu a Abraão, aos patriarcas e a Davi, que o Salvador brotaria da sua estirpe. Ela é o tronco de Jessé que havia de dar a flor escolhida, conforme a profecia de Isaías. 

Genealogia de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão: 2Abraão gerou Isaac;Isaac gerou Jacob; Jacob gerou Judá e seus irmãos; 3Judá gerou, de Tamar, Peres e Zera; Peres gerou Hesron; Hesron gerou Rame; 4Rame gerou Aminadab; Aminadab gerou Nachon; Nachon gerou Salmon; 5Salmon gerou, de Raab, Booz; Booz gerou, de Rute, Obed; Obed gerou Jessé;6Jessé gerou o rei David. David, da mulher de Urias, gerou Salomão; 7Salomão gerou Roboão; Roboão gerou Abias; Abias gerou Asa; 8Asa gerou Josafat; Josafat gerou Jorão; Jorão gerou Uzias; 9Uzias gerou Jotam; Jotam gerou Acaz; Acaz gerou Ezequias; 10Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou Amon; Amon gerou Josias; 11Josias gerou Jeconias e seus irmãos, na época da deportação para Babilónia.12Depois da deportação para Babilónia, Jeconias gerou Salatiel; Salatiel gerou Zorobabel;13Zorobabel gerou Abiud. Abiud gerou Eliaquim; Eliaquim gerou Azur; 14Azur gerou Sadoc; Sadoc gerou Aquim; Aquim gerou Eliud; 15Eliud gerou Eleázar; Eleázar gerou Matan; Matan gerou Jacob. 16Jacob gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo.18Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava desposada com José; antes de coabitarem, notou-se que tinha concebido pelo poder do Espírito Santo.19José, seu esposo, que era um homem justo e não queria difamá-la, resolveu deixá-la secretamente.20Andando ele a pensar nisto, eis que o anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: 'José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. 21Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados'. 22Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: 23Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho; e hão-de chamá-lo Emanuel, que quer dizer: Deus conosco.


(Evangelho: Mateus, 1, 1-16.18-23)

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

DAS DIGNIDADES E DAS HONRAS DO ALTAR


NATUREZA E DIGNIDADE DO ALTAR 

1. Os antigos Padres da Igreja, meditando a palavra de Deus, não duvidaram afirmar de Cristo que Ele era a vítima, o sacerdote e o altar do seu próprio sacrifício. 

Na Epístola aos Hebreus, Cristo é apresentado como o grande Pontífice e, ao mesmo tempo, como o Altar vivo do Templo celeste; no Apocalipse, o nosso Redentor aparece como o Cordeiro morto, cuja oblação é levada ao altar celeste pelas mãos do santo Anjo. 

O CRISTÃO É TAMBÉM UM ALTAR ESPIRITUAL 

2. Como Cristo, Cabeça e Mestre, é o verdadeiro altar, também os seus membros e discípulos são altares espirituais, nos quais é oferecido a Deus o sacrifício da vida santamente vivida. Isto mesmo parecem querer significar os próprios Padres: São Inácio de Antioquia, quando, de maneira notável, pede aos Romanos: 'Não me ofereçais mais nada, senão deixar que eu seja imolado a Deus, enquanto o altar está ainda preparado' ou São Policarpo, quando chama a atenção às viúvas para que vivam santamente, elas que 'são o altar de Deus'. A estas vozes respondem, entre outras, a de São Gregório Magno, quando ensina: 'O que é o altar de Deus, senão o espírito dos que vivem com perfeição? Com razão, pois, se chama altar de Deus ao coração dos justos'. 

Ou ainda, segundo outra imagem célebre, entre os autores eclesiásticos, os cristãos que se entregam à oração, oferecem a Deus petições e imolam vítimas de súplicas são, eles próprios, pedras vivas, com as quais o Senhor Jesus edifica o altar da Igreja. 

O ALTAR, MESA DO SACRIFÍCIO E DO BANQUETE PASCAL 

3. O Senhor Jesus Cristo, ao instituir, na forma de banquete sacrificial, o memorial do sacrifício que ia oferecer ao Pai no altar da cruz, tornou sagrada a mesa onde os fiéis se reúnem para celebrar a sua Páscoa. Por isso, o altar e a mesa do sacrifício e do banquete, na qual o sacerdote, representando o Senhor Jesus Cristo, realiza o mesmo que o próprio Senhor fez e entregou aos discípulos para que eles o fizessem em memória d’Ele; tudo isto, o Apóstolo o aponta de maneira muito clara, quando diz: 'O cálice da bênção, que nós abençoamos, não é comunhão no Sangue de Cristo? E o pão que partimos, não é comunhão no Corpo do Senhor? Porque há um só pão, nós, que somos muitos, fazemos um só corpo, visto participarmos todos desse único pão'. 

O ALTAR, SINAL DE CRISTO 

4. Em toda a parte, consoante as circunstâncias, os filhos da Igreja podem celebrar o memorial de Cristo e sentar-se à mesa do Senhor. Mas é consentâneo com o mistério eucarístico que os cristãos ergam um altar estável para celebrarem a Ceia do Senhor: assim aconteceu já desde os tempos antigos. 

O altar cristão é, pela sua própria natureza, uma mesa especial do sacrifício e do banquete pascal: 

– ara especial, onde se perpetua sacramentalmente o sacrifício da cruz até ao fim dos séculos, até que Cristo venha; 
– mesa em volta da qual se reúnem os filhos da Igreja, para darem graças a Deus e comungarem o Corpo e o Sangue de Cristo. 

Em todas as igrejas o altar é, por isso, 'o centro da ação de graças, que se realiza totalmente na Eucaristia', em torno do qual, de algum modo, se ordenam os outros ritos da Igreja. 

Porque no altar é celebrado o memorial do Senhor e se apresenta aos fiéis o seu Corpo e Sangue; os escritores eclesiásticos viram no altar como que um sinal do próprio Cristo – donde o dizer-se: 'O altar é Cristo'. 

O ALTAR, HONRA DOS MÁRTIRES 

5. Toda a dignidade do altar está no fato de ele ser a mesa do Senhor. Não são, portanto, os corpos dos Mártires que honram o altar, mas é antes o altar que honra o sepulcro dos Mártires. Vem, por isso, a propósito erguer altares sobre os sepulcros dos Mártires ou colocar as suas relíquias debaixo do altar, para honrar os seus corpos e ainda para significar que o sacrifício dos membros tira o seu princípio do sacrifício da Cabeça, e assim 'venham vítimas triunfais tomar lugar onde Cristo é a vítima. Mas Ele, sobre o altar, Ele que padeceu por todos; aqueles, debaixo do altar, pois foram remidos pela sua paixão'. 

Esta maneira de dispor as coisas parece, de algum modo, retomar a visão espiritual do Apóstolo João no Apocalipse: 'Vi debaixo do altar as almas dos que haviam sido mortos por causa da palavra de Deus e do testemunho que tinham dado'. Embora todos os Santos sejam justamente chamados testemunhas de Cristo, há todavia no testemunho do sangue uma força peculiar, que só as relíquias dos Mártires colocadas debaixo do altar, exprimem de maneira total e completa. 

O ERGUER DO ALTAR 

6. É conveniente que, em todas as igrejas, haja um altar fixo; nos outros lugares destinados às celebrações sagradas, um altar fixo ou móvel. O altar diz-se fixo se é construído sobre o pavimento e de tal modo unido a ele que não se possa remover; chama-se móvel, se pode ser removido. 

7. É preferível que, nas igrejas novas, se coloque um só altar, para que na assembleia una dos fiéis o altar único signifique que é único o nosso Salvador, Jesus Cristo, e única Eucaristia da Igreja. Na capela, um tanto separada, se possível, da nave da igreja, onde está colocado o tabernáculo para guardar o Santíssimo Sacramento, poderá erguer-se outro altar, onde se pode também celebrar a Missa nos dias feriais para uma pequena assembleia de fiéis. Deve, porém, evitar-se, de maneira absoluta, colocar mais altares apenas para adorno da igreja. 

8. O altar seja construído separado da parede, de maneira que o sacerdote possa facilmente circular em volta dele e celebrar a Missa voltado para o povo: 'Pela sua localização, há de ser o centro de convergência para o qual espontaneamente se dirijam as atenções de toda a assembleia dos fiéis'. 

DEDICAÇÃO DA IGREJA E DO ALTAR 

9. Segundo a tradição da Igreja e o símbolo bíblico inerente ao altar, a mesa do altar fixo seja de pedra, e de pedra natural. Todavia, pode empregar-se outra matéria digna, sólida e artisticamente trabalhada, a juízo das Conferências Episcopais. Os pés ou a base que suportam a mesa podem ser de qualquer matéria, contando que seja digna e sólida. 

10. Por sua própria natureza, o altar só a Deus é dedicado, pois que o Sacrifício Eucarístico só a Deus é oferecido. É neste sentido que se deve entender o costume de a Igreja dedicar altares a Deus em honra dos Santos. Isto mesmo, o exprime Santo Agostinho de maneira adequada: 'Não erguemos altares a nenhum mártir, mas ao próprio Deus dos Mártires, ainda que em memória dos Mártires'. Tudo isto se deve explicar muito claramente aos fiéis. Nas igrejas novas não se coloquem representações ou imagens dos Santos em cima do altar. Do mesmo modo, não se ponham sobre a mesa do altar relíquias de Santos, quando estas são expostas à veneração dos fiéis. 

11. Quanto possível, mantenha-se o costume da liturgia romana de encerrar debaixo do altar relíquias de Mártires ou de outros Santos. Todavia tenha-se em conta o seguinte: (i) As relíquias que hão de ser colocadas sejam suficientemente grandes para se poder verificar que elas são parte de corpos humanos. Por isso, deve evitar-se que sejam colocadas relíquias demasiado pequenas de um ou mais Santos; (ii) Verifique-se com toda a diligência se as relíquias que vão ser colocadas são autênticas. É preferível que o altar seja dedicado sem relíquias, a que se coloquem debaixo dele relíquias duvidosas; (iii) O cofre das relíquias não deve ser colocado nem em cima do altar nem dentro da mesa do altar, mas, tendo em conta a forma do mesmo, deve ser colocado debaixo do altar. Onde se fizer o rito da deposição das relíquias, e muito conveniente que se celebre a Vigília junto das relíquias do Mártir ou do Santo.

12. Pertence ao Bispo, a quem está confiado o cuidado de uma Igreja particular, dedicar a Deus os novos altares erigidos na sua diocese; se ele o não puder fazer por si próprio, confiará essa função a outro Bispo, sobretudo àquele que lhe está associado e o auxilia na cura pastoral dos fiéis para os quais o novo altar foi erigido; em circunstâncias absolutamente especiais, confia-la-á a um presbítero, a quem dará mandato especial.

(Do Pontifical Romano, 'Dedicação da Igreja e do Altar')

domingo, 6 de setembro de 2015

'EFATÁ!'

Páginas do Evangelho - Vigésimo Terceiro Domingo do Tempo Comum


No Evangelho deste domingo, Jesus em pregação, encontra-se em terras estrangeiras, em meio aos pagãos, depois de passar pela Sidônia e atravessar 'a região da Decápole' (Mc 7, 31). Mas, mesmo ali, já eram conhecidos o seu poder e as curas milagrosas que realizava. E, assim, alguns daquela região, inclinados a receber com alegria a doutrina do Mestre, trouxeram à sua presença um homem surdo e que balbuciava palavras com grande dificuldade para que Jesus 'lhe impusesse a mão' (Mc 7, 32), gesto que traduzia concretamente o poder de cura de um grande profeta.

Jesus, entretanto, não vai fazer tal gesto, segundo o costume antigo. Afastando-o da multidão que os cercava, Jesus vai manifestar a sua condição humana e divina como médico do corpo físico mas, e principalmente, de almas. Fisicamente, vai usar o tato para acessar o doente: 'colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele' (Mc, 7,33). E, para confirmar que a cura dos males humanos, físicos ou espirituais, procede apenas de Deus, Jesus, em unidade com o Pai 'olhando para o céu' (Mc 7, 34), vai dizer: 'Abre-te!' (Mc 7, 34) e, somente então, o homem curado passa a falar e ouvir sem quaisquer dificuldades. Jesus recomenda a todos para que não se servissem do fato como história a ser contada, para nos advertir que ninguém nunca se ufane pessoalmente pela realização de uma obra ou de uma cura, que nasce e se dá exclusivamente pela graça de Deus.

De forma muito semelhante, Jesus curou o cego de nascença moldando o barro do chão (Jo 9, 1 - 7); Jesus nos cura dos males físicos e espirituais moldando a argila frágil da natureza humana, pelo cinzel da graça e do amor de Deus. Ao se debruçar até o pó, nos dá ciência de que conhece a nossa imensa fragilidade; ao proclamar sua divindade, nos conforta de que somos os herdeiros da divina misericórdia: 'Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é Ele que vem para vos salvar' (Is 35, 4).

O 'Efatá' pronunciado por Jesus junto aos ouvidos e à boca do surdo-mudo, deve ressoar, com amplitude crescente, no coração de cada homem, para que todos se abram às palavras de salvação, para que a nossa voz não se quede silenciosa diante da verdade ultrajada, para que corações e mentes não se cauterizem insensíveis aos apelos da graça! Como sal da terra e luz do mundo, somos destinados a sermos reflexos diretos da Luz de Cristo no mundo para a cura de muitos homens e para honra e glória de Deus.

sábado, 5 de setembro de 2015

A FÉ EXPLICADA (XVIII): A DESCIDA DE JESUS AOS INFERNOS

Descensus Christi ad Infera

A descida de Jesus aos infernos (ou mansão dos mortos) constitui depósito da fé cristã manifesta explicitamente no chamado Símbolo Apostólico, sendo objeto da mais antiga tradição, expostas num grande número de escritos eclesiásticos de naturezas diversas. No contexto do Símbolo Apostólico, a 'mansão dos mortos' tem uma contextualização muito distinta da concepção moderna, expressando o lugar sombrio (o sheol dos judeus ou o hades dos pagãos) que seria habitado pelos que morreram antes de Cristo. 

Inserida no contexto dos mistérios da Morte, Paixão e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, o descensus ad infera constitui uma expressa manifestação da vitória de Cristo sobre o demônio e de pregação e de libertação dos que morreram justamente: Jesus desceu aos infernos (mansão dos mortos) e não ao inferno (lugar dos condenados) como Mediador e Salvador da humanidade pecadora, para trazer a salvação a todos os justos que viveram e morreram antes de sua morte e ressurreição, inseridos, então, no plano salvífico de sua Redenção, do mesmo modo aplicada a todos os justos que vivem e morrem após a sua Páscoa.  


DESCIDA DE CRISTO AOS INFERNOS

'O que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou na mansão dos mortos.

Ele vai, antes de tudo, à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, e agora libertos dos sofrimentos. O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: 'O meu Senhor está no meio de nós'. 


E Cristo respondeu a Adão: 'E com teu espírito'. E tomando-o pela mão, disse: 'Acorda, tu que dormes, levante dentre os mortos, e Cristo te iluminará. Eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho; por ti e por aqueles que nasceram de ti, agora digo, e com todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: 'Saí!'; e aos que jaziam nas trevas: 'Vinde para a luz!'; e aos entorpecidos: 'Levantai-vos!' 

Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te, obra de minhas mãos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa.

Por ti, Eu, o teu Deus, me tornei teu filho; por ti, Eu, o Senhor, tomei tua condição de escravo. Por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci à terra, e fui mesmo sepultado abaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim fui entregue aos judeus e num jardim, crucificado.


Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi; para restituir-te o sopro da vida original. Vê nas minhas faces as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, a tua beleza corrompida. Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para retirar dos teus ombros os pesos dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à árvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendeste levianamente tuas mãos para a árvore do paraíso. 

Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte. Minha lança deteve a lança que estava voltada contra ti.

Levanta-te, vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; Eu, porém, já não te coloco no paraíso mas num trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém, que sou a vida, estou agora junto de ti. Constituí anjos que, como servos, te guardassem; ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não sejas Deus. 

Está preparado o trono dos querubins, prontos e a postos os mensageiros, constituído o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o reino dos céus preparado para ti desde toda a eternidade.'

(De uma antiga homilia para o Sábado Santo, século IV)