quarta-feira, 13 de março de 2024

AS CINCO PRÁTICAS DA QUARESMA


'Voltai para mim de todo o coração, fazendo jejuns, chorando e batendo no peito! Rasgai vossos corações, não as roupas!' (Jl 2, 12 -13)

Assim diz o Senhor, pela boca do profeta Joel: 'Voltai para mim de todo o coração'... com apelos de conversão e penitência! A Quaresma é para ser vivida no coração, mas não no nosso coração cotidiano, emotivo, superficial e vazio, submerso nas preocupações da vida e nas tribulações diárias de nossa rotina. Não, o nosso coração para Deus neste tempo de graças extremadas deve ser um coração quebrado, partido, rasgado, desfigurado... 'Rasgai os vossos corações'... somente assim, em corações rasgados para o mundo, flagelados pela contrição sincera, machucados pela dor do arrependimento, o Senhor pode entrar e habitar com alegria, porque são estes corações que se mais se assemelham ao Sagrado Coração de Jesus no Calvário.

'Voltai para mim de todo o coração'... neste tempo  de Quaresma, é esse o apaixonado apelo do Senhor: afastai-vos do mundo e dai-Me os vossos corações partidos, sofridos, amargurados e Eu farei habitar neles a minha Santa Alegria. Entregar nossos corações feridos e quebrados significa experimentarmos plenamente os frutos da mortificação, da contrição e da conversão sincera. E para isso, temos cinco práticas ou preceitos tradicionalmente vividos no tempo quaresmal: jejum e abstinência, esmola, silêncio, vigília e aumento do tempo dedicado à leitura orante da Bíblia (lectio divina). Estes são os meios que a Tradição da Igreja nos revela como experimentados e verdadeiramente eficazes para se entregar o coração - de todo o coração - à graça de Deus.

1. Jejum e Abstinência 

O jejum (a privação da alimentação) e a abstinência (não fazer uso de certos alimentos) constituem a primeira pancada para quebrar a crosta endurecida do nosso coração. Não implicam golpes de aríete (jejuns extraordinários, proezas desmedidas), mas tão somente uma série de pequenos impactos, contínuos e duradouros (condizente com o estado de saúde de cada um), que estimulem a nossa vulnerabilidade e fraqueza diante da fome, da sede ou da insaciedade, limitações e vazios que somente Deus nos pode prover. Ambos têm uma conotação essencialmente eucarística: 'Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome, e quem crê em mim nunca mais terá sede' (Jo 6, 35).

2. Esmola 

A esmola é a dádiva ao outro sem a imposição de recursos de favor ou gratidão. O fruto da esmola é a alegria espiritual, que rasga o nosso coração por dentro para abrir o coração do outro. E, assim, abrimos o coração a Cristo. A esmola rompe o escândalo do instinto do acúmulo, que nos leva a guardar para ninguém o que aos outros pertence. O supérfluo que entulha nossos armários e casas rouba que outro possa ter o necessário e é uma afronta à Providência Divina, pois o Senhor enche de bens os famintos e manda embora os ricos de mãos vazias (Lc 1, 53).

3. Silêncio 

O silêncio é a arma predileta de Deus para romper os corações mais endurecidos. Fique em silêncio, viva o silêncio no tempo quaresmal. O silêncio evita o pecado. Mais ainda, diante do teu silêncio, a Palavra de Deus vai romper as muralhas e chegar às masmorras mais escondidas do teu pobre coração porque 'a palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante que qualquer espada de dois gumes. Penetra até dividir alma e espírito, articulações e medulas. Julga os pensamentos e as intenções do coração' (Hb 4, 12).

4. Vigília

A vigília é o seu tempo sozinho com Deus. O sacrifício do nosso tempo para Deus é uma oferta de todo o coração, que nos libera da escravidão de tanto tempo perdido em coisas sem sentido e fúteis. A vigília implode o nosso coração eivado de preocupações cotidianas e submerso na posse de um tempo que está sempre aquém do que precisamos. Somos possessivos do nosso tempo e, ainda assim, perdemos tempo o tempo todo. Uma vez livres da sofreguidão do nosso tempo e na presença de Deus, experimentamos na vigília ao Senhor, mais do que apenas um pouco de tempo, a doação da nossa própria vida.

5. Leitura Orante da Bíblia

É a prática que complementa todas as outras e, sem a qual, as outras não podem dar frutos. Sem a leitura orante da Bíblia, o jejum perde o sentido, a esmola fica sempre para depois, o silêncio nos inquieta e a vigília tende a ser pesada e desconfortável. A lectio divina é o fundamento de todas as outras formas de oração. Com ela, podemos percorrer com maior proveito o caminho da Cruz, adorar com santa alegria o Senhor no Santíssimo Sacramento e invocar Nossa Senhora como advogada e medianeira na nossa entrega a Deus de todo o coração. 

(postagem publicada originalmente no blog em 17/02/2018)

terça-feira, 12 de março de 2024

VERSUS: A CASA E A VOLTA PARA CASA


'Só pode ser na casa. Na casa de família. Na casa que se fecha, não para isolar-se da cidade, mas para abrigar da chuva e do vento a boa sementeira da amizade... Disse que a casa é um segredo. De fato o é. Ou deve ser. Deve ser uma interioridade. Uma intimidade. Uma intimidade de afeições e uma intimidade de aflições. Um mundo de recato. Uma história escondida. Mas dentro desse segredo que abriga uma família há um outro segredo que se esconde da família. Naquela gruta de pedra há uma concha fechada e dentro dessa concha um segredo maior, escondido na intimidade e no segredo da casa. Os esposos se escondem. Escondem-se da casa, dentro da casa. Fecham-se dentro do que já é fechado. Abrigam-se no interior do que já é abrigado. E assim é que, nesse último reduto, nesse último porto, nesse abrigo, nessa concha, preparam não só o amor e a justiça, mas também o fruto dessa justiça e desse amor'.


'Preparar, pelo trabalho, a volta para casa, entre todas as coisas do mundo, é a que tem mais densidade de ventura. Pode o mundo moderno aviltar o trabalho, fazendo do homem uma pura máquina para o serviço de uma babilônia; pode semear obstáculos sem fim entre a mesa do funcionário e aquela soleira de porta onde ele tira do bolso uma chave encantada e toma posse de um reino; podem os pregadores anunciar um regime ideal, em que a casa é um prolongamento da repartição, uma máquina de morar cujos objetos pertencem a todos (o que equivale a dizer que não pertencem a ninguém), e onde o próprio gato receberá um nome oficial; podem socializar, burocratizar, centralizar; e minar os alicerces da família; e arrebatar as crianças para as chocadeiras técnicas onde se ensina que foi um dentista ou um bacharel que fizeram o mundo; debalde farão tudo isso com o auxílio de todos os demônios: o homem não esquece o paraíso que perdeu. Não esquece que seu primeiro pai foi um rico proprietário rural, que dava ele mesmo os nomes aos bichos e usava fartamente, e sem pena, os frutos de sua terra'.

(textos de Gustavo Corção)

segunda-feira, 11 de março de 2024

CARTA À MARUJA

Bartolomé Blanco Márquez (Córdoba, 1914) foi um mártir da perseguição religiosa na Espanha nos anos 30 do século passado. Foi executado em 2 de outubro de 1936, antes de completar 22 anos, enquanto gritava 'Viva Cristo Rei!' Em seu processo de beatificação (Blanco foi beatificado em 28 de outubro de 2007 pelo papa Bento XVI), consta a seguinte carta escrita à sua noiva Maruja, às vésperas de sua execução, e traduzida a seguir.


Prisão provincial de Jaén, 1 de outubro de 1936

Maruja da [minha] alma:

A tua memória vai me acompanhar até o túmulo e, enquanto o meu coração bater, baterá de afeto por ti. Deus quis sublimar estes afetos terrenos, enobrecendo-os quando os amamos por meio d'Ele. É por isso que, embora nos meus últimos dias, Deus seja a minha luz e o meu anseio, Ele não impede que a lembrança da pessoa que me é tão querida me acompanhe até à hora da morte.

Sou assistido por muitos sacerdotes que, como uma doce consolação, derramam os tesouros da graça na minha alma, fortificando-a; olho a morte de frente e, acredite de verdade, que não a temo nem a receio.

A minha sentença no tribunal dos homens será a minha maior defesa perante o Tribunal de Deus: procurando denegrir-me, enobreceram-me; procurando condenar-me, absolveram-me; procurando perder-me, salvaram-me. Compreendes isso? Porque, com a morte, deram-me a verdadeira vida e, ao me condenarem por defender sempre os ideais elevados da Religião, da Pátria e da Família, abriram-me as portas do Céu.

Os meus restos mortais serão sepultados num nicho deste cemitério de Jaén; enquanto me restam apenas algumas horas antes desse repouso definitivo, permita-me que te peça apenas uma coisa: que em memória do amor que tivemos um pelo outro, e que neste momento se intensifica, tenhas como principal objetivo a salvação da tua alma, porque assim estaremos reunidos no céu por toda a eternidade, onde nada nos poderá separar.

Até lá, então, Maruja da minha alma! Não te esqueças que estou a olhar para ti do céu, e procura ser um modelo de mulher cristã porque, no fim da nossa vida, de nada servem os bens e as alegrias terrenas se não conseguirmos salvar a nossa alma.

Um pensamento de gratidão é dirigido para toda a tua família e, para ti, todo o meu amor, sublimado nas horas da morte. Não te esqueças de mim, minha Maruja, e que a minha memória te sirva para teres sempre presente que há outra vida melhor e que alcançá-la deve ser a tua mais alta aspiração.

Sê forte e reconstrói a tua vida, és jovem e bondosa, e terás a ajuda de Deus, a quem eu implorarei do seu Reino. Adeus, até à eternidade, quando continuaremos a amar-nos para sempre.

Bartolomé

domingo, 10 de março de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Que se prenda a minha língua ao céu da boca, se de ti, Jerusalém, eu me esquecer!' (Sl 136)

Primeira Leitura (2Cr 36,14-16.19-23) - Segunda Leitura (Ef 2,4-10)  -  Evangelho (Jo 3,14-21)

 10/03/2024 - Quarto Domingo da Quaresma

15. A LUZ DE CRISTO


O Quarto Domingo da Quaresma é chamado Domingo Laetare ou Domingo da Alegria, e constitui um dos mais festejados do Ano Litúrgico. Por se enquadrar na metade do tempo quaresmal, período este vivido pela Igreja em meio à tristeza e penitências, a liturgia desse domingo se propõe a reacender nos católicos a firme alegria e esperança que devem ser o sustento dos católicos até a plenitude do tempo pascoal, à espera do Senhor Que Vem.

Santa alegria, pois 'Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele' (Jo 3, 17). A Primeira Vinda de Cristo é um exercício contínuo da graça divina nas sendas do perdão e da misericórdia, no acolhimento do pecador, na manifestação exaustiva da compaixão e do amor extremado de Deus pelas criaturas humanas, para salvar o mundo e maturar a boa semente em frutos de eternidade: 'Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna' (Jo 3, 16).

A alegria e esperanças cristãs se fundem em plenitude na Luz de Cristo, mas nem todos a receberão, mas nem todos a tomarão como guia e exemplo, conforme as próprias palavras de Jesus dirigidas a Nicodemos, no diálogo que se imortalizou no evangelho deste domingo: 'a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más' (Jo 3, 19). Na eternidade, verão Deus face a face os Filhos da Luz, aqueles que praticam a Verdade e se comprazem na jubilosa esperança da posse eterna da Plena Visão. 'mas, quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito' (Jo 3, 18).

Neste domingo, celebramos a luz, a luz de Cristo, que rompe a escuridão de nossa alma cega nos afazeres mundanos e que nos liberta das trevas do pecado, moldando a argila frágil da natureza humana pelo cinzel da graça e do amor de Deus. Ao se debruçar até o pó, Jesus nos dá ciência de que conhece a nossa imensa fragilidade; ao proclamar sua divindade, nos conforta de que, como Filhos da Luz, somos definitivamente os herdeiros da divina misericórdia. No meio do caminho desta jornada quaresmal, elevemos a Cristo nossas almas frágeis de argila e a Ele supliquemos conservá-las firmemente na direção do Círio Pascal, ao encontro da luz do Cristo Ressuscitado Que Vem.

sábado, 9 de março de 2024

ORAÇÃO DE LOUVOR A DEUS


Bendito seja Deus.
Bendito seja o seu santo Nome.
Bendito seja Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Bendito seja o Nome de Jesus. 
Bendito seja o seu Sacratíssimo Coração. 
Bendito seja o seu Preciosíssimo Sangue. 
Bendito seja Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento do altar. 
Bendito seja o Espírito Santo Paráclito. 
Bendita seja a grande Mãe de Deus, Maria Santíssima. 
Bendita seja a sua Santa e Imaculada Conceição. 
Bendita seja a sua gloriosa Assunção. 
Bendito seja o nome de Maria, Virgem e Mãe. 
Bendito seja São José, seu castíssimo Esposo. 
Bendito seja Deus nos seus anjos e nos seus santos.

sexta-feira, 8 de março de 2024

TESOURO DE EXEMPLOS (306/310)

 

306. POR TER QUEBRADO UM VASO

Um grande nobre de Roma convidou à sua mesa o imperador Augusto. Durante o festim, um escravo quebrou um vaso de cristal, pelo que seu amo o condenou à morte. Indignado, Augusto quebrou toda a baixela, dizendo: 'Cruel! Ignoras que a vida de um homem é mais preciosa que todas estas baixelas?'

Deus, às vezes, faz o mesmo com algum pecador: tira-lhe todos os bens para que abra os olhos e veja o grande mal que fêz, porque se lhe deixa com estes males até ao fim, o castigo será mais terrível.

307. ÉS UMA GRANDE PECADORA

São Filipe Néri  foi visitar a Irmã Escolástica, da Congregação de Santa Marta, que se julgava condenada, e disse-lhe:
➖ O céu lhe pertence: ele é seu.
➖ É impossível, senhor padre - disse ela.
➖ Aí está a sua loucura - respondeu o santo ➖ Por quem morreu Jesus?
➖ Pelos pecadores.
➖ Pois bem, a senhora é uma grande pecadora e Jesus morreu para salvá-la; portanto, o céu é seu.

308. DEUS EXISTE

Tornou-se muito conhecido nos Estados Unidos o ateu Whitney. Encontrando-se, últimamente, num hotel de Baltimore em companhia de alguns amigos, começaram a falar de assuntos religiosos. Whitney negou impiamente a existência de Deus, e acrescentou: 'Vou provar-vos claramente que Deus não existe. Exijo que o assim chamado Todo-Poderoso me mate imediatamente; não o fará porque não existe'.

Apenas o ateu atinha pronunciado essa blasfêmia e já caiu por terra. Os amigos acudiram, mas em vão. O homem estava morto. A morte trágica desse ateu causou por toda a parte uma terrível impressão (N. Y. H., 1904).

309. NAPOLEÃO E LAPLACE

O imperador Napoleão I perguntou um dia ao ímpio astrônomo Laplace se admitia a existência de Deus. Laplace respondeu: 'Estudei e observei minuciosamente o firmamento e não encontrei Deus'. Napoleão acertadamente observou: 'Coisa estranha! Se encontro uma obra de arte, suponho um artista, e se contemplo o universo, essa obra tão maravilhosa em si e em todas as suas partes, digo a mim mesmo: Deve ser obra de um artista que é tanto mais superior que o universo, pois sobrepuja tôdas as obras-primas feitas pelos homens. Uma máquina pressupõe o engenheiro, uma casa um construtor, o relógio um relojoeiro... A simples razão nos diz isto, e não é preciso ser grande sábio para possuir um tal conhecimento'.

310. A GRATIDÃO PARA COM DEUS

A venerável Amélia de Vannes tinha o santo costume de elevar o seu espírito a Deus. Vendo um cão, por exemplo, ela fazia esta consideração: Este animal é amigo do homem; fiel e grato, acompanha-o sempre, faz-lhe festa, retribui com carícias o bom trato que se lhe dá. O homem, porém, que recebe de Deus benefícios sem conta, benefícios a cada instante - o homem, pela salvação do qual Deus deu seu Filho Unigênito, muitas vêzes se esquece de agradecer ao seu supremo benfeitor. Se toma um alimento, não se lembra de quem o deu; se se entrega ao repouso, nenhuma palavra de gratidão pelos benefícios que recebeu no decorrer do dia. O cão, o animal grato, envergonha o homem ingrato e mal agradecido.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)


quinta-feira, 7 de março de 2024

FRASES DE SENDARIUM (XXIV)

'Que a espada do espírito, que é a Palavra de Deus, permaneça perpetuamente em nossa boca e em nosso coração' 

(Santa Teresa de Jesus)


'Ó Deus, cria em mim um coração puro, renova um espírito firme em meu peito; não me rejeites para longe de tua face, não retires de mim teu santo espírito'