A caridade deu-me o eixo de minha vocação. Compreendi que a Igreja tem um corpo formado de vários membros e neste corpo não pode faltar o membro necessário e o mais nobre: entendi que a Igreja tem um coração e este coração está inflamado de amor. Compreendi que os membros da Igreja são impelidos a agir por um único amor, de forma que, extinto este, os apóstolos não mais anunciariam o Evangelho, os mártires não mais derramariam o sangue. Percebi e reconheci que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo, abraça todos os tempos e lugares, numa palavra, o amor é eterno. Então, delirante de alegria, exclamei: 'Ó Jesus, meu amor, encontrei afinal minha vocação: minha vocação é o amor'. Sim, encontrei o meu lugar na Igreja, tu me deste este lugar, meu Deus. No coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor e, desse modo, serei tudo.
Por fim, o desejo da alma é realizado e a sua oração é ouvida: Jesus achega-se até ela e entra em seu jardim. Como, meu Deus, adentrai tão suave a alma que vos ama? Ninguém sabe. Ela nem mesmo se apercebe disso. É um segredo de vossa onipotência e de vosso amor. Na verdade, o que importa para a alma não é o 'como' da vossa presença, mas a vossa própria presença, que se torna um fato real. Algo misterioso e profundo, suave e muito doce aconteceu dentro dela. Pressente que Aquele a quem tanto amava e que, até então, estivera recolhido ao mais íntimo do seu coração, começa a abrir caminho suavemente através de sua própria substância e a aflorar à superfície do seu ser. É como se houvesse uma sublimação suave do Bem-amado emergindo do interior da própria alma.
Mas para que a alma interior não possa duvidar da realidade de sua bem-aventurança, Jesus se digna a assegurá-la disso. Ele fala com ela. Às vezes, ele usa a linguagem comum da alma interior, que ouve então claramente uma voz dizendo a si mesma: 'Estou aqui, estou aqui no meu jardim, minha irmã, minha filha, minha amada'. Mas, na maioria das vezes, Jesus fala à alma sem recorrer a palavras, mas com uma linguagem totalmente espiritual. A alma entende que algo lhe é revelado, e que ela compreende. Tudo acontece sob o influxo da pura inteligência: a alma é instruída sem alarde, sem fadiga e sem esforço. Tudo o que tem a fazer é estar preparada para ouvir, e mesmo isso não tem como negar a fazer. A simples obrigação de ouvir essa linguagem divina é doce encanto para ela. Pois a própria alma também é espírito. Por que Deus não poderia comunicar-se diretamente à sua esposa sem ser pelos sentidos, ainda que fossem os sentidos interiores?
(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)
Vós sois, ó Jesus, o Cristo, meu Pai santo, meu Deus misericordioso, meu Rei infinitamente grande; sois meu bom pastor, meu único mestre, meu auxílio cheio de bondade, meu bem-amado de uma beleza maravilhosa, meu pão vivo, meu sacerdote eterno, meu guia para a pátria, minha verdadeira luz, minha santa doçura, meu reto caminho, minha preclara sapiência, minha pura simplicidade, minha paz e concórdia; sois, enfim, toda a minha salvaguarda, minha herança preciosa, minha eterna salvação.
Ó Jesus Cristo, amável Senhor, por que, em toda a minha vida, amei, por que desejei outra coisa além de Vós? Onde estava eu quando não pensava em Vós? Ah! que, pelo menos, a partir deste momento meu coração só deseje a Vós e por Vós se abrase, Senhor Jesus! Desejos de minha alma, correi, que já bastante tardastes; oh! apressai-vos para o fim a que aspirais; procurai em verdade Aquele que procurais. Ó Jesus, anátema seja quem não Vos ama. Aquele que não Vos ama seja repleto de amarguras.
Ó doce Jesus, sede o amor, as delícias, a admiração de todo o coração dignamente consagrado à vossa glória. Deus de meu coração e minha partilha, Jesus Cristo, que em Vós meu coração desfaleça, e sede Vós mesmo a minha vida. Acenda-se em minha alma a brasa ardente de vosso amor e se converta num incêndio todo divino, a arder para sempre no altar de meu coração; que inflame o íntimo de meu ser, e abrase o âmago de minha alma; para que no dia de minha morte eu apareça diante de Vós inteiramente consumido em vosso amor. Assim seja.
'Iluminai a vossa face sobre nós, convertei-nos para que sejamos salvos!' (Sl 79)
19/12/2021 - Quarto Domingo do Advento
4. JESUS, ENTRA NA MINHA CASA!
No Quarto Domingo do Advento, o Jesus Esperado chega, através de Maria, à casa de Zacarias e Isabel. Santa e desmedida alegria, que faz João Batista estremecer de júbilo no ventre de sua mãe. Santa e ditosa alegria que faz Isabel inundar-se do Espírito Santo. Santa e materna alegria de Maria em manifestar ao mundo o bendito fruto do seu ventre. Eis Maria na casa de Isabel, testemunhas privilegiadas da revelação do maior dos mistérios divinos: Jesus, o filho de Deus vivo, no meio dos homens!
Eis Maria, o portento da fé humana, obra prima da graça do Pai, tangida por um único pensamento: cumprir, com fidelidade absoluta, a vontade de Deus: feita escrava, serva do senhor, é a 'bem aventurada que acreditou' (Lc 1,45) e que, por isso, verá cumprir-se tudo 'o que o Senhor lhe prometeu' (Lc 1,45). Maria leva Jesus à casa de Isabel e revela aos dois anciãos a chegada do Salvador ao mundo; Maria acolhe Jesus em sacrário de tão pura humanidade que faz João Batista estremecer de alegria; na casa de Zacarias e Isabel, toda a humanidade que anseia por Deus, acolhe Jesus como Salvador com santa e ditosa alegria.
Maria vai apressadamente ao encontro de Isabel, sob o impulso da graça, para cumprir a vontade de Deus, como serva para ajudar a gravidez avançada da parenta mais velha, como mensageira da esperança cristã, como mãe do Salvador e Redentor da humanidade, para cumprir a sua missão expressa no 'sim' da Anunciação. E é recebida com virtude filial, com alegria extrema, com devoção incontida, com zelo admirável por Isabel, pré-anunciadora dos corações incendidos da graça do Deus que está prestes a chegar ao mundo: 'Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?' (Lc 1, 42 - 43).
Jesus em Maria é o Jesus que vem, para libertar o mundo do pecado, para fazer novas todas as coisas, para a salvação de todos os que abrem as portas e janelas de suas casas ao Cristo que chega, que transformam seus corações em humildes manjedouras onde Ele possa renascer. Como na casa de Zacarias e Isabel, que Jesus possa entrar, com Maria, na minha e na sua casa, neste Santo Natal!
As Antífonas do Ó são sete orações especialmente cantadas durante o tempo do Advento, particularmente ao longo da semana que antecede o Natal. A autoria das antífonas, que remontam aos séculos VII e VIII, tem sido comumente atribuída ao papa Gregório Magno. São sete orações extremamente curtas, sempre iniciadas pela interjeição Ó, correspondendo a sete diferentes súplicas manifestadas a Jesus Cristo, na expectativa do nascimento do Menino - Deus entre os homens, que é invocado sob sete diferentes títulos messiânicos tomados do Antigo Testamento.
17 de dezembro
O Sapientia
quæ ex ore Altissimi prodisti,
attingens a fine usque ad finem,
fortiter suaviter disponens omnia:
Veni ad docendum nos viam prudentiae
Ó Sabedoria
que saístes da boca do altíssimo
atingindo de uma a outra extremidade
e tudo dispondo com força e suavidade:
Vinde ensinar-nos o caminho da prudência
18 de dezembro
O Adonai
et Dux domus Israel,
qui Moysi in igne flammæ rubi apparuisti
et ei in Sina legem dedisti:
Veni ad redimendum nos in brachio extento
Ó Adonai
guia da casa de Israel,
que aparecestes a Moisés na chama do fogo
no meio da sarça ardente e lhe deste a lei no Sinai
Vós, ó meu Deus, criastes as almas à vossa imagem, e as tornastes semelhantes a Vós. Depois comunicastes a elas a vossa própria vida. Sob as sombras da fé, elas creem no que vedes; esperam o que possuís, amam o que Vós amais, que sois Vós mesmo. As almas, graças ao princípio sobrenatural da vida que inseristes no interior delas, podem assim chegar a Vós, mesmo em vossa vida íntima, comungar verdadeiramente dessa vida abençoada, expressar do seu jeito o Verbo adorável, fluir através delas o vosso Espírito de Amor. E então, sob o doce e irresistível impulso desse Espírito divino, podem retornar até Vós - ao Pai e ao Filho - e refazer continuamente, com um deleite constantemente renovado, esse suave e aprazível caminho. Por acaso existe algo mais lindo neste mundo do que uma alma que vive da vossa vida, ó meu Deus?
Chega um momento em que Vós desejais que a alma, vivendo assim sob a penumbra da fé, veja de repente essas sombras se dissiparem quase por completo. Uma misteriosa claridade a envolve e nela se infunde suavemente. Ela fica totalmente iluminada por dentro sem nem saber como isso acontece, sem saber de onde vem o foco da irradiação que a consome. Sob a influência dessa luz de fogo, a alma se vê vivendo a sua vida comungando do conhecimento e do amor do próprio Deus, expressando o Verbo divino, exalando o Espírito de Amor do Pai e do Filho, ardendo na caridade do Espírito divino, vivendo a vida trinitária. Está mais bela do que nunca pois nela, como em Vós, tudo é ordem, poder, esplendor, harmonia e paz.
(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)