segunda-feira, 16 de outubro de 2017

É TEMERÁRIO PEDIR GRAÇAS EXTRAORDINÁRIAS

'Os dons extraordinários não de­vem ser temerariamen­te pedidos, nem deles devem presunçosa­mente ser esperados fru­tos de obras apostólicas (Lumen Gentium, nº 33)

Quando souberdes ou ouvirdes dizer que Deus concede fa­vores [sobrenaturais] às almas, nunca Lhe supliqueis que vos leve por esse caminho, nem aspireis a is­so. Ainda que tal caminho vos pareça muito bom, devendo ser apreciado e re­verenciado, não con­vém agir assim por algumas razões. 

Em primeiro lugar, por­que é falta de humil­dade desejar o que nunca merecestes; portanto, creio que não a tem muita quem assim se compor­ta... E julgo que eles (os favores sobrenatu­rais) nunca ocorrerão, uma vez que o Se­nhor, antes de conceder essas graças, dá um grande conhecimento próprio. E como entenderá sin­ceramente quem alimenta tais ambições, que já recebe grande misericórdia em não es­tar no inferno?

Em segundo lugar, porque é muito fácil haver engano ou risco de o ha­ver. O demô­nio não precisa senão de uma porta aberta para armar mil embus­tes. 

Em terceiro lugar, porque a própria imagina­ção, quando há um grande desejo, leva a pessoa a acreditar que vê e ouve aquilo que deseja, tal como os que, querendo uma coisa durante o dia e pensando muito sobre isso, sonham com ela à noite.

Em quarto lugar, porque é extremo atrevimento eu desejar es­colher um caminho, já que não sei qual o melhor. Pelo contrário, devo deixar que o Se­nhor, que me conhece, me leve por aquele que me convém, para em tudo fa­zer a sua Vontade. 

E, em quinto lugar, julgais que são poucos os sofrimentos padecid­os por aqueles a quem o Se­nhor concede essas graças? Não, são imensos e se manifestam de diversas maneiras. E sabeis vós se se­ríeis pes­soas capazes para pa­decê-los? 

Por último, porque talvez por aí mesmo onde pensais ga­nhar, perder­eis – como ocorreu a Saul, por ser rei (I Rs 15, 10-11). Enfim, irmãs, além dessas há outras. Crede-me que o mais seguro é não desejar se­não o que Deus deseja, pois Ele nos conhece e nos ama mais do que nós mesmos. E não poderemos er­rar se, com a determinação da vontade, agirmos sempre as­sim.

(Santa Teresa de Ávila)

domingo, 15 de outubro de 2017

O BANQUETE REAL

Páginas do Evangelho - Vigésimo Oitavo Domingo do Tempo Comum 


No seu ministério público, Jesus falava muitas vezes em forma de parábolas, para incutir nos homens os ensinamentos da Boa Nova, sem lhes ferir demasiado as susceptibilidades da prática consolidada sobre valores falsos ou essencialmente humanos. Neste contexto, o plano divino de salvação da humanidade é apresentado na analogia de que 'o Reino dos Céus é como a história do rei que preparou a festa de casamento do seu filho. E mandou os seus empregados para chamar os convidados para a festa, mas estes não quiseram ir' (Mt 22, 1-2).

O convite pressupõe uma convocação; a festa foi preparada em todos os detalhes e todos os convidados têm lugares específicos reservados na mesa do banquete; a eles está destinado as iguarias mais refinadas - símbolo dos mistérios da graça associados à Visão Beatífica e à plena vida em Deus. Mas muitos 'não quiseram ir' (Mt 22, 2), começando pelos hebreus, o povo escolhido do Antigo Testamento. Muitos e muitos outros seguirão neste caminho de recusa explícita, seja pela indiferença, seja pelo envolvimento total nos seus próprios interesses pessoais e mundanos.

A reação do rei é imediata: ‘A festa de casamento está pronta, mas os convidados não foram dignos dela. Portanto, ide até as encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes’ (Mt 22, 8 - 9). Diante do não do povo escolhido, o Senhor faz a opção pelos outros, os gentios do mundo, por todos os homens que acreditaram e assumiram a doutrina do seu Filho, vítima de amor sacrificada pelo triunfo da Cruz. Ir a todas as encruzilhadas e a todos os cantos do mundo é a vocação missionária da Igreja de todos os tempos, para buscar os eleitos para a grande festa do Senhor.

No banquete real, somente serão aceitos os convidados que estiverem usando o 'traje de festa' (Mt 22, 11), ou seja, estiverem revestidos do estado de graça, premissa das almas adentrarem o Reino dos Céus. Assim, até mesmo os que fizeram parte da Igreja - os convidados - mas que usufruíram de uma fé sem obras e não produziram os frutos da graça serão julgados inconvenientes no grande dia do Juízo e serão expulsos do banquete e, assim, perderão definitivamente o Reino dos Céus e serão jogados às trevas, onde só haverá choro e ranger de dentes. Nós devemos ter o firme propósito de servir a Cristo na fé e nas obras, para nos tornarmos os convivas do banquete real por toda a eternidade, tangidos pela misericórdia e não pela justiça divina, porque 'muitos são chamados, e poucos são escolhidos' (Mt 22, 14).

sábado, 14 de outubro de 2017

AS LÁGRIMAS NASCEM DO CORAÇÃO

Há lágrimas imperfeitas, que se fundamentam no temor servil. Em primeiro lugar, as lágrimas de condenação, próprias dos pecadores; em seguida, as lágrimas de medo, encontradas naqueles que deixam o pecado mortal por medo de castigo e choram; em terceiro lugar, as lágrimas de autoconsolação, derramadas pelas almas livres do pecado mortal que começam a servir-Me. Estas últimas também são imperfeitas, pois imperfeito ainda é o amor de onde procedem. 

Lágrimas perfeitas são as que procedem do homem que atingiu a perfeição do amor pelo próximo e que me ama desinteressadamente. Unidas a estas últimas estão as lágrimas de prazer, espirituais, versadas em grande suavidade, como direi mais longamente depois. Há, enfim, as lágrimas de fogo, espirituais, concedidas àqueles que desejam chorar e não conseguem. Todas essas lágrimas podem ocorrer numa única pessoa em sua caminhada do temor servil ao amor imperfeito e, depois, do amor perfeito à união. 

Deves saber que toda lágrima nasce do coração. Nenhum membro corporal é tão sensível aos impulsos do coração como os olhos; se o coração sofre, logo eles o revelam. Também quando o sofrimento do coração é causado pelos pecados, os olhos derramam lágrimas, que são de morte. São lágrimas de quem vive longe de Mim, no amor dissoluto. Como o coração Me ofende, sua dor produz morte, gera lágrimas mortais. A gravidade da culpa será maior ou menor, conforme a desordem no amor. Assim, os pecadores choram lágrimas mortais.

...

As primeiras são próprias das pessoas que vivem em pecado mortal. As lágrimas brotam do coração; como aqui a fonte está corrompida, o pranto é pecaminoso e mau, bem como todas as demais atividades.

As segundas lágrimas pertencem àqueles que começam a ter consciência dos próprios males e temem os castigos consequentes. Constitui o comum início de conversão, misericordiosamente concedido por Mim aos homens fracos e desorientados que vão se afogando pelo rio do pecado e desprezando a mensagem do Meu Filho. Infelizmente são numerosíssimos os pecadores que conscientes, sem nenhum temor, continuam no pecado. Alguns repentinamente sentem grande descontentamento de si mesmos e passam a considerarem-se dignos de castigos; outros, arrependem-se por terem Me ofendido e com bonomia se põem a servir-Me. 

De todos eles, certamente têm maior possibilidade de atingir a perfeição aqueles que se convertem com grande ardor; mas esforçando-se todos o conseguirão. Os primeiros terão de preocupar-se em não ficar no temor servil; os segundos, em não cair na tibieza. Trata-se de um acordar geral à santidade. 

As terceiras lágrimas estão nas pessoas que superaram o temor servil e atingiram o amor e a esperança. Percebem que lhes perdoei, sentem favores e consolações. Para concordar com o coração, choram. Como são imperfeitas, conforme expliquei, trata-se de um pranto ao mesmo tempo sensível e espiritual.

As quartas lágrimas acontecem com a prática das virtudes. Crescendo o desejo da alma, a pessoa se une e se conforma à Minha vontade; quer o que Eu quero, ama profundamente o próximo. É um pranto de amor por Mim e de dor pelos pecados e prejuízos sofridos pelo próximo.

As quintas lágrimas, próprias da última perfeição, completam as anteriores. Em união com a verdade eterna, estes progridem muito no desejo santo. Por esse motivo, o demônio os teme e não consegue prejudicar-lhes a alma, seja com ofensas, pois são pacientes na caridade, seja com atrativos espirituais e materiais, por eles humildemente desprezados.


(Excertos da obra 'O Diálogo', de Santa Catarina de Sena)

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

100 ANOS DE FÁTIMA - SEXTA APARIÇÃO

Fátima é o acontecimento sobrenatural mais extraordinário de Nossa Senhora e a mais profética das aparições modernas (que incluíram a visão do inferno, 'terceiro segredo', consagração aos Primeiros Cinco Sábados, orações ensinadas por Nossa Senhora às crianças, consagração da Rússiamilagre do sol e as aparições do Anjo de Portugal), constituindo a proclamação definitiva das mensagens prévias dadas pela Mãe de Deus em Lourdes e La Salette. Por Fátima, o mundo poderá chegar à plena restauração da fé e da vida em Deus, conformando o paraíso na terra. Por Fátima, a humanidade será redimida e salva, pelo triunfo do Coração Imaculado de Maria. Se os homens esquecerem as glórias de Maria em Fátima e os tesouros da graça, serão também esquecidos por Deus.

'por fim, o meu Imaculado Coração triunfará'


FÁTIMA EM FATOS E FOTOS (XIII)

61. Como se deu a sexta aparição de Nossa Senhora?

A Cova da Iria foi invadida por uma imensa multidão naquela manhã do dia 13 de outubro de 1917, movidos pela aparição em si e pela promessa do milagre da Virgem. Cerca de 70 mil pessoas se aglomeravam no local, muitos deles desde a noite anterior, protegidos da chuva incessante por roupas grossas e  botas (como era costumeiro na época, muitas mulheres estavam descalças). As pessoas ficavam praticamente confinadas pelas outras e pelo terreno completamente encharcado e lamacento. 

Por volta das dez horas da manhã, a chuva tornou-se um aguaceiro e um mar de guarda-chuvas pretos se esparramou pela charneca de Fátima. Por volta do meio dia, a chuva tornara-se mais fina e irregular e o povo agora rezava em silêncio. Um arco rústico, ladeado por um arranjo retangular de pedras arrumadas e com uma pequena abertura frontal, havia sido montado diante da pequena azinheira, a esta altura praticamente reduzida ao seu tronco central e enfeitada por flores e fitas por Maria da Capelinha. 


Lúcia foi acompanhada pela mãe que temia de fato pela vida da filha. Os pais de Francisco e Jacinta também se colocaram junto à azinheira. Passou o meio dia. Uma certa apreensão começou a tomar conta dos mais próximos às três crianças. Mas, então, olhando para o nascente, Lúcia vislumbrou o relâmpago e se pôs de joelhos, pedindo a Jacinta que fizesse o mesmo. Em seguida, viram Nossa Senhora, envolvida numa torrente de luz, pairando sobre as grinaldas de flores que ornavam a pequena azinheira.

62. Como foi o diálogo de Lúcia com Nossa Senhora nesta sexta aparição?

Com os olhos fixados na Virgem, Lúcia deu início ao diálogo da sexta aparição:

– Que é que Vossemecê me quer?
– Quero dizer-te que façam aqui uma capela em minha honra, que sou a Senhora do Rosário, que continuem sempre a rezar o Terço todos os dias. A guerra vai acabar e os militares voltarão em breve para as suas casas.
– Eu tenho muitas coisas para Lhe pedir: a cura de uns doentes e a conversão de alguns pecadores... 
– Uns sim, outros não. É preciso que se emendem, que peçam perdão dos seus pecados. 

E tomando um aspecto singularmente triste, continuou: 

– Não ofendam mais a Deus Nosso Senhor, que já está muito ofendido!
– Não quer mais nada de mim?
– Não quero mais nada.
– E eu também não quero mais nada.

Nossa Senhora abriu então as mãos e se elevou numa torrente de luz tão intensa, que parecia espargir pelo firmamento e empalidecer a própria luz solar. Em êxtase, as crianças viram Nossa Senhora desaparecer em meio a um turbilhão de luz.

(reconstituição ilustrativa da aparição)

63. Quais foram as visões de Lúcia ao final da sexta aparição?

Foram três as visões de Lúcia, em quadros sucessivos que se desvaneciam em sequência: 

(i) Visão da Sagrada Família: São José e o Menino Jesus em seus braços faziam gestos com as mãos em forma de cruz, como que abençoando o mundo; ao lado deles, Nossa Senhora estava vestida de branco e coberta com um manto azul (como Nossa Senhora do Rosário);

(ii) Visão de Jesus e Nossa Senhora: Jesus Cristo, como o Divino Redentor, vestido de vermelho e a abençoar o Mundo, junto a Nossa Senhora, vestida de roxo como Nossa Senhora das Dores; 

(iii) Visão de Nossa Senhora: Nossa Senhora como Nossa Senhora do Carmo.

Somente a primeira destas visões foi compartilhada pelos demais videntes. Ninguém da multidão foi testemunha de quaisquer destas visões. 

64. Quais foram os eventos que se seguiram então na Cova da Iria?

Ao final da aparição, no lado oposto do céu, as nuvens pesadas abriram-se de repente e o sol apareceu radiante. A multidão reunida na Cova da Iria, volvendo-se para trás, foi testemunha, então, de um série extraordinária de fenômenos  que ficou conhecida como 'o milagre do sol', que podem ser assim sintetizados:

(i) o sol tinha a forma de um disco luminoso, com a borda claramente delineada como um faixo luminoso e podia ser visado diretamente por longo tempo, sem cegar ou fuscar a visão das pessoas;

(ii) o sol pareceu dançar no firmamento, passando a girar aceleradamente sobre o seu eixo para, em seguida, interromper e recomeçar outras vezes esse movimento vertiginoso; 


(iii) o sol começou a irradiar luzes diferentes e cambiantes, que foram disseminadas e refletidas sobre todo o ambiente da Cova da Iria (sobre as pessoas, a paisagem, os montes e as árvores);

(iv) ao final dos eventos, o sol pareceu precipitar-se sobre a terra num movimento apocalíptico que produziu nas pessoas um enorme temor e uma impressão geral de 'fim do mundo'; interrompendo esse processo de arremetida em ziguezague, o sol retornou então à sua posição natural e passou a ser visto na sua conformação original e ofuscante à visão direta;

(v) os mesmos fenômenos foram vistos por inúmeras outras pessoas, muitas delas a quilômetros de distância da Cova da Iria.

(fotografia publicada pelo jornal  L'Osservatore Romano em 1951)

65. Como foi publicada à época a reportagem mais famosa do 'milagre do sol'?

A reportagem à época mais famosa dos extraordinários acontecimentos ocorridos em Fátima em 13 de outubro de 1917 foi feita pelo jornalista Avelino Almeida*, testemunha ocular dos acontecimentos, e publicada no dia 15/10/1917 pelo jornal 'O Século' de Lisboa. 

*  nasceu em Sintra em 10 de novembro de 1873 e faleceu em Lisboa em 2 de de agosto de 1932.

O texto descrevia o ambiente local, a chuva torrencial, a grande multidão e o chamado 'milagre do sol'. A manchete principal e os respectivos subtítulos da reportagem eram os seguintes:

COISAS ESPANTOSAS! COMO O SOL BAILOU AO MEIO DIA EM FÁTIMA

As aparições da Virgem – Em que consistiu o sinal do céu – Muitos milhares de pessoas afirmam ter-se produzido um milagre – A guerra e a paz


Seguia-se então uma fotografia com os três videntes e o texto extenso, do qual são destacados os seguintes excertos relativos ao chamado 'milagre do sol':

... 'A manifestação miraculosa, o sinal visível anunciado está prestes a produzir-se – asseguram muitos romeiros... E assiste-se então a um espetáculo único e inacreditável para quem não foi testemunha dele. Do cimo da estrada, onde se aglomeram os carros e se conservam muitas centenas de pessoas, a quem escasseou valor para se meter à terra barrenta, vê-se toda a imensa multidão voltar-se para o sol, que se mostra liberto de nuvens, no zênite. 

O astro lembra uma placa de prata fosca e é possível fitar-lhe o disco sem o mínimo esforço. Não queima, não cega. Dir-se-ia estar-se realizando um eclipse. Mas eis que um alarido colossal se levanta, e aos espetadores que se encontram mais perto se ouve gritar: – 'Milagre, milagre! Maravilha, maravilha!' Aos olhos deslumbrados daquele povo, cuja atitude nos transporta aos tempos bíblicos e que, pálido de assombro, com a cabeça descoberta, encara o azul, o sol tremeu, o sol teve nunca vistos movimentos bruscos fora de todas as leis cósmicas – o sol 'bailou', segundo a típica expressão dos camponeses...

... 'E, a seguir, perguntam uns aos outros se viram e o que viram. O maior número confessa que viu a tremura, o bailado do sol; outros, porém, declaram ter visto o rosto risonho da própria Virgem, juram que o sol girou sobre si mesmo como uma roda de fogo de artifício, que ele baixou quase a ponto de queimar a terra com os seus raios... Há quem diga que o viu mudar sucessivamente de cor...'

Um relato adicional pormenorizado dos eventos feito pelo mesmo jornalista, mas complementado por um grande número de fotografias da multidão presente na Cova da Iria, foi publicado posteriormente pela revista 'Illustração Portugueza', na sua edição de 29 de outubro de 1917, sob o título 'O Milagre de Fátima'.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

GLÓRIAS DE MARIA: NOSSA SENHORA APARECIDA

Jubileu de 300 anos de Nossa Senhora Aparecida

A história é bem conhecida: em 1717, Dom Pedro de Almeida Portugal e Vasconcelos (Conde de Assumar), efetivado como governador das Capitanias de São Paulo e Minas Gerais, viajou de navio de Portugal a Santos, com grande comitiva. Tomando posse do governo em São Paulo, seguiu rumo às minas de ouro em Minas Gerais, fazendo uma longa parada em Guaratinguetá, no período de 17 a 30 de outubro. Para a recepção do ilustre viajante, foram-lhe servidos os melhores pratos da culinária local, incluindo os saborosos pescados do Rio Paraíba do Sul.

Para a nobre tarefa de pescar uma grande quantidade de peixes, foram convocados os pescadores Domingos Alves Garcia, seu filho João Alves e Felipe Pedroso, cunhado de Domingos, entre outros. Entretanto, mesmo com o conhecimento enorme que tinham dos melhores pontos de pesca, não conseguiam nada. Mas algo extraordinário estava para ocorrer. Na rede lançada, surgiu primeiro uma pequena imagem em terracota de Nossa Senhora da Conceição, sem a cabeça, que foi recolhida e guardada com zelo pelos pescadores no fundo do barco. E eis que, numa nova investida, mais abaixo no rio, sem nada de peixe, veio a cabeça da imagem. Um objeto de dimensões tão reduzidas coletado do leito largo e vigoroso do Paraíba do Sul! E, surpresa ainda maior, novas investidas da rede trouxeram agora cardumes de peixes, em tão grande quantidade, repetindo-se, no largo do Porto de Itaguaçu, o milagre de Cristo no Mar da Galileia.


Cientes dos fatos extraordinários ocorridos, os pescadores locais recuperaram a imagem e passaram a venerá-la em suas casas, como imagem peregrina, até que a mesma foi colocada em pequeno oratório na casa de Atanásio Pedroso, filho de Felipe, e depois, com o culto já generalizado na ‘Nossa Senhora Aparecida’, erigiu-se uma pequena capela de sua devoção em Itaguaçu, com o apoio do Padre José Alves Vilela, pároco da Igreja de Santo Antônio de Guaratinguetá. Sob a sua coordenação, a devoção recebeu a aprovação episcopal e foi construída, então, a Igreja de Nossa Senhora Aparecida, no chamado Morro dos Coqueiros, inaugurada em 1745, apenas 28 anos após o achado da imagem. Em torno da igreja, implantou-se rapidamente uma comunidade que constitui hoje a cidade de Aparecida. A igreja tornou-se de imediato centro de romarias e de devoções marianas de toda a natureza.


Com a intensa participação popular e, pela ausência de sacerdotes no Brasil, optou-se pela solicitação de auxílio junto a comunidades religiosas europeias. Em 1894, com a chegada dos padres redendoristas alemães, as atividades religiosas, os cultos e as romarias tornaram-se muito mais organizados, favorecendo muito a rápida difusão da evangelização e a consolidação da igreja como santuário de frequente peregrinação. Tais eventos culminaram com a solene coroação da imagem de Nossa Senhora Aparecida em 8 de setembro de 1904 (com manto azul e coroa de ouro cravejada de diamantes e rubis, ofertados pela Princesa Isabel em visita ao santuário em 6 de novembro de 1888) e com a elevação do santuário à condição de Basílica Menor em 29 de abril de 1908. Em 16 de julho de 1930, o Papa Pio XI outorgou o título de Nossa Senhora Aparecida como Padroeira do BrasilEm 1967, ano da comemoração do jubileu dos 250 anos da aparição da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, o Papa Paulo VI ofertou ao Santuário Nacional da Padroeira do Brasil uma Rosa de Ouro, ato repetido pelo Papa Bento XVI em 2007. O dia da Padroeira do Brasil é celebrado em 12 de outubro, feriado nacional. 

As enormes e crescentes manifestações populares exigiram a construção de uma nova basílica, com dimensões e infraestrutura compatíveis com o maior centro de peregrinação espiritual do Brasil que se tornou Aparecida. Desta forma, entre 1955 e 1980, foi construída a atual Basílica, inaugurada a 04 de julho de 1980 pelo Papa João Paulo II e elevada a Santuário Nacional em 1984. Que continua a receber milhares de peregrinos, infindáveis romarias, em agradecimento, louvor e veneração à Virgem Padroeira do Brasil. Na Sala das Promessas, em meio a milhares de ex-votos, tem-se uma ideia da admirável senda de prodígios e milagres alcançados por tantos romeiros e fieis, pela intercessão de Nossa Senhora Aparecida.


Em Aparecida, ao contrário de tantos outros centros de peregrinação mariana, a Virgem fez-se aparecer apenas sob a forma de uma pobre e pequena imagem de terracota de 38cm de altura, sem quaisquer visões, mensagens ou prodígios sobrenaturais, para falar aos simples, aos humildes, aos fracos, aos desvalidos, que as almas simples, despojadas de valores intrinsecamente humanos e entregues somente à confiança e à misericórdia de Deus por Maria, são as glórias dos Céus.


ORAÇÃO A NOSSA SENHORA APARECIDA

Ó Senhora da Conceição Aparecida, que fizestes tantos milagres que comprovam vossa poderosa intercessão junto ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, obtende para nossas famílias as graças de que tanto necessitam. Defendei-nos da violência, das doenças, do desemprego e, sobretudo, do pecado, que nos afasta de Vós. Protegei nossos filhos de tantos fatores de deformação da juventude. E concedei a todos os membros de nossas famílias a graça de poderem trilhar o caminho de perfeição e de paz ensinado por Vosso Divino Filho, que afirmou: "Disse-vos estas coisas para que tenhais paz em Mim. Haveis de ter aflições no mundo; mas tende confiança, Eu venci o mundo!" Amém.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

GALERIA DE ARTE SACRA (XXIII)

Uma das obras clássicas da fase madura do grande pintor renascentista Rafael Sanzio é a composição denominada 'A Madona do Peixe', menção à presença do jovem Tobias segurando um peixe, referência, por sua vez, à seguinte passagem do Velho Testamento (Livro de Tobias):

'O pai cego levantou-se e pôs-se a correr, tropeçando. Dando então a mão a um criado, foi ao encontro de seu filho. Abraçou-o e beijou-o, fazendo o mesmo sua mulher, e ambos começaram a chorar de alegria. Só se assentaram depois de terem adorado e agradecido a Deus. Tobias tomou então o fel do peixe e pô-lo nos olhos de seu pai. Depois de ter esperado cerca de meia hora, começou a sair-lhe dos olhos uma belida branca como a membrana de um ovo. Tobias tomou-a e a arrancou dos olhos de seu pai, o qual recobrou instantaneamente a vista' (Tb 11, 10- 15).

A obra foi encomendada por Geronimo del Doce para a capela de Santa Rosa de Lima no Mosteiro de San Domenico (Casa Maggiore dell'Ordine dei Predicatori) em Nápoles / Itália. O peixe é uma alusão direta ao sacramento do batismo, sinal de Cristo. A cura do cego por meio do fel de peixe nos lembra de Cristo curando o homem cego por meio de uma pasta de saliva e pó. 

Um primeiro esboço da composição (26,7 cm x 26,4 cm), feito em giz vermelho sobre papel branco (obra atualmente em Florença na Itália),  representa a Virgem Maria ao centro, com o Menino Jesus no colo, com o jovem Tobias aos pés da virgem, amparado pelo Arcanjo Rafael (o anjo que lhe havia revelado a forma de curar a cegueira do pai com o fel do peixe), e ladeada por São Jerônimo, tradutor da Bíblia para o latim, segurando as Sagradas Escrituras, abertas no Livro de Tobias.


Um segundo esboço (25,8 cm x 21,3 cm) encontra-se atualmente em um museu de Edinburgh na Escócia, detalhando melhor o arranjo (por exemplo, a presença do leão, símbolo de São Jerônimo, aos pés do santo) e o contexto geral da composição.


A impressão final em preto e branco (26,2 cm x 21,6 cm) mostra a composição completa, com todos os detalhes das expressões, vestimentas e posições relativas das figuras presentes (British Museum, na Inglaterra).


A obra final (215 cm x 158 cm), em óleo sobre tela (originalmente óleo sobre madeira) encontra-se atualmente no Museu do Prado, em Madri/Espanha.