sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XVII)

 

73. Muitas pessoas, ao se prepararem para a confissão, angustiam-se porque não sentem contrição suficiente por seus pecados; e, para obtê-la, batem no peito tentando excitar em si mesmas sentimentos de pesar. Mas isso é orgulho, pois nos fazem entender que podem alcançar a contrição por si mesmas. Você deseja ter um verdadeiro arrependimento por seus pecados? Então, esteja certo de que isso é um dom singular de Deus, e que não há meio melhor de obtê-lo do que humilhar-se diante dEle. A humildade gera confiança e Deus nunca recusa a sua graça àqueles que vêm a Ele com humildade e confiança. 

Diga, portanto, a Deus: Posso permanecer aqui o tempo que quiser e fazer tudo o que puder para obter arrependimento pelos meus pecados, mas é impossível para mim alcançá-lo por meus próprios esforços, se Vós não me concedereis, ó meu Deus! Eu não o mereço, mas Jesus Cristo o mereceu por mim, e é pelos seus méritos que o peço, e por vossa infinita bondade que espero obtê-lo. Coloque-se nessa disposição humilde de espírito e você será feliz, pois está escrito sobre Deus: 'Ele consola os humildes' [2Cor 7,6] e 'atendeu à oração dos humildes e não desprezou a sua súplica' [Sl 101,18]. Esse arrependimento ou contrição pelo qual a alma é santificada é uma das maiores graças que Deus pode nos dar, e seria presunção, temeridade e orgulho de nossa parte pretendermos essa graça sem antes tê-la pedido com a devida humildade.

74. Pode surgir uma dúvida em nossa mente: já que, para obter a graça da humildade, devemos pedi-la a Deus, e pedi-la com humildade para que Ele ouça nossa oração, como podemos pedir com humildade se é precisamente essa humildade que não temos e pela qual estamos pedindo? Não nos percamos em tais especulações, que são inúteis na prática, pois 'a simplicidade de coração é o que o Senhor deseja de nós' [Sb 1,1]. Existem certas virtudes eficazes que Deus infundiu em nossas almas no santo Batismo, independentemente de nossas próprias disposições. 'Principalmente por infusão no Batismo', diz São Tomás. Tal, por exemplo, é a fé, e tal também é essa humildade que nos é necessária para que possamos acreditar e orar como devemos. Exercitemos, portanto, em nossas orações essa humildade infundida e, ao fazer bom uso dela, adquiriremos com o tempo aquela outra virtude evangélica que é necessária para nossa salvação e que só pode ser obtida com nossa própria cooperação.

A oração, diz Santo Agostinho, é essencialmente o recurso daquele que sabe que é pobre e necessitado: 'A oração é apenas para os necessitados' - Oratio non est nisi indigentium (Enarr. in Ps. xxvi). Reconheçamos e confessemos nossa pobreza e indigência diante de Deus e, por essa confissão, exercitaremos a humildade. Os verdadeiramente pobres não precisam ser ensinados a pedir esmolas humildemente. A necessidade é seu mestre e, se o homem pode se humilhar diante de outro homem, por que não deveria também se humilhar diante de Deus?

75. Se quisermos discernir o que pertence a Deus e o que nos pertence, basta refletirmos que, ao render a Deus tudo o que é dEle, nada resta para nós além do nada. De modo que podemos verdadeiramente dizer com o profeta: 'Fui reduzido a nada' [Sl 72,21]. Esta é uma verdade: tudo o que há em nós além do nada pertence a Deus e Ele pode tirar o que é seu quando quiser, sem nos fazer nenhuma injustiça. Portanto, em que podemos nos orgulhar, se Deus pode nos tirar qualquer coisa no momento em que começarmos a nos gloriar dela? Pois aquele que se gloria em sua riqueza pode logo tornar-se pobre; aquele que se gloria em sua saúde pode repentinamente adoecer; aquele que se gloria em seu conhecimento pode subitamente enlouquecer; aquele que se gloria em sua santidade pode cair de repente em um grande pecado. Que vaidade, que loucura, então, gloriar-se naquilo que não nos pertence, nem está em nosso poder conservar - 'Que tens tu que não tenhas recebido?' [1Cor 4,7].

Essa reflexão, por si só, deveria bastar para nos tornar humildes e pode-se dizer que toda verdadeira humildade depende de perseverarmos seriamente nesse pensamento. Ó minha alma, serás humilhada quando, como Deus diz pelo profeta, Ele 'separar o precioso do vil' [Jr 15,19]. Assim, a essência da humildade consiste em saber discernir corretamente aquilo que me pertence e aquilo que pertence a Deus. Todo o bem que faço vem de Deus e nada me pertence senão meu próprio nada. O que eu era no abismo da eternidade? Um mero nada. E o que fiz por mim mesmo para emergir desse nada? Nada. Se Deus não me tivesse criado, onde eu estaria? No nada. Se Deus não me sustentasse a cada instante, para onde eu retornaria? Ao nada. Portanto, é claro que nada possuo de mim mesmo, exceto o nada. Mesmo em meu ser moral, nada possuo além de minha própria maldade. Quando faço o mal, isso é inteiramente obra de minha própria perversidade; quando faço o bem, isso pertence somente a Deus. O mal é fruto de minha maldade; o bem é fruto da misericórdia de Deus. Assim, separamos o precioso do vil; esta é a arte das artes, a ciência das ciências e a sabedoria dos santos.

76. Imaginemos um homem que possui muitos animais de carga que comprou para transportar os fardos que necessita. Os animais estão carregados: um com ouro, outro com livros de filosofia, matemática, teologia e direito; outro com armas; outro com vasos sagrados e vestes da Igreja; e outro com relicários contendo relíquias preciosas dos santos, e assim por diante.

Agora, se esses animais pudessem falar entre si, você acha que aquele carregado de ouro se vangloriaria de sua riqueza, e aquele carregado de livros de seu conhecimento? E que, da mesma forma, os outros se gabariam de sua bravura ou santidade, conforme a natureza de sua carga? Não seriam tais pretensões vãs e ridículas? Certamente que sim, pois os fardos ricos e preciosos carregados por esses animais pertencem ao dono e não à besta. O dono poderia ter carregado com esterco aquele que carregou com ouro ou outras coisas preciosas, e sendo seu proprietário, poderia descarregar cada animal sempre que quisesse, de modo que cada um se apresentaria diante dele como realmente é: um simples animal de carga.

Ou, como diz Santo Agostinho, imaginemos o jumento sobre o qual Jesus Cristo montou quando foi recebido pela multidão com ramos de palmeira, sendo aclamado com gritos de: 'Hosana ao Filho de Davi, Hosana!' [Mt 21,9] Quem seria tão tolo a ponto de imaginar que essas honras foram dadas ao jumento? Esses louvores não foram dados ao animal, mas a Cristo, que estava montado nele. 'O jumento deveria ser louvado? O jumento estava carregando alguém, mas Aquele que era carregado é quem estava sendo louvado' [Enarr. in Ps. xxxiii]. Apliquemos essa comparação a nós mesmos, dizendo, com Davi: 'Fiquei como um animal diante de Ti' [Sl 72,22]. E qualquer que seja o objeto de nosso orgulho, usemos essa analogia para exercitar-nos na humildade. 

77. Podemos dizer, com São Tomás [12, qu. iv, art. 2], que esse nosso desejo de ser estimado, respeitado e honrado é um efeito do pecado original, assim como a concupiscência que permanece em nós mesmo após o Batismo. Mas Deus ordenou que esses apetites e desejos permanecessem em nós para que tivéssemos ocasião de nos mortificar e, por esses meios, pudéssemos conquistar o Reino dos Céus. Não devemos nos espantar nem nos entristecer ao sentir esses instintos dentro de nós. Eles pertencem à maldade de nossa natureza corrompida e são resquícios da tentação de nossos primeiros pais pela serpente, quando lhes disse: 'E vós sereis como deuses' [Gns 3,5]. Portanto, repito que esses desejos, que surgem da fraqueza e depravação de nossa natureza humana, devem ser suportados com paciência. Se esses desejos nos dominam, é porque os incentivamos e cedemos a eles; e um mau hábito que criamos por nós mesmos só pode ser curado por nós mesmos. 

Portanto, a mortificação disso cabe a nós. Essa mortificação dos sentidos, inspirada pela humildade, é ensinada por Cristo na renúncia que Ele nos impôs ao dizer: 'Se alguém quiser vir após Mim, negue-se a si mesmo' [Mt 16,24]. E, portanto, devo concluir que, se não me mortificar com humildade — ou seja, esmagar meu amor-próprio e minha ânsia por estima — serei excluído como seguidor de Jesus Cristo, e, por essa exclusão, também perderei a sua graça e serei eternamente banido da participação em sua glória. Mas para praticá-la, é necessário que eu faça violência a mim mesmo, como está escrito: 'O Reino dos Céus sofre violência, e os violentos o arrebatam'" [Mt 11,12]. Quem pode obter a salvação senão fazendo violência a si mesmo? 

78. Vamos ouvir, às portas do inferno, os lamentos dos condenados eternamente. Eles exclamam: 'Que proveito nos trouxe o orgulho?' [Sb 5,8]. Que uso ou vantagem nos trouxe nosso orgulho? Tudo passa e desaparece como uma sombra, e de todos aqueles males passados, nada nos resta senão a vergonha eterna de termos sido orgulhosos. Seu remorso é vão, porque é o remorso do desespero. Portanto, enquanto ainda há tempo, consideremos seriamente a questão e digamos: 'Que vantagem tirei de todo o meu orgulho? Ele me torna odioso para o Céu e para a terra, e se eu não insistir em mortificá-lo, ele me tornará odioso a mim mesmo por toda a eternidade no inferno'. Levantemos os nossos olhos para o Céu e, contemplando os santos, exclamemos: 'Vejam quanto a humildade os beneficiou! Oh, quanta glória eles ganharam por sua humildade!' Agora, a humildade é vista como loucura pelo mundo, digna apenas de desprezo e zombaria; mas chegará o tempo em que todos serão obrigados a reconhecer sua virtude e a exclamar, ao ver a glória dos humildes: 'Vejam como foram contados entre os filhos de Deus' [Sb 5,5].

Se eu for humilde, serei exaltado com aquela glória à qual Deus exalta os humildes. Ó meu Deus, humilha este louco orgulho que predomina dentro de mim. 'Tu multiplicarás a força em minha alma' [Sl 137,3] pois 'minha força me abandonou' [Sl 37,11]. E eu não quero, nem posso fazer nada sem a vossa ajuda. Em Vós coloco toda a minha confiança e vos suplico que me ajudeis. 'Mas eu sou pobre e necessitado; ó Deus, ajudai-me. Vós sois o meu auxílio e meu libertador: ó Senhor, não demoreis' [Sl 69,6].

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)