XII
DO PECADO ORIGINAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS, OU FERIDAS DA NATUREZA HUMANA
Existia a concupiscência no estado primitivo em que Deus criou o homem?
Não, Senhor.
Por que existe agora?
Porque o homem se acha em estado de natureza decaída (LXXXI-LXXXIII)*.
Que entendeis por estado de natureza decaída?
O estado que se seguiu como efeito e consequência do primeiro pecado do primeiro homem (LXXX, 4; LXXXII, 1).
Por que se estendem a todos e a cada um dos homens, os efeitos e consequências daquele primeiro pecado do nosso primeiro pai?
Porque a nossa natureza é a sua e dele a recebemos (Ibid).
Se não tivesse pecado o primeiro homem, ter-nos-ia transmitido a natureza em outro estado?
Sim, Senhor; no estado de integridade e justiça original (LXXXI, 2).
O estado em que atualmente a recebemos é estado de pecado?
Sim, Senhor (LXXXI, 1; LXXXII, 1).
Por que?
Porque recebemo-la como ela é e conforme ficou em consequência do pecado (Ibid).
Como se chama esta mancha do pecado que se nos transmite, junto com a natureza, efeito da queda do primeiro homem?
Chama-se pecado original (Ibid).
Logo, o pecado original transmite-se a todos os homens pelo fato de receber a natureza de Adão pecador?
Por este único fato se transmite (Ibid).
Que efeito produz em cada indivíduo da espécie humana o chamado pecado original?
A privação dos dons sobrenaturais e gratuitos que Deus misericordiosamente havia concedido à natureza, na pessoa do primeiro homem e pai comum dos mortais (LXXXII, 1).
Quais eram os dons de que nos privou o pecado original?
Em primeiro lugar, a graça santificante com as virtudes sobrenaturais infusas e os dons do Espírito Santo; além disso, o privilégio da integridade vinculado aos dons sobrenaturais.
Que efeito produzia o privilégio da integridade?
A subordinação perfeita dos sentidos à razão, e do corpo à alma.
Que bens se conseguiam com tão perfeita subordinação?
Conseguia-se que as faculdades afetivas não podiam experimentar nenhum movimento desordenado, e que o corpo fosse impassível ou imortal.
Logo, a morte e as outras misérias corporais são o efeito próprio do pecado?
Sim, Senhor (LXXXV, 5).
Como se chamam os efeitos do pecado na alma?
Chamam-se feridas.
Quais são?
Ignorância, malícia, fragilidade e concupiscência (LXXXV; 3).
Que entendeis por ignorância?
A condição a que ficou reduzida a inteligência quando perdeu a disposição infalível para a verdade, como a possuía no estado de integridade (Ibid).
Que entendeis por malícia?
A condição a que ficou reduzida a vontade, desapossada da disposição infalível para o bem, que tinha no estado de Justiça original (Ibid).
Que entendeis por fragilidade?
A condição a que ficou reduzida a parte afetiva sensível, destituída da ordem conatural para com tudo o que é mau ou difícil e que ela possuía no estado de integridade original.
Que entendeis por concupiscência?
A condição a que se reduziu a parte afetiva sensível quando sacudiu a autoridade que, no estado de inocência, a mantinha nos limites do prazer sensível, moderado pela razão (Ibid).
São estas quatro feridas efeitos do primeiro pecado do primeiro homem?
Sim, Senhor.
Podem agravá-las os nossos pecados pessoais e os dos nossos ascendentes?
Sim, Senhor (LXXXV, 1, 2).
Têm alguns pecados pessoais a propriedade de produzir no homem disposições e inclinações especiais para cometer outros novos?
Sim, Senhor; os chamados pecados capitais.
Quais são?
Soberba, Avareza, Gula, Luxúria, Preguiça, Inveja e Ira.
Apesar de todos estes motivos de pecado, herdados de nosso primeiro progenitor e ascendentes, devemos sustentar que o homem é livre quando executa atos morais e que jamais peca por necessidade?
Sim, Senhor.
Como poderiam as ditas causas de pecado destruir a liberdade humana?
Privando o homem do uso da razão (LXXXVII, 7).
Logo, enquanto o homem conserva o uso da razão, é livre e depende dele evitar ou não o pecado?
Sim, Senhor.
As preditas causas podem, apesar do exposto, entorpecer o exercício da liberdade até ao ponto de diminuir ou atenuar a gravidade do pecado?
Sim, Senhor; exceto o caso em que as agrava o pecado pessoal (LXXXVII, 6).
XIII
DISTINÇÃO DA GRAVIDADE DOS PECADOS E DE SEUS CORRESPONDENTES CASTIGOS
Têm os mesmos caracteres de gravidade todos os pecados cometidos pelos homens?
Não, Senhor.
A que se atende para determinar a gravidade de um pecado?
A categoria e necessidade do bem de que priva e à maior ou menor liberdade com que se executa (LXXIII, 1-8).
Merecem castigo todos os atos pecaminosos?
Sim, Senhor (LXXXVII, 1).
Por que?
Porque, todo pecado é usurpação do direito alheio e o castigo é a maneira de restituição do que injustamente se tomou (Ibid).
Logo, o castigo do pecado é ato de rigorosa Justiça?
Sim, Senhor.
Quem pode impor a pena devida pelo pecado?
Os encarregados de velar pela ordem e pela justiça, contra os atentados do pecador (Ibid).
Quais são?
Primeiramente Deus, depois, a autoridade humana, nos assuntos de sua competência; e, por último, o próprio pecador (Ibid).
Como pode o pecador castigar o seu próprio pecado?
De duas maneiras; por meio da penitência e do remorso da consciência (Ibid).
Como intervém a autoridade humana?
Impondo castigos (Ibid).
Como Deus pode castigar?
De duas maneiras, mediata ou imediatamente (Ibid).
Quando dizemos que castiga mediatamente?
Quando o faz mediante a autoridade humana ou a consciência do pecador (Ibid).
Por que chamais castigos divinos aos impostos pela autoridade humana e pela consciência do pecador?
Porque a autoridade humana e a própria consciência participam do poder de Deus, de quem são de algum modo instrumentos (Ibid).
Emprega Deus algum outro meio para castigar o pecado?
Sim, Senhor; utiliza as próprias criaturas, que a Ele pertencem e cuja subordinação e harmonia o pecador procura perturbar (Ibid).
Podemos neste sentido dizer que há uma justiça imanente?
Sim, Senhor; e, em virtude dela, as mesmas coisas inanimadas servem como instrumento à Justiça divina para castigar o pecado, fazendo padecer o pecador as consequências de sua culpa (Ibid).
Que entendeis por intervenção imediata de Deus no castigo do pecado?
Uma intervenção particular e sobrenatural, em virtude da qual Ele mesmo castiga os atentados do pecador contra a ordem sobrenatural por Ele estabelecida (LXXXVII, 3, 5).
Em que se diferencia o castigo imposto imediatamente por Deus, na ordem sobrenatural, dos impostos pelas criaturas?
Em que Deus castiga alguns pecados com penas que durarão eternamente (LXXXVII, 3).
* referências aos artigos da obra original
('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)