IV
POSSE DA FELICIDADE
De que modo pode o homem chegar a possuir a Deus?
Mediante um ato do entendimento movido para este feito pela vontade (III, 4)*.
Que condições deve reunir este ato intelectual?
É necessário que, por seu intermédio, conheça o homem a Deus, não de maneira imperfeita, como pode reconhecê-lo nas criaturas, mas como é em Si mesmo (III, 5-8).
Logo, a felicidade do homem consiste na visão de Deus?
Sim, Senhor (III, 8) .
A visão divina é suficiente para fazer feliz não só a alma, como também o corpo com todos os seus sentidos e potências?
Sim, Senhor; porque, sendo a perfeição suprema da parte mais nobre e elevada, por influência dela derrama-se a sua ação por todos os demais elementos do composto humano (IV, 1-8).
Logo, integra o homem na posse de todos os bens sem mistura de mal algum?
Sim, Senhor (Ibid).
V
MEIOS PARA ALCANÇAR A BEM-AVENTURANÇA
Pode o homem, nesta vida, gozar da visão divina, objeto supremo da felicidade?
Não, Senhor; porque a plenitude da bem-aventurança é incompatível com as atribulações e misérias deste mundo (V, 3) .
A quem se deve recorrer para alcançá-la?
A Deus, que é o único que pode concedê-la (V, 5).
Concede-la-á sem méritos e sem preparação?
Não, Senhor (V, 7).
Qual é, por consequência, a obrigação suprema do homem nesta vida mortal?
A de entesourar merecimentos, para fazer-se digno de alcançar, algum dia, a graça suprema da visão beatífica.
VI
DO MÉRITO E DO DEMÉRITO EM GERAL
De que modo pode o homem dispor-se para alcançar, como recompensa, a visão beatífica?
Unicamente por meio dos seus atos (VI, Prólogo).
Que ações merecem tão grande recompensa?
As ações virtuosas.
Que entendeis por ação virtuosa?
Aquela que a vontade humana executa, em conformidade com a vontade divina e sob o impulso da graça (VI-CXIV).
Que condições há de reunir o ato humano para ser voluntário?
Há de ser espontâneo e feito sob conhecimento de causa (VI, 1-8).
Que entendeis por ação espontânea?
Aquela que a vontade executa por impulso próprio e isenta de violência e coação (VI, L, 4, 5, 6).
De quantas maneiras pode obrigar-se o homem a executar atos contra sua vontade?
De dois: por meio da violência e do medo (VI, 4, 5, 6).
Que entendeis por violência?
Toda força exterior que impede o exercício voluntário dos membros ou os obriga a executar atos que a vontade recusa (V, 4, 5).
Que é o medo?
Um movimento interior que, em determinadas circunstâncias, e para evitar males que se consideram iminentes, arrasta a vontade a consentir no que, em outras circunstâncias, não consentiria (VI, 6).
São voluntários os atos realizados por violência?
São involuntários quando procedem de violência exterior (VI, 6).
Por que ajuntais a palavra exterior?
Porque, em certas ocasiões, também se chama violência ao movimento interior da ira.
São também voluntários os atos praticados por impulsos da ira ou de qualquer outra paixão interior?
Sim, Senhor; exceto o caso em que a paixão seja tão violenta que impeça o exercício da razão (VI, 7).
São voluntários os atos praticados por medo?
Sim, Senhor; ainda que juntos com alguma coisa de involuntário; porque, se bem que nestes casos não se possa negar, em absoluto, o consentimento da vontade, esta, todavia, consente a seu pesar e para evitar males maiores (VI, 6).
Que quereis dizer quando afirmais que o ato voluntário deve realizar-se com conhecimento do fim?
Que, se o agente se engana no que há de fazer, o ato é involuntário (VI, 8).
É sempre involuntário?
Só é involuntário, se o agente, conhecendo o erro, o não executasse.
Podem, apesar do que fica dito, ser voluntários os atos ou omissões que procedem do erro ou da ignorância?
Sim, Senhor; quando o sujeito é culpado da ignorância ou do erro.
Quando o será?
Quando recusa ou é negligente, com negligência culpável, no aprender as suas obrigações (Ibid).
Acompanham o ato voluntário algumas circunstâncias que devam tomar-se em conta, para apreciar devidamente a sua moralidade?
Sim, Senhor.
Quais são elas?
As circunstâncias da pessoa, objeto, consequências, lugar, intenção, meios e tempo (VII, 3).
A que se refere cada uma delas?
A primeira, ao caráter ou condição do agente; a segunda, à realidade do fato e seus efeitos e consequências; a terceira, ao lugar da operação; a quarta, ao fim ou objeto que se propõe o operante; a quinta, aos meios e auxílios que utiliza; e sexta, ao tempo em que a executa (VII, 3).
Qual é a mais importante?
A quarta, ou seja o fim do operante (VII, 4).
Os atos que chamamos voluntários procedem sempre da vontade?
Sim, Senhor; ou exclusiva e imediatamente, ou mediante as outras faculdades e membros exteriores, sob as ordens e impulso da vontade (VIII - XVII).
Logo, o valor dos atos humanos e sua virtualidade para nos acercarmos ou afastarmo-nos da bem-aventurança tem raízes exclusivamente na vontade?
Sim, Senhor; porque o ato só tem valor, quando o executa a vontade, ou só, ou por meio das outras faculdades (VIII - XXI).
Entre os atos interiores da vontade, qual é o mais importante e que leva como vinculada a responsabilidade?
O ato de escolher ou a eleição (XIII, 1, 6).
Por que?
Porque, mediante a eleição, a vontade, com conhecimento de causa e prévia deliberação, adere a um bem determinado que desde logo aceita e ao qual trata de apropriar-se com preferência a outros (XIII, 1).
É a eleição, propriamente, um ato do livre arbítrio?
Sim, Senhor (XIII, 1).
Logo, os atos humanos tomam o seu caráter moral e o valor de meios para conseguir a bem aventurança, da faculdade de eleger?
Sim, Senhor.
Como se divide a eleição?
Em boa e má (XVIII - XXI).
Quando dizemos que é boa?
Quando forem bons o objeto, o fim e as circunstâncias (XVIII).
Donde recebe a bondade, o objeto, o fim e as circunstâncias?
Da sua conformidade com a reta razão (XIX, 3, 6).
Que quer dizer 'rela razão?'
A razão humana que opera esclarecida com a luz divina, ou, ao menos, quando voluntariamente não lhe opõe obstáculos.
Logo, para que um ato seja bom, é necessário que o objeto seja conforme a reta razão, que esta aprove o fim e não oponha reparo às circunstâncias?
Sim, Senhor; e se falta alguma das ditas condições, o ato deixa de ser bom e se converte, ainda que em graus distintos, em ato mau (XVIII - XXI).
Como se chamam as más ações?
Chamam-se culpas ou pecados (XXI, 1).
* referências aos artigos da obra original
('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular).