sexta-feira, 5 de maio de 2023

OS GRANDES SINAIS PRECURSORES DO JUÍZO FINAL (II)

 

Statim autem, post tribulatimem dierum illorum, sol obscurabitur, et luna non dabit lumen suum

'Logo após esses dias de tribulação, o sol escurecerá, a lua não terá claridade, cairão do céu as estrelas e as potências dos céus serão abaladas' (Mt 24, 29)

Segunda Parte

O que você pensaria se, como poderia facilmente ser o caso, o Anticristo nascesse agora para que pudéssemos viver em seu tempo? Pois ninguém sabe quando chegará esse tempo, pois Deus reservou o conhecimento dele somente para si. Em todo caso, imaginemos que o homem cruel já está realmente no mundo, e que ouvimos e vimos tudo o que foi dito sobre ele; o que deveríamos fazer? Devemos ousar renunciar a Cristo e ficar do lado desse monstro? Deveríamos nos deixar marcar com aquele sinal odioso: 'Nego a Cristo'? O quê - diriam cada um de vocês - negar a Cristo? E ficar ao lado dos demônios? Deus me livre de pensar em tal coisa! 

Eu preferiria morrer mil mortes a ser infiel ao meu Salvador e Deus ou abjurar sua fé na qual somente a salvação pode ser encontrada! Eu riria dos pretensos milagres, e desprezaria os prazeres oferecidos pela carne, as honras e as riquezas; resistiria heroicamente à tortura, por mais terrível que fosse, com a assistência divina; tudo isso eu faria prontamente para não perder minha única alma imortal e as alegrias eternas do céu. Ó quão verdadeiramente bela e cristã seria tal resolução! E tal deve ser a determinação de cada um de nós mesmos em circunstâncias tão terríveis.

Mas, infelizmente, como somos pobres mortais em todas as nossas resoluções e promessas! Deus de bondade, levai-me para fora deste mundo antes que esses tempos terríveis aconteçam! O que realmente seria de nós? É fácil dizer que pisaríamos nas riquezas, honras e prazeres oferecidos agora, enquanto vivemos em paz e sossego e temos todas as oportunidades de considerar devidamente o assunto, embora a menor tentação é muitas vezes suficiente para nos fazer transgredir da maneira mais vergonhosa e renunciar à amizade de Deus, que é tão digno de nosso amor. Como então podemos ousar dizer que seremos fortes o suficiente para resistir aos ataques de tal monstro? Mesmo agora, embora estejamos um pouco humilhados, o sopro do louvor humano e a esperança de honra ou uma posição elevada são capazes de cegar tanto os olhos de nossa mente que, contrariando a lei de Cristo, nos tornamos cheios de orgulho imundo e o mostramos em nosso vestuário e comportamento externo. Como poderíamos então ser fiéis à humildade de Nosso Salvador, se fôssemos exaltados por todo o mundo? 

Mesmo agora, embora aprendamos com a experiência diária a natureza transitória das coisas terrenas, e quão cedo e facilmente podemos perdê-las, às vezes somos tão assaltados pela paixão da avareza que vendemos nossas almas e nossa salvação por uma moeda miserável; tentamos lucrar com as calamidades públicas e, quando a nossa consciência ou o pensamento de perder nossas almas nos incomoda, despachamos tais pensamentos dizendo a nós mesmos: não importa como o dinheiro é ganho, contanto que eu consiga ganhá-lo! Como então poderíamos esperar poder pisar as riquezas se elas nos fossem oferecidas em abundância? Mesmo agora, quando temos tantas ocasiões de lamentar e deplorar nossa fraqueza, com a lei cristã pintando para nós a abominação e a deformidade do amor impuro e do prazer carnal, nós nos deixamos enfeitiçar e ser enganados por um olhar, um sorriso, uma palavra ou uma carícia, que nos esquecemos de nosso Deus, cedemos à nossa luxúria e sacrificamos imprudentemente nossa modéstia, pureza, honra e fidelidade. O que iríamos fazer se tais prazeres nos fossem apresentados como lícitos e louváveis? Ó que Deus conceda que um tempo tão terrível nunca aconteça para nós! 

É fácil dizer que devemos rir da hipocrisia, da falsa doutrina e dos falsos milagres. Mesmo agora, enquanto temos à mão inúmeras oportunidades de fazer o bem, acolhidos e zelosos no serviço a Deus por tantas devoções públicas, tendo em nosso poder frequentar os sacramentos quase diariamente para purificar nossas almas do pecado e nos alimentarmos com o corpo e o sangue de Jesus Cristo; tendo nossa ignorância iluminada por tantos sermões que nos encorajam ao bem, nos alertam contra o mal, nos exortam a evitar as ocasiões de pecado, os maus costumes e os prazeres do mundo; com tudo isso ainda permanecemos tão mornos e frios no serviço divino, tão obstinados nos hábitos que uma vez adquirimos que, às vezes, até atribuímos pouco crédito à palavra de Deus ou não acreditamos mais nela do que aquilo que convém às nossas fantasias. 

O que o mundo corrupto prega, o que aprendemos com os escândalos dos outros, o que os ociosos nos dizem; tudo isso deve ser sempre admitido como verdadeiro, válido e lícito; a tudo isso devem ceder as doutrinas e o ensinamento infalível do santo Evangelho, juntamente com os ensinamentos dos Padres e Doutores da Igreja. Se vemos alguém que aparenta ter uma conduta piedosa, agindo em conformidade com os costumes do mundo, dizemos logo: então não há mal nenhum nisso, já que tal pessoa o faz! Se aqui e ali ouvimos um confessor que tende a ser liberal em certos assuntos que nos incomoda impor restrições, aderimos às suas ideias como se ele fosse tão infalível quanto o próprio Evangelho, enquanto confrontamos e ridicularizamos todos os que têm nisso opinião contrária. Então, repito, se é assim que agimos em plena luz do dia, o que faremos quando o uso dos sacramentos for abolido, as devoções públicas impedidas, os sermões e instruções proibidos e, em meio à corrupção e à perversão gerais, uma nova lei for promulgada para louvar e incentivar a nossa sensualidade e orgulho, confirmada por milagres e apoiada por uma falsa aparência de piedade e pela aprovação de todo o mundo? Oh, não, repito, que Deus não permita que tenhamos de viver em tempos tão difíceis, pois sabemos que seríamos demasiado frouxos para tanta provação.

É fácil falar em resistir aos tormentos e enfrentar o martírio! Ah como se pudessem entregar os corpos às lâminas, espadas, maças de chumbo ou ganchos de ferro, para serem rasgados e esfolados, os que agora são tão frágeis e vulneráveis que são incapazes de suportar a picada de uma agulha, os que acham um dia de jejum intolerável e são absolutamente incapazes de ficar de pé ou ajoelhados por uma hora na igreja ou de se levantar de manhã cedo por causa do frio! Como deixariam ser queimados e assados vivos os que, deitados em camas um pouco mais incômodas, não conseguem dormir de impaciência? Como poderiam rir de tormentos para os quais todas as cruzes são terríveis, os que suspiram e gemem ao menor julgamento e deixam dar vazão aos sentimentos por meio de juramentos e maldições diante o mais insignificante aborrecimento, expressando sua insatisfação também com a renúncia à prática da oração e devoção e à frequência aos sacramentos? 

Oh não! Deus de bondade! Não queremos um anticristo para provar nossa virtude, nossa fé, esperança e caridade, submetendo-nos à tortura! Já temos tribulações diárias suficientes: mais do que desejamos, para provar nossa virtude! Oxalá pudéssemos suportá-los com paciência e resignação por amor a Vós e para ganhar o Céu! A cada hora do dia temos abundante oportunidade de mortificar nossos olhos, ouvidos, língua, sensualidade e más inclinações; mas fazê-lo muitas vezes é para nós um amargo martírio que, sem nenhum tirano para nos obrigar, nos faz esquecer a obediência que devemos à vossa Santa Lei. Um leve desgosto, uma palavra de contradição, um olhar irritado às vezes é suficiente para perturbar nossa chamada virtude e transformá-la em impaciência, ódio e raiva. O que seria então de nós em meio a uma tão grande perseguição, que muitos, mesmo os mais santos e inocentes, não suportarão?

Finalmente, é fácil dizer que deveríamos preferir morrer mil mortes a negar a Cristo e tomar o partido do seu mortal inimigo! A maioria dos homens, entretanto, já se encontra do lado do Anticristo contra Jesus, nosso Salvador. Ouça o que São João diz em sua primeira epístola: 'todo espírito que não proclama Jesus esse não é de Deus, mas é o espírito do Anticristo de cuja vinda tendes ouvido, e que já está agora no mundo'¹⁸. 'Não pessoalmente' - como diz Cornelius à Lapide - 'mas em espírito; isto é, em seus precursores'¹⁹. Se vocês examinarem o assunto, meus queridos irmãos, vocês encontrarão não um, mas muitos anticristos. Não são anticristos aqueles pais que permitem a seus filhos toda licenciosidade, os levam à vaidade e ao orgulho imundo do mundo, à ociosidade e os afastam do zeloso amor de Deus e da verdadeira devoção? Não é um anticristo aquele que, contrário à lei de Deus, nutre vingança contra o próximo e frequenta os perigos e ocasiões de pecado? Não é um anticristo quem tenta desviar uma donzela do caminho da virtude com presentes e dinheiro? Não é o Anticristo aquela mulher que, por despudor no vestir e nas maneiras dissolutas, leva os outros ao pecado? Não é um anticristo aquele que causa escândalo com conversas pecaminosas e maus exemplos? Todos estes - diz Santo Agostinho - são anticristos e servos do diabo: todo aquele, não importa quem seja, padre ou leigo, que vive contra a justiça e as exigências de seu estado é um anticristo e um ministro de Satanás²⁰. 

O que vale mais: não negar a Cristo com os lábios ou não condenar uma fé tíbia que o nega pelas suas obras e que te conduz à perdição pelos seus pecados mortais? De que servirá a vossa fé, senão para uma vossa maior condenação? Que mais fazeis quando vos deixais seduzir pelos anticristos entre os quais viveis, mas renunciais a Cristo no mundo? Qual é o falso juramento que fizestes, senão renunciar a Deus por causa de um ganho temporal insignificante? Quando vos entregais a pensamentos e desejos impuros, que outra coisa fazeis senão gravar no vosso coração as palavras: 'Nego a Cristo'? Quando pecais por atos impuros, não trazeis esse mesmo sinal na vossa mão? Numa palavra, cada pecado mortal que cometeis em pensamento, palavra ou ação, nada mais é do que uma declaração de que, embora não abjureis a vossa fé em Cristo, recusais o amor e a obediência que lhe são devidos e recusais isso em nome de alguma riqueza, honra ou prazer que o espírito do Anticristo infernal vos oferece. E, desgraçadamente, quantos pecados mortais não são cometidos diariamente no mundo!

Cristãos! Que grande responsabilidade tende vós! Ah, pobres almas infelizes que viverão nos tempos do Anticristo, como sereis dignos de pena! Mas se vós, quase forçados como sereis a abandonar Deus por graves perseguições, tentações, tormentos, mentiras e pretensos milagres, fordes, no entanto, condenados por uma sentença muito justa a tormentos eternos, que desculpa teremos nós? Que inferno nos espera, aqueles que tão facilmente podemos desfrutar da liberdade de filhos de Deus e que, no entanto, nos deixamos desviar, afastamos de Deus e aceitamos ser atraídos para o rol do demônio para viver como anticristos, ou seja, inimigos declarados de Jesus Cristo?

Almas inocentes que desde então têm permanecido fieis ao vosso Senhor, fujam, fujam com toda a diligência possível daqueles que tentariam, de qualquer forma, levar-vos a fazer qualquer coisa contrária à lei de Deus! Sede firmes em todas as tentações e ocasiões de pecado! Pensai e dizei com coragem contra o Anticristo e os seus seguidores: 'Fora! Eu amo Jesus!' Este sinal estará no meu coração, nos meus olhos e nas minhas mãos. 'Eu amo Jesus Cristo!' Só a Ele servirei fielmente; a sua amizade não venderei por quaisquer bens, honras ou prazeres mundanos. Amo Jesus Cristo e amá-lo-ei enquanto tiver vida. Renuncio para sempre a tudo o que se opõe a Ele. E Vós, Deus Todo-Poderoso, concedei-nos a vossa graça poderosa para que possamos antecipar os tempos terríveis do Anticristo por meio de um verdadeiro arrependimento de todos os nossos pecados e fuga de todos os males que sustentarão o seu reino de orgulho e perversidade! Concedei-nos que vos sirvamos com mais zelo, com mais paciência nas adversidades, com um amor mais fervoroso por Vós, nosso Deus e Salvador, nas nossas atividades públicas, nas nossas ações exteriores, no nosso comportamento, para que nada nos possa ligar ao Anticristo e aos seus seguidores, mas que tudo isso nos ajude a perseverar na vossa fé e no vosso amor até à morte. Amém.

18. Omnis spiritus qui solvit Jesum, ex Deo non est; et hic est antichristus, de quo audistis quoniam venit, et nunc jam in mundo est (1Jo 4,3).
19. Non in persona, sed in spiritu, scilicet in suis praecursoribus.
20. Quicunqne contra justitiam vivit, etc., Antichristus est, minister Satanae (S. Agostinho c. 9. Tract de Antichristo).

(Excertos da obra 'Sermons on the Four Last Things' - Sermon 26, do Rev. Francis Hunolt /1694 -1746/, tradução do autor do blog)