sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

GLÓRIAS DE MARIA: IMACULADA CONCEIÇÃO

   

'Declaramos, pronunciamos e definimos que a doutrina de que a Bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus Onipotente, em atenção aos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de culpa original; essa doutrina foi revelada por Deus, e deve ser, portanto, firme e constantemente crida por todos os fiéis'.

(Beato Papa Pio IX, na proclamação do dogma da Imaculada Conceição, em 08 de dezembro de 1854)

Nossa Senhora, criatura superior a tudo quanto já foi criado, e inferior somente à humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, recebeu de Deus o privilégio incomparável da Imaculada Conceição. Desta forma, Maria foi preservada de qualquer pecado desde que foi concebida, porque recebeu naquele instante o Espírito Santo de Deus. O 'sim' de sua entrega incondicional à vontade de Deus não teria sido possível se, mesmo livre de qualquer  pecado durante toda a sua vida, Maria tivesse, a exemplo de toda a humanidade, a mancha do pecado original. Deus, ao cumular Maria de tantas graças extraordinárias, não permitiu que ela estivesse separada dele em nenhum segundo de sua existência e, assim, Maria não conheceu o pecado desde a sua concepção.

A Santa Igreja ensina que Maria Santíssima foi preservada do pecado original, em previsão aos futuros méritos da Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo que, assim, a pré-redimiu desde o primeiro instante da sua existência. Sendo concebida sem pecado original, Maria ficou também preservada de qualquer tendência para o mal decorrente do pecado original. Não é crível que Deus Pai onipotente, podendo criar um ser em perfeita santidade e na plenitude de inocência, não fizesse uso de seu poder a favor da Mãe de seu Divino Filho. Como explicitou, de forma definitiva, o beato franciscano João Duns Scoto (1265-1308), em sua exposição quando da defesa da Imaculada Conceição na Universidade de Paris: 'Potuit, decuit, ergo fecit' (Deus podia fazê-lo, convinha que o fizesse, logo o fez).

O fundamento deste privilégio mariano está na absoluta oposição existente entre Deus e o pecado. Ao homem concebido no pecado, contrapõe-se Maria, concebida sem pecado. A confirmação do dogma, a partir de manifestações que remontam os primeiros Padres da Igreja, foi ratificada muitas vezes pela própria Mãe de Deus, em várias aparições:

'Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós!' foi a mensagem que Nossa Senhora pediu que fosse inscrita na Medalha Milagrosa,  mediante recomendação expressa a Santa Catarina Labouré em 1830 (24 anos antes da promulgação formal do dogma pela Igreja).

'Eu sou a Imaculada Conceição!' assim Nossa Senhora se apresenta à pequena vidente Bernadette Soubirous em Lourdes, no dia 25 de março de 1858 (apenas 4 anos depois da promulgação formal do dogma pela Igreja).

'Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!mensagem de Nossa Senhora em Fátima sobre a devoção ao seu Coração Imaculado.

Excertos da Bula INEFFABILIS DEUS de Pio IX

                       Pio IX
1. Misericórdia e verdade são os caminhos do Deus inefável; onipotente é sua vontade, e sua sabedoria se estende poderosamente de uma extremidade a outra, dispondo todas as coisas com suavidade (Sb 8, 1). Desde os dias da eternidade previu Deus a mais dolorosa ruína de todo o humano gênero, que resultaria do pecado de Adão. Por isso, num mistério escondido nos séculos, determinou Ele completar a primeira obra de sua bondade, num mistério ainda mais esconso, pela Encarnação do Verbo, para que o homem, induzido ao pecado pela ardilosa perversidade do demônio, não perecesse, contrariamente ao seu desígnio cheio de clemência; e assim, o que estava em iminência de ser frustrado no primeiro Adão fosse restituído, com maior felicidade, no Segundo Adão.
Escolha da Santíssima Mãe

2. Em vista disso, desde todos os tempos, escolheu Deus e predestinou uma mãe para o seu Unigênito Filho, na qual se encarnaria e viria ao mundo, quando a abençoada plenitude dos tempos houvesse chegado. E a ela dispensou Deus mais amor que a todas as outras criaturas, e nela somente achava agrado, com a mais afetuosa complacência. Por isso a cumulou, de maneira tão admirável, da abundância dos bens celestes do tesouro de sua divindade, mais que a todos os outros espíritos angélicos e todos os santos, de tal forma que ficaria absolutamente isenta de toda e qualquer mancha de pecado, podendo, assim, toda bela e perfeita, ostentar uma inocência e santidade tão abundantes, quais outras não se conhecem abaixo de Deus, e que pessoa alguma, além de Deus, jamais alcançaria, nem em espírito.

Com efeito, era conveniente que tão venerável Mãe brilhasse sempre aureolada do esplendor da mais perfeita santidade, e que fosse de todo isenta até da própria mácula do pecado original, alcançando, assim, o mais completo triunfo sobre a antiga Serpente (Gn 3, 15). E tudo isto por ser ela a criatura a quem Deus Pai quis dar seu Filho Único, o qual gerou de seu próprio coração, igual a Si e a quem Ele ama como a Si mesmo. Deu-Lho, de forma que Ele é, por natureza, um e o mesmo Filho de Deus Pai e da Virgem. Ela é, também, o ser que o próprio Filho escolheu e fez real e verdadeiramente sua Mãe. Ela é, enfim, a criatura de quem o Espírito Santo quis que o Filho, do qual procede, fosse concebido e nascido por obra sua. [...]
Pedidos para a Definição

33. Aqui a razão por que, desde os tempos remotos, os bispos da Igreja, eclesiásticos, ordens religiosas e até imperadores e reis dirigiram fervorosos memoriais à Sé Apostólica, em prol da definição da Imaculada Conceição da Virgem Mãe de Deus como dogma da fé católica. Mesmo em nossos dias, reiteraram-se estas petições. Foram elas dirigidas, de modo especial, à atenção de Nosso antecessor Gregório XVI, de saudosa memória, e a Nós mesmo, não só por bispos, mas também pelo clero secular, comunidades religiosas, por legisladores de nações e pelos fiéis. [...]
O Consistório

39. Após estes acontecimentos, desejando proceder de modo conveniente e reto, a exemplo de Nossos antecessores anunciamos e celebramos um Consistório, no qual Nos dirigimos a Nossos Irmãos, os Cardeais da Santa Igreja Romana. Foi para Nós a maior alegria espiritual ao ouvi-los suplicarem promulgássemos a definição do dogma da Conceição Imaculada da Virgem Mãe de Deus.

40. Por isso, tendo plena confiança no Senhor de que já chegou o tempo oportuno para a definição da Imaculada Conceição da Virgem Maria, Mãe de Deus, que as Divinas Escrituras, a veneranda Tradição, o desejo incessante da Igreja, o singular consentimento dos Bispos católicos e dos fiéis, e os atos e constituições assinalados dos Nossos antecessores ilustram e proclamam; havendo considerado diligentemente todos os acontecimentos e tendo dirigido a Deus solícitas e sinceras preces, Nós  julgamos não devermos fazer tardar por mais tempo a ratificação e definição, por Nossa autoridade suprema, da Imaculada Conceição da Virgem, satisfazendo, assim, os mais santos desejos do Orbe Católico e de Nossa própria devoção para com a Santíssima Virgem; e honrando, na Virgem, sempre mais o seu Filho Unigênito, Jesus Cristo, Senhor Nosso, visto que toda honra e louvor votados à Mãe revertem para o Filho.
A Definição Infalível

41. Pelo que, em oração e jejum, não cessamos de oferecer a Deus Pai, por seu Filho, Nossas preces particulares e as de todos os filhos da Igreja, para que se dignasse dirigir e fortalecer Nossa inteligência com a força do Espírito Santo. Imploramos, ainda, a ajuda de toda a milícia celeste e, com verdadeiros anelos do coração, invocamos o Paráclito. Portanto, por sua inspiração, para honra da Santa e Indivisa Trindade, para glória e adorno da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da Fé Católica e para a propagação da Religião Católica, com a autoridade de Jesus Cristo, Senhor Nosso, dos Bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e Nossa, declaramos, promulgamos e definimos que a Bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro instante de sua Conceição, foi preservada de toda mancha de pecado original, por singular graça e privilégio do Deus Onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador dos homens, e que esta doutrina está contida na Revelação Divina, devendo, por conseguinte, ser crida firme e inabalavelmente por todos os fiéis.

42. Em conseqüência, se alguém ousar – o que Deus não permita – pensar contrariamente ao que definimos, saiba e esteja ciente de que ipso facto  incidiu em anátema, de que naufragou na fé e apostatou da unidade da Igreja; além disso, por sua própria causa incorre nas penalidades estabelecidas por lei, caso se atreva a manifestar, por palavras ou por escrito, ou por  outros quaisquer meios externos, sua opinião íntima.
Frutos da Imaculada Medianeira

43. Nossa língua transborda de alegria e nosso coração rejubila. Rendemos e não cessaremos de render os mais humildes e sinceros agradecimentos a Cristo Jesus, Senhor Nosso, por Nos ter concedido, embora indigno, por singular favor seu, decretar e oferecer esta honra, glória e louvor à Santíssima Mãe. Ela, toda pura e imaculada, esmagou a cabeça envenenada do mais cruel dragão, trazendo ao mundo a salvação; Ela é a glória dos Profetas e dos Apóstolos, a honra dos Mártires, a coroa e delícia dos Santos; o refúgio mais seguro, o mais valioso amparo de quantos se acham em perigos. Com o seu Unigênito Filho, Ela é a mais poderosa Mediadora e Consoladora no mundo universo. Ela é a suma glória e ornamento, a fortaleza inexpugnável da Santa Igreja. Pois Ela destruiu todas as heresias e livrou os povos e nações fiéis de todas as calamidades gravíssimas. Também a Nós livrou-Nos de tantos perigos que nos assediavam. Temos, pois, confiança e esperança absolutas e totais de que a Bem-aventurada Virgem, por seu patrocínio valiosíssimo, fará com que todas as dificuldades sejam removidas e todos os erros dissipados, a fim de que Nossa Santa Madre Igreja Católica possa florescer, sempre mais, entre todas as nações e povos e possa espalhar seu reino “de mar a mar, do rio até aos confins da terra” (Sl 71, 8), e desfrute de perfeita paz, tranqüilidade e liberalidade. Ela obterá, também, perdão aos pecadores, saúde aos doentes, alento aos fracos, consolo aos aflitos, amparo aos que estão em perigo. Ela há de apagar a cegueira espiritual dos que erram, para que possam voltar às sendas da verdade e da justiça, e para que haja um só rebanho e um só pastor.

44. Que todos os filhos da Igreja Católica, tão caros ao Nosso coração, ouçam estas Nossas palavras. Continuem, com um zelo ainda mais ardente de piedade, de religião e amor, a cultuar, invocar e orar à Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, concebida sem pecado original. Recorram com inteira confiança a esta Mãe dulcíssima de clemência e de graça nos perigos, dificuldades, necessidades, dúvidas e temores. Pois, sob sua égide, seu patrocínio, sua proteção, não há receios e nem desesperanças. Porque, enquanto Nos dedica uma afeição verdadeiramente maternal e zela pela obra de Nossa salvação, Ela se mostra solícita para com todo o gênero humano. E, desde que foi designada por Deus para ser a Rainha do Céu e da Terra e exaltada acima de todos os coros angélicos e de todos os Santos, Ela assentada à direita de seu Unigênito Filho, Jesus Cristo, Nosso Senhor, apresenta nossos rogos da maneira mais eficiente, e alcança o que pede, pois sempre é atendida.[...]
Publicação da Definição

45. Para que, finalmente, esta Nossa definição da Imaculada Conceição da Santíssima Virgem Maria seja conhecida de toda a Igreja, desejamos que esta Nossa Carta Apostólica se torne um memorial perpétuo; ordenamos, também, que os transcritos e publicações que vierem a ser feitos e postos à venda ou ao público, contenham a mesma autenticidade do original. Tais traslados e cópias, contudo, devem ser subscritos por um notário e autenticados pela censura de uma pessoa da ordem eclesiástica. Por isso, que ninguém infrinja este documento de Nossa declaração, promulgação e definição, nem se oponha ou contradite temerária e atrevidamente. Se alguém se der a liberdade de intentar tal, saiba que incorrerá na cólera do Deus Onipotente e dos Bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo.

Dada em Roma, junto de São Pedro, aos 8 do mês de Dezembro do ano de 1854 da Encarnação de Nosso Senhor, 9º ano de Nosso Pontificado.


Pio IX, PAPA

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

O DOM DA CIÊNCIA

A alma, estando desligada do mal pelo temor de Deus e aberta às nobres afeições pelo dom de piedade, experimenta a necessidade de saber como evitará aquilo que é objeto de seu temor e como encontrará o que deve amar. O Espírito Santo vem em seu socorro e lhe trás o que deseja, derramando nela o dom da ciência. Por este dom precioso a verdade lhe aparece, ela sabe o que Deus pede e o que reprova, o que deve procurar e do que deve fugir. 

Sem a ciência divina, nossa vista corre o risco de perder-se por causa das trevas que muitas vezes obscurecem totalmente, ou em parte, a inteligência do homem. Essas trevas são provenientes, primeiramente, do íntimo de nós mesmos, que carrega os traços bem reais da decadência do pecado original. São ainda causadas pelos preconceitos e máximas do mundo que enganam diariamente os espíritos que se creem os mais retos. Enfim, a ação de satanás, que é o príncipe das trevas, exerce-se em grande parte com o fim de envolver nossa alma na obscuridade ou perdê-la com a ajuda de luzes falsas.

A fé que nos foi infundida no batismo é a luz da nossa alma. Pelo dom da ciência, o Espírito Santo produz, na virtude da fé, raios tão vivos que dissipam todas as trevas. As dúvidas, então, se esclarecem, o erro se desvanece e a verdade aparece com todo seu fulgor. Vemos cada coisa na sua verdadeira claridade que é a claridade da fé. Descobrem-se os deploráveis erros que estão em curso no mundo e que seduzem tão grande número de almas, dos quais, talvez tenhamos sido, nós mesmos, durante muito tempo, vítimas. O dom de ciência nos revela o fim que Deus se propôs na criação, aquele fim fora do qual os seres não poderiam encontrar nem o bem nem o repouso. Ensina o uso que devemos fazer das criaturas, que nos são dadas não para tropeço, mas para nos ajudar em nossa marcha para Deus. 

Sendo-nos, assim, manifestado o segredo da vida, nossa estrada torna-se segura, não hesitamos mais e nos sentimos dispostos a nos retirar de todo caminho que não nos conduza àquele fim. É esta ciência, dom do Espírito Santo, que o Apóstolo tem em vista quando, falando aos cristãos lhes diz: 'Antes éreis trevas; agora sois luz no Senhor: andeis agora como filhos da luz'. Daí vem a firmeza e a segurança da conduta cristã. A experiência pode faltar algumas vezes e o mundo nos perturba com o pensamento de dar algum temível passo em falso; mas o mundo não conta com o dom de ciência. 'O Senhor conduz o justo por vias retas e para assegurar seus passos lhe deu a ciência dos santos'. Todos os dias esta lição nos é dada. O cristão, por meio da luz sobrenatural, escapa a todos os perigos e, se não tem experiência própria, tem a experiência de Deus. 

Seja bendito, Divino Espírito, por essa luz que derramais e mantendes em nós com tão amável perseverança. Não permitais que nunca procuremos uma outra. Somente ela nos baste; fora dela só existem trevas. Guardai-nos das tristes inconsequências em que muitos se deixam levar imprudentemente, aceitando um dia vossa conduta e depois se entregando às opiniões do mundo; levando uma vida que não satisfaz nem ao mundo nem a Vós. Precisamos, pois, amar esta ciência que nos destes para que sejamos salvos; o inimigo de nossas almas inveja em nós essa ciência salutar e quer substituí-la por suas sombras. Não permitais, Divino Espírito, que ele consiga o seu pérfido desígnio e ajudai-nos sempre a discernir o que é verdadeiro do que é falso, o que é justo do que é injusto. Que segundo a palavra de Jesus, nosso olhar seja simples, a fim de que nosso corpo, quer dizer o conjunto dos nossos atos, dos nossos desejos e dos nossos pensamentos, esteja na luz; salvai-nos daquele olho que Jesus chama de mau e que torna tenebroso o nosso corpo inteiro.

(Excertos da obra 'Os Dons do Espírito Santo', de Dom P. Gueranger)

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXX)

 

Capítulo LXX

Alívio às Santas Almas pelas Esmolas - O Caso do Abade Raban-Maur e do Procurador Edelard do Mosteiro de Fulda

Resta-nos falar de um último e muito poderoso meio de aliviar as pobres almas do Purgatório: a esmola. O Doutor Angélico, São Tomás, dá preferência à esmola antes do jejum e da oração, quando se trata de expiar faltas passadas. 'A esmola' - diz ele - 'possui mais completamente a virtude da satisfação do que a oração, e a oração mais completamente do que o jejum'. É por isso que os grandes servos de Deus e os grandes santos a escolheram como principal meio de assistência aos mortos. Entre eles, podemos citar como um dos mais notáveis o santo abade Raban-Maur, primeiro abade de Fulda, no século X, e depois arcebispo de Mayence.

O Padre Trithemius, conhecido escritor da Ordem de São Bento, fez distribuir abundantes esmolas pelos mortos. Ele tinha estabelecido a regra de que, quando um religioso morresse, a sua porção de comida deveria ser distribuída entre os pobres durante trinta dias, para que a alma do falecido fosse aliviada pelas esmolas. No ano de 830, o mosteiro de Fulda foi atacado por uma doença contagiosa que levou a falecer um grande número de religiosos. Raban-Maur, cheio de zelo e de caridade pelas suas almas, chamou Edelard, o Procurador do mosteiro, e recordou-lhe a regra estabelecida sobre as esmolas para os defuntos. 'Cuida muito bem' - disse ele - 'que as nossas prescrições sejam fielmente observadas, e que os pobres sejam alimentados durante um mês inteiro com a comida que seria destinada aos irmãos que perdemos'.

Edelard falhou tanto na obediência como na caridade. Sob o pretexto de que tal liberalidade era extravagante e que deveria economizar os recursos do mosteiro mas, na realidade, porque estava influenciado por uma avareza secreta, negligenciou a distribuição dos alimentos ou o fez de uma forma muito aquém da ordem que tinha recebido. Deus não deixou impune esta desobediência.

Passado um mês, certa noite, depois de a comunidade ter-se recolhido, Edelard atravessava a sala da congregação com uma lâmpada na mão, quando, tomado de absoluto estupor, encontrou ali reunidos um grande número de religiosos, numa hora em que a sala deveria estar totalmente vazia. O seu espanto transformou-se em medo quando, olhando-os atentamente, reconheceu neles os religiosos recentemente falecidos. O terror apoderou-se de tal modo dele que um arrepio gelado congelou as suas veias fazendo dele como que uma estátua sem vida pregada no chão.

Então, um dos religiosos falecidos dirigiu-lhe terríveis censuras: 'Criatura infeliz, por que não distribuíste as esmolas que estavam destinadas a aliviar as almas dos teus irmãos falecidos? Por que nos privaste dessa assistência em  meio aos tormentos do Purgatório? Recebe, a partir deste momento, o castigo pela tua avareza; um castigo mais terrível está reservado para ti quando, depois de três dias, compareceres diante do teu Deus'.

Diante de tais palavras, Edelard caiu como se tivesse sido fulminado por um raio e assim permaneceu imóvel até depois da meia-noite, hora em que a comunidade dirigiu-se para o coro. Aí encontraram-no semimorto, no mesmo estado em que se encontrava Heliodoro, depois de ter sido açoitado pelos anjos no templo de Jerusalém (cf 2Mc 3). Foi levado para a enfermaria, onde lhe foram dispensados todos os cuidados possíveis, de modo que conseguiu recuperar a consciência. Logo que pôde falar, na presença do abade e de todos os seus irmãos, relatou com lágrimas o terrível acontecimento que o seu triste estado testemunhava com tanta evidência. Depois, acrescentando que deveria morrer dentro de três dias, pediu os últimos sacramentos com todos os sinais de um humilde arrependimento. Recebeu-os com sentimentos de piedade e, três dias depois, realmente expirou, assistido pelas orações dos seus irmãos.

Imediatamente entoou-se a missa de defuntos e distribuiu-se aos pobres a sua parte da comida, em benefício da sua alma. Entretanto, o seu castigo ainda não havia terminado. Edelard apareceu diante o abade Raban, pálido e desfigurado. Tocado de compaixão, Raban perguntou-lhe o que podia fazer por ele. 'Ah!' - respondeu a infeliz alma - 'apesar das orações da nossa santa comunidade, não posso obter a graça da minha libertação até que todos os meus irmãos, a quem a minha avareza defraudou dos sufrágios que lhes eram devidos, tenham sido libertados. O que foi dado aos pobres em meu nome não serviu de nada para mim, mas somente a eles, e isto por ordem da Justiça Divina. Peço-vos, pois, ó Pai venerado e misericordioso, que redobreis as vossas esmolas. Espero que, por estes meios poderosos, a clemência divina se digne livrar-nos a todos, primeiro aos meus irmãos e depois a mim, que sou o menos merecedor de tal misericórdia'. Raban-Maur aumentou então as esmolas e, mal tinha passado um mês, Edelard apareceu-lhe de novo, mas agora vestido de branco, rodeado de raios de luz e com o rosto radiante de alegria. Agradeceu, da maneira mais comovente, ao seu abade e a todos os membros do mosteiro a caridade que lhe tinham feito (Vie de Raban-Maur, Rossignoli, Merv., 2).

Que instrução não contém esta bela história! Em primeiro lugar, a virtude da esmola para os mortos brilha de maneira muito marcante. Depois, vemos como Deus castiga, mesmo nesta vida, aqueles que, por avareza, temem não privar os mortos dos seus sufrágios. Não me refiro aqui aos herdeiros que se tornam culpáveis, negligenciando as doações que lhes cabem por testamento dos parentes falecidos, negligência que constitui uma injustiça sacrílega; mas àqueles filhos ou parentes que, por miseráveis motivos de interesse, mandam celebrar o menor número possível de missas, são parcimoniosos na distribuição de esmolas, não tendo piedade das almas dos parentes falecidos e que as deixam definhar nos terríveis tormentos do Purgatório. Trata-se da mais negra ingratidão, uma dureza de coração inteiramente oposta à caridade cristã, e que encontrará o seu castigo talvez ainda neste mundo.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

FRASES DE SENDARIUM (XVII)

'Revesti-vos de Cristo Crucificado, inebriai-vos no seu Sangue!' 

(Santa Catarina de Sena)


Ó Sangue e Água, que jorrastes do Coração de Jesus, como fonte de misericórdia para nós, eu confio em vós!

domingo, 3 de dezembro de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'Iluminai a vossa face sobre nós, convertei-nos, para que sejamos salvos!' (Sl 79)

Primeira Leitura (Is 63,16b-17.19b;64,2b-7) - Segunda Leitura (1Cor 1, 3-9)  -  Evangelho (Mc 13,33-37)

 03/12/2023 - Primeiro Domingo do Advento 

1. 'O QUE VOS DIGO, DIGO A TODOS: VIGIAI!' 

  

Hoje começa um novo ano litúrgico da Santa Igreja com o Tempo do Advento, período que os cristãos são conclamados a viver em plenitude as graças da expectativa, da conversão e da esperança, à espera do Senhor Que Vem. O Ano Litúrgico 2023 - 2024 é o Ano B, no qual os exemplos e ensinamentos de Jesus Cristo são proclamados a cada domingo pelas leituras do Evangelho de São Marcos.

E o novo ano litúrgico começa com Jesus exortando a vigilância aos filhos de Deus: 'O que vos digo, digo a todos: Vigiai!' (Mc 13, 37). Do alto do Monte das Oliveiras e à vista de Jerusalém, Jesus vai alertar os seus discípulos sobre a necessidade de se permanecer vigilantes, na oração e na confiança de uma vida de plenitude cristã, diante das coisas do mundo, que passam e repassam no cotidiano de nossas vidas. Vigilância que se impõe naqueles tempos, na vida futura da Igreja, nos remotos tempos da história: 'Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da casa vem: à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer. Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo' (Mc 13, 35 - 36).

São palavras de salvação, porque a única coisa realmente importante para o homem é a salvação eterna de sua alma. Tudo o mais é efêmero e sem sentido. No fim dos tempos ou no fim de nossa vida, o Juízo Final ou o Juízo Particular vai nos pedir contas essencialmente da nossa vigilância filial à Santa Vontade de Deus, no cumprimento de nossas ações cristãs, no acervo das graças recebidas, na inquietude do coração humano ao encontro do Pai.

Vigiar significa essencialmente não pecar, não ofender a Santidade de Deus com as misérias e as fragilidades humanas, não conspurcar a Infinita Pureza da alma que nos foi legada um dia com a lama dos prazeres, frivolidades e maldades de uma vida profanada pelos valores do mundo. Porque haverá o dia do juízo, no qual os homens serão levados ou deixados para trás: 'Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento' (Mc 13, 33). Vigiar é estar preparado para que sejam santos todos os dias de nossa vida e para que Deus escolha, dentre eles, o mais belo, para receber de volta as almas vigilantes que Ele próprio desenhou para a eternidade.

sábado, 2 de dezembro de 2023

ANO LITÚRGICO 2023 - 2024

Ano Litúrgico 2023-2024, de acordo com o rito católico romano, vai desde o primeiro domingo do Advento (03/12/2023) até a solenidade de Cristo Rei do Universo (24/11/2024), durante o qual a Igreja celebra todo o mistério de Cristo, desde o nascimento até a sua segunda vinda. O Ano Litúrgico 2023-2024 é o Ano B, no qual os exemplos e os ensinamentos de Jesus Cristo são proclamados a cada domingo pelas leituras principais retiradas do Evangelho de São Marcos, com exceção de ocasiões especiais (as chamadas Festas e Solenidades do rito litúrgico), quando são utilizadas leituras específicas do Evangelho de São João.

O ano litúrgico compreende dois tempos distintos: os chamados tempos fortes que incluem Advento, Natal, Quaresma e Páscoa, durante os quais certos mistérios particulares da obra redentora e salvífica de Cristo são celebrados e o chamado Tempo Comum, no qual celebramos o Mistério de Cristo em sua totalidade, ou seja, encarnação, vida, morte, ressurreição e ascensão do Senhor. 

O Tempo Comum é subdividido em duas partes. A primeira parte começa no dia seguinte à festa do Batismo de Jesus (07/01/2024) e vai até a terça-feira antes da Quarta-feira de Cinzas (14/02/2024), quando tem início a Quaresma. A segunda parte do Tempo Comum recomeça na segunda-feira depois de Pentecostes (19/05/2024) e se estende até o sábado que antecede o primeiro domingo do Advento (01/12/2024), quando tem início um novo Ano Litúrgico, compreendendo sempre um período de 33 ou 34 semanas.

PRIMEIRO SÁBADO DO MÊS

  

DEVOÇÃO DOS CINCO PRIMEIROS SÁBADOS  

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

SERMÕES DO CURA D'ARS (XV)

 SOBRE O JUÍZO FINAL

 'então, verão o Filho do Homem vir sobre uma nuvem com grande glória e majestade' (Lc 21, 27)

E então verão... Não um Deus revestido das nossas fraquezas, escondido na escuridão de um miserável estábulo, reclinado em um presépio, tratado com escárnio e zombaria e prostrado em terra pelo fardo pesado de uma cruz; mas um Deus que, revestido do glorioso esplendor do seu grande poder e majestade, dá a conhecer o seu advento por manifestações tremendas, pelo escondimento do sol e da lua, pela queda das estrelas e pela convulsão de toda a criação. Não um Redentor que vem com a mansidão de um cordeiro para ser julgado pelos homens que Ele tenta ganhar para si; mas um juiz sob justa ira, para julgar a humanidade com a terrível medida da sua justiça. Não um pastor amoroso, que tenta encontrar as suas ovelhas desgarradas e que as perdoa quando elas regressam, mas um Deus de vingança, que virá para separar para sempre os justos dos injustos, que fará com que os pecadores sintam o peso da sua espada e que confortará os justos com a felicidade celestial.


Ó momento terrível, ó momento temível, quando chegarás? Ó momento infeliz! Talvez daqui a alguns dias possamos observar os prenúncios deste dia; para os pecadores, tão terrível dia de julgamento! Ó pecadores, levantai-vos do túmulo das vossas iniquidades, apresentai-vos perante o tribunal de Deus e sofrei o tratamento que o pecador terá de sofrer! Os ímpios deste mundo gostam de negar o poder de Deus, porque veem os pecados passarem ilesos pelos dias de sua vida; sim, eles até farão a afirmação ousada de que Deus não existe, que não há inferno; ou como dizem: 'Deus não se importa com o que fazemos aqui na terra'. Ó infelizes: esperem pelo dia do julgamento; nesse grande dia, Deus revelará o seu poder e mostrará a todas as nações que Ele tudo viu e considerou tudo de todos.

São Lucas nos diz que os homens definharão de medo e da expectativa do que há de vir sobre o mundo inteiro. Ó, meus caros amigos, poder-se-ia definhar de medo e morrer de pavor ao pensar numa desgraça mil vezes menor do que a que está iminente para o pecador e que será certamente o seu destino se persistir em levar uma vida de pecado. Meus caros, se neste momento em que vos vou falar do juízo vindouro, perante o qual todos devemos comparecer para prestar contas do bem e do mal que fizemos durante esta vida e para receber aí o nosso julgamento final, que será o Céu ou o Inferno, digo, se neste momento aparecesse um anjo e vos anunciasse a mensagem de Deus de que, dentro de vinte e quatro horas, por uma chuva de fogo e enxofre, o mundo inteiro se incendiaria; se já ouvísseis o ribombar longínquo dos trovões; se a fúria da tempestade começasse a derrubar as vossas casas, e se os relâmpagos se tornassem tão vivos que a terra se assemelhasse a uma bola de fogo; se o inferno começasse a lançar os condenados para encher o mundo com os seus gritos e uivos, e se o único meio de evitar esta miséria fosse detestar o pecado e arrepender-se, poderíeis então, meus amigos, ouvir tudo isto sem derreter-se em torrentes de lágrimas e implorar misericórdia? Não vos lançaríeis aos pés do altar e não pediríeis misericórdia? Ó loucura inconcebível do homem pecador! Mas então será demasiado tarde para te arrependeres! Sim, meus irmãos, seremos julgados; nada é mais certo do que isso. E mais, seremos julgados sem misericórdia.

Lemos nas Sagradas Escrituras que Deus, sempre que pretendia enviar um flagelo sobre o mundo, precedia-o sempre por um sinal, de modo a causar terror no coração dos povos e levá-los a implorar a sua misericórdia. O historiador Josefo relata que, muito antes da destruição de Jerusalém, era visível no céu um cometa, em forma de espada, que causou consternação geral. Todos perguntavam o que significava aquele sinal. Seria porventura uma grande desgraça que Deus iria enviar? A lua apareceu oito noites no céu sem se iluminar; o povo começou a tremer pelas suas vidas, quando de repente apareceu um homem desconhecido que, durante três anos sem interrupção, passou pelas ruas de Jerusalém dia e noite, gritando: 'Ai de Jerusalém! Ai de Jerusalém!' Foi preso e açoitado para que parasse com as suas lamentações, mas nada o demoveu. Ao fim de três anos, gritou: 'Ai de Jerusalém! Ai de mim!' Nesse momento, uma pedra, que lhe tinha sido atirada de um estilingue, o atingiu em cheio e o matou instantaneamente. Em breve, todas as desgraças que este desconhecido tinha profetizado rebentaram por toda a Jerusalém. A fome tornou-se tão terrível que as mães mataram e devoraram os seus próprios filhos. A cidade foi capturada pelo inimigo e arrasada; as ruas ficaram cobertas de mortos e o sangue correu feito torrentes e os poucos que escaparam com vida foram vendidos como escravos.

Como o dia do juízo será o dia mais terrível e espantoso de todos, os sinais que o precederão serão tão tremendos que causarão terror nos confins mais ermos da Terra. Nosso Senhor disse que nesse dia fatídico o sol não dará mais luz; que a lua parecerá uma massa sangrenta, e as estrelas cairão dos céus. Os relâmpagos e os trovões serão tão terríveis que os homens definharão de medo. O vento tornar-se-á tão violento que nada lhe poderá resistir; árvores e casas serão arrancadas e levadas para longe, para o mar; o próprio mar, fustigado pelas tempestades, erguer-se-á mais alto do que as mais altas montanhas, e os terrores do inferno abrir-se-ão aos olhos da humanidade; todas as criaturas procurarão esconder-se da presença do Criador, quando contemplarem os crimes com que os homens contaminaram e desfiguraram a face da Terra.

Quando a Terra estiver purificada dos muitos crimes com que foi coberta, Deus enviará os seus anjos, que tocarão as suas trombetas nos quatro cantos da Terra e chamarão os mortos: 'Levantai-vos, ó mortos, levantai-vos dos vossos túmulos e comparecei perante o tribunal!' E todos os mortos, justos e injustos, bons e maus, virtuosos e pecadores, voltarão aos seus corpos; os mares entregarão os seus mortos, e a Terra fará surgir todos os que jaziam no seu seio durante todos estes séculos. Depois desta agitação, as almas dos santos, revestidas da sua glória, descerão do Céu, cada uma delas para tomar posse do seu corpo terrestre. 'Vinde' - serão chamados então - 'vinde, companheiros dos meus sofrimentos, que sempre vos esforçastes por agradar a Deus e procurastes a felicidade no sofrimento e na luta. Vinde, ó bem-aventurados, que tantas vezes fechastes o olhar às coisas impuras, com medo de perder a graça de Deus, vinde para o Céu, onde não vereis senão as coisas belas que inutilmente se procuram na Terra. Bem vindos vós, cujos ouvidos tinham tanto horror às palavras e às conversas impuras e caluniosas; sede bem-vindos ao Céu, onde só escutareis músicas celestes para vosso deleite eterno. Bem vindos sejam vós, que tantas vezes foram os meus pés e minhas mãos no consolo dos infelizes; vinde percorrer os vastos Céus onde contemplareis o vosso adorado Redentor que tanto vos ama. Lá haveremos de estar na presença dAquele que viveu nos nossos corações; lá veremos as suas mãos, ainda tingidas de sangue, pelas quais nos fez merecer as alegrias eternas!' Quando os santos tiverem tomado posse dos seus corpos glorificados, aguardarão com extremado júbilo o momento em que Deus revelará à vista de todo o mundo todas as lágrimas, todas as obras de penitência, todo o bem que fizeram. 'Sim' - assim Jesus Cristo lhes falará - 'quero que o mundo inteiro contemple a recompensa que vos preparei!'

Mas que mudança terrível e terrível estará diante de nós. Eu já ouço a trombeta chamar os condenados para voltarem do inferno. Vinde, pecadores, malfeitores, tiranos, o vosso Deus vos chama, Aquele que estava tão ansioso por vos salvar; comparecei perante o tribunal do Filho do Homem. Vinde e apresentai-vos, porque todos os erros que cometestes serão revelados à vista de todo o mundo. Então o anjo chamará: 'Profundezas do inferno, que se abram agora as vossas masmorras e sejam expurgados todos os vossos réprobos para o julgamento do Justo Juiz!' Que momento terrível! Eis que sairão das profundezas as miseráveis almas condenadas que buscarão os seus corpos em desespero. Que visão tremenda o momento em que a almas entrarem em seus corpos e estes experimentarem então todos os terrores do inferno. Este corpo maldito e esta alma maldita insultar-se-ão mutuamente milhares e milhares de vezes. 'Corpo maldito' - dirá a alma - ' que me atraístes e me arrastastes para a imundície da impureza; milhares de anos tenho sofrido e ardido no inferno. Pois vinde também, olhos malditos, que tantas vezes vos deleitastes em lançar olhares impuros sobre os vossos próprios corpos ou sobre os corpos dos outros; descei ao inferno, onde não vereis senão coisas horríveis e monstruosas. Vinde também, ouvidos malditos, que tantas vezes vos deleitastes em ouvir palavras e conversas indecentes; descei ao inferno, onde ouvireis os uivos e os rugidos dos demônios por toda a eternidade. Vinde também, ó língua maldita, boca maldita; descei ao inferno, onde não tereis outro alimento senão o fel. Vinde por inteiro, ó corpo maldito, a cuja cupidez tantas vezes fui vergada, tereis para sempre o horror de uma piscina de enxofre e de fogo, sempre mantida acesa pelo poder e pela ira santa de Deus.

Sim, meus irmãos, ali os justos e os condenados, depois de terem reocupado o corpo que lhes coube em vida, o corpo tal como o vemos agora diante de nós, todos se apresentarão perante o Juiz. Eis que lá vem Ele, sentado no seu trono, resplandecente de glória, rodeado de todos os anjos, tendo diante de si o seu estandarte, a cruz! Quando os condenados virem o seu juiz, então gritarão: 'Montanhas, lançai-vos sobre nós e escondei-nos da vista do nosso juiz; rochedos, caí sobre nós e lançai-nos de novo nas profundezas do inferno!' Mas  não! É hora, pecador, de prestar contas de toda a tua vida. Vem para a frente, infeliz, que ofendestes tão grandemente o bom Deus. Dirás então: 'Meu juiz, meu Pai, meu Criador, onde estão o meu pai e a minha mãe que foram a causa da minha condenação? Sim, meu pai e minha mãe, é por vossa culpa que estou condenado, sois vós que causastes a minha destruição'. Quem poderá avaliar a miséria de uma alma condenada, quando vir diante de si o seu pai e a sua mãe resplandecentes de glória, destinados ao Céu, e ele próprio condenado ao inferno? Estes rejeitados gritarão: 'Montanhas, enterrai-nos, pedimos-vos que caiais sobre nós; portais do abismo, abri-nos e escondei-nos!' Então o Senhor abrirá, como nos diz o profeta Ezequiel, aquele grande e maravilhoso livro, no qual estão registados os crimes de todos os homens. Quão e terríveis números de pecados, que nunca foram revelados aos olhos do mundo, tornar-se-ão então evidentes! Tremei, todos vós, que amontoastes pecado sobre pecado durante tantos anos!

Mas, direis então, e todas as boas obras que fizemos, foram todas em vão? Todos esses jejuns, penitências, esmolas, comunhões e confissões, não merecem recompensa? Não; Jesus Cristo dir-vos-á: 'As vossas orações não passam de balbucios, os vossos jejuns de hipocrisia, as vossas esmolas de vã procura de notoriedade; nunca fui considerado em nenhuma das vossas ações. Além disso, recompensei-vos com bens terrenos; abençoei o vosso trabalho, dei frutos aos vossos campos, enriqueci os vossos filhos pelo pouco bem que fizestes. Dei-vos plena recompensa, tanto quanto podíeis esperar. Mas Ele vos dirá: 'os vossos pecados ainda permanecem e viverão para sempre diante de mim. Ide, malditos, para o fogo eterno, que é para todos aqueles que em vida fizeram pouco de Mim'.

Como vedes, meus caros irmãos, a coisa mais angustiante desse dia terrível será o fato de Deus revelar não ter poupado esforços para nos salvar; de nos ter permitido participar nos méritos sem limites da sua morte na cruz; de nos ter dado o privilégio de nascer no seio da Igreja; de nos ter dado guardiães da alma para nos mostrar e aconselhar o que deveríamos ter feito para alcançar a felicidade eterna. Deu-nos os sacramentos com as quais poderíamos recuperar a sua amizade tantas vezes quantas a perdêssemos; não fixou nenhum número de pecados para nos conceder o seu perdão, bastava o nosso sincero arrependimento para termos a certeza do seu perdão. Ele espera por nós durante anos, ainda que vivamos apenas para o ofender. Ele não nos quer condenar; prefere nos salvar a qualquer preço, se o quisermos! Nós próprios é que o levamos, por meio dos nossos pecados, a pronunciar sobre nós o julgamento da condenação eterna.

Na terra, o pecador terá sempre uma desculpa para os pecados que comete; ele traz até o seu orgulho diante o tribunal da penitência, onde deveria comparecer apenas para se acusar e se humilhar. Alguns alegam ignorância, outros fortes tentações; outros ainda oportunidades especiais e maus exemplos; todos os dias podeis ouvir as razões que os pecadores apresentam para esconder a hediondez de seus crimes. Vinde agora, pecadores orgulhosos, e vejamos como as vossas desculpas serão recebidas no dia do julgamento; explicai-vos perante Aquele que tem o fogo da justiça nas mãos e que viu, contou e pesou na balança tudo o que vos diz respeito.

Não sabíeis, dizeis vós, que isso era um pecado! Ó infeliz, Jesus Cristo dir-te-á que, se tivesses nascido entre as nações pagãs, que nunca ouviram falar do verdadeiro Deus, poderias apresentar a tua ignorância como desculpa, mas tu, cristão, que tiveste a felicidade de nascer no seio da Igreja, que cresceste no centro das luzes e a quem se pregou a salvação, o que dizer de ti? Ó infeliz, se viveste na ignorância, a culpa foi tua, porque não quiseste aprender e utilizar a sã doutrina. Desgraçado, tuas desculpas só te tornam ainda mais merecedor de condenação. Ide para o inferno, para serdes consumidos na própria ignorância!

Eis que um outro dirá: 'As minhas paixões eram tão fortes e a minha fraqueza era muito grande'. Pois bem, dirá o Senhor, depois de Deus ter tido a grande misericórdia de te fazer reconhecer a tua própria fraqueza e o sacerdote lhe ter alertado que devias vigiar-te constantemente, mortificar-te, para te tornares senhor de ti mesmo, por que razão te comportaste exatamente ao contrário, por que razão te deste tanto trabalho para satisfazer os desejos do teu corpo e os impulsos das tuas paixões? Deus vos fez reconhecer a vossa fraqueza e, no entanto, caístes a cada passo. Por que não te refugiaste no Senhor e não pediste a graça de Deus? Por que não obedecestes aos guardiães da tua alma, que nunca deixaram de te pedir que rezasses e pedisses a graça e a força de que necessitavas para vencer o demônio? Por que é que foste tão indiferente aos sacramentos e tão raramente aproximaste deles, que te teriam dado fortaleza para fazer o bem e repelir todo o mal? Por que desprezastes tão frequentemente a palavra de Deus que vos teria conduzido às eternas moradas? Ingratos que sois, pecadores cegos, por que não aproveitastes as oportunidades que Ele vos deu para vos tornar fortes, como tantos outros fizeram e fazem? Que fizestes para vos manterdes afastados do pecado? Fora, infelizes, fora, o lugar reservado a vós é o inferno!

Mas, poderíeis dizer, tivemos sempre diante dos nossos olhos tantos maus exemplos!. Maus exemplos! Que desculpa vazia! Se há maus exemplos, também há bons exemplos. Por que não preferistes seguir estes últimos em vez dos primeiros? Se vistes uma jovem ir à Igreja e receber os sacramentos, por que não a seguiste em vez da que ia aos salões de baile? Se um jovem vai à Igreja para rezar ao Senhor no Santo Tabernáculo, por que não o seguistes em vez de seguirdes os de vida mundana? Dizei, antes, pecadores, que preferistes vaguear pelo caminho largo que conduz à perdição do que pelo caminho estreito que vos foi indicado pelo Senhor. A verdadeira causa dos vossos pecados e da vossa condenação não é certamente procurada nos maus exemplos, ou nas oportunidades, ou na vossa fraqueza, ou na falta de graça; a verdadeira causa reside unicamente na maldade do vosso coração, que nada fizestes para a controlar ou suprimir. O vosso destino é, pois, resultado da vossa própria culpa. E dirão por fim: 'Sempre nos disseram que Deus é misericordioso'. É certo que é misericordioso, mas também é justo. O seu amor e a sua misericórdia estão sempre juntas.

Que conclusão devemos tirar de tudo isto, meus caros amigos? Que nunca devemos perder de vista o fato de que um dia seremos julgados sem misericórdia, que todos os nossos pecados serão revelados aos olhos de todo o mundo e que, depois do dia do julgamento, se Ele ainda nos encontrar consumidos pelos pecados, teremos de ir para o inferno, para ali sofrer por eles, sem nunca os podermos extirpar ou esquecer. E como estamos cegos, meus irmãos, se não aproveitarmos o curto espaço de tempo que ainda temos para viver para nos apoderarmos do Reino celeste. Enquanto estivermos nesta vida, podemos esperar o perdão; mas se esperarmos demasiado tempo, poderá ser tarde demais e não haverá ajuda para nós. Senhor, dai-me a graça de nunca perder de vista o pensamento deste terrível dia do julgamento e não me deixeis cair em tentação, para que eu possa, nesse dia, ouvir as doces palavras da boca do Redentor: 'Vinde, benditos de meu Pai, possuí o Reino que vos está preparado desde o princípio'. Amém.

PORQUE HOJE É A PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS

  

DEVOÇÃO DAS NOVE PRIMEIRAS SEXTAS - FEIRAS  

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

ORAÇÃO: AVE VERUM CORPUS NATUM

Ave Verum Corpus Natum é um pequeno hino eucarístico que data do século XIV, cuja autoria é comumente atribuída ao Papa Inocêncio VI (pontificado de 1484 a 1492), de uso bastante frequente no passado durante a bênção do Santíssimo Sacramento. O hino possui algumas pequenas variantes, mas o texto mais comum é aquele apresentado e traduzido abaixo.

Ave verum Corpus natum
De Maria Virgine:
Vere passum, immolatum
In cruce pro homine:
Cujus latus perforatum
Fluxit aqua et sanguine:
Esto nobis praegustatum
Mortis in examine.
O Jesu dulcis!
O Jesu pie!
O Jesu fili Mariae!


Salve, ó verdadeiro Corpo,
nascido da Virgem Maria,
que verdadeiramente padeceu 
e foi imolado na cruz pelos homens,
e de cujo lado transpassado
jorraram sangue e água;
sede para nós refrigério
na dura provação da morte.
Ó doce Jesus,
ó Jesus piedoso, 
ó bom Jesus, filho de Maria!

DOUTORES DA IGREJA (XXXII)

  32Santa Catarina de Sena, Virgem (†1380)

Doutora Mística

(1347 - 1380)

Concessão do título: 1970 - Papa Paulo VI
Celebração: 29 de abril (Memória Obrigatória)

 Obras e Escritos 
  • O Diálogo (O Diálogo da Providência Divina)
  • Cartas
  • Orações

terça-feira, 28 de novembro de 2023

POEMAS PARA REZAR (LI)


UM CAMINHO DE PEDRAS

O caminho da vida eterna é acanhado,
cheio de pedras aqui e ali entulhadas:
há duas formas de percorrer este caminho
e são dois os frutos distintos das jornadas

Há uns que percorrem tal caminho estreito
querendo ganhar tempo em longas passadas
perscrutam o horizonte a cada novo passo
e simplesmente desviam das pedras encontradas

Há outros que seguem pela via estreita
menos escravos dos tempos e dos passos
parando e recolhendo as pedras espalhadas,
empilham pedras e abrem mais espaços

Estas pedras são nossas dores mais doídas,
que tanto atropelo causam na caminhada:
é lícito que as deixemos como lastros perdidos
para que não sejam como fardos na jornada

Mas quem delas desfaz sem bem algum
torna-se senhor de obra não consumada
não torna mais limpo o caminho que percorre
nem é guia para quem se junta na jornada

O caminho estreito é cada vez mais longo
e desviar de tanta pedra pode dar trabalhos
e, quem descansou para seguir caminho,
tende a cansar de vez e buscar atalhos

Por isso, que cada um que percorra essa jornada
o faça movido sempre por inteira confiança:
é preciso abrir caminhos através de nossas obras
porque o bom exemplo é nossa melhor herança

Há que se cair para para se obter mais tempo
de parar e juntar tanta pedra desarrumada
e, ao empilhá-las, deixar guias pelo caminho
e tornar mais fácil percorrer a longa estrada

E livres, guias de uns, por outros guiados,
mesmo cheios de sombras e de muitas quedas,
possamos chegar um dia diante a Porta Estreita
com muitas mãos que empilharam pedras...

(Arcos de Pilares)

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

TESOURO DE EXEMPLOS (271/275)

 

271. DEU-LHE A LIBERDADE

Serapião, o dionita, fez-se escravo de um pagão, para convertê-lo e o conseguiu de fato. Seu amo deu-lhe a liberdade e presenteou-o com vestes, uma túnica e um Livro dos Evangelhos. Serapião deu as vestes para o primeiro pobre que encontrou e, pouco depois, a túnica a outro e, depois, mostrando o Evangelho, dizia: 'Eis aqui o que me despojou de tudo'. E, oportunamente, vendeu também o livro para socorrer a uma viúva.

272. SÃO TOMÁS MORO

Este grande chanceler da corte da Inglaterra, sendo já casado e em idade avançada, nunca saía de casa sem pedir de joelhos a bênção ao seu velho pai, a quem demonstrava a maior veneração e respeito.

273. CASTIGO DE UM MAU FILHO

A 19 de outubro de 1914, próximo de Turim, um rapaz discutiu com sua mãe por questão de interesses menores, chegando a espancá-la brutalmente, quebrando-lhe o braço e causando-lhe ferimentos graves. A mãe teve de ser hospitalizada e o filho foi preso. Quando o levaram à estação para conduzi-lo ao tribunal de Turim, o rapaz tentou atirar-se debaixo do trem que se aproximava.

Caindo, porém, ao lado, o trem cortou-lhe somente as duas mãos com que maltratara a mãe e, assim, teve de apresentar-se no tribunal.

274. QUERO IR COM MINHA MÃE

Enquanto se torturava a mártir Santa Julieta, Ciro, seu filhinho de três anos, ao ver que sua mãe derramava sangue, começou a gritar de maneira enternecedora. O governador tomou-o nos braços para acalmá-lo, mas o menino o repeliu, gritando: 'Sou cristão e quero ir com minha mãe'. E para escapar-se, arranhou o rosto do governador. Furioso, o governador tomou-o pelo pé e partiu-lhe a cabeça contra as grades do tribunal. A mãe deu graças a Deus e, em seguida, a sua cabeça foi cortada.

275. SANTA MACRINA

Era irmã de São Gregório Nazianzeno. Esta santa mulher nunca perdeu de vista sua mãe. Concentrou nela todos os seus cuidados e afetos e jamais permitiu que os criados a servissem, reservando-se a honra de preparar-lhe a comida e de servi-la. Quando a mãe enviuvou, Macrina dedicou-se inteiramente a ajudá-la na educação dos quatro filhos e das cinco filhas que lhe restavam.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)


domingo, 26 de novembro de 2023

INDULGÊNCIA PLENÁRIA DO DOMINGO DE CRISTO REI

 

Neste domingo, dia da solenidade de Cristo Rei, recebe Indulgência Plenária todo fiel* que recitar, publicamente e com piedosa devoção, o ato de consagração do gênero humano a Jesus Cristo Rei.

Dulcíssimo Jesus, Redentor do gênero humano, lançai sobre nós que humildemente estamos prostrados na vossa presença, os vossos olhares. Nós somos e queremos ser vossos; e, a fim de podermos viver mais intimamente unidos a vós, cada um de nós se consagra, espontaneamente, neste dia, ao vosso sacratíssimo Coração. 

Muitos há que nunca vos conheceram; muitos, desprezando os vossos mandamentos, vos renegaram. Benigníssimo Jesus, tende piedade de uns e de outros e trazei-os todos ao vosso Sagrado Coração.

Senhor, sede rei não somente dos fiéis, que nunca de vós se afastaram, mas também dos filhos pródigos, que vos abandonaram; fazei que estes tornem, quanto antes, à casa paterna, para não perecerem de miséria e de fome. Sede rei dos que vivem iludidos no erro, ou separados de vós pela discórdia; trazei-os ao porto da verdade e à unidade da fé, a fim de que, em breve, haja um só rebanho e um só pastor.

Senhor, conservai incólume a vossa Igreja, e dai-lhe uma liberdade segura e sem peias; concedei ordem e paz a todos os povos; fazei que, de um polo a outro do mundo, ressoe uma só voz: louvado seja o coração divino, que nos trouxe a salvação; honra e glória a ele, por todos os séculos. Amém.

* Para que alguém seja capaz de lucrar indulgências, deve ser batizado, não estar excomungado e encontrar-se em estado de graça, pelo menos no fim das obras prescritas. O fiel deve também ter intenção, ao menos geral, de ganhar a indulgência e cumprir as ações prescritas, no tempo determinado e no modo devido, segundo o teor da concessão. A indulgência plenária só se pode ganhar uma vez ao dia.

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'O Senhor é o pastor que me conduz; não me falta coisa alguma' (Sl 22)

Primeira Leitura (Ez 34,11-12.15-17) - Segunda Leitura (1Cor 15,20-26.28)  -  Evangelho (Mt 25,31-46)

 26/11/2023 - Solenidade de Cristo Rei 

53. JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO


Jesus Cristo é o Rei do Universo. Como Filho Unigênito de Deus, Ele é o herdeiro universal de toda a criação, senhor supremo e absoluto de toda criatura e de toda a existência de qualquer criatura, no céu, na terra e abaixo da terra. A realeza de Cristo abrange, portanto, a totalidade do gênero humano, como expresso nas palavras do Papa Leão XIII: 'Seu império não abrange tão só as nações católicas ou os cristãos batizados, que juridicamente pertencem à Igreja, ainda quando dela separados por opiniões errôneas ou pelo cisma: estende-se igualmente e sem exceções aos homens todos, mesmo alheios à fé cristã, de modo que o império de Cristo Jesus abarca, em todo rigor da verdade, o gênero humano inteiro' (Encíclica Annum Sacrum, 1899).

E, neste sentido, o domínio do seu reinado é universal e sua autoridade é suprem e absoluta. Cristo é, pois, a fonte única de salvação tanto para as nações como para todos os indivíduos. 'Não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do Céu nenhum outro nome foi dado aos homens, pelo qual nós devamos ser salvos' (At 4, 12). O livre-arbítrio permite ao ser humano optar pela rebeldia e soberba de elevar a criatura sobre o Criador, mas os frutos de tal loucura é a condenação eterna.

A realeza de Cristo é, entretanto, principalmente interna e de natureza espiritual. Provam-no com toda evidência as palavras da Escritura acima referidas, e, em muitas circunstâncias, o proceder do próprio Salvador. Quando os judeus, e até os Apóstolos, erradamente imaginavam que o Messias libertaria seu povo para restaurar o reino de Israel, Jesus desfez o erro e dissipou a ilusória esperança. Quando, tomada de entusiasmo, a turba, que O cerca O quer proclamar rei, com a fuga furta-se o Senhor a estas honras, e oculta-se. Mais tarde, perante o governador romano, declara que seu reino 'não é deste mundo'. Neste reino, tal como no-lo descreve o Evangelho, é pela penitência que devem os homens entrar. Ninguém, com efeito, pode nele ser admitido sem a fé e o batismo; mas o batismo, conquanto seja um rito exterior, figura e realiza uma regeneração interna. Este reino opõe-se ao reino de Satanás e ao poder das trevas; de seus adeptos exige o desprendimento não só das riquezas e dos bens terrestres, como ainda a mansidão, a fome e sede da justiça, a abnegação de si mesmo, para carregar com a cruz. Foi para adquirir a Igreja que Cristo, enquanto 'Redentor', verteu o seu sangue; para isto é, que, enquanto 'Sacerdote', se ofereceu e de contínuo se oferece como vítima. Quem não vê, em consequência, que sua realeza deve ser de índole toda espiritual? (Encíclica Quas Primas de Pio XI, 1925).

Cristo Rei se manifesta por inteiro pela Sua Santa Igreja e, por meio dela, e por sua paixão, morte e ressurreição, atrai para Si a humanidade inteira, libertada do pecado e da morte, que será o último adversário a ser vencido. E quando voltar, há de separar o joio do trigo, as ovelhas e o cabritos, uns para a glória eterna, outros para a danação eterna: 'Quando o Filho do Homem vier em sua glória, acompanhado de todos os anjos, então se assentará em seu trono glorioso. Todos os povos da terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. E colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda... estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna' (Mt 25, 31 - 33.46).