domingo, 31 de dezembro de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Felizes os que temem o Senhor e trilham seus caminhos!' (Sl 127)

Primeira Leitura (Eclo 3,3-7.14-17a) - Segunda Leitura (Cl 3,12-21)  -  Evangelho (Lc 2,22-40)

 31/12/2023 - Festa da Sagrada Família 

5. SAGRADA FAMÍLIA


Neste último domingo do ano, o Evangelho evoca o culto à Sagrada Família, síntese da vida cristã autêntica e primeira igreja na terra. Na humilde casa de Nazaré, três pessoas: pai, mãe e filho, viviam em natureza sobrenatural exatamente inversa à ordem natural: São José, patriarca e pai de família devotado, com direitos naturais legítimos sobre a esposa e o filho, era o menor em perfeição; Nossa Senhora, esposa e mãe, era Mãe de Deus e de todos os homens; Jesus, a criança indefesa e submissa aos pais, é o Deus feito homem para a salvação do mundo. Portentoso mistério que revela a singular santidade da família humana, moldada sobre clara hierarquia divina, moldada por Deus para ser escola de santificação, amor, renúncia e salvação.

Neste modelo de submissão perfeita ao amor de Deus e em obediência estrita à Lei de Moisés, 'quando se completaram os dias para a purificação da mãe e do filho' (Lc 2, 22), José e Maria se dirigem ao Templo de Jerusalém para a consagração do seu primogênito e oferenda do sacrifício penitencial. E será ali, apenas 40 dias após o nascimento de Jesus, que Nossa Senhora vai experimentar, pela profecia do velho Simeão, a primeira grande ferida de sua alma imaculada nesta terra, que a tornaria Nossa Senhora de todas as dores: 'Quanto a ti, uma espada te traspassará a alma' (Lc 2, 35).

O velho Simeão, sacerdote piedoso e justo, dirigiu-se ao Templo por um impulso sobrenatural e, para se cumprir plenamente a grande promessa que recebera de que não morreria sem ter contemplado o Messias, agora O tinha entre os braços: 'Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar teu servo partir em paz; porque meu olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel' (Lc 2, 29 - 31). Eis que se conclui naquele momento o tempo dos profetas, nas palavras do velho Simeão e da profetisa Ana: Deus se fez homem e a redenção e a salvação da humanidade estava entre nós! Nesta sagrada família, Jesus 'crescia e tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele' (Lc 2 , 40).

Eis o legado da Sagrada Família às famílias cristãs: a oração cotidiana santifica os pais e os filhos numa obra incomensurável do amor de Deus e a fortalece contra todos as tribulações. Sim, que os maridos amem profundamente suas esposas, que as esposas sejam solícitas a seus maridos, que os pais não intimidem os seus filhos, que os filhos sejam obedientes em tudo a seus pais. Mas que rezem juntos, que louvem a Deus juntos, que se santifiquem juntos, como família de Deus. Em Nazaré, Deus tornou a família modelo e instrumento de santificação; que em nossas casas e em nossas famílias, a Sagrada Família seja o modelo e instrumento para a nossa vida e para nossa santificação de todos os dias!

ORAÇÃO PARA O ÚLTIMO DIA DO ANO

Obrigado, Senhor, pelo ano que termina,
porque estou aqui, junto Convosco e com minha
família... (com meus amigos...),
vivendo a alegria de ter vivido um ano mais
em Vossa Santa Presença.

Obrigado, Senhor,
por mais um ano de vida,
por ter tido ainda este tempo para viver
as santas alegrias do Natal e deste Ano Novo.
Por estar com pessoas que amo
e que compartilham comigo
a mesma fé e o sincero propósito
de viver o Evangelho a cada dia.

Obrigado, Senhor,
por tantas graças recebidas neste ano que passa;
eu Vos ofereço hoje o meu nada
e, dentro do meu nada, todo o meu amor humano possível,
como herança de Vossa Ressurreição.
No meio das luzes do mundo nesse dia de festa,
eu me recolho à sombra da Vossa Misericórdia;
e Vos honro e Vos dou glória nesse tempo
pelos tempos que estarei Convosco para sempre.

Obrigado, Senhor,
por estar aqui na Vossa Presença,
no tempo que conta mais um ano que se vai,
na gratidão da alma confiante
que aprendeu o caminho do Pai.
Das coisas boas que fiz, dou-Vos tudo,
porque as recebi de Vosso Santo Espírito.
E Vos suplico curar com Vosso Corpo e Sangue
as cicatrizes dos meus pecados.

Obrigado, Senhor,
pela caminhada diária com Maria,
que nos ensina no cotidiano de nossas vidas
a ir ao Vosso encontro todos os dias.
Pelo meu Santo Anjo da Guarda,
pelos meus santos de devoção,
pelo papa, e pela Vossa Igreja,
eu Vos agradeço, Senhor, e Vos louvo,
neste último dia do ano.

Obrigado, Senhor,
pelo ano que termina.
Que eu não me lembre nesse tempo
das dores e sofrimentos que passei,
das tristezas e angústias que vivi:
que todo mal seja olvidado agora
na alegria de eu estar aqui Convosco,
e pela resignação à Santa Vontade de Deus.

E que nesta última hora do tempo que se vai,
do ano que chega ao fim:
mais uma vez, não seja eu que viva,
mas o Cristo que vive em mim.
Amém.
(Arcos de Pilares)

sábado, 30 de dezembro de 2023

DOUTORES DA IGREJA (XXXV)

   35Santa Hildegarda de Bingen, Virgem (†1179)

Sibila do Reno

(1098 - 1179)

Concessão do título: 2012 - Papa Bento XVI

Celebração: 17 de setembro (Memória Facultativa)

 Obras e Escritos 
  • Scivias (ou Scito Vias Domini) - Conhecei os Caminhos do Senhor
  • Liber Vitae Meritorum - Livro dos Méritos da Vida
  • Liber Divinorum Operum - Livro das Obras Divinas
  • Physica - texto sobre as ciências naturais
  • Causa et Curae - tratado sobre medicina e cura por remédios naturais
  • Autora da chamada 'língua ignota'
  • Hinos religiosos
  • Sinfonias
  • Orações
  • Cartas

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

POEMAS PARA REZAR (LII)


O MEU CANTO DE HOJE

A minha vida é um só instante, uma hora passageira.
A minha vida é um só dia que me escapa e me foge.
Vós sabeis, ó meu Deus! Para amar-vos na terra,
só tenho o dia de hoje!

 Eu vos amo Jesus! A minha alma suspira por Vós!
Sede por um só dia o meu doce apoio.
Vinde reinar no meu coração, dai-me o vosso sorriso,
somente por hoje!

Que me importa, Senhor, se o futuro é sombrio?
Nada vos posso pedir, ó não, para amanhã!
Conservai-me o coração puro, envolvei-me com a vossa sombra,
somente por hoje.

Se penso em amanhã, temo a minha inconstância.
Sinto nascer em mim a tristeza e o desgosto.
Mas aceito, ó meu Deus, a prova e os sofrimentos
somente por hoje.

Quero vos ver em breve nas margens eternas,
ó meu Divino Pastor! Vossa mão me conduz!
Nas ondas impetuosas, guia em paz a minha barca,
somente por hoje.

Ah! Deixai-me, Senhor, esconder-me na vossa Face!
Lá já não ouvirei o ruído vão do mundo.
Dai-me o vosso amor e conservai-me na vossa graça,
somente por hoje.

Junto do vosso Coração divino, esqueço tudo o que passa.
Já não receio os temores da noite.
Ah! Dai-me, Jesus, um lugar nesse vosso Coração,
somente por hoje.

Pão vivo, Pão do Céu, Divina Eucaristia,
ó Mistério sagrado que o Amor produziu...
vinde habitar no meu coração, Jesus, Hóstia viva,
somente por hoje.

Dignai-vos unir-me a Vós, vinha santa e sagrada,
e a minha frágil semente vai tornar-se planta fértil  
e, assim, poderei oferecer-vos um fruto dourado,
Senhor, desde hoje.

Este fruto de amor, cujas sementes são as almas,
para o madurar só tenho este dia que foge...
Ah! dai-me, Jesus, o ardor de um Apóstolo
somente por hoje.

Ó Virgem Imaculada! Vós sois a doce estrela
que me dais Jesus e me unis a Ele.
Ó Mãe! Deixai-me repousar sob o vosso manto
somente por hoje.

Santo Anjo da Guarda, envolvei-me com as vossas asas.
Iluminai com a vossa luz o caminho que eu sigo.
Vinde guiar os meus passos... socorrei-me pois vos chamo,
somente por hoje.

Senhor, eu quero estar convosco, sem véus, sem nuvens,
Mas ainda estou exilada, longe de Vós, e me desfaleço.
Que a vossa Sagrada Face permaneça de mim escondida,
somente por hoje.

Voarei em breve para cantar os vossos louvores,
quando o dia sem ocaso brilhar sobre a minha alma.
Então eu cantarei com a lira dos Anjos,
O Eterno Hoje!

(Santa Teresinha do Menino Jesus)

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

28 DE DEZEMBRO - SANTOS INOCENTES


Santos Inocentes de Deus,
almas cristalinas,
pousai vossos ternos anelos
nas sombras das colinas;
não inquieteis com vosso pranto
as feras sibilinas,
fitai o esgar dos carrascos
com doces retinas;
que a vida que foge breve,
em adagas repentinas,
renasça em eternos louvores
nas glórias divinas.
(Arcos de Pilares)

Santos Inocentes de Deus, rogai por nós! 

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

ORAÇÃO À SANTÍSSIMA TRINDADE


Ó meu Deus, Trindade que adoro, fazei com que eu me esqueça totalmente de mim, para me fixar em Vós, imóvel e pacífica, como se a minha alma já estivesse na eternidade. Que nada perturbe a minha paz, nem me leve a abandonar-vos, ó Imutável Deus, mas que, em cada momento, possa penetrar cada vez mais na profundidade do vosso mistério. Pacificai a minha alma, fazei dela o vosso céu, a vossa morada e o lugar de vosso repouso. Fazei que nunca vos deixe só, que esteja totalmente atenta a Vós, sustentada pela minha fé e em adoração perfeita, totalmente entregue à vossa ação criadora.

Ó meu amado Jesus, crucificado por amor, como eu gostaria de ser a esposa do vosso Coração! Encher-vos de glória e amar-vos até morrer de amor! Diante a minha incapacidade, vos peço que me 'revistais de Vós mesmo', para identificar a minha alma com todos os movimentos da vossa, para mergulhar, preencher e transformar-me em Vós, a fim de que a minha vida não seja senão uma irradiação da vossa vida. Vinde a mim como Adorador, Reparador e Salvador.

Ó Verbo eterno, Palavra do meu Deus, quero passar a minha vida a vos ouvir. Quero ser totalmente dócil aos vossos ensinamentos, a fim de aprender tudo de Vós. E no meio da noite, do nada, da incapacidade, quero sempre fixar-me em Vós e permanecer sob a vossa luz admirável. Ó sol amado, fascinai-me para que nunca mais me separe da vossa luz. 

Ó Fogo consumidor, Espírito de amor, vinde a mim, para que se faça na minha alma como que uma encarnação do Verbo: que eu seja para Ele uma humanidade na qual renove todo o seu Mistério. E Vós, ó Pai, inclinai-vos para esta vossa pobre e pequena criatura e revesti-me com a vossa sombra, e não vejais nela senão o Bem Amado no qual pusestes todas as vossas complacências.

Ó Trindade Santa, meu tudo, minha beatitude, projeção infinita, imensidade que me domina, entrego-me a Vós como único refúgio. Consumai-vos em mim para que eu me consuma totalmente em Vós, na esperança de um dia contemplar na vossa luz a imensidão das vossas grandezas.

(Santa Isabel da Trindade)

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

O DOM DA FORTALEZA

O dom de ciência nos ensina o que devemos fazer e o que devemos evitar para estar de acordo com as intenções de Jesus Cristo, nosso divino Chefe. É preciso agora que o Espírito Santo estabeleça em nós um princípio, do qual possamos tomar a energia que deverá nos sustentar no caminho que Ele acaba de nos mostrar. Devemos, com efeito, contar com obstáculos e o grande número daqueles que sucumbem basta para nos convencer da necessidade de sermos ajudados. O socorro que o divino Espírito nos comunica é o dom da fortaleza pelo qual, se somos fiéis ao empregá-lo, será possível e mesmo fácil para que possamos triunfar sobre tudo o que possa deter nossa marcha. Nas dificuldades e nas provações da vida, o homem é tanto levado à fraqueza e ao abatimento, quanto empurrado por um ardor natural, que tem sua fonte no temperamento ou na vaidade. Esta dupla disposição pouco ajudará na vitória dos combates pelos quais a alma deve passar para sua salvação. 

O Espírito Santo nos dá então um novo elemento como força sobrenatural, que lhe é tão próprio, que o Salvador, ao instituir seus sacramentos, estabeleceu dentre estes um que tem por objeto especial nos dar esse Espírito divino como princípio de energia. Está fora de dúvida que tendo de lutar durante esta vida contra o demônio, o mundo e nós mesmos, precisamos de outra coisa para resistir além da pusilanimidade ou da audácia. Temos necessidade de um dom que modere em nós o medo e que, ao mesmo tempo, tempere a confiança que seríamos levados a ter em nós mesmos. O homem assim modificado pelo Espírito Santo certamente vencerá, pois a graça substituirá nele a fraqueza da natureza ao mesmo tempo em que corrigirá a impetuosidade. Duas necessidades encontram-se na vida do cristão: a de saber resistir e a de saber suportar. Quem poderia se opor às tentações de satanás se a Fortaleza do divino Espírito não viesse cobri-lo de uma armadura celeste e fortalecer o seu braço? O mundo não é também um adversário terrível, se considerarmos o número de vítimas que caem todos os dias pela tirania de suas máximas e de suas pretensões? Qual não deve ser a assistência do divino Espírito, quando se trata de tornar o cristão invulnerável aos golpes assassinos que fazem tantos estragos à sua volta? As paixões do coração do homem não são um obstáculo menor à sua salvação e à sua santificação: obstáculo tanto mais temível por que mais íntimo.

É preciso que o Espírito Santo transforme o coração, que o leve mesmo a renunciar-se, quando a luz celeste indique um outro caminho para o qual nos empurra o amor e a busca de nós mesmos. Que força divina não é preciso para 'odiar até a sua própria vida', quando Jesus Cristo o exige, quando se trata de escolher entre dois mestres cujos serviços são incompatíveis? O Espírito Santo, todos os dias, realiza esses prodígios, por meio do dom que derrama em nós, desde que não o desprezamos, desde que não o abafamos com nossa covardia ou com nossa imprudência. Ele ensina ao cristão a dominar suas paixões, a não se deixar conduzir por guias cegos, a não ceder a seus instintos, a não ser o que não seria conforme à ordem que Deus estabeleceu. Algumas vezes esse divino Espírito não pede somente que o cristão resista interiormente aos inimigos de sua alma, mas exige também que proteste abertamente contra o erro e o mal, se o dever de estado ou a posição o reclamam. É aí, então, que é preciso afrontar uma espécie de impopularidade que se associa às vezes ao cristão, e que não deve surpreendê-lo ao lembrar-se das palavras do Apóstolo: 'Se eu fosse agradável aos homens, não seria servidor de Cristo'. Mas o Espírito Santo não falta nunca e quando encontra uma alma resolvida a fazer uso da força divina da qual Ele é a fonte, não somente lhe assegura o triunfo, mas a estabelece numa paz cheia de doçura e de coragem que a leva à vitória sobre as paixões. Tal é a maneira pela qual o Espírito Santo aplica o dom de Fortaleza ao cristão, quando este deve exercer resistência. 

Dissemos que este precioso dom traz ainda a energia necessária para suportar as provações cujo prêmio é a salvação. Há temores que gelam a coragem e podem levar o homem à sua perda. O dom de fortaleza os dissipa, substituindo-os por uma calma e uma segurança que desconcerta a natureza. Vejam os mártires! E não só um São Mauricio, chefe da legião tebana, acostumado às lutas do campo de batalha, mas tantos outros, como Santa Felicidade, mãe de sete filhos, como Santa Perpétua, nobre senhora de Cartago para quem o mundo só tinha favores; como Santa Inês, criança de treze anos, bem como milhares de outras; digam se o dom da Fortaleza pode ser estéril em sacrifícios. O que foi feito do medo da morte, desta morte cujo único pensamento nos acabrunha tantas vezes? E as generosas ofertas de toda uma vida imolada na renúncia e nas privações, a fim de encontrar Jesus sem reservas e de seguir os seus passos de mais perto? E tantas existências veladas aos olhares distraídos e superficiais dos homens, existências cujo elemento é o sacrifício, onde a serenidade nunca é vencida pela provação, onde a cruz está sempre reinante e é sempre aceita! Que troféus para o Espírito de Fortaleza! Que dedicação ao dever ele pode e sabe produzir! 

Se o homem sozinho é pouca coisa, o quanto é engrandecido sob a ação do Espírito Santo! É Ele que ajuda ao cristão a enfrentar a triste tentação do respeito humano, elevando-o acima das considerações mundanas que ditariam uma outra conduta. É Ele que empurra o homem a preferir às honras vãs do mundo, a alegria de não ter violado o mandamento de Deus. É esse espírito de fortaleza que nos faz aceitar as desgraças da fortuna assim como tantos desígnios misericordiosos do céu, que sustentam o cristão na perda dolorosa dos entes queridos, nos sofrimentos físicos que tornariam a vida um fardo, se não soubesse que são desígnios do Senhor. É Ele, enfim, como lemos na vida dos santos, que se serve das próprias repugnâncias da natureza, para provocar atos heroicos, onde a criatura humana parece atravessar os limites de seu ser para elevar-se à ordem dos espíritos impassíveis e glorificados. Espírito de fortaleza, permanecei cada vez mais em nós e salvai-nos da indolência desse século. Em época nenhuma a energia das almas esteve mais enfraquecida, o espírito mundano e diabólico mais triunfante, o sensualismo mais insolente, o orgulho e a independência mais pronunciados. Saber ser forte contra si mesmo é uma raridade que excita o espanto daqueles que o testemunham: como as verdades do Evangelho perderam terreno! 

Detei-nos sobre esse declive que nos levaria ao abismo como a tantos outros, ó Divino Espírito! Deixai que peçamos como São Paulo aos cristãos de Éfeso e que ousemos reclamar de Vossa liberalidade 'a armadura divina que nos colocará em condições de resistir no dia mau e de permanecermos perfeitos em todas as coisas. Cingi nossos rins com a verdade, cobri-nos com a couraça da justiça, dai aos nossos pés, como calçados indestrutíveis, o Evangelho da paz; muni-nos com o escudo da fé, contra o qual possamos nos proteger contra as flechas inflamadas de nosso cruel inimigo. Colocai em nossa cabeça o elmo que é a esperança da salvação e, em nossas mãos, a espada espiritual que é a própria palavra de Deus' e com a ajuda da qual possamos enfrentar, como o Senhor no deserto, todos os nossos adversários. Espírito de Fortaleza, fazei que em nós assim seja.

(Excertos da obra 'Os Dons do Espírito Santo', de Dom P. Gueranger)

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

FELIZ E SANTO NATAL EM CRISTO!

 

Desejo a todos os nossos amigos e visitantes um Santo e Feliz Natal! 

IGREJA CATÓLICA: ALMA DO NATAL
(Luís Dufaur)


CÂNTICO DE NATAL


Ó meu Menino Jesus, 
sede a minha esperança!
Que na gruta da vossa Belém 
eu possa renascer também
como uma outra criança!  

Ó meu Menino Jesus,  
sede minha santa alegria!
Que o meu presépio se faça 
banhando minha alma na graça
de uma pobre estrebaria!

Ó meu Menino Jesus, 
sede minha força e minha fé!
Que a mãe que me vela agora
seja a mesma Nossa Senhora 
da família de Nazaré!

Ó meu Menino Jesus, 
sede farol e minha luz!
Que este Natal de abraços,
se faça caminho de passos
que passam diante da Cruz! 

Ó meu Menino Jesus, 
sede a alma do meu viver!
Que este Natal me converta
em dom, partilha e oferta
para os que vão renascer!
E em dom, oferta e partilha,
onde ainda hoje não brilha
a luz do vosso nascer! 

Ó meu Menino Jesus, 
sede minha paz e todo bem!
Que eu viva a bem aventurança 
de adorar Deus feito criança
numa gruta de Belém!

(Arcos de Pilares)

domingo, 24 de dezembro de 2023

O NASCIMENTO DE JESUS

Maria sentiu um leve estremecimento no ventre. Estremecimento e não dor. Percebera-o nitidamente em meio ao movimento harmônico do trote do burrico pela estrada poeirenta. No recolhimento de sua oração profunda, sua mão busca tocar levemente o ventre como uma resposta imediata da Mãe ao sinal enviado pelo Filho: a longa preparação do Tempo dos Profetas há de ser realidade em breve naquele tempo da história e Deus feito homem vai nascer no mundo. É o primeiro sinal. Suave estremecimento, perceptível apenas por Maria, naquele momento da longa travessia que perpassa agora os campos abertos que levam mais adiante à Belém de todas as profecias.

José, puxando o burrico, olha para trás e se preocupa. O vento começa a soprar mais forte e mais frio e a jornada agora é mais lenta e penosa, nos declives mais acentuados da estrada que serpenteia pelo vale e pelos contrafortes de formações rochosas. E há muitas pessoas e alarido em torno deles. De tempos em tempos, são obrigados a parar e dar passagem a outros viajantes em marcha mais apressada ou para superarem com extremo cuidado os trechos mais íngremes. Quase todos os peregrinos têm o mesmo destino e o mesmo objetivo: apresentarem-se às autoridades em Belém e cumprirem as normas do novo recenseamento imposto pelas autoridades romanas. 

Em meio a um acontecimento regional e específico da história humana, está prestes a ocorrer o mais extraordinário evento da humanidade. Em meio ao burburinho e à agitação de toda aquela gente, Maria recebeu o primeiro sinal da manifestação da vinda do Messias prometido. Um murmúrio de humanidade no sagrado ventre consubstancia em definitivo o Mistério da Anunciação. Um leve estremecimento acaba de prenunciar o nascimento de Deus. 


As ruas estreitas se consomem de tanta gente. Há um cenário de mercado livre por toda a Belém daqueles dias. Eles acabaram de cumprir os registros formais do recenseamento e agora buscam ansiosamente uma pousada para o pernoite. Não é apenas o albergue principal da cidade que está com a lotação esgotada; as casas se transformaram em emaranhados de pessoas e utensílios, num entra e sai sem fim de gente ruidosa e apressada. Há o burburinho comum das crianças e o festim grotesco das ofertas gritadas e dos negócios de ocasião. No vaivém das ruas apinhadas e confusas, Maria e José buscam refúgio fora da cidade, além das casas mais ermas e mais afastadas. Aqui e ali ainda se veem acampamentos rústicos, improvisados, à guisa de refúgio de grupos mais ou menos numerosos. Além, mais além, as formações calcárias formam reintrâncias e cavernas, que muitas vezes são utilizadas como estrebarias pelos mercadores das grandes rotas até Jerusalém.

José leva o burrico na direção destas cavernas. Ele não sente no rosto o vento frio da tarde que se desvanece, nem o cansaço da longa jornada. Seu pensamento é todo, totalmente por Maria. A preocupação em encontrar um lugar digno para ela o consome por completo. A ânsia de dar descanso e refúgio a Maria tolhe todos os seus sentidos e atividades. A dimensão do mistério insondável o atordoa e o aniquila: a humanidade de José sente o peso incomensurável dos desígnios da Providência.

Passa adiante da primeira entrada, que não passa de um buraco estreito e irregular na rocha. A seguinte é pouco melhor do que isso. As demais mostram-se maiores e limpas, mas já estão todas ocupadas. As pessoas amontoam-se nos espaços exíguos em silêncio, homens na sua grande maioria, cercados por animais, feno e capim. São estrebarias que agora acomodam pessoas. José se inquieta ainda mais. Não há possibilidade aparente de privacidade para o nascimento de Jesus, não há lugar nenhum para um abrigo ainda que provisório. 

Avançado o paredão rochoso, José agora se depara com um cinturão de amendoeiras que margeiam o caminho adiante, que se abre, então, para campos e vales ao longe. Bem distante, na encosta suave do outro lado do vale, consegue divisar um pastor empurrando o seu rebanho. Nesse momento, sente os ombros dolorosamente pesados e seu andar vacilante. Seu olhar havia percorrido cada entrada rochosa e cada rosto humano em busca de recepção e de um gesto de boa vontade. E nada. Agora volve o seu olhar para Maria, como que pedindo perdão pela sua incapacidade e incerteza daquele momento. A humanidade inteira geme as suas ânsias pelo olhar desconsolado de José. 

Ao passar pela terceira gruta, Maria sentiu, como uma vibração percorrendo todo o seu corpo, o sopro do Espírito de Deus. Desde o primeiro sinal, recolhera-se, ainda com maior devoção, à oração de dar glórias ao Pai pelo que estava prestes a acontecer. Como serva da Anunciação, era agora a mesma serva como Mãe de Deus. E, nesse momento, pressentira o segundo sinal. A Divina Promessa iria dispensar a Redenção em breve à humanidade pecadora. Ao olhar para José, compreendendo a sua aflição e seu desapontamento, fitou-o com os olhos da perseverança e da fé inquebrantáveis e o brilho deste olhar emanava a própria luz de Deus.

Diante do olhar de Maria, a humanidade de José se detém e suas dúvidas se dissipam. Então, ele avança mais vinte, mais cinquenta metros, contorna as árvores e avista a gruta que emerge da continuação do maciço rochoso à esquerda. É e será sempre a visão do paraíso. Não é exatamente uma gruta, mas uma escavação que avança em profundidade na rocha e é protegida por uma murada frontal de pedras mal alinhadas, trançadas com restos de vigas de madeira, espalhados em desordenada profusão, que fecham de maneira irregular a entrada do lugar, protegendo-o dos ventos e das intempéries. Escondida, erma, isolada, bendita seja a gruta de Belém! 

Ela está suja, úmida, mal cuidada, mas não de todo desconhecida ou abandonada, porque um boi ali se encontra, com bastante feno e água. Há sujeira e palha solta em todos os lugares. Num canto, um arranjo de pedras enegrecidas indica o lugar de costume de se acender o fogo. Aliviado e feliz, José se consome nos arranjos práticos do refúgio improvisado. Ajuda Maria a entrar na gruta e se apressa a alimentá-la e a acomodá-la o melhor possível; dá feno e água ao burrico que é levado para junto do boi, monta um tablado de feno no chão, dispondo cuidadosamente os fardos; com paus e pedras, faz um arremedo de cercado em torno de Maria e o cobre com a sua manta grossa de viagem; empilha num canto os troncos e os pedaços de madeira espalhados; limpa as pedras e o chão com feixes de palhas e, com gravetos e pedaços de madeira seca, acende o fogo. A pequena luz se espalha pela escondida, erma, isolada, bendita gruta de Belém! 


O silêncio da gruta é quebrado apenas pelo crepitar das últimas chamas. O fogo aqueceu o espaço limitado e agora existe mais penumbra do que claridade. O fogo emoldura em repentes luminosos o rosto de José enquanto, pelas aberturas das muradas de pedras, o luar desenha feixes de luzes prateadas que cortam a escuridão que envolve toda a gruta. De repente, Maria põe-se de joelhos em contrita oração. Prostra-se com o rosto no chão e José percebe, apesar de toda a escuridão, o que está para acontecer. Coloca-se também de joelhos, também em fervorosa oração, louvando a Deus por ser testemunha e personagem de mistério tão extraordinário. Em muda expectativa, contempla o perfil de Maria apenas esboçado na escuridão da gruta.

A princípio, supõe ver os feixes de luar convergirem para o rosto de Maria ou auréolas de luz provenientes do fogo a envolverem completamente. Mas sabe que é muito mais que isso: uma luz, de claridade e brilho espantosos, nasce, emana e flui dela, enchendo a gruta de uma tal iridescência, que todas as coisas perdem a forma, o volume e a natureza material. Maria não se transfigura em luz, ela é a própria luz! O rosto de Maria é luz, as vestes de Maria são luz, as mãos de Maria são luz. Mas não é uma luz deste mundo, nem o brilho do cristal mais polido, nem o resplendor do diamante mais lapidado, nem a etérea luminosidade dos átomos em fissão; tudo isso seria uma mera pátina de luz. Maria torna-se um espelho do próprio Deus, da qual emana a luz do Céu!

José se transfigura neste redemoinho de luz sem ser a luz. Seus olhos puderam contemplar o terceiro e definitivo sinal da Natividade de Deus. E trêmulo, mudo, pasmado, contempla o recém-nascido acolhido entre os braços de Maria, recebendo o primeiro carinho e o primeiro beijo da Mãe Imaculada. Pressuroso e em êxtase, prepara a humilde manjedoura, o primeiro altar de Jesus na terra. O Filho do Deus Vivo já habita entre nós!

(Adaptação livre do autor do blog sobre os eventos prévios ao nascimento de Jesus) 

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Ó Senhor, eu cantarei eternamente o vosso amor!' (Sl 88)

Primeira Leitura (2Sm 7,1-5.8-12.14.16) - Segunda Leitura (Rm 16,25-27)  -  Evangelho (Lc 1,26-38)

 24/12/2023 - Quarto Domingo do Advento 

4. A ANUNCIAÇÃO


'Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!' (Lc 1, 28). A saudação do Anjo Gabriel é dirigida àquela que levou à perfeição nesta terra o amor de Deus. Cheia de graça Maria está desde a sua concepção, cheia de graça Maria passou cada momento de sua vida, cheia de graça Maria praticou cada ação ou pensamento nesta terra. Cheia de graça está, portanto, Maria diante a saudação do Anjo, como templo de santidade e da ciência infusa de todas as virtudes, dons e graças possíveis e imagináveis à natureza humana.

E Maria de todas as graças perturbou-se. As revelações do Anjo, provavelmente muito mais detalhadas que as palavras transcritas nos textos bíblicos, colocava Maria no centro de todas as profecias messiânicas que ela tanto conhecia e em nome das quais tantas orações e súplicas já teria feito a Deus. Num relance, percebeu a extraordinária manifestação daquela revelação angélica, que descortinava séculos de profecias, que inseria naquele lugar e naquele tempo a Natividade de Deus, que a tornava a co-redentora da humanidade, a bendita entre todas as mulheres, a Mãe de Deus: 'Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi' (Lc 1, 31 - 32).

E Maria de todas as graças perturbou-se. Diante do extraordinário mistério da graça e dos desígnios extremos da Providência, a Virgem de toda pureza e castidade e obra prima do Espírito Santo, se inquieta: 'Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?' (Lc 1, 34). A virgindade de Maria é o relicário de Deus. No imaculado corpo de Maria, o Espírito de Deus há de projetar a sua luz, cuja sombra faz nascer o Verbo encarnado. E o Anjo, mensageiro das coisas impossíveis e triviais para Deus, revela ainda a Maria a graça da gravidez tardia de Isabel, no 'sexto mês daquela que era considerada estéril' (Lc 1, 36).

E a Virgem de Nazaré, antes de ser a Mãe, oferece-se como serva e escrava do seu Senhor e do seu Deus: 'Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!' (Lc 1, 38). O Céu e a terra, as miríades dos anjos e dos homens de todos os tempos, hão de bendizer e louvar a glória daquele dia e a consumação daquele 'Fiat!' Sim, porque naquele momento, Deus de Deus, Luz da Luz, Deus Verdadeiro de Deus Verdadeiro se fez, então, carne na carne de Maria e se fez carne a Nossa Salvação.

sábado, 23 de dezembro de 2023

OS QUATRO SEGREDOS DO ADVENTO

O PRIMEIRO SEGREDO: A ANUNCIAÇÃO


'Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!' (Lc 1, 28). A saudação do Anjo Gabriel é dirigida àquela que levou à perfeição nesta terra o amor de Deus. Cheia de graça Maria está desde a sua concepção, cheia de graça Maria passou cada momento de sua vida, cheia de graça Maria praticou cada ação ou pensamento nesta terra. Cheia de graça está, portanto, Maria diante a saudação do Anjo, como templo de santidade e da ciência infusa de todas as virtudes, dons e graças possíveis e imagináveis à natureza humana. E Maria de todas as graças perturbou-se. As revelações do Anjo a tornavam co-redentora da humanidade e bendita entre todas as mulheres, como Mãe de Deus: 'Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi' (Lc 1, 31 - 32). E Maria de todas as graças oferece-se como serva e escrava do seu Senhor e do seu Deus: 'Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!' (Lc 1, 38). 

O SEGUNDO SEGREDO: A CONCEPÇÃO


E Maria guardava todas estas coisas em seu coração, levando em seu ventre virginal o Divino Jesus feito homem. Não toma a sua missão como um privilégio, mas como instrumento e serviço à santa vontade de Deus. Pela vossa fortaleza diante do chamado divino e pela vossa confiança absoluta aos desígnios da graça, concedei-nos, ó Mãe, a fortaleza para suportar as misérias, contratempos, desprezos e provações desta vida e a confiança para seguir sempre os vossos passos nas jornadas da virtude'.

O TERCEIRO SEGREDO: A PROVAÇÃO


'Ó Maria, Mãe e Rainha celestial, eis o teu legado de provação contínua: em estado de gravidez avançada, suportar as duras fatigas da jornada de Nazaré a Belém, de porta em porta pedindo pousada, sem encontrar abrigo para o nascimento de Deus entre os homens. 'Ó Minha Mãe, assim como vós suportastes miséria, provações e desdenhosas negativas quando, sem desanimar, imploravas pousada nesta jornada, transmiti-nos, ó Virgem Santíssima, essa mesma submissão e humildade vossa, para que o meu coração somente possa dar abrigo a um amor puro, piedoso e sincero como o da vossa Sagrada Família'.

O QUARTO SEGREDO: A REDENÇÃO


Aproxima-se o feliz momento em que Maria, junto ao seu castíssimo Esposo, há de dar a luz ao Redentor do mundo. As falanges dos anjos, arcanjos e querubins e a humanidade dos eleitos em júbilo proclamam a glória destes tempos benditos e clamam juntos:  'Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade'. Desvenda-se o véu do sobrenatural e do divino: está prestes a irromper a aurora do cristianismo, a civilização cristã, a santa e bela Igreja de Cristo. A Terra vai receber o Senhor dos senhores, o Filho de Deus vivo. E o Céu só precisa esperar mais um pouco para ser o Paraíso de uma miríade de homens. 

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

SOBRE A PREPARAÇÃO PARA O NATAL


Uma palavra para todos os que quiserdes receber bem a Deus neste Natal: 'Padre, eu amo a Deus, o que farei?' Se tiverdes a casa suja, varrei a vossa casa; se houver nela poeira, lavai e limpai a vossa casa.

Haverá aqui alguns que não varrem a casa há dez meses ou mais, Existirá mulher tão desleixada que, tendo uma marido muito asseado, fique dez meses sem varrer a casa? Há quanto tempo não vos confessais? Irmãos, não vos pedi na Quaresma passada que vos acostumásseis a confessar-vos algumas vezes no ano? Pelo menos no Natal, nos dias de Nossa Senhora e em outras festas religiosas importantes do ano, mas penso que vos esquecestes. Praza a Nosso Senhor que não vos exijam contas disso no dia do Juízo. E se disserdes então: 'Eu não sabia, por isso não me confessei', dir-vos-ão: 'Bem que vos disseram, bem que vos gritaram, muito se afadigaram em alertar-vos; agora de nada serve puxar os cabelos porque antes não o quisestes fazer'.

Irmãos, pecamos todos os dias. Se até hoje fostes preguiçosos em varrer a vossa casa, pegai agora na vassoura, que é a vossa memória. Lembrai-vos do que fizestes ofendendo a Deus e do que deixastes de fazer ao seu serviço; ide ao confessor e jogai fora todos os vossos pecados, varrei e limpai vossa casa.

Depois de varrida, molhai o chão. 'Mas não posso chorar, padre'. E se vos morre o marido ou o filho, ou se perdeis um pouco do vosso dinheiro, não chorais? - 'Claro que choro, padre, e tanto que quase chego ao desespero'. Pobres de nós que, se perdemos um pouco de dinheiro, não há quem nos possa consolar, mas se nos sobrevém um mal tão grande como perder a Deus - pois isso acontece a quem peca - o nosso coração é de tal forma uma pedra que são necessários muitos pregadores, confessores e admoestadores para que sintamos um pouco de tristeza! 

Mais valorizas o real perdido do que o Deus que perdes. Quando perdes uma quantia insignificante, não há quem consiga consolar-te, nem frades, nem padres, nem amigos, nem parentes. E, no entanto, não te entristeces quando perdes nada menos que o próprio Deus. Que significa isto, senão que tens tanta terra nos canais entre o coração e os olhos que a água não pode passar?

'Que me leva a ter o coração tão duro e a não poder chorar?' De todos os tempos apropriados que há ao longo do ano, este é o mais apropriado para os duros de coração. Valorizai o tempo santo em que estamos, considerai esta semana como a mais santa de todas do ano. É uma semana santa, e se a aproveitardes bem e vos preparardes como já sabeis, certamente vos será tirada toda a dureza do coração.

(Excertos da obra 'O Mistério do Natal' de São João de Ávila)

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

TESOURO DE EXEMPLOS (281/285)

 

281. OS FILHOS DE TEODÓSIO

O imperador Teodósio entregara seus dois filhos a Arsênio para que os educasse. Um dia entrou o imperador para assistir à aula e encontrou os dois meninos sentados e o mestre de pé. 'Neste momento' - disse-lhes - 'sois discípulos e, portanto, deveis respeito a vosso mestre'.
E obrigou-os a assistir à aula de pé.

282. SENTENÇA SEVERA

Em Esparta, os juízes condenaram à morte um menino por ter arrancado os olhos de um animal. Aos que reclamaram que a sentença era muito severa, responderam: 'O ânimo cruel de um menino que assim procede com os animais, amanhã se voltará contra os homens'.

283. DEVORADOS PELOS URSOS

O profeta Eliseu, venerável ancião, subia à cidade de Betel. Um bando de meninos mal educados saíram-lhe ao encontro e insultaram-no dizendo: 'Sobe, calvo! Sobe, calvo!'
Naquele momento saíram do bosque vizinho dois ursos que mataram a quarenta e dois deles.

284. SALOMÃO HONRA A SUA MÃE

Durante uma audiência solene, estava Salomão sentado em magnífico trono. Ao ver entrar sua mãe, a rainha Betsabé, que ia pedir-lhe uma graça, pôs-se de pé, foi ao seu encontro, fez-lhe uma profunda reverência e mandou preparar-lhe um trono para que ela se sentasse à sua direita.

285. AMOR FILIAL

N. era pai de vários filhos e havia anos que estava de cama. A filha maior fazia o papel de enfermeira; ao vê-lo próximo da morte e sem sentimentos religiosos, chorava sem consolo. O doente indagou a razão de tanto choro.
➖ Papai, o que me faz chorar é o pensamento de que temos de separar-nos e não nos veremos mais.
➖ É preciso ter paciência - replicou o pai - a separação não será para sempre, pois no outro mundo nos tornaremos a ver.
➖ Oh! não - disse a menina - nunca mais nos veremos.
➖ Sim, filha, havemos de nos ver sim; por que não?
➖ Não, meu pai; porque, se o senhor morrer em pecado mortal, irá para o inferno e eu quero ir para o céu. E não quero vê-lo no inferno, mas no céu.
A estas palavras cheias de dor e de carinho da filha, o enfermo resolveu enfim confessar-se e morrer santamente.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

FRASES DE SENDARIUM (XVIII)

 

'Salvar as almas é, entre as obras divinas, a mais divina; induzir as almas ao pecado pelo escândalo é, entre as obras diabólicas, a mais diabólica' 

(São Dionísio Areopagita)

'que a mensagem divina de salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra' 
(Catecismo da Igreja Católica) 

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

EXERCÍCIOS DE UMA VIDA PERFEITA

Para conservar em ti um espírito de temor, de dor e de desejo, exerce-te externamente numa perfeita modéstia, justiça e piedade, afim de que, segundo escreve o Apóstolo, 'renunciando à impiedade e às paixões mundanas, vivas sóbria, justa e piedosamente neste século' (Tt, 2, 12).

1. Exerce-te numa perfeita modéstia para que, segundo a doutrina do Apóstolo, 'a tua modéstia seja conhecida por todos os homens' (Fl 4, 5). Exerce-te primeiro na modéstia da parcimônia no comer e vestir, no dormir e vigiar, no recreio e no trabalho, não excedendo a medida em coisa alguma.

Depois exerce-te na modéstia da disciplina, com moderação no silêncio e no falar, na tristeza e na alegria, na clemência e no rigor, conforme as circunstâncias o exigem e a sã razão o prescreve.

Finalmente, exerce-te na modéstia da civilidade, regulando, ordenando e, compondo as ações, os movimentos, os gestos, as vestes, os membros e os sentidos, conforme o requer a educação moral e o costume na ordem, para que merecidamente pertenças ao número daqueles aos quais o Apóstolo diz: 'Faça-se tudo entre vós com decência e ordem' (I Cor 14, 40).

2. Exerce-te também na justiça para que te sejam aplicáveis as palavras do Profeta: 'Reina por meio da verdade, da mansidão e da justiça' (Sl 44, 5).

Na justiça, afirmo, por zelo pela honra divina, por observância da lei de Deus e por desejo da salvação do próximo. Na justiça regulada pela obediência aos superiores, pela sociabilidade aos iguais, pela punição das faltas dos inferiores.

Na justiça perfeita, de forma que aproves toda a verdade, favoreças a bondade, resistas à maldade tanto no Espírito, como nas palavras e obras, não fazendo a ninguém o que não queres que te façam, não negando a ninguém o que dos outros desejas, para que imites com perfeição aqueles a quem foi dito: 'Se a vossa justiça não for maior do que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus' (Mt 5, 20).

3. Finalmente, exerce-te na piedade, porque, como diz o Apóstolo, 'a piedade é útil para tudo, porque tem a promessa da vida presente e futura' (I Tm 4, 8).

Exerce-te na piedade do culto divino recitando as horas canônicas atenta, devota e reverentemente, acusando e chorando as faltas cotidianas, recebendo a seu tempo o Santíssimo Sacramento e ouvindo todos os dias a santa missa.

Na piedade, por meio da salvação das almas, auxiliando ora por frequentes orações, ora por instrutivas palavras, ora pelo estímulo do exemplo, para que quem ouve diga: 'Vem!' (Ap 22, 17). Isto, porém, cumpre fazer com tanta prudência, que a própria alma não sofra prejuízo.

Na piedade, por meio do alívio das necessidades corporais, suportando com paciência, consolando amigavelmente, ajudando com humildade, alegria e misericórdia, para desta forma: cumprires o mandamento divino enunciado pelo Apóstolo: 'Carregai os fardos uns dos outros, e desta maneira cumprireis a lei de Cristo' (Gl. 6, 2).

Para praticares tudo isto, o meio melhor, eu o creio, é a lembrança do Crucificado, a fim de que o teu Dileto, como um ramalhete de mirra (Cântico dos Cânticos 1, 12), descanse sempre junto ao teu coração. Isto te queira prestar Aquele que é bendito por todos os séculos dos séculos. Amém.

(Excertos da obra 'A Direção da Alma e a Vida Perfeita', de São Boaventura)

DOUTORES DA IGREJA (XXXIV)

  34São João de Ávila, Presbítero (†1569)

Apóstolo da Andaluzia

(1500 - 1569)

Concessão do título: 2012 - Papa Bento XVI

Celebração: 10 de maio (Memória Facultativa)

 Obras e Escritos 
  • Audi, filia - Avisos para os que desejam seguir a Deus
  • Epistolário espiritual para todos os estados
  • Tratado sobre o sacerdócio
  • Santíssimo Sacramento
  • O conhecimento de si mesmo
  • Sermões e conferências
  • Cartas

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXXI)

Capítulo LXXI

Alívio às Santas Almas pelas Esmolas - Os Limites da Misericórdia Cristã - São Francisco de Sales e a Viúva de Pádua

A esmola cristã, essa misericórdia que Jesus Cristo tanto recomenda no Evangelho, compreende não só a assistência corporal prestada aos necessitados, mas também todo o bem que fazemos ao nosso próximo, trabalhando pela sua salvação, suportando os seus defeitos e perdoando as suas ofensas. Todas estas obras de caridade podem ser oferecidas a Deus pelos defuntos e contêm uma grande virtude satisfatória. São Francisco de Sales conta que em Pádua, onde fez parte dos seus estudos, existia um costume detestável. Os jovens divertiam-se a correr pelas ruas à noite, armados de arcabuzes, e gritavam a todos os que encontravam: 'Quem vem por aí?'

As pessoas eram obrigadas a responder, pois era costume então disparar sobre aqueles que não respondiam e, assim, muitas pessoas foram feridas ou mortas. Aconteceu certa noite que, por não ter  respondido à pergunta, um estudante foi atingido na cabeça por uma bala e ficou mortalmente ferido. O autor deste ato, em pânico, fugiu e refugiou-se na casa de uma boa viúva que conhecia e cujo filho era seu colega de curso. Confessou-lhe com lágrimas que acabara de matar um desconhecido e suplicou-lhe que lhe desse asilo em sua casa. Tocada de compaixão, e não suspeitando que tinha diante de si o assassino do seu filho, a senhora escondeu o fugitivo num lugar seguro, onde os oficiais de justiça não o poderiam descobrir.

Ainda não havia passado meia hora quando se ouviu um ruído tumultuoso à porta; um cadáver foi trazido para dentro e colocado diante dos olhos da viúva. Infelizmente, era o seu filho que tinha sido morto e cujo assassino estava agora escondido em sua casa. A pobre mãe rompeu em gritos de partir o coração e, entrando no esconderijo do assassino, gritou: 'Homem miserável' - disse ela - 'o que meu filho te fez para que o tenhas assassinado assim tão cruelmente?'

O culpado do crime, ao saber que tinha matado o seu amigo, chorou em voz alta, arrancando os cabelos e torcendo as mãos em desespero. Depois, lançando-se de joelhos, pediu perdão à sua protetora e suplicou-lhe que o entregasse ao magistrado, para que pudesse expiar tão horrível crime. A mãe desconsolada lembrou-se nesse momento que era cristã e que o exemplo de Jesus Cristo em rezar pelos seus carrascos a estimulava a uma ação heroica. Respondeu-lhe que, se ele pedisse perdão a Deus e emendasse a sua vida, ela deixá-lo-ia ir e suspenderia todos os procedimentos legais contra ele.

Este perdão foi de tal agrado a Deus, que Ele quis dar à generosa mãe uma prova notável disso. Permitiu que a alma do seu filho lhe aparecesse, resplandecente de glória, dizendo que ele estava prestes a gozar da bem-aventurança eterna. 'Deus teve misericórdia de mim, querida mãe' - disse a alma bendita - 'porque tiveste misericórdia do meu assassino. Em consideração ao perdão que concedestes, fui libertado do Purgatório onde, sem a assistência que me proporcionastes, teria de passar por longos anos de intenso sofrimento'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.