segunda-feira, 21 de março de 2022

SOBRE O CONHECIMENTO DE DEUS

A visão imediata de Deus ultrapassa as forças naturais de toda e qualquer inteligência criada, angélica ou humana. Uma inteligência criada pode, em sua atividade natural, conhecer a Deus pelo reflexo de suas perfeições na ordem criada, mas não pode vê-lo diretamente em si mesmo como Ele se vê.

O anjo e a alma humana só se tornam capazes de um conhecimento sobrenatural de Deus e de um amor sobrenatural por Ele se tiverem recebido este enxerto divino que é a graça habitual ou santificante, participação da natureza divina ou da vida íntima de Deus. Só essa graça, recebida na essência de nossa alma como um dom gratuito, pode torná-la radicalmente capaz de operações propriamente divinas, isto é, de ver a Deus diretamente como Ele se vê e de o amar como Ele se ama.

Em outros termos, a deificação da inteligência, e a da vontade, supõe uma deificação da própria alma (em sua essência), donde derivam essas faculdades. Essa graça, quando está consumada e inamissível, se chama a glória, e dela procedem, na inteligência dos bem-aventurados do céu, a luz sobrenatural que lhes dá a força de ver a Deus, e, na vontade, a caridade infusa que lhes fez amá-lo, sem que possam daí em diante desviar-se dEle.

Em muitas ocasiões, já o notamos, Jesus repete: 'Aquele que crê em mim tem a vida eterna'. Não somente ele vai tê-la mais tarde mas, num certo sentido, já a tem, porque a vida da graça é a vida eterna começada. É, com efeito, a mesma vida em seu fundo, como o germe que está num fruto de carvalho tem a mesma vida que o carvalho desenvolvido; como a alma espiritual da criança pequena é a mesma que, um dia, desabrochará no homem feito.

No fundo, é a mesma vida divina, que está em germe no cristão aqui em baixo, e que está plenamente desabrochada nos santos do céu, que são verdadeiros viventes da vida da eternidade. É a mesma vida sobrenatural, a mesma graça santificante, que está no justo aqui em baixo e nos santos do céu; é também a mesma caridade infusa, com duas diferenças: aqui em baixo nós conhecemos a Deus não na claridade da visão, mas na obscuridade da fé infusa e, além disso, ainda que esperemos possuí-lo de modo inamissível, aqui embaixo podemos perdê-lo por nossa própria culpa. Mas, apesar dessas duas diferenças, relativas à fé e à esperança, é a mesma vida, porque é a mesma graça santificante e a mesma caridade; as quais devem durar eternamente.

(Excertos da obra 'As Três Idades da Vida Interior', de R. Garrigou-Lagrange)