terça-feira, 30 de abril de 2019

A TRISTEZA BOA E A TRISTEZA MÁ

'A tristeza que é segundo Deus, afirma São Paulo, produz uma penitência estável para a salvação; a tristeza do mundo produz a morte' (2 Co 7, 10). A tristeza pode, pois, ser boa ou má, conforme os efeitos que produza em nós. Mas, em geral, produz mais efeitos maus que bons, porque os bons são apenas dois: a misericórdia - o pesar pelo mal dos outros - e a penitência - a dor de ter ofendido a Deus - ao passo que os maus são seis: medo, preguiça, indignação, ciúme, inveja e impaciência. Por isso, diz o sábio: 'A tristeza mata a muitos e não há utilidade nela' (Ecle 30, 25), já que, para dois regatos de águas límpidas que nascem do manancial da tristeza, nascem seis de águas poluídas'.

Essa é a razão por que o demônio faz grandes esforços para produzir em nós essa má tristeza e, a fim de levar-nos ao desânimo, começa por perturbar-nos. Não lhe custa muito sugerir pretextos para isso. Não deveríamos afligir-nos por ter ofendido a Majestade divina, ultrajado a Beleza infinita e ferido o coração de Deus, o mais terno dos pais? 'Com certeza', responde-nos São Francisco de Sales. 'Devemos entristecer-nos, mas com um arrependimento verdadeiro, não com uma dor mal-humorada, cheia de despeito e indignação. O verdadeiro arrependimento é sempre calmo, como todo o sentimento inspirado pelo bom Espírito: o Senhor não está na perturbação' (conforme 1 Rs 19, 11). Onde principiam a inquietação e a perturbação, a tristeza má passa a ocupar o lugar da tristeza boa. 

'A má tristeza' - insiste o santo - 'deprime e perturba a alma, inquieta-a, incute-lhe temores desmedidos, tira-lhe o gosto pela oração, atordoa e fatiga-lhe a cabeça, impede-a de tirar proveito dos bons conselhos, de tomar resoluções, de formar juízos, de ter coragem, e abate-lhe as forças. Numa palavra: é como um inverno rigoroso que cresta toda a formosura da terra e mergulha na letargia todos os animais; porque priva a alma de toda a suavidade e a deixa paralítica, bloqueando todas as suas faculdades' (Introdução à Vida Devota).

Muitos de nós reconhecerão nestes sintomas a perturbação em que se deixaram envolver após as suas faltas e os estragos que ela lhes causou! Tinham começado a levar a sério a vida espiritual e seguiam resolutamente os passos do Mestre pelo caminho do dever, pela rude encosta do Calvário. Mas eis que sobrevém um queda e, com ela, a perturbação! A alma levanta-se sob o amparo do arrependimento e da absolvição sacramental, que tudo vem reparar. Mas nem por isso sossega. Olha-se, examina-se ansiosamente, conta as feridas mal cicatrizadas, remexe-as com receio, infecta-as mais por querer curá-las com despeito e impaciência, 'porque não há nada que mais conserve os nossos defeitos do que o desassossego e a pressa em querer expurgá-los' (São francisco de Sales).

Entretanto, o passo vai afrouxando; já não se corre; anda-se a custo. A pessoa arrasta-se, descontente de si e quase que do próprio Deus, perde a confiança na oração e abeira-se dos sacramentos com medo - até que uma circunstância especial, uma confissão excepcionalmente bem feita ou um retiro, lhe restitui por um certo período o fervor que tivera no princípio. Mas se, decorrido algum tempo após essa renovação, não elimina essa intranquilidade, uma nova queda ou simplesmente a lembrança das faltas passadas provocará nela um surto de redobrada depressão e melancolia; voltará ao passo cansado e queira Deus que, à força de hesitações e delongas, não termine por cair numa inércia quase sem remédio.

(Excertos da obra 'A arte de aproveitar as próprias faltas', de Joseph Tissot)

segunda-feira, 29 de abril de 2019

'ALMA NASCIDA PARA UM OCEANO DE AMOR, PERDESTE O MAR!'

Era uma vez uma gota de água que, de repente, sentiu o chamado do mar, e para o mar foi apressurada e transparente. Pelo leito do regato corria cantarolando. Tudo se alegrava com sua presença: as margens floresciam à sua passagem, os bosques reverdeciam, as avezinhas cantavam. E para o mar corria límpida e cantarolando.

Mas, um dia, cansou-se de tanto caminhar pelo leito apertado do regato. Ao saltar sobre a represa de um moinho divisou no horizonte a terra, e em terra desejou converter-se. Aproveitando o desvio que dava para uma cisterna, desgarrou-se da mãe e estacionou. Inesperadamente, sentiu-se prisioneira da terra; converteu-se em lama suja, mal-cheirosa, podre: repugnantes animalejos cresceram em seu seio e o sol deixou de se espelhar nela.

Numa tarde, passou por aí um viandante; deteve-se perto do lamaçal e, sentencioso, exclamou: 'Pobre água! Ias para o mar e ficaste neste charco!' Teve pena dela. Inclinou-se, tomou-a no côncavo da mão e devolveu-a ao regato, dizendo: 'Pobre gota! Retoma tua vocação! Vai-te para o mar!' 

Alma, compreendeste essa parábola? É a tua própria história. A história da água começa assim: 'Era uma vez uma gota de água que de repente sentiu o chamado do mar...' A tua começa assim: 'Era uma vez uma alma que, ao sair do colégio, de uma missão, de uma confissão, sentiu de repente o chamado de Deus'.

Todavia estou-te vendo regressar para casa, daqueles exercícios. Voltavas cantando, generosa para aquele convite santo. Alegravas a todos com tua presença: a casa, os arredores, os agrupamentos, os passeios. E assim era. Tanto que, admirados, chegam a perguntar-te: 'Mas, que te aconteceu?' 'Nada!' respondias, o Senhor passou e eu ouvi o chamado de seu amor'.

Mas um dia te cansaste. Cansou-te o leito acanhado do plano de vida, a sujeição à direção espiritual. Vias outras almas, livres de obrigações e deveres, correrem pelos campos onde não havia os mandamentos da Lei de Deus, rindo-se, aparentemente satisfeitas consigo mesmas. E tu saíste do regato. Foste pelas margens do plano de vida; aproveitaste uma ocasião qualquer: bodas, festa, férias, veraneio, e deixaste tudo. Que tudo fosse rodando... tu também querias liberdade.

Súbito sentiste que eras prisioneira da terra, com suas modas exageradas, seus modos atrevidos, cheia de tibiezas, fria de generosidade, enlameada de pecados graves. Tu te convertes-te em triste lamaçal! É para exclamar: 'Pobre alma!' Ias para o mar e te tornaste um charco. Voavas para o alto e quebraste as asas. Vives rasteira! Durou tão pouco!

Pensar, ó meu Deus, que existem gotas de água que nunca chegaram ao mar! Pensar, ó meu Deus, que existem almas que perderam a vocação para a santidade por própria culpa! Pensar, ó meu Deus, que uma dessas almas sou eu!

Que diferença! O que eu era antes e o que sou agora! Aquela paz, aquela alegria interior, cristalina e transbordante; aquelas comunhões e meditações que eu fazia voando em asas de neve; aquele correr inquieto para Deus... E agora esse rastejamento, esse estancamento, essa vida vazia! Mas não esmoreças, alma irmã. Sem saberes por que, sem nada fazeres, acaba de passar um viandante, o Divino Peregrino. Ele detém-se ciente de tua inatividade espiritual. Não percebes a sua presença?

Vejo que Ele se inclina para ti; toma no côncavo de sua graça a gota de água de tua vida e exclama: 'Pobrezinha! Não sejas lamaçal! Recobra a tua vocação para o mar! Corre cantando para o oceano do amor!' Quando termino, Senhor, esta meditação, existe uma alma que tornou a sentir em suas entranhas o chamado do Amor, uma alma que quer ser mar, que voltará com a tua graça a correr generosa, que te amará. E essa alma é a minha alma; agradecida. E que assim seja.

(P. López Arróniz)

domingo, 28 de abril de 2019

'MEU SENHOR E MEU DEUS!'

Páginas do Evangelho - Segundo Domingo da Páscoa


O segundo domingo do tempo pascal é consagrado como sendo o 'Domingo da Divina Misericórdia', com base no decreto promulgado pelo Papa João Paulo II na Páscoa do ano 2000. No Domingo da Divina Misericórdia daquele ano, o Santo Padre canonizou Santa Maria Faustina Kowalska, instrumento pelo qual Nosso Senhor Jesus Cristo fez conhecer aos homens Seu amor misericordioso: 'Causam-me prazer as almas que recorrem à Minha misericórdia. A estas almas concedo graças que excedem os seus pedidos. Não posso castigar, mesmo o maior dos pecadores, se ele recorre à Minha compaixão, mas justifico-o na Minha insondável e inescrutável misericórdia'.

No Evangelho deste domingo, Jesus já havia se revelado às santas mulheres, a Pedro e aos discípulos de Emaús. Agora, apresenta-Se diante os Apóstolos reunidos em local fechado e, uma vez 'estando fechadas as portas' (Jo 20, 19), manifesta, assim, a glória de Sua ressurreição aos discípulos amados. 'A paz esteja convosco' (Jo 20, 19) foi a saudação inicial do Mestre aos apóstolos mergulhados em tristeza e desamparo profundos. 'A paz esteja convosco' (Jo 20, 21) vai dizer ainda uma segunda vez e, em seguida, infunde sobre eles o dom do Espírito Santo para o perdão dos pecados: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos' (Jo 20, 22-23), manifestação preceptora da infusão dos demais dons do Espírito Santo por ocasião de Pentecostes. A paz de Cristo e o Sacramento da Reconciliação são reflexos incomensuráveis do amor e da misericórdia de Deus. 

E eis que se manifesta, então, o apóstolo da incredulidade, Tomé, tomado pela obstinação à graça: 'Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei' (Jo 20, 25). E o Deus de Infinita Misericórdia se submete à presunção do apóstolo incrédulo ao lhe oferecer as chagas e o lado, numa segunda aparição oito dias depois, quando estão todos novamente reunidos, agora com a presença de Tomé, chamado Dídimo. 'Meu Senhor e meu Deus!' (Jo 20, 28) é a confissão extremada de fé do apóstolo arrependido, expressando, nesta curta expressão, todo o tesouro teológico das duas naturezas - humana e divina - imanentes na pessoa do Cristo.

'Bem-aventurados os que creram sem terem visto!' (Jo 20, 29) é a exclamação final de Jesus Ressuscitado pronunciada neste Evangelho. Benditos somos nós, que cremos sem termos vistos, que colocamos toda a nossa vida nas mãos do Pai, que nos consolamos no tesouro de graças da Santa Igreja. E bem aventurados somos nós que podemos chegar ao Cristo Ressuscitado com Maria, espelho da eternidade de Deus na consumação infinita da Misericórdia do Pai. 

sábado, 27 de abril de 2019

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

Ó mundanos, amadores do tempo e das coisas que com ele passam e totalmente esquecidos do eterno, lembrai-vos que há de vir um dia, cláusula de todos os dias e princípio de duas eternidades, uma de suma felicidade outra de miséria suma, uma nas alturas louvando a Deus, outra blasfemando de Deus nas profundezas.

Vós outros que consumis os dias e os anos em vosso deleite e armais dilações à penitência de hoje para amanhã, de amanhã para outro dia e outro ano e muitos anos, ó que mau é o vosso engano agora e que pior será então o vosso desengano?

Há de chegar (é certo) aquele estado, onde não há amanhã, nem tarde, hoje, nem ontem, nem séculos, nem anos, nem dias, nem horas, nem diferença alguma de tempo, senão uma duração fixa e interminável, ou sempre gozando de Deus ou sempre ardendo em fogo. Temamos estes sinais à vista de tão horrendo significado, e empreguemos os breves espaços da vida temporal como quem há de vir a parar nos da eterna.

(Pe. Manuel Bernardes)

sexta-feira, 26 de abril de 2019

10 REGRAS PARA SERVIR A DEUS*

*(São Tomás de Villanova)

PRIMEIRA REGRA

Convém, perante todas as coisas, amar a Deus e ao próximo e guardar sua Lei cumprindo seus mandamentos, porque nisto está a vida; e cessar de pecar, determinando-se não cometer um pecado mortal, procurando se exercitar em toda virtude, guardando seu amor de tal maneira que a só Deus ame e nele só se empregue continuamente.

SEGUNDA REGRA

Remediar a vida passada, confessando-se geralmente e esquadrinhando com grande diligência sua consciência, satisfazendo ao Senhor com muita dor e lágrimas, e com muita vergonha e humilhação, pensando na cegueira passada, e tratando em sua memória a história da sua vida perdida, e chorando e doendo-se muito dela; e para mais satisfação, tomando alguma aspereza de jejuns, ou vigílias, ou disciplinas, ou silício que aflija a carne e façam vingança do deleite passado; e este exercício durará algum tempo, porque se aquele for bem feito não cairá em outro erro. Para deixar de pecar, ajudará ao princípio a abstinência, a solidão e clausura, silêncio, oração, ocupação, vigília, consideração da morte e do Juízo, do Céu e do Inferno.

TERCEIRA REGRA

Fugir a conversações de mundanos, que afogam o espírito e o bom desejo da alma devota. Procurar alguma conversação de alguma pessoa verdadeiramente espiritual, em quem more Deus, porque, como um carvão aceso acende outro, assim um coração aceso e inflamado em espírito inflama a outro.

QUARTA REGRA

Fugir e menosprezar todos os prazeres passados e deleites mundanos e vãos, e procurar descobrir outros deleites interiores, muito maiores e mais perfeitos, do espírito e do entendimento, os quais dão maior fartura à alma e fazem parecer criancices aqueles carnais (isto faz a contemplação profunda com oração e lição); e o mesmo digo de todas as riquezas, faustos, honras, favores deste mundo, e procurar muito ter o coração limpo de toda afeição temporal e desocupado de todo amor apaixonado de criatura, porque Nosso Senhor lhe enche de seu sagrado Espírito; porque este preciosíssimo bálsamo não cabe em vasos sujos, nem dará Nosso Bom Senhor suas pérolas aos porcos, pois o vedou a seus discípulos. Pelo qual cumpre em grande maneira a toda pessoa que pretende ser espiritual ter muito grande cuidado e diligência sobre seu Coração e apetites e desejos e pensamentos desordenados; porque seria sem isto por demais trabalhar.

QUINTA REGRA

Limpar muito a miúdo sua consciência, de oito em oito dias, ou ao menos de quinze em quinze, confessando e comungando com muita devoção; porque assim se alcança a graça para perseverar e ter grande fortaleza e firmeza no bom princípio e começo.

SEXTA REGRA

Ter em casa um oratório muito devoto, que convide a estar nele, para conversar com Deus e desocupar-se para o seguir, porque aqui se há de fundir como em crisol, para sair com o fogo do Espírito Santo. Aqui se alcança todo o bem. O que há de fazer no oratório é procurar dom de lágrimas, chorando seus pecados e recogitando sua vida passada. Tomar-se conta como vive agora, ver-se e olhar-se como em espelho, se aproveita ou não; ordenar sua vida para diante; pensar devotamente na Paixão e nos outros mistérios de nossa Redenção; dar graças a Deus pelos benefícios gerais, como é a criação do mundo e a Redenção do gênero humano, e pelos particulares. Contemplar o engano do mundo, a brevidade da vida, a eternidade da Glória ... assim se alcança graça, pureza, devoção, dom de lágrimas, luz, conhecimento da verdade, espírito e todas as virtudes e riquezas espirituais; assim faz o homem seu trabalho para que foi criado...  Muito o cristão tem de se empregar bem nisto e viver consigo e não andar desterrado fora de si e desterrado em ocupações vãs e sem fruto, que perecem e são danosas para a alma. Neste oratório, que se gaste o mais tempo que se puder para se furtar ao mundo e às atividades de sua pessoa e de sua casa.

SÉTIMA REGRA

Guardar a língua e o coração, e ter muito grande conta com seus pensamentos e desejos e palavras, sacudindo logo do seu coração todos os pensamentos vãos e nocivos. Ouvir muito e falar pouco e sobretudo pensado. Fugir de toda murmuração e mau juízo de outro. Não se ocupar em ler, nem contar, nem ouvir atos de outros, nem ser curioso de saber vidas alheias.

OITAVA REGRA

Ter cuidado de não perder o tempo, recordando-se sempre que deste momento de vida depende a eternidade futura de Glória; e ter por grande perda perder uma hora, na qual se pode ganhar tanto bem perpétuo.

NONA REGRA

Procurar crescer em toda virtude, olhando como em espelho as virtudes dos outros e procurando-os imitar; porque nas virtudes está o alicerce de todo bem. Ser piedoso, manso e sofrido, amoroso e caritativo com os pobres, de boa conversação, sem prejuízo de ninguém; fazer bem a todos e mal a ninguém, nem em juízo, nem por palavra, nem por obra. Sofrer fraquezas alheias, não criminar os pecados, senão com piedade rogar a Deus pelos que erram.

DÉCIMA REGRA

Tomar conta de todo o dito, exortando-se e repreendendo algo, animando-se de cada dia ser melhor e ir adiante, não esquecendo-se jamais; porque no fazer assegura a Glória que por ela espera, e que semeia nesta vida para colher na outra fruto sempiterno. E porque todo nosso aproveitamento depende da graça do Senhor, sempre cumpre pedir com instância saúde, socorro e luz para conhecer o bem, e graça para lhe amar, e forças para lhe seguir e perseverar; porque pouco aproveitará esta escritura se não favorece a graça do Senhor para por por obra o que a letra ou escritura nos ensina.

SÍNTESE GERAL

Primeira regra: guardar a Lei de Deus e deixar de pecar.
Segunda regra: satisfazer pelos pecados passados com dor e penitência.
Terceira regra: fugir da amizade de mundanos.
Quarta regra: menosprezar ao mundo e seus deleites.
Quinta regra: limpar a miúdo sua consciência, confessando e comungando.
Sexta regra: ter oratório para servir a Deus, conversando com Ele.
Sétima regra: guardar a língua e o coração.
Oitava regra: não perder o tempo.
Nona regra: crescer em virtude.
Décima regra: tomar conta do que aproveita.

(São Tomás de Villanova)

quinta-feira, 25 de abril de 2019

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XXIX)

XXX

ATOS EXTERIORES DA RELIGIÃO: ADORAÇÃO. SACRIFÍCIO. OBLACÃO. EXPENSAS DO CULTO. VOTO. JURAMENTO. INVOCAÇÃO DO SANTO NOME DE DEUS

Além dos atos anteriores, que outros tem a virtude da religião?
Todos os exteriores destinados a honrar a Deus (LXXXIV-CXI)*.

Quais são?
Em primeiro lugar, certos movimentos corporais, como inclinação de cabeça, genuflexão, prostrações e, em geral, todos os compreendidos na palavra adoração (LXXXIV).

Em que consiste a sua bondade?
Em que, por meio deles, se honra a Deus com o corpo, e, sobretudo, em que atuam a modo de excelentes auxiliares, para fazer melhor os interiores, quando se praticam como convém (LXXXIV. 2).

Não podemos utilizar mais que o nosso próprio corpo para honrar a Deus com a virtude da religião?
Podemos oferecer-lhe também as coisas exteriores em sacrifício, homenagem e tributo (LXXXV-LXXXVIII).

Se considerarmos o sacrifício no sentido próprio de imolação de uma vítima, quantas formas há na Nova Lei?
Uma só, o sacrifício da Missa, em que, sob as espécies sacramentais do pão e do vinho, se oferece a Deus a única vítima agradável aos seus olhos, imolada no sacrifício da Cruz (LXXXV, 4).

É ato de religião grato a Deus contribuir, conforme o permitam os bens da fortuna, para estabelecer e realçar o culto e sustentar aos seus ministros?
Sim, Senhor (LXXXVI-LXXXVII).

Pratica-se este ato de religião, só quando se dá alguma coisa a Deus ou para o sustento dos seus ministros?
Não só se pratica, dando, como também prometendo coisas do agrado divino (LXXXVIII).

Que nome têm tais promessas?
Chamam-se votos (LXXXVIII, 1, 2).

Há obrigação de cumprir o prometido com voto?
Exceto em casos de impossibilidade ou dispensa, sim, Senhor (LXXXVIII, 3, 10).

Há alguma outra classe de atos externos de religião?
Sim, Senhor; o uso e manejo de coisas destinadas a honrar a Deus (LXXXIX).

Quais são?
Os objetos sagrados e o Santo Nome de Deus.

Que entendeis por objetos sagrados?
Os que, por intermédio da Igreja, receberam de Deus uma benção e consagração especiais, tais como as pessoas consagradas a Deus, os sacramentos, os sacramentais como a água benta, os objetos de piedade e os lugares destinados ao culto (LXXXIX Prólogo).

De que maneira podemos usar o Santo Nome de Deus em sua honra?
Amando-O por testemunha dos nossos assertos e invocando-O, para louvá-Lo e bendizê-Lo (LXXXVIX-XCI).

Como se chama o ato de invocar o Nome de Deus por testemunha do que dizemos ou prometemos?
Chama-se juramento (LXXXIX, 2).

É o juramento ato virtuoso e recomendável?
Somente o é em caso de grande necessidade e usando-o com a mais severa circunspecção (LXXXIX, 2).

Em que consiste a adjuração?
Em invocar o nome de Deus ou de alguma coisa sagrada para obrigar outrem a executar ou desistir de algum propósito (XC, 1).

É lícita?
Feita com o respeito que merece o invocado, sim, Senhor.

É louvável evocar com frequência o Nome de Deus?
Fazendo-o com o devido respeito e veneração, sim, Senhor (XCI).

XXXI

DOS VÍCIOS OPOSTOS À RELIGIÃO: SUPERSTIÇÃO, ADIVINHAÇÃO. DA
IRRELIGIÃO: TENTAR A DEUS, PERJÚRIO E SACRILÉGIO

Que vícios se opõem à virtude da religião?
Há vícios de duas classes; uns opostos por excesso e conhecidos com o nome de superstição e outros por defeito, chamados em geral irreligião (XCII, Prólogo).

Que entendeis por superstição?
Uma aglomeração de vícios que consiste em dar a Deus um culto indigno Dele ou em dar às criaturas o que só a Deus pertence (XCII-XCIV).

Qual é o motivo mais frequente de se cometerem estes pecados?
O desejo imoderado de conhecer o oculto e secreto e o futuro, pelo que se entregam os homens a práticas divinatórias e vãs e ridículas observâncias (XCV - XCVI).

Que excessos abrange a irreligião?
Dois: o de ver com indiferença ou desdém o que se refere ao culto e serviço de Deus e o de abster-se inteiramente de praticar atos de religião.

Reveste o último especial gravidade?
Sim, Senhor; visto como supõe desprezo ou esquecimento desdenhoso Daquele a quem todos os homens estão obrigados a servir e honrar.

Em que forma se propaga hoje em dia este vício?
Em forma de laicismo.

Que entendeis por laicismo?
Consiste o laicismo em por de parte completamente a Deus, já positivamente, perseguindo-o e tratando de expulsá-lo de toda a parte, a Ele, Dono e Senhor de tudo quanto existe, já negativamente, organizando a vida social, familiar ou individual, como se Ele não existisse.

Donde provém o grande pecado do laicismo?
A forma positiva, do ódio e fanatismo sectários; a negativa, de uma espécie de entorpecimento ou estupidez intelectual e moral, na ordem sobrenatural e metafísica.

Temos obrigação de nos opor energicamente e por todos os meios ao laicismo?
Sim, Senhor.

Que outros vícios abrange a irreligião?
O tentar a Deus, e o perjúrio, por opostos ao mesmo Deus e à reverência devida ao seu Santo Nome; o sacrilégio e a simonia, por serem contrários às coisas sagradas (XCVII-XCVIX).

Que entendeis por tentar a Deus?
O pecado que, contra a virtude da religião, cometem os que, sem respeito pela Majestade Divina, pedem e exigem a intervenção de Deus, como pondo à prova a sua onipotência ou a esperam em circunstâncias em que Deus não poderia intervir, sem negar-se a si mesmo (XCVII, 1).

Tentamos a Deus quando confiamos em seu auxílio, sem por de nossa parte o que podemos e devemos?
Sim, Senhor (XCVII, 1, 2).

Que entendeis por perjúrio?
O pecado contra a virtude da religião que consiste em confirmar uma falsidade apelando para o testemunho divino ou negar-se a cumprir o prometido com juramento (XCVIII, 1).

Tem conexões com o perjúrio a invocação irrefletida do nome de Deus, por costume e com qualquer pretexto?
Sem ser propriamente perjúrio, relaciona-se com ele e é, desde logo, intolerável falta de respeito ao Santo Nome de Deus.

Que entendeis por sacrilégio?
Uma profanação de pessoas, lugares ou coisas santificadas e consagradas ao culto e serviço de Deus (XCIX, 1).

É o sacrilégio um pecado muito grave?
Sim, Senhor; porque atentar contra o consagrado a Deus é de algum modo atentar contra o próprio Deus, que por isso impõe aos sacrílegos, os mais severos castigos, ainda neste mundo (XCIX, 2-4).

Que entendeis por simonia?
O pecado especial de irreligião que cometem os que, imitando a impiedade de Simão, o Mago, vilipendiam as coisas sagradas, considerando-as como vulgares mercadorias que os homens podem por à venda e comprar com dinheiro (C, 1).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)

terça-feira, 23 de abril de 2019

COMO QUEREIS PAGAR OS VOSSOS PECADOS?

Queridos Amigos da Cruz, sois todos pecadores. Não há um só dentre vós que não mereça o inferno, e eu mais que ninguém. É preciso que nossos pecados sejam castigados neste mundo ou no outro. Se o forem neste, não o serão no outro. Se Deus os castigar neste mundo de acordo conosco, esta punição será amorosa: quem há de castigar será a misericórdia, que reina neste mundo, e não a justiça rigorosa. O castigo será leve e passageiro, acompanhado de atenuantes e de méritos, seguido de recompensas no tempo e na eternidade.

Mas se o castigo necessário dos pecados que cometemos for no tempo reservado para o outro mundo, a punição caberá à justiça vingadora de Deus, que leva tudo a fogo e sangue! Castigo espantoso, horrendo, inefável, incompreensível: 'Quem conhece o poder de tua cólera?' (Sl 89, 2). Castigo sem misericórdia, sem piedade, sem alívio, sem méritos, sem limite e sem fim. Sim, sem fim: esse pecado mortal de um momento que cometestes; esse pensamento mau e voluntário, que escapou ao vosso conhecimento, essa palavra que o vento levou; essa açãozinha contra a lei de Deus que durou tão pouco, será punida eternamente, enquanto Deus for Deus, com os demônios no inferno, sem que o Deus das vinganças tenha piedade de vossos soluços e de vossas lágrimas, capazes de fender as pedras! Sofrer para sempre sem mérito, sem misericórdia e sem fim!

Será que pensamos nisto, queridos irmãos e irmãs, quando sofremos alguma pena neste mundo? Como somos felizes de poder trocar tão vantajosamente uma pena eterna e infrutífera por outra, passageira e meritória, carregando nossa cruz com paciência! Quantas dívidas temos a pagar! Quantos pecados temos, cuja expiação, mesmo após amarga contrição e confissão sincera, será preciso que soframos no purgatório durante séculos inteiros, porque nos contentamos, neste mundo, de penitências leves demais! 

Ah! Paguemos neste mundo de forma amigável, levando bem a nossa cruz! Tudo deverá ser pago rigorosamente no outro, até o último centavo, mesmo uma palavra ociosa. 'No dia do castigo deveremos dar conta de toda palavra ociosa que houvermos dito' (Mt 12, 36). Se pudéssemos arrebatar ao demônio o livro de morte, onde anotou todos os nossos pecados e a pena que lhes corresponde, que grande debet [débito] verificaríamos, e como nos sentiríamos encantados de sofrer durante anos inteiros neste mundo, para não sofrer um só dia no outro!

(Excertos da 'Carta aos Amigos da Cruz', de São Luís Maria Grignion de Montfort)

segunda-feira, 22 de abril de 2019

COMPÊNDIO DE SÃO JOSÉ (IX)


41. A fuga para o Egito significa dizer que a Sagrada Família viveu em terra estrangeira? 

Mateus é genérico ao referir este acontecimento, pois apenas diz que o Anjo ordenou a José: 'Toma sua mãe e o Menino e foge para o Egito…' (Mt 2,13). Portanto, José poderia ter chegado apenas na fronteira do Egito ao sul de Gaza, fora do domínio de Herodes. São diversas as localidades que disputam a honra de ter recebido a família de José; dentre estas, destacamos Heliópolis, um lugarejo distante 100 km do Cairo. Também Cairo, que se lembra na Igreja de Abu Sargha construída, segundo a tradição, no lugar onde morava a Sagrada Família, assim como outras localidades disputam o mesmo privilégio. O importante é saber que a Providência Divina os destinou a um lugar seguro, provavelmente um dos bairros hebreus, próximo à fronteira. Existem muitas lendas a respeito da viagem da Sagrada Família pelo deserto até o Egito e durante a sua permanência lá, todas atribuídas aos apócrifos, portanto desprovidas de autenticidade e, portanto, não verídicas. No Egito, vivendo com toda probabilidade entre os seus compatriotas, José não deve ter encontrado dificuldade para instalar-se e trabalhar, mesmo porque as colônias judaicas no Egito naquele tempo formavam uma associação estruturada, onde havia ajuda recíproca entre todos. 

42. Quanto tempo a Sagrada Família viveu no exílio do Egito? 

Segundo uma das versões mais prováveis, dois anos após a matança dos inocentes, da qual Jesus escapou fugindo para o Egito, Herodes morreu e, logo em seguida José recebeu ordens do Anjo para voltar a Israel: 'Levanta-te, toma o menino e a mãe e retorna à terra de Israel…, avisado em sonho, retirou-se para as bandas da Galileia, indo morar numa cidade chamada Nazaré' (Mt 2,20-23). Portanto, o tempo da permanência no Egito foi aproximadamente de dois anos. Em Nazaré, depois de todas estas vicissitudes, José voltou à sua vida normal com Jesus e Maria, no exercício de sua profissão de carpinteiro. 

43. Como a Sagrada Família transcorria os seus dias em Nazaré? 

A casa de Nazaré tornava-se então o palco privilegiado da presença de Jesus, José e Maria. José, com suas mãos habilidosas, tirava o sustento para sua família de seu trabalho; o pequeno Jesus, nos joelhos de Maria sua mãe, recebia todo amor natural e os ensinamentos de sua vida exemplar que santificava a vida familiar no dia-a-dia. Na simplicidade e na pobreza, esta santa família transcorria uma vida normal aos olhos dos outros. Jesus, porém 'crescia robusto e cheio de sabedoria…' (Lc 2,40). Como qualquer outra criança, Jesus irá aos poucos conhecendo o ambiente e aprendendo com José a arte da carpintaria. Frequentará a sinagoga, ouvindo com atenção a Palavra Sagrada. Instruído por seus pais, irá aprendendo a história de seu povo e conhecendo os textos sagrados. 

44. Enquanto Jesus 'crescia robusto e cheio de sabedoria' sendo submisso aos seus pais, qual foi a característica do exercício da paternidade de José? 

Os sentimentos de José com respeito a Jesus foram expressões puras e genuínas de um amor autenticamente paterno. Ele exerceu a sua função de pai convivendo com Jesus, abraçando-o, nutrindo-o e educando-o com um paterno afeto. Ele teve para com Jesus, como afirma o Papa Pio IX: 'todo o amor natural, toda a afetuosa solicitude, que um coração de pai possa conhecer'. Jesus foi verdadeiramente amado, não sentiu o sofrimento psicológico de falta de afeto. José era consciente de sua missão de pai; por isso toda a sua vida foi vivida a serviço de Jesus. 'Ele colocou', nas palavras de Paulo VI, 'à disposição dos desígnios de Deus, a sua liberdade, a sua legítima vocação humana, a sua felicidade conjugal, aceitando da família a condição, a responsabilidade e o peso, renunciando, por um incomparável virgíneo amor, ao natural amor conjugal que a constitui e a alimenta para oferecer, com sacrifício total, toda a sua existência às imponderáveis exigências da vinda do Messias'. 

45. Podemos ponderar como foi o amor de José por Jesus? 

Escolhido por Deus para esta sublime missão de representá-lo aqui na terra, perante o seu Filho Unigênito, José exercitou a sua autoridade de modo exemplar, pois o próprio Deus tinha encontrado nele alguém segundo o seu coração, confiando-lhe com plena segurança o mais misterioso segredo de seu coração. Por isso, o seu amor paternal foi sem reservas, foi um amor traduzido em generosidade, em sacrifício e em serviço incondicional para Jesus.

('100 Questões sobre a Teologia de São José', do Pe. José Antonio Bertolin, adaptado)

domingo, 21 de abril de 2019

BÊNÇÃO URBI ET ORBI - PÁSCOA 2019

Sacada Central da Basílica Vaticana
Domingo, 21 de abril de 2019

1. Imagens Iniciais

2. Mensagem Urbi et Orbi - Páscoa 2019 (6:20 - 15:25)

3. Concessão da Indulgência Plenária (15:55 - 16:33)

4. Bênção Urbi et Orbi (16:46 - 18:03)

5. Imagens Finais

PÁSCOA DA RESSURREIÇÃO

Páginas do Evangelho - Domingo da Páscoa


Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos! A mão direita do Senhor fez maravilhas, a mão direita do Senhor me levantou. Não morrerei, mas, ao contrário, viverei para cantar as grandes obras do Senhor! Aleluia! Aleluia! Aleluia!

Eis o grande dia do Senhor, em que a vida venceu a morte, a luz iluminou as trevas, a glória de Deus se impôs aos valores do mundo. Jesus veio para fazer novas todas as coisas, abrir o caminho para o Céu, eternizar a glória de Deus na alma humana. Cristo Ressuscitado é a razão suprema de nossa fé, penhor maior de nossa esperança, causa de nossa alegria, plenitude do amor humano. Como filhos da redenção de Cristo, cantamos jubilosos a Páscoa da Ressurreição: 'Tende confiança! Eu venci o mundo' (Jo 16, 33).

O Triunfo de Cristo é o nosso triunfo pois o o Homem Novo tomou o lugar do homem do pecado. Mortos para o mundo, tornamo-nos herdeiros da ressurreição da nova vida em Deus: 'Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus (Cl 3, 1-3).

Entremos com Pedro no sepulcro agora vazio de Jesus: 'Viu as faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte' (Jo 20, 6 -7). Este sepulcro vazio é a morte do pecado, a vitória da vida sobre a morte: 'Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?' (1 Cor 15, 55). Jesus ressuscitou! Bendito é o Senhor dos Exércitos que, com a sua Ressurreição, derrotou o mundo e nos fez herdeiros do Céu! Este é o dia da alegria suprema, do triunfo da vida, do gáudio eterno dos justos. Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos! 

Hæc est dies quam fecit Dominus. Exultemus et lætemur in ea!

DOMINGO DA RESSURREIÇÃO

SOLENIDADE DA RESSURREIÇÃO DE NOSSO SENHOR

'Haec est dies quam fecit Dominus. Exultemus et laetemur in ea
— 
'Esse é o dia que o Senhor fez. Seja para nós dia de alegria e felicidade'
 (Sl 117, 24)

Cristo ressuscitou! Eis a Festa da Páscoa da Ressurreição, a data magna da cristandade. Por causa da ressurreição de Jesus, podemos ter fé e esperança, obter o perdão dos nossos pecados e a salvação de nossas almas. Com a ressurreição de Jesus, a morte foi vencida. E as Portas do Céu foram abertas para toda a eternidade.

'Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está o teu aguilhão?' 
(1 Cor 15, 55)

sábado, 20 de abril de 2019

SÁBADO SANTO

VIGÍLIA PASCAL

Estamos prostrados em silêncio diante o Santo Sepulcro. Hoje é o dia da bênção do Fogo Novo, do Círio Pascal, da renovação das nossas promessas do batismo. Cantamos o Exultet com Maria. Com Maria, Mãe de todas as vigílias, aguardamos, em súplice espera, a Ressurreição do Senhor.


Vamos nos juntar à devoção com que Maria, o discípulo amado, Maria Madalena e as santas mulheres recolheram, em seus braços, o corpo de Jesus descido da cruz por José de Arimateia e Nicodemos. Com que ternura e amor Maria considera todas as suas chagas, olha todo o seu corpo dilacerado, beija todas as suas feridas! E o discípulo amado, como se projeta sobre aquele peito em que havia repousado a cabeça na noite anterior! Como O beija e se acende de vontade de se enterrar naquele peito aberto! E Madalena, como abraça os sagrados pés, de quem recebera o perdão; como os lava com as suas lágrimas e os enxuga com os seus cabelos! Entremos nos piedosos sentimentos dessas almas santas.

PRIMEIRO PONTO - O QUE NOS ENSINA O ENTERRO DE NOSSO SENHOR

Este mistério nos ensina primeiro COMO DEVEMOS COMUNGAR. Depois que o adorável corpo foi deposto da cruz, Nicodemos trouxe cem libras de um perfume precioso, composto de mirra e aloés, para embalsamá-lo. José de Arimateia ofereceu-se para envolvê-lo em linho branco e para levar o corpo até um sepulcro novo, talhado na rocha, que ainda não tinha sido utilizado; depois, a entrada do túmulo foi fechada por uma pedra, ficando sob a guarda da autoridade pública e a custódia de soldados. 

QUANDO O CORPO DE NOSSO SENHOR CHEGA ATÉ NÓS NA SAGRADA COMUNHÃO, DEVEMOS TAMBÉM ENVOLVÊ-LO COM O PERFUME DAS SANTAS INTENÇÕES, COM O PERFUME DAS BOAS OBRAS, COM A APRESENTAÇÃO DE UM CORAÇÃO PURO DA INOCÊNCIA, FIGURADA NAQUELE LINHO SEM MANCHA; COM UMA RÍGIDA DETERMINAÇÃO DE FAZER O BEM TAL QUAL A PEDRA DO SEPULCRO; UMA CONSCIÊNCIA INTEIRAMENTE RENOVADA PELA PENITÊNCIA; E, DEPOIS DA COMUNHÃO, DEVEMOS CERRAR AS PORTAS DO NOSSO CORAÇÃO COM A PEDRA E O SELO DO NOSSO RECOLHIMENTO, FRENTE A MODÉSTIA, MESURAS E ATENÇÃO COM NÓS MESMOS, COMO GUARDAS VIGILANTES PARA IMPEDIR QUE NOS ARREBATEM O TESOURO PRECIOSO QUE ACABAMOS DE RECEBER.

É assim que fazemos? Este mistério nos ensina, em segundo lugar, AS TRÊS PREMISSAS QUE CONSTITUEM A MORTE ESPIRITUAL A QUE ESTÁ CHAMADO TODO CRISTÃO, segundo a doutrina do Apóstolo: 'tomai-vos por mortos, porque mortos estais e vossa vida está escondida com Cristo em Deus'. O primeiro dessas premissas é AMAR A VIDA OCULTA; estar como morto, em relação a todas as coisas que podem ser ditas ou pensadas sobre nós, não buscar nem ver o mundo, nem ser visto por ele. Jesus, na noite do seu sepultamento, dá-nos esta lição. Que o mundo nos esqueça e até nos possa pisar, pouco nos importa. Nós não devemos nos preocupar com isso, mais do que se importa um morto. A felicidade de uma alma cristã é se esconder em Jesus e em Deus. Nossa perversa natureza se compraz em deleitar-se, em querer ser louvado, amado, ser distinguido de reputação e amizades; não lhe façamos caso; quanto mais sensível e extremado sejamos ao apreço dos outros, mais indigno este se torna e maior é a nossa necessidade de privar-nos dele. Que se nos livre da reputação, para que em nada nos levem em conta, que nem pensem em nós, que nos olhem com horror. Faça-se, Senhor, Vossa Santa Vontade! 

A segunda premissa da morte espiritual é USAR OS BENS SENSÍVEIS POR NECESSIDADE, SEM DAR-LHES NENHUMA IMPORTÂNCIA; não nos deleitar com a preguiça nem com os prazeres da vida, nem os prazeres da gula, nem a satisfação da curiosidade que quer ver e saber de tudo; estar, em suma, como mortos para os prazeres dos sentidos. Nesta segunda premissa é preciso juntar O ABANDONO DE SI MESMO À DIVINA PROVIDÊNCIA, abandono que, tal como um cadáver, nos deixamos levar, sem argumentar e nem querer ou desejar qualquer coisa, indiferentes a todas as coisas e a todas as ocupações. Quando deixarei de me amar desordenadamente? Quando morrerei em mim para viver somente em Vós?

SEGUNDO PONTO - O QUE NOS ENSINA A DESCIDA DA ALMA DE JESUS AO LIMBO

Este mistério nos ensina, em primeiro lugar, O AMOR DE JESUS AOS HOMENS. Ao deixar o sagrado corpo, sua santa alma poderia ter-se apresentado diante de Deus para descansar ali todas as suas dores; mas o seu amor para os homens O inspirou a descer ao limbo para consolar os Patriarcas e anunciar-lhes que, dentro de quarenta dias, eles O iriam acompanhar ao paraíso. É assim, pois, que o amor de Jesus não tem repouso. Após sua morte, como em sua vida, fez todo o bem possível aos homens. Obrigado, ó Jesus, mil vezes obrigado por este esforço em nos fazer tanto bem. 

Este mistério nos ensina, em segundo lugar, O NOSSO AMOR A JESUS. À vista dessa santa alma, os justos retidos não podem conter o seu júbilo e entoam cânticos de louvor, gratidão e amor, e entregam todos os seus corações ao Deus libertador. Eis aí os nossos modelos: Por que teríamos menos gratidão e amor, uma vez que Jesus morreu por nós e por eles, porque nos ama como amou a eles e, como a eles, nos prometeu seu Paraíso ?

(Excertos da obra 'Meditações para todos os dias do ano para uso do clero e dos fieis', de Pe. Andrés Hamon, Tomo II).

sexta-feira, 19 de abril de 2019

SEXTA-FEIRA SANTA

CELEBRAÇÃO DA PAIXÃO E MORTE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

Nós Vos adoramos, Nosso Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos,
porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Penitência, jejum, abstinência, silêncio, oração. Jesus agonizante acabou de pronunciar suas últimas palavras, entregando o Espírito ao Pai. E morre sobre a cruz. José e Nicodemos O descem do lenho das flagelações para os braços da Mãe Dolorosa. E, então, O conduzem para o Santo Sepulcro.


Transportemo-nos em espírito ao Calvário; adoremos ali a Jesus cravado na Cruz por nós e, à vista do seu Corpo transformado em uma única chaga, deixemos transbordar a compaixão dos nossos corações, em ato de agradecimento, contrição, amor e devoção.

PRIMEIRO PONTO - SEXTA-FEIRA SANTA, DIA DE AMOR 

Contemplemos amorosamente o divino Crucificado desde os pés até à cabeça, desde o menor movimento de seu Coração até às suas mais vivas emoções; tudo nos conduz a amá-lO; todo Ele nos diz: 'Meu Filho, dá-me o teu coração'. Seus braços estendidos nos revelam que Ele nos abraça a todos sem distinção; sua cabeça, que não pode repousar a não ser sobre os espinhos que a mantém suspensa, inclina-se para nos dar o beijo da paz e da reconciliação; seu peito, retalhado pelos golpes, ergue-se sob a cadência de um coração cheio de amor; suas mãos e os seus pés, perfurados pelos cravos; sua visão esmaecida, suas veias exangues, sua boca seca pela sede, todas as chagas, enfim, que cobrem o seu corpo, formam um concerto de vozes a nos dizer: 'Vede o quanto Ele nos ama!' 

AH! SE PENETRÁSSEMOS NESTE CORAÇÃO, O VERÍAMOS TODO OCUPADO EM NOS AMAR A TODOS, PEDINDO MISERICÓRDIA POR NOSSAS INGRATIDÕES, NOSSA FRIEZA E NOSSOS PECADOS; PEDINDO POR NÓS TODOS OS SOCORROS DAS GRAÇAS QUE TEMOS RECEBIDO E RECEBEREMOS; OFERECENDO AO PAI A SUA VIDA POR NÓS, O SEU SANGUE, TODAS AS SUAS DORES INTERNAS E EXTERNAS; ENFIM, CONSUMINDO-SE EM ARDORES INDESCRITÍVEIS DE AMOR, SEM QUE NADA POSSA DISTRAÍ-LO.

Ó amor! Seria demasiado morrer de amor por tanto amor? 'Ó Bom Jesus', direi como São Bernardo, 'nada me enternece tanto, nada me abrasa e incendeia meu coração de vosso amor do que a Vossa Paixão'. É ela que me atrai mais a Vós, é ela que me une a Vós mais estreitamente, é ela que, com mais firmeza, me comove. Ó quanta razão tinha São Francisco de Sales ao afirmar que o Monte Calvário é um monte de amor; que ali, nas chagas de Jesus, as almas fieis encontram o mais puro amor e, no próprio Céu, depois da bondade divina, é a Vossa Paixão o motivo da maior alegria, o mais doce e o mais poderoso instrumento para sublimar de amor os bem aventurados! E eu, Jesus, diante disso, ó Jesus Crucificado, poderia ter outra vida que não Vos amar?

SEGUNDO PONTO - SEXTA-FEIRA SANTA, DIA DE CONVERSÃO 

PARA PROVAR A JESUS CRUCIFICADO QUE EU O AMO VERDADEIRAMENTE, É PRECISO QUE EU ME CONVERTA, QUE EU DEIXE MORRER, AOS PÉS DA CRUZ, TUDO QUE AINDA EXISTE DO MUNDO EM MIM, todas as minhas negligências e todas as minhas tibiezas, todo o meu amor próprio e meu orgulho; todas as minhas futilidades, desejos de gozos e prazeres, tão grandes inimigos do despojamento e da mortificação; a sensibilidade que, de tudo, se ressente; o espírito de crítica e de maledicência, que de tudo murmura; a tibieza, a dissipação e o espírito errante, que não quer refletir em recolhimento; a intemperança da língua, que fala de tudo que está no nosso interior; enfim, de tudo aquilo que é incompatível com o amor que nos pede Jesus Crucificado. 

Há que se substituir todas estas más inclinações pelas sólidas virtudes que a Cruz nos ensina: a humildade, a mansidão, a caridade, a paciência, o despojamento. Jesus nos pede tudo isso, por todas as suas chagas, por tantos outros modos. Podemos recusar? Poderia eu conservar meus apegos, quando O vejo desnudo na Cruz? Desta nudez não poderia eu me vestir, fazer minha veste dos seus opróbrios, minha riqueza de sua pobreza, minha glória de sua vertigem, minha alegria dos seus sofrimentos?

(Excertos da obra 'Meditações para todos os dias do ano para uso do clero e dos fieis', de Pe. Andrés Hamon, Tomo II).

quinta-feira, 18 de abril de 2019

QUINTA-FEIRA SANTA

CELEBRAÇÃO DA INSTITUIÇÃO DA EUCARISTIA E DO SACERDÓCIO

Nesta Quinta-Feira Santa, a Igreja recorda a Última Ceia de Jesus e a instituição da Eucaristia, sacramento do Seu Corpo e do Seu Sangue: 'Fazei isto em memória de Mim'; a instauração do novo Mandamento: 'Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei' e a suprema lição de humildade de Jesus, quando o Senhor lava os pés dos seus discípulos.


Transportemo-nos em espírito à última Ceia, na qual, Jesus Cristo, às vésperas de sua morte, reúne os seus Apóstolos como o pai de família, próximo ao seu fim, reúne os seus filhos em torno do leito de morte para dar-lhes as suas últimas vontades e legar-lhes a herança do seu amor em comum. Sobretudo, então, lhes atesta o quanto os ama. Assistamos, com recolhimento e amor, a este espetáculo amoroso e meditemos nos grandes mistérios deste dia: a instituição da Eucaristia e a instituição do sacerdócio.

PRIMEIRO PONTO - A INSTITUIÇÃO DA EUCARISTIA 

Admiremos de princípio Jesus ajoelhado diante dos seus Apóstolos, lavando-lhes os pés para ensinar a todos os dons da humildade profunda; da caridade perfeita, da pureza sem mancha, que pede o Sacramento que Ele vai instituir e que eles vão receber. Sentando-se em seguida à mesa, toma o pão, o abençoa, o parte e o distribui aos seus discípulos, dizendo: 'Tomai e bebei; ESTE É O MEU SANGUE, O SANGUE DA NOVA ALIANÇA QUE QUE SERÁ DERRAMADA POR VÓS EM REMISSÃO AOS VOSSOS PECADOS'

Ó como se conhece bem o amor de Jesus! O Divino Salvador, próximo a deixar-nos, não pode se separar de nós. 'Não os deixarei órfãos', Ele havia dito,' meu Pai me chama; porém, ao ir ao Pai não me separarei de vós; minha morte está determinada por decretos eternos; mas, morrendo, permanecerei vivo para ficar convosco. Minha sabedoria idealizou como obter isso e o meu amor como fazê-lo'.

Na sequência, transforma o pão em seu Corpo e o vinho em seu Sangue, em face da união indissolúvel entre a Pessoa Divina e a natureza humana, e o que pouco antes era apenas pão e apenas vinho é agora a Pessoa Adorável de Jesus Cristo por inteiro, sua Pessoa Divina, tão grande, tão poderosa, como está diante do Pai, governando todos os mundos e adorado por todos os anjos que se estremecem na Sua Presença.

A este milagre sucede outro: 'O que acabo de vos dizer', disse Jesus, 'vós, meus Apóstolos, o fareis; dou-vos este poder não somente a vós, mas a todos os seus sucessores até o fim dos tempos, uma vez que a Eucaristia será a alma de toda a Religião e a essência do seu culto, e deve perdurar tanto quanto ela mesma'. Esta é a rica herança que o amor de Jesus transmitiu aos seus filhos pelo longo dos séculos; este é o testamento que este bom Pai de Família fez, no momento de sua partida, em favor de seus filhos; suas mãos moribundas o escreveram e, em seguida, o selou com o seu Sangue; esta é a bênção que o bom Jacó deu a seus filhos reunidos em torno de Si antes de deixá-los. Ó preciosa herança, ó bendito e amado testamento, ó tão rica bênção! Como podemos agradecer tanto amor?

SEGUNDO PONTO - A INSTITUIÇÃO DO SACERDÓCIO 

Parece, Senhor, que havia se esgotado para nós todas as riquezas do vosso amor e eis, então, que surgem novas maravilhas: NÃO É SOMENTE A EUCARISTIA QUE NOS LEGAIS NESTE SANTO DIA, MAS TAMBÉM O SACERDÓCIO, COM TODOS OS SEUS SACRAMENTOS, COM A SANTA IGREJA, COM A SUA AUTORIDADE INFALÍVEL PARA ENSINAR, O PODER DE GOVERNAR, A GRAÇA DE ABENÇOAR E A SABEDORIA PARA DIRIGIR. Porque tudo isso está ligado essencialmente com a Eucaristia, como preparação da alma para recebê-la, como consequência para conservá-la e para multiplicar os seus frutos. Assim, Jesus Cristo, como Pontífice soberano, quis estabelecer e estabeleceu realmente todos estes poderes de uma só vez e numa só ordem: 'Fazei isso!' 

Ó sacerdócio que esclareceis, purificais e engrandeceis as almas, que dispensais sobre a terra os mistérios de Deus e, em socorro das almas caídas e das almas dos justos, as riquezas da graça; sacerdócio que, em socorro das almas caídas e das almas dos justos, fazeis nascer o arrependimento e abris as portas do Céu, acolhendo os pecadores e fazendo-os volver à inocência; sacerdócio pelo qual sustentais a alma vacilante e a fazeis avançar na virtude, que protegeis o mundo contra si mesmo e à corrupção, contra a ira santa de Deus; sacerdócio, bem inefável, eu o bendigo e bendigo a Deus por tê-lo herdado à terra! 

Que seria do mundo sem vós? Sem vós, o que seria o sol, sua luz, seu calor, seu consolo, sua força e seu apoio! Ó Quinta - Feira Santa, mil vezes bendita, porque trouxestes tanta felicidade para os filhos de Adão! Jamais poderemos celebrar por completo esta graça com a devida piedade, recolhimento e amor.

(Excertos da obra 'Meditações para todos os dias do ano para uso do clero e dos fieis', de Pe. Andrés Hamon, Tomo II).