segunda-feira, 25 de junho de 2018

RUMO À SANTIDADE (IV/Final)

Quando a fé fraqueja, o homem tende a imaginar Deus como se estivesse longe e mal se preocupasse dos seus filhos. Pensa na religião como algo justaposto, quando não há outro remédio; sem saber por quê, espera manifestações aparatosas, acontecimentos insólitos. Em contrapartida, quando a fé vibra na alma, descobre-se que os passos do cristão não se separam da própria vida humana corrente e habitual. E que essa santidade grande, que Deus nos reclama, se encerra aqui e agora, nas coisas pequenas de cada jornada. 

Gosto de falar de caminho, porque somos viajadores, dirigimo-nos para a casa do Céu, para a nossa Pátria. Mas reparemos que um caminho, embora possa apresentar trechos de dificuldades especiais, embora uma vez por outra nos obrigue a desviar um rio ou a atravessar um pequeno bosque quase impenetrável, habitualmente é coisa corrente, sem surpresas. O perigo é a rotina: imaginar que Deus está ausente das coisas de cada instante por serem tão simples, tão triviais! 

Caminhavam aqueles dois discípulos em direção a Emaús. Andavam a passo normal, como tantos outros que transitavam por aquelas paragens. E ali, com naturalidade, apareceu-lhes Jesus, e caminha com eles, numa conversa que diminui a fadiga. Imagino a cena, bem ao cair da tarde. Sopra uma brisa suave. Em redor, campos semeados de trigo já crescido, e as oliveiras velhas, com os ramos prateados à luz tíbia. Jesus, no caminho. Senhor, és sempre tão grande! Mas tu me comoves quando te abaixas a seguir-nos, a procurar-nos, na nossa diária roda-viva. Senhor, concede-nos a ingenuidade de espírito, o olhar límpido, a mente clara, que permitam entender-te quando vens sem nenhum sinal externo da tua glória. 

Termina o trajeto ao chegar à aldeia, e aqueles dois que - sem darem por isso - foram feridos no fundo do coração pela palavra e pelo amor do Deus feito homem, sentem que Ele se vá embora. Porque Jesus se despede com gesto de quem vai prosseguir. Nunca se impõe, este Senhor Nosso. Quer que o chamemos livremente, depois de entrevermos a pureza do Amor que nos meteu na alma. Temos que detê-lo à força e rogar-lhe: 'Fica conosco porque é tarde e o dia está já declinando' (Lc 24, 29), faz-se noite. Somos assim: sempre pouco atrevidos, talvez por insinceridade, talvez por pudor. No fundo, pensamos: Fica conosco, porque as trevas nos rodeiam a alma, e só Tu és luz, só Tu podes acalmar esta ânsia que nos consome. Porque dentre as coisas formosas, honestas, não ignoramos qual é a primeira possuir: sempre a Deus. 

E Jesus fica. Abrem-se os nossos olhos como os de Cléofas e o seu companheiro, quando Cristo parte o pão; e embora Ele volte a desaparecer da nossa vista, seremos também capazes de retomar a caminhada - anoitece - para falar dEle aos outros, pois não cabe num peito só tanta alegria. Caminho de Emaús. O nosso Deus impregnou de doçura este nome. E Emaús é o mundo inteiro, porque o Senhor abriu os caminhos divinos da terra. 

Peço ao Senhor que, durante a nossa permanência neste chão que pisamos, não nos afastemos nunca do Caminhante divino. Para tanto, aumentemos também a nossa amizade com os Santos Anjos da Guarda. Todos necessitamos de muita companhia: companhia do Céu e da terra. Sejamos devotos dos Santos Anjos! E muito humana a amizade, mas é também muito divina; tal como a nossa vida, que é divina e humana. Lembramo- -nos do que diz o Senhor? 'Já não vos chamo servos, mas amigos' (Jo 15,15). Ensina-nos a ter confiança com os amigos de Deus, que já moram no Céu, e com as criaturas que convivem conosco, incluídas as que parecem afastadas do Senhor, para as atrairmos ao bom caminho. 

E vou terminar, repetindo com São Paulo aos Colossenses: 'Não cessamos de orar por vós e de pedir a Deus que alcanceis pleno conhecimento da sua vontade, com toda a sabedoria e inteligência espiritual' (Cl 1, 9). Sabedoria que nos proporciona a oração, a contemplação, a efusão do Paráclito na alma. Afim de que tenhais uma conduta digna de Deus, agradando-o em tudo, produzindo frutos de toda a espécie de boas obras e progredindo na ciência de Deus; corroborados em toda a sorte de fortaleza pelo poder da sua graça, para terdes sempre uma perfeita paciência e longanimidade acompanhada de alegria; dando graças a Deus-Pai, que nos fez dignos de participar na sorte dos santos, iluminando-nos com a sua luz; que nos arrebatou ao poder das trevas e nos transferiu para o reino de seu Filho muito amado. 

Que a Mãe de Deus e Mãe nossa nos proteja, afim de que cada um de nós possa servir a Igreja na plenitude da fé, com os dons do Espírito Santo e com a vida contemplativa. Realizando cada um os deveres que lhe são próprios, cada um no seu ofício e profissão, e no cumprimento das obrigações do seu estado, honre gozosamente o Senhor. Amai a Igreja, servi-a com a alegria consciente de quem soube decidir-se a esse serviço por Amor. E se virmos que alguns andam sem esperança, como os dois de Emaús, aproximemo-nos deles com fé - não em nome próprio, mas em nome de Cristo - para lhes garantir que a promessa de Jesus não pode falhar, que Ele vela por sua Esposa sempre: que não a abandona; que passarão as trevas, porque somos filhos da luz e fomos chamados a uma vida perene. 

E Deus lhes enxugará todas as lágrimas dos olhos, já não haverá morte, nem pranto nem clamor; não mais haverá dor, porque as coisas de antes passaram. E disse Aquele que estava sentado no trono: Eis que renovo todas as coisas. E ordenou-me: Escreve, porque todas estas palavras são digníssimas de fé e verdadeiras. E acrescentou: É um fato. Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim. Ao sedento, eu darei de beber gratuitamente da fonte da água da vida. Aquele que vencer possuirá todas estas coisas, e eu serei o Seu Deus e ele será meu filho (Ap 21, 4-7). 

(Parte IV/Final da Homilia 'Rumo à Santidade', pronunciada em 26/11/1967, por São Josemaria Escrivá)