sábado, 9 de dezembro de 2017

FÁTIMA EM FATOS E FOTOS (XVII)

81. Como se deu a saída de Lúcia de Aljustrel?

Dom José Alves Correia da Silva, então bispo de Leiria, em reunião realizada com Lúcia e a sua mãe em 13 de junho de 1921, convidou a menina a sair de Aljustrel e se transferir para a cidade do Porto, para estudar no Colégio das Irmãs Doroteias. A solicitação encontrou grande acolhida tanto pela menina como pela sua mãe, tanto pela oportunidade de estudo oferecida como pela possibilidade concreta de se isolar a vidente da enorme exposição às caravanas cada vez mais numerosas de romeiros que chegavam a Fátima. 

Dois pedidos lhe fez o bispo, que ela atendeu prontamente: não dizer a ninguém para onde estava indo e, no colégio, não dizer a ninguém que era a vidente de Fátima e nem falar sobre as aparições. Quatro dias depois, em 17 de junho de 1921, Lúcia dos Santos deixou Aljustrel em direção à Leiria, onde tomou o trem para a cidade do Porto. Estava com 14 anos, era e tinha feições de uma camponesa rude, com sobrancelhas espessas e lábios grossos, tímida e com um certo ar de alheamento, o que não a tornava uma pessoa particularmente carismática. 


82. Como foi a vida de Lúcia no Colégio de Santa Doroteia?

Lúcia passou cerca de quatro anos no Asilo do Vilar, como era conhecido o Asilo das Irmãs de Santa Doroteia, no Vilar, subúrbio do Porto. No completo escondimento do mundo e no anonimato de suas colegas, viveu lá desde o primeiro momento como 'Maria das Dores', procedente de 'perto de Lisboa'. Ali dedicou-se à rotina intensa de uma aluna interna de um colégio de freiras: estudos, missa matinal, trabalhos manuais, oração. Ali se dedicou às atividades de costura, bordado, datilografia, serviços de cozinha e no refeitório, limpeza e passeios pelos jardins. Ali entrou como uma camponesa rude e saiu como uma moça prendada e de boas maneiras. Ali se entregou à oração, à consagração a Nossa Senhora e à generosa missão de servir a todos. Depois de cinco anos, estava pronta para assumir em definitivo a sua vocação como religiosa. Inicialmente, pensou ingressar na Ordem do Carmelo, mas a madre superiora a instigou a ser religiosa na própria instituição das Irmãs de Santa Doroteia, o que aceitou prontamente sendo, então, aceita como postulante no Convento de Tuy, em Pontevedra / Espanha, perto da fronteira com Portugal.

83. Como foi a vida de Lúcia no Convento de Tuy?

Lúcia ingressou no Convento de Tuy em 1925 e, em novembro do ano seguinte, tornou-se noviça. Em 3 de novembro de 1928, fez os primeiros votos como irmã leiga e, somente seis anos mais tarde, em 3 de outubro de 1934, pronunciou os votos perpétuos que a tornaram Irmã Maria Lúcia das Dores das Irmãs de Santa Doroteia. A mãe e duas irmãs, a quem não via então há anos, vieram de Aljustrel para assistir a cerimônia. Em Tuy, a Irmã Maria Lúcia das Dores vai permanecer até 1946, vivendo uma vida de clausura e de oração, sem quaisquer privilégios ou liberdades, como qualquer outra religiosa conventual. Retornou a Portugal em 1946 e, em março de 1948, depois de receber uma autorização especial do papa para se libertar de seus votos perpétuos, entrou no convento carmelita de Santa Teresa em Coimbra, onde viveu até a sua morte.

(Convento das Doroteias em Tuy e Carmelo de Coimbra)

84. Como e por que Lúcia escreveu as suas Memórias?

Desde 1922, o bispo de Leiria Dom José Alves Correia da Silva criara a Comissão Especial para estudar os eventos de Fátima, os quais considerava, cada vez com maior ênfase e reconhecimento, como autênticos, tanto que presidiu os eventos comemorativos das aparições já em 1927. Em 1930, fez reconhecer oficialmente a devoção e o culto a Nossa Senhora de Fátima pela provisão 'A Divina Providência' e, no ano seguinte, realizou a consagração de Portugal ao Imaculado Coração de Maria, com a adesão de todo o episcopado português. 

A revelação do rosto incorrupto de Jacinta, quando da  transladação dos seus restos mortais de Ourém para Fátima em setembro de 1935, foi o fato que deu origem às chamadas  'Memórias da Irmã Lúcia', escritos registrados pela vidente com caligrafia singular em vários cadernos pautados comuns. 


Com efeito, nesta ocasião, Dom José enviou algumas fotos para Lúcia em Pontevedra. Agradecendo o gesto do bispo, Lúcia lhe remete uma carta que inclui algumas recordações da prima. Estas observações deram ensejo ao que o bispo a intimasse a escrever, então, tudo o mais que ela pudesse recordar de Jacinta, o que deu origem à chamada 'Primeira Memória'. A Primeira Memória foi escrita em dezembro de 1935 e constitui basicamente uma transcrição geral das recordações de Lúcia sobre fatos e palavras de sua prima Jacinta Marto. A partir do conhecimento e da divulgação deste primeiro texto, ficou claro que Lúcia poderia dar um testemunho muito mais completo e abrangente dos extraordinários eventos de Fátima ocorridos em 1917 e, neste propósito, foi instada pelo bispo a escrever mais detalhadamente sobre estes fatos.


A Segunda Memória foi escrita na forma de um documento de 38 folhas, escritas em frente e verso, em apenas 14 dias, entre 7 e 21 de novembro de 1937 e que gerou muitas expectativas e rediscussões sobre os eventos ocorridos. Isto porque  nesta Memória, os temas foram surpreendentes: as aparições do Anjo da Paz, o relato das graças extraordinárias na sua primeira comunhão, as aparições do Coração Imaculado de Maria em junho de 1917 e muitas outras circunstâncias que eram absolutamente inéditas até então. 

(Jacinta do Pe. José Galamba de Oliveira: edição de 1938, 90p. e edição de 1943, 220p.)

Em 26 de julho de 1941, o Bispo de Leiria escreve a Lúcia anunciando-lhe que o Pe. José Galamba de Oliveira (considerado hoje um dos escritores mais importantes da história de Fátima) estava escrevendo uma nova edição do livro sobre Jacinta e pede, então, que ela registre tudo o mais que possa lembrar sobre a prima, de modo a ser incluído no livro. O texto de resposta de Lúcia deu origem à chamada Terceira Memória, escrita quase que integralmente em agosto de 1941 e que incorpora muitos detalhes adicionais sobre a vida de Jacinta (objetivo preliminar do texto), mas que inclui também a extraordinária revelação das duas primeiras partes do Segredo, incluindo a edição de um capítulo sobre o inferno e de outro capítulo dedicado ao Imaculado Coração de Maria. Estas novas revelações indicaram a necessidade urgente de um relato muito mais completo e mais detalhado de Lúcia sobre os eventos ocorridos em Fátima em 1917, o que veio a constituir o texto da chamada Quarta Memória.

A Quarta Memória constitui o documento mais extenso de todos e foi escrita, sempre na estrita obediência às solicitações do Bispo de Leiria, para responder a um contingente de quesitos muito mais abrangente: recordações de Lúcia sobre Francisco, tal como pedido previamente para Jacinta; mais recordações de Jacinta; as aparições do Anjo da Paz; um relato completo das aparições de Nossa Senhora e ainda questões diversas. Com notável esforço e limpidez admirável, Lúcia trata de todas essas questões no longo texto, compilado em dois cadernos que foram enviados ao bispo em 25 de novembro e em 8 de dezembro de 1941. A única parte explicitamente não revelada nesta Memória trata da terceira parte do Segredo.

85. Como foram os anos finais de Lúcia no Carmelo de Coimbra?

Mais de duas décadas depois da estadia na Espanha, em 24 de março de 1948, Lúcia ingressou no Carmelo de Santa Teresa em Coimbra, tomando então o nome de Irmã Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, fazendo os votos perpétuos em 31 de maio de 1949. No Carmelo de Coimbra entrou com a idade de 40 anos, após a reestruturação das ordens religiosas, tendo ajudado na recuperação de toda a estrutura local, que teve de ser adaptada por se tratar previamente de um quartel. Ali, em clausura quase que absoluta, viveu os mais de 50 anos finais da sua longa vida.


No Carmelo de Coimbra, viveu como uma mulher adulta e consciente, que cumpria rigorosamente as funções do convento, como qualquer uma das outras religiosas. Como atividade adicional e bem distinta das demais religiosas. Lúcia escrevia (e recebia) cartas para o mundo inteiro (este acervo é estimado atualmente em 11.000 cartas). Sabia ler espanhol e italiano e as cartas em outras línguas lhe eram previamente traduzidas. Visitas só eram possíveis mediante autorização expressa por parte do Vaticano. Durante todo este período em Coimbra, somente voltou a Fátima por ocasião de quatro visitas papais, a última delas para participar da cerimônia de beatificação de seus primos Francisco e Jacinta, realizada pelo Papa João Paulo II em 13 de maio de 2000. Nos últimos anos, com a saúde muito debilitada, ficou praticamente reclusa e, depois, prostrada na cama. Morreu em 13 de fevereiro de 2005, aos 97 anos de idade.