XIII
DO HOMEM E SUA NATUREZA: ESPIRITUALIDADE E IMORTALIDADE DA ALMA
Há entre os seres corporais algum que forme um mundo à parte ou categoria distinta no conjunto dos demais?
Sim, Senhor; o homem.
Que é o homem?
Um ser composto de espírito e matéria, no qual, de algum modo, se compendiam os mundos espiritual e material (LXXV)*.
Com que nome se conhece o espírito humano?
Com o nome de alma (LXXV, 1-4).
Há, além do homem, algum outro ser corpóreo que tenha alma?
Sim, Senhor; as plantas e os animais.
Que diferença existe entre a alma humana e as almas das plantas e dos animais?
A alma das plantas é exclusivamente vegetativa; a dos animais vegetativa e sensitiva; e a humana, além destas faculdades, possui a inteligência.
Logo, é a inteligência que distingue o homem dos demais seres corpóreos?
Sim, Senhor.
A alma, como princípio intelectual, exerce a sua função própria, independentemente do corpo?
Sim, Senhor (LXXV, 2).
Em que vos apoiais para assegurá-lo?
Em que o objeto do entendimento é o imaterial.
E por que, se a alma exerce a sua função própria independentemente do organismo, se deduz que é incorpórea?
Porque, se não o fosse, não poderia unir-se ao objeto do entendimento, que é o imaterial (Ibid.).
Que se segue desta verdade?
Segue-se que a alma humana é imortal (LXXV, 6).
Poderíeis dar a razão da consequência?
Sim, Senhor; porque se é independente do organismo no obrar, forçosamente há de sê-lo no existir.
E o que deduzis deste princípio?
Deduzo que, se bem que o corpo perece, ao separar-se da alma, a alma, ao contrário, não pode morrer (Ibid.).
Logo, durará eternamente?
Sim, Senhor.
Para que se une a alma ao corpo?
Para formar um todo harmônico e substancial, chamado homem (LXXV, 4).
Não é, portanto, acidental a união da alma com o corpo?
Não, Senhor; porque a alma exige por natureza a união substancial (LXXVI, 1).
Que faz a alma no corpo?
Dá-lhe todas as perfeições que possui: o existir, o viver e sentir, reservando para si, unicamente, o ato de entender (LXXVI, 3, 4).
XIV
DAS POTÊNCIAS OU FACULDADES VEGETATIVAS E SENSITIVAS
Há na alma faculdades distintas ou princípios diversos de operação?
Sim, Senhor; pois quanto no homem há, procede imediatamente de faculdades ou potências do espírito, exceto a perfeição fundamental, o ser corpo, que recebe imediatamente da essência da alma (LXXVII).
Em virtude de que potências vive o corpo?
Em virtude das vegetativas.
Quantas e quais são?
São três: o poder de nutrição, de crescimento e de reprodução (LXXVIII, 2).
Em virtude de que potências sente?
Em virtude das potências sensitivas.
Quereis dizer-me quantas e quais são?
Existem duas classes: cognoscitivas e afetivas.
Quais são as cognoscitivas?
Os cinco sentidos exteriores.
Que nome têm?
Potência ou faculdade de ver, ouvir, cheirar, gostar e apalpar (Ibid.).
Como se chamam os órgãos correspondentes?
Vista, ouvido, olfato, gosto e tato (Ibid.).
Há também faculdades cognoscitivas sensíveis, sem órgão externo?
Sim, Senhor; e são: o senso comum, a imaginação, o instinto e a memória (LXXVIII, 4).
XV
DA INTELIGÊNCIA E DO ATO DE ENTENDER
Há no homem alguma outra faculdade cognoscitiva?
Há outra e é a mais nobre e principal.
Que nome tem?
Inteligência ou razão (LXXIX, 1).
A inteligência e a razão são uma ou duas potências?
Uma só (LXXIX, 8).
Por que tem dois nomes?
Porque há verdades que o entendimento compreende intuitivamente de um só golpe e outras que necessita adquirir mediante o raciocínio (Ibid.).
Por conseguinte, o discurso é o ato característico do homem?
Sim, Senhor; porque nenhum outro ser da Criação pode e necessita discorrer.
É o discurso perfeição da inteligência humana?
Sim, Senhor; porém, revela imperfeição a necessidade de discorrer.
Por que é perfeição, no homem, a faculdade de discorrer?
Porque, por ela, pode o homem conhecer a verdade, inatingível aos seres inferiores, como são os animais privados de razão.
Por que revela imperfeição a necessidade de discorrer?
Porque, se bem que por virtude do raciocínio pode o homem conhecer a verdade, só com tempo e perigo de enganar-se, o consegue; ao contrário, os seres que não o necessitam, como Deus e os Anjos, se apoderam da verdade com uma só visão e assim estão isentos até da possibilidade de se enganarem.
Que significa conhecer a verdade?
Ter conhecimento do que existe.
E que implica o desconhecê-la?
Ignorância ou erro.
Há alguma diferença entre a ignorância e o erro?
Sim, Senhor; e muito grande: a ignorância é a carência do conhecimento de uma coisa; erro é atribuir existência ao que não a teve nem tem.
É um mal viver no erro?
Sim, Senhor; porque o bem próprio do homem consiste na verdade, que é o bem da inteligência.
Tem o homem ciência inata?
Não, Senhor; porque se bem que, desde o princípio, possui inteligência, há de aguardar, para adquirir a verdade, que se desenvolvam as faculdades sensitivas destinadas a servi-la (LXXXIV, 5).
Quando começa o homem a conhecer a verdade?
Quando tem uso de razão, aos sete anos aproximadamente.
Pode a razão humana investigar e conhecer todas as verdades?
Com o exercício próprio de suas forças naturais, de nenhum modo, pode adquirir conhecimento próprio de todas elas (XII, 4; LXXXVI, 2, 4).
Que coisas pode conhecer naturalmente?
As coisas sensíveis e as verdades que deste conhecimento se derivam.
Pode o homem conhecer-se a si mesmo?
Sim, Senhor; porque há nele alguma coisa que pertence ao domínio dos sentidos, e partindo do sensível mediante o discurso, pode investigar o que necessita para saber o que é (LXXXVIII, 1, 2).
Pode conhecer os espíritos puros?
Só de um modo imperfeito.
Por que?
Porque não pertencem ao mundo do sensível, objeto próprio da razão humana.
Pode conhecer a Deus, em si mesmo?
Não, Senhor; porque a sua natureza soberana dista infinitamente do objeto proporcionado à inteligência, no conhecimento natural, que, como dissemos, é o mundo sensível (LXXXVIII, 3).
Logo a razão humana, abandonada às suas próprias forças, como pode conhecer a Deus?
De modo muito imperfeito.
Apesar dessa imperfeição, enobrece ao homem o conhecimento natural de Deus?
Sim, Senhor; em primeiro lugar, porque, por meio dele, se levanta muito acima dos irracionais; segundo, porque o convence que será elevado, mediante a graça, à soberana dignidade de filho de Deus e que, em virtude desse conhecimento, está chamado a conhecê-lo como é, primeiro de modo imperfeito, mediante a fé, depois intuitivamente, pelo Lumen Gloriae** (XII, 4 ad 3).
**[Luz da Glória]: termo técnico dado em teologia ao auxílio suplementar que Deus deve dar à inteligência humana para capacitá-la a gozar da visão beatífica uma vez que a visão beatífica, que constitui a felicidade essencial no céu, está acima da capacidade de entendimento pela inteligência humana.
Em virtude da elevação à dignidade de filho de Deus, igualou-se o homem com os anjos?
Em virtude dessa elevação pode ser igual e até superior aos anjos na ordem da graça, porém sempre inferior na da natureza (CVIII 8).
* referências aos artigos da obra original
('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular).