quinta-feira, 9 de novembro de 2017

FÁTIMA EM FATOS E FOTOS (XIV)

66. Qual era a realidade das mensagens de Fátima ao final do ano de 1917?

Após a última aparição ocorrida em 13 de outubro de 1917 e o chamado 'milagre do sol', a Cova da Iria nunca mais foi a mesma; a toda hora chegavam peregrinos e Fátima não tinha uma infraestrutura adequada para acessos, nem para alimentação e nem para hospedagem de tanta gente, problemas que iriam perdurar por vários anos após as aparições. Para os três pastorinhos, a vida da rotina anterior passara a ser impossível, tantas e tantas eram as manifestações para vê-los e para interrogá-los. Francisco e Jacinta, entretanto, já se preparavam para o sacrifício iminente, ao passo que Lúcia estava sendo moldada para ser a testemunha final dos grandes eventos de Fátima.

(peregrinação a Fátima, em 13 de outubro de 1926)

Em termos gerais, a opinião pública portuguesa estava profundamente mobilizada em relação aos eventos ocorridos em Fátima que eram, então, praticamente desconhecidos fora de Portugal. No entanto, essa mobilização era fruto direto do testemunho público e da ampla divulgação pela imprensa do chamado 'milagre do sol' porque as mensagens de Nossa Senhora, tão difundidas e repetidas atualmente em todo o mundo, eram totalmente desconhecidas à época, protegidas sob o selo do que ficou conhecido mundialmente depois como 'Segredo de Fátima'.

Com efeito, depois da primeira Aparição de Nossa Senhora, as três crianças prometeram entre si guardarem, sob escondimento completo, o teor das revelações marianas; a princípio provavelmente por receio humano e, mais tarde, movidos por um sentimento de obediência a um desígnio de natureza divina [Irmã Lúcia, Primeira Memória]. Esta intuição das crianças de guardarem segredo sobre as revelações de Nossa Senhora foi confirmada posteriormente pela própria Virgem, na aparição de 13 de julho, quando, após lhes ter revelado a primeira e a segunda parte do Segredo, lhes exortou enfaticamente: 'Isto não o digais a ninguém'. Assim, ao final de 1917 e nas décadas seguintes [as duas primeiras partes do Segredo somente foram formalmente reveladas publicamente por Lúcia em 1941, quando da publicação de sua Terceira e Quarta Memórias], a 'mensagem de Fátima' estava essencialmente restrita a um apelo urgente de Nossa senhora à humanidade por oração e penitência.

67. Qual foi a posição da Igreja após as aparições de Fátima?

De uma maneira geral, a posição da Igreja Católica em Portugal foi de silêncio, respeito e prudência. De um lado, os fatos extraordinários da aparição de 13 de outubro foram notórios e registrados por testemunhas bastante idôneas, inclusive muitos sacerdotes; por outro lado, o clero português estava bastante ciente dos riscos e perigos de novas sanções e perseguições por parte de um governo francamente hostil, maçônico e anti-católico. Certamente a segunda condição impôs uma norma de controle mais efetiva e praticamente geral (muitos sacerdotes desaconselhavam explicitamente as manifestações então favoráveis às mensagens de Fátima) que pouco foi alterada mesmo quando, em fevereiro de 1918, o presidente Sidónio Pais suspendeu muitas das leis anti-católicas estabelecidas pela chamada Lei de Separação entre as Igrejas e o Estado, o que suscitou reações diversas por parte da maçonaria e de grupos republicanos históricos (o presidente foi assassinado pouco depois, em dezembro de 1918). 

Em termos locais, em janeiro de 1918, apenas três meses depois da última aparição, a Santa Sé restabeleceu, após 60 anos, a Diocese de Leiria, à qual pertencia a aldeia de Fátima. O Reverendo José Alves Correia da Silva (1872 - 1957) foi nomeado bispo e tomou posse da sua Sé Episcopal em 5 de agosto de 1920. Apesar desse posicionamento inicial da Igreja de Portugal, contido e distante, e mesmo sem uma aprovação eclesiástica oficial, as peregrinações e romarias a Fátima começaram a se impor naturalmente pelo povo católico português, e em magnitude crescente nos anos seguintes. 

Em 3 de maio de 1922, um novo e importante marco se estabelece na história das aparições de Fátima D. José Alves Correia da Silva, bispo de Leiria, publica a 'Provisão sobre os acontecimentos da Fátima', em que faz uma reflexão sobre os milagres de Cristo, resume os acontecimentos ocorridos em Fátima nos últimos anos, salientando a enorme adesão popular apesar das perseguições das autoridades civis e do alheamento das autoridades religiosas e nomeia uma Comissão Especial, designando os seus vários membros*, com a missão de 'estudar este caso, e organizar o processo segundo as leis canônicas'.

* Rev. João Quaresma, Vigário Geral da Diocese; Rev. Faustino José Jacinto Ferreira, Prior do Olival e Vigário da Vara de Ourém; Rev. Dr. Manuel Marques dos Santos, Professor do Seminário; Rev. Dr. Joaquim Coelho Pereira, Prior da Batalha; Rev. Dr. Manuel Nunes Formigão Júnior, Professor do Seminário Patriarcal com autorização de S. Em.cia.; Rev. Joaquim Ferreira Gonçalves das Neves, Prior de Santa Catarina da Serra; Rev. Agostinho Marques Ferreira, Pároco da Fátima.

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D. José Alves Correia da Silva (bispo de Leiria entre 1920 e 1957)

68. Qual foi a posição do governo português logo após as aparições de Fátima?

A posição de antagonismo e franca hostilidade do governo português às aparições de Fátima foi claramente expressa desde a época das próprias aparições, com o lamentável episódio de sequestro dos três videntes durante a aparição prevista para o dia 13 de agosto de 1917, perpetrada pelo então administrador do Concelho de Ourém (ao qual Fátima era integrante), Artur de Oliveira Santos, inimigo ferrenho da Igreja Católica e presidente da Loja Maçônica de Ourém. As manifestações contrárias recrudesceram violentamente após o 'milagre do sol', inicialmente com séries de matérias tendenciosas e escarnecedoras sobre os eventos de Fátima pela mídia maçônica, depois com inúmeras tentativas de inibir e esvaziar as peregrinações à Cova da Iria, sem muitos resultados concretos. Estas atitudes de hostilidade declarada culminaram com o atentado à capelinha originalmente construída no local das aparições, em 1922.

69. Como foi construída a capelinha original das aparições?

Particularmente a partir da antevéspera da quarta aparição, uma camponesa chamada Maria dos Santos ou 'Maria da Capelinha', natural da aldeia de Moita Redonda e peregrina assídua à Cova da Iria, tinha recolhido os valores doados por inúmeros peregrinos quando de suas idas à Cova da Iria [ver Fato 50]. Além da preservação do sítio da pequena azinheira, cuidou zelosamente pela construção da primeira capelinha no local das aparições, tal como pedido por Nossa Senhora [ver Fato 52]:

– Que é que Vossemecê quer que se faça ao dinheiro que o povo deixa na Cova da Iria?
– Façam dois andores: um leva-o tu com a Jacinta e mais duas meninas, vestidas de branco; o outro que o leve o Francisco, com mais três meninos. O dinheiro dos andores é para a festa de Nossa Senhora do Rosário, e o que sobrar é para a ajuda de uma capela que hão de mandar fazer.

Com efeito, pela intervenção assídua e perseverante da Maria da Capelinha e após muitos percalços e dificuldades, o pai de Lúcia doou o terreno da Cova da Iria e uma capelinha foi construída no local das aparições, em pouco mais de um mês. A igrejinha modesta ficou concluída em 15 de junho de 1919 e foi executada pelo pedreiro Joaquim Barbeiro de Santa Catarina da Serra, e ficou conhecida por Capelinha das Aparições. 


A imagem de Nossa Senhora de Fátima (foto abaixo), feita segundo as orientações da irmã Lúcia, foi oferecida por Gilberto Fernandes dos Santos, feita em madeira de cedro do Brasil, medindo 1,10 m de altura, tendo sido benzida no dia 13 de maio de 1920 na Igreja Paroquial de Fátima, e passando a ocupar o lugar na Capelinha das Aparições a 13 de junho do mesmo ano.


70. Em que consistiu o atentado à capelinha original das aparições?

Em função dos boatos frequentes de atentados e tentativas de roubo, a imagem de Nossa Senhora era retirada toda noite do nicho da capela e guardada na casa de Maria da Capelinha. Esses cuidados mostraram-se bastante razoáveis pois, em 6 de março de 1922, a capelinha foi destruída por explosivos, o que resultou num grande buraco do telhado, embora nem todos os artefatos colocados tenham sido detonados. De maneira similar, uma outra bomba que havia sido colocada junto à azinheira das aparições não chegou a explodir. 


Estes eventos contribuíram apenas para aumentar ainda mais o fervor dos peregrinos e a magnitude das romarias à Cova da Iria, bem como crescentes protestos contra o governo. Por motivos de precaução, o Bispo de Leiria proibiu a reconstrução da capela. Neste contexto, a capelinha foi simplesmente recoberta por um telheiro improvisado, tornando-se então o centro do culto às aparições e mensagens de Fátima. Somente em 13 de maio de 1928, seria feito o lançamento e a bênção da pedra fundamental que daria origem ao Santuário de Fátima.