quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

COMO COMBATER A NEGLIGÊNCIA

A negligência é um obstáculo à perfeição, pois entrega os que têm este vício nas mãos dos inimigos. Para que não te tornes escravo deste pecado, é preciso que fujas da curiosidade, do apego aos bens terrenos e de qualquer ocupação que não convenha ao teu estado. É preciso que faças esforço para corresponder com presteza a toda a boa inspiração e a qualquer ordem de teus superiores, fazendo tudo no seu tempo, e do modo que os superiores querem.

Não demores, por pouco que seja, a obedecer. Esta falta de diligência acarretará uma segunda, logo uma terceira e outras muitas. Os sentidos se habituam à negligência e cederás então, mais facilmente que no princípio, pois já estás preso do prazer que provaste. E assim te irás habituando a começar teu trabalho muito tarde, ou então, deixá-lo-ás muitas vezes, como coisa imerecida. Pouco a pouco, irá se formando o hábito de negligência, que se tornará totalmente forte; no momento da falta, reconheceremos que somos muito negligentes, sentiremos repugnância de nós mesmos, mas somente faremos o propósito de, mais tarde ou em outra ocasião, sermos solícitos e diligentes.

Esta negligência atingirá toda a nossa alma. Seu veneno infeccionará não somente a vontade, fazendo-a aborrecer aquele trabalho, mas chegará a obcecar a inteligência, de modo tal que ela não verá como são vãos aqueles propósitos de resistir, no futuro, diligentemente, às tentações a que agora, voluntariamente, sucumbirmos. Não basta fazer, a qualquer momento, o que devemos fazer. É preciso esperar o seu tempo, que será marcado pela hora de realizá-lo, importa fazê-lo com toda a diligência, para que seja cumprido o dever, com toda a perfeição possível.

Fazer um trabalho antes do tempo não é diligência, mas finíssima negligência. Fazê-lo apressadamente e sem cuidado, com os olhos fitos no descanso que poderemos desfrutar depois, também não passa de negligência. Estes atos acarretam grande mal à alma, porque não se considera o valor da boa obra, feita ao seu tempo e não se enfrenta, com ânimo resoluto, a fadiga e as dificuldades que o vício da negligência apresenta sempre aos soldados novos.

Deves lembrar-te que uma só elevação da mente a Deus e uma genuflexão em sua honra valem mais que todos os tesouros do mundo. E que sempre que fazemos violência a nós mesmos e às nossas paixões viciosas, os anjos nos trazem do reino dos céus uma coroa de gloriosa vitória. Aos negligentes, Deus vai tirando as graças que lhes dava e, aos diligentes, as graças vão crescendo para que aquelas almas gozem um dia no Senhor.

Às vezes, é preciso que faças muitos e muitos atos para conquistar uma virtude e te afadigues muitos dias. Os inimigos te parecem então muito fortes. Começa por isso a produzir atos, como se fizesses pouca conta deles. Imagina que é por pouco tempo que te precisas afadigar. Combate contra um inimigo, como se não te restassem outros a serem combatidos. E tem sempre uma grande confiança no auxílio que Deus te dispensará, mais forte que o poder dos inimigos. Deste modo, tua negligência começará a se enfraquecer e tua alma se irá dispondo a adquirir a virtude contrária.

Digo o mesmo a respeito da oração. Se ela, por exemplo, deve durar uma hora e isto parece pesado à tua negligência, começa a rezar como se fosse fazer somente durante um oitavo de hora. Passarás depois com facilidade ao segundo oitavo, ao terceiro e assim por diante. Mas se, no segundo ou em algum outro oitavo de hora, sentisses que a repugnância e a dificuldade eram fortes demais deixa para depois a oração, para não te cansares em demasia. Mas não te esqueças de retomar, pouco depois, o exercício.

Do mesmo modo deves proceder quanto aos trabalhos manuais, quando acontece que precises fazer muitas coisas e pareçam dificultosas demais à tua negligência e te causam aflição. Começa o teu trabalho corajosamente e empreende cada uma de tuas obras como se fosse a única. Cumprirás assim, todo aquele mister que à tua negligência parecia de grande fadiga.

Se assim não fizeres e não combateres a negligência, prevalecerá em ti este vício, que, não somente a fadiga que sentires durante o exercício da virtude te assustará, mas temerás sempre as dificuldades que te advirão dos trabalhos futuros. E estarás sempre ansioso, temerás sempre os futuros assaltos do inimigo e recearás, a todo o momento, que alguém te venha impor alguma coisa desagradável. Viverás sempre inquieto.

E lembro-te, filho, de que este vício da negligência, pouco a pouco, com seu veneno escondido, não somente ataca as primeiras e pequeninas raízes, que fariam crescer os hábitos das virtudes, mas ferem também os hábitos já adquiridos. É como o cupim. O vício vai roendo insensivelmente e consumindo o âmago da vida espiritual. O demônio arma este laço contra todos os homens, especialmente contra os mais piedosos.

Vigia, portanto, reza e pratica o bem e não te demores a tecer a fazenda para a veste nupcial, pois deves estar sempre pronta para ir ao encontro do esposo. E lembra-te todo o dia, de que quem te dá a manhã não te promete a tarde, e quem te dá a tarde não te promete a manhã seguinte. Usa, portanto, de todos os teus segundos e minutos, de acordo com a Vontade Divina, como se fossem os últimos momentos de tua vida. Além disto, deverás prestar conta minuciosíssima de todos os teus instantes.

Concluo, aconselhando-te a que tenhas como perdido o dia em que, mesmo se trabalhaste muito, não conseguiste muitas vitórias contra as tuas más inclinações e contra a tua vontade própria, ou não agradeceste ao Senhor dos benefícios que te concedeu, particularmente a penosa Paixão que Ele sofreu por ti, e paterno e doce castigo com que te puniu, te fez digno do tesouro inestimável de algumas tribulações.

(Excertos da obra 'O Combate Espiritual e o Caminho do Paraíso', de Lourenço Scúpoli)