quarta-feira, 5 de outubro de 2016

QUESTÕES SOBRE A NATUREZA DO DEMÔNIO (IV)


Questão 8: Existe o tempo para os demônios? 


Sim, existe [também] o tempo para os demônios. Não é um tempo como o nosso (um tempo material), mas se trata de um tempo próprio dos espíritos, tempo que é chamado de 'evo' (ævum em latim). O evo é a sucessão dos atos de entendimento e de vontade em um ser espiritual. Os atos da razão e da vontade se sucedem, provocando um antes e um depois; um antes de um determinado ato de entendimento ou de ato de querer algo. Desde que se tem um antes e um depois, existe algum tipo de tempo.

Portanto, quando se diz que os espíritos no céu ou no inferno estão na eternidade, há que se entender com esta afirmação que eles estão em uma interminável sucessão temporal, uma sucessão de tempo sem fim, com princípio (quando foram criados), porém sem fim. Somente Deus está em um eterno presente, somente nEle não há sucessão de tempo de espécie alguma. NEle não há transcorrido nunca nem um segundo sequer, nem antes e nem depois. A eternidade de Deus é qualitativamente distinta da eternidade do tempo material (com um princípio e sem fim) e da eternidade do evo (também com um princípio e sem fim).

Sobre este modo de tempo - o evo - São Tomás de Aquino já falava no século XIII na Primeira Parte da Questão X, artigo V de sua Summa Theologica e certamente a alguns pôde parecer que o seu raciocínio era excessivamente teórico. Porém, ao escutar relatos de pessoas que passaram por experiências de quase-morte, pessoas que viveram a experiência de uma separação do corpo, de penetrarem em um 'túnel', etc, constata-se que, ao lhes ser perguntado se havia tempo nessa experiência, ou seja, se perceberam a passagem do tempo, as respostas dadas concordam plenamente com o que São Tomás de Aquino explica sobre o evo ao falar dos espíritos imateriais.

Questão 9: No que pensa um demônio? 

Todo anjo decaído conserva a inteligência de sua natureza angélica e, com ela, segue conhecendo. Conhece e indaga com a sua mente o mundo material e espiritual, o mundo real e o intelectual. Como um ser espiritual, eminentemente intelectual, não há dúvidas de que está profundamente interessado nas questões de ordem conceitual. Ele sabe muito bem que a filosofia é a mais elevada das ciências e, inclusive, que a teologia está acima da filosofia; porém, odeia a Deus. No conhecimento, encontra prazer, mas também sofrimento. Sofre a cada vez que esse conhecimento o leva a considerar a Deus. E o demônio percebe continuamente a ordem e a glória do Criador em todas as coisas. Até mesmo nas coisas aparentemente mais neutras, ele se defronta com o reflexo e a confirmação dos atributos divinos. 

Mas o demônio não está sempre sofrendo, em cada instante. Muitas, vezes, está simplesmente pensando. Ele sofre em certos momentos, quando se recorda de Deus, quando volta a se dar conta do seu estado miserável, de sua separação de Deus, no remorso de sua consciência. Certas vezes sofre mais, outras vezes menos, mas seu sofrimento não é uniforme e estas variações ocorrem segundo a intensidade que assinala a deformidade moral de cada demônio. Seria terrível imaginar os demônios como seres permanentemente em sofrimento, em cada instante e cada momento. A separação de Deus produz sofrimento por toda a eternidade, mas é um sofrimento de afastamento e não um sofrimento de um instrumento de tortura, em ação contínua. O demônio não está sempre nos tentando, nem está sempre retorcendo-se sob dores espirituais [tremendas].

Questão 10: Qual é a linguagem utilizada pelos demônios? 

A linguagem utilizada pelos demônios é exatamente a mesma que a usada pelos anjos. Os anjos não necessitam de nenhuma língua ou idioma para comunicar-se entre si, pois se comunicam com espécies inteligíveis. As espécies inteligíveis são os pensamentos que se transmitem entre eles. Nós manifestamos palavras e eles se comunicam, diretamente por pensamentos em estado puro, sem necessidade de intervenções sensíveis ou sinais. As espécies inteligíveis podem ser comunicações por raciocínios, imagens, sentimentos, etc. A transmissão destas espécies inteligíveis se faz por telepatia, por atos de vontade, e pode suscitar diálogos como no caso dos seres humanos. As inteligências humanas comunicam os seus raciocínios por meio de palavras, que são sinais [sensíveis]. Os espíritos angélicos comunicam-se entre si por meio de pensamentos em estado puro. 

Questão 11: Onde estão os demônios? 

Tanto as almas dos condenados como as dos demônios não podem deslocar-se nas coordenadas do espaço. Também não se pode dizer que estão em outra dimensão. O que significa estar ou não estar em outra dimensão para um espírito? Simplesmente que não estão em lugar algum. Existem, mas não estão nem aqui nem acolá. Diz-se que um demônio está em um local quando atua nesse local. Se um demônio está tentando alguém aqui, diz-se que ele está aqui. Se um demônio toma posse de um corpo acolá, diz-se que ele está acolá. Se um demônio move um móvel num lugar num fenômeno tipo poltergeist, diz-se que ele está neste lugar. Mas, na realidade, ele não está ali, mas apenas atuando ali. O inferno, o céu e o purgatório são estados. 

[Apenas] depois da ressurreição dos corpos dos condenados, aí estarão em um local determinado e, assim, o inferno será um lugar. Os corpos dos bem-aventurados também ocuparão um lugar. Por isso, lê-se na Bíblia: 'e vi um novo céu e uma nova terra' (Ap 21, 1). Daí depreende-se que os bem-aventurados habitarão a terra restaurada novamente após a destruição narrada no Apocalipse. Sabendo que os bem-aventurados habitarão, em corpo, nesta terra, onde estarão os homens condenados? Nada se pode afirmar com segurança [sobre isso]. Alguns pensam que o lugar deles encontra-se no centro deste mesmo mundo [núcleo da terra]. 

(Excertos da obra 'Summa Daemoniaca', do Pe. Jose Antonio Fortea, tradução do autor do blog)