quinta-feira, 31 de março de 2016

HISTÓRIAS QUE OUVI CONTAR (XV)

Na vida austera dos claustros, um hábito recorrente dos monges é caminhar por alas e galerias em oração e silencioso recolhimento. Neste caminho, as marcas das sandálias traduzem a história e os ciclos da vida humana em novos rumos e momentos, conformando a teia espiritual de homens consagrados a cumprir, nas mínimas coisas, a Santa Vontade de Deus. 

Tomás fazia a sua caminhada habitual naquela manhã, na parte mais erma do mosteiro. Estava recolhido nos seus pensamentos centrados na Paixão do Senhor, inserido na miséria contraditória de Longuino, o soldado que iria perfurar o lado de Jesus, o ressuscitado em Cristo pelo sangue e pela água aspergidos sobre a sua fronte de pecador. Andava em passos decididos e firmes pelo hábito, ainda que lentos, demarcados pelo domínio de idade muito avantajada.

Imerso em suas meditações profundas, só se deu conta da presença do jovem frade, quando este lhe dirigiu, com voz altercada, uma segunda admoestação: 'Meu bom irmão, a meu pedido, o superior deste convento me concedeu a permissão para que eu acompanhasse na oração o primeiro monge que eu encontrasse na parte mais erma do mosteiro. Nesta manhã, só o encontrei fazendo caminhada aqui e, assim, humildemente, solicito que me conceda compartilhar com o senhor não apenas a sua companhia mas também as suas meditações a partir de agora'.

'Que seja, portanto, se isso for do seu agrado e interesse' e, sem mais delongas, convidou o jovem frade a segui-lo, passando a compartilhar com ele, em voz alta, suas orações e devoções. Seguiram juntos pelo trajeto inteiro das alas uma vez e uma vez mais. Entretanto, o jovem frade, um pouco entediado pela lentidão dos passos do monge idoso, aprumou a marcha e começou a andar com mais vigor e pressa. E o monge mais velho passou a segui-lo com igual firmeza e rapidez, sem perder as respostas e o diálogo das orações que faziam juntos.

O jovem frade quis colocar à prova os limites físicos do bom homem e começou a andar cada vez mais depressa, com atitude cada vez mais voltada à sua própria caminhada, aparentando não se dar conta da presença do companheiro de jornada. E, num esforço supremo, o velho monge continuava no seu encalço e repetia os desdobramentos das orações de viva voz. E, submetido a quase uma corrida de obstáculos, parecia voar sobre os mesmos e se mantinha ao lado do frade cada vez mais em desabalada carreira.

Eis que, enfim, o próprio frade se deu conta do seu cansaço e de sua má atitude, refreando os passos e passando a andar em marcha lenta. Admirou-se de ver o velho monge continuar as orações em comum, sem grandes sinais de ofegação ou interrupção. E, somados os atos e os fatos, concluíram ambos aquela maratona contemplativa pelos ermos do mosteiro.

Ao entrarem na galeria interna do claustro, foram recepcionados alegremente pelo superior: 'Meu jovem, que felicidade a sua! Você teve a honra e a graça de caminhar e de orar em companhia de Tomás de Aquino! Quão poucos tiveram essa tão grande honra na vida!' Pálido de espanto, o noviço mal conseguia balbuciar agora meia dúzia de palavras. 'Tomás, Tomás de Aquino?' E olhava boquiaberto para o velho monge ao seu lado. 'Eu mesmo, meu irmão, e lhe agradeço por ter-me feito voltar, nesta manhã, às manhãs da minha mocidade!'

Assustado e, caindo de joelhos, o jovem frade pedia perdão ao velho monge por tê-lo submetido à prova tão despropositada. O superior o recriminou de imediato por atitude tão infeliz, dispensando-o em seguida. Voltando-se, então, para Tomás, o questionou: 'Por que o senhor agiu assim e se submeteu às sandices desse rapaz?' O doutor angélico, apertando suavemente as mãos do superior, respondeu: 'Não se preocupe. Na obediência, encontra-se a perfeição da vida religiosa e, por meio dela, o homem deve se submeter ao homem em nome de Deus, tal como o próprio Deus obedeceu ao homem em favor do homem'*

* 'Quod in obedientia perficitur omnis religio, qua homo homini propter Deum subicit, sicut Deus homini propter hominem obediuit'