terça-feira, 7 de julho de 2015

DAS GRAÇAS EXCELSAS DE MARIA (I)

O ESPÍRITO DE MARIA

Uma das condições da beleza perfeita, da beleza ideal, é a relação e a proporção exata entre as diferenças faculdades do homem, entre o seu corpo e sua alma. Em Maria admiramos uma alma ornada de todas as virtudes e um coração transbordante do mais profundo amor. Resta-nos ver o espírito da Virgem, o espírito mais nobre e mais admirável que jamais houve, depois de Jesus Cristo: inteligência ornada dos conhecimentos mais variados e mais profundos.

Primeiramente, consideremos estas maravilhas interiores; em seguida, contemplaremos, por um instante, a beleza corporal de Maria: beleza única, aliás, pois era o reflexo de uma alma, de um coração e de um espírito acima de tudo o que podemos imaginar. São João Damasceno, no seu primeiro sermão sobre a natividade da bem-aventurada Virgem, chama-a de 'a boa graça da natureza humana'. São Jorge de Nicomedia exclama: 'Ó mais bela e mais agradável de todas as belezas - Ó Virgem santa, ornamento inigualável de toda beleza!' Ricardo de São Vítor louva-a, dizendo que 'o seu rosto é tão angélico quanto a sua alma'. Confirma-o São Gregório Nazianzeno, dizendo que 'em matéria de beleza, ela ultrapassa a todos os outros seres'.

Outro tanto a seu respeito proclamam todos os doutores, enobrecendo-a até, pois dentre eles muitos chegam a dizer que, ao se reunir à sua alma para ser elevado ao céu, o seu corpo era tão belo e tão proporcionado, que não foi necessário corrigi-lo ou reformá-lo, como todos os outros, mas, no estado em que se achava, foi capaz de receber as riquezas da glória e ser revestido da veste da imortalidade. Mas se seu corpo era dotado de tal beleza, qual não era a perfeição do seu espírito?

Seu corpo tão perfeito, único em sua espécie, era digno de um espírito elevado, nobre e transcendente. Encontramos razões poderosíssimas sobre a necessidade de um espírito elevado em Maria, na eleição, no ministério e na ação que a bendita Virgem devia exercer, segundo os desígnios de Deus. Como mais tarde Madalena, antes que ela fizesse a escolha pela melhor parte, que é o retiro e a contemplação, o próprio Céu havia-a escolhido para este fim, destinando-a às obras da mais sublime contemplação que espírito algum jamais havia praticado.

Além do que nos ensinam os santos doutores, não podemos duvidar, desde que cremos ser ela a Mãe de Deus. Disto é preciso deduzir que, pela santificação e pela sua imaculada conceição, Deus lhe deu todos os conhecimentos intelectuais, conformes ao seu estado, e por isso ela devia chegar a este grau eminente de contemplação no qual possuía um conhecimento excelso de si mesma, das criaturas intelectuais, dos mistérios ocultos e das ações morais. As revelações da Divina Mãe foram quase contínuas e também as mais elevadas que tem havido, revelações pelas quais Santo André de Creta a chama: 'fonte de revelações divinas, que não pode ser esgotada'.

São Lourenço Justiniano diz que 'elas deviam ultrapassar as revelações de todos os santos, tanto quanto maior havia sido o número de graças que Ela havia recebido, e que estava acima das graças que aos santos deviam ser comunicadas'. Ora, é certo que elas requerem um espírito claro, penetrante, firme e elevado acima de tudo o que nós podemos imaginar na mais alta elevação de nosso espírito. Secundariamente, era destinada a fazer companhia ao Filho de Deus, em que estavam ocultos 'todos os tesouros da sabedoria e da ciência de Deus', como diz São Paulo.

Daqui se pode dizer que, se não tivesse havido alguma relação ou proporção entre estes dois espíritos, chegar-se-ia à conclusão de que a condição de Nosso Senhor tenha sido desvantajosa, por ter Ele muito tempo necessitado de uma companhia à sua grandeza, e de que a Santíssima Virgem tenha sido até digna de compaixão, desprovida da capacidade necessária quanto à inteligência dos admiráveis segredos que, sem cessar, Ele lhe revelava e que um dia ela deveria comunicar aos discípulos.

Eis mais um terceiro ofício da Mãe de Deus que lhe merecia o dom de um espírito elevado: a sua qualidade de soberana da Igreja: 'Ela havia sido proposta aos apóstolos e discípulos do Salvador', diz muito bem Santo Anselmo, para repetir-lhes e explicar-lhes o que Ele lhes havia ensinado, e o que o Espírito Santo lhes revelava e que evidentemente ela compreendia melhor do que eles'. Eis por que os santos a chamam de 'a mestra dos apóstolos' e Santo Inácio, 'a mestra de nossa religião'. Como poderia ela preencher esta missão tão importante para com a Igreja, se não tivesse recebido de Deus um espírito sublime? Sustentá-lo seria dizer que se pode voar sem ter asas, ver sem ter olhos e ouvir sem ouvidos. 

Finalmente, consideremos os atos de heroicas e extraordinárias virtudes que ela devia praticar. Estes atos são singularmente avantajados e mais facilitados aos espíritos dotados de uma inteligência viva, como se verifica entre os maiores doutores da Igreja. Eles aliaram ao seu eminente espírito e à sua sã doutrina uma virtude não menos extraordinária e imensamente acima daquela que é comum aos homens. 'Livre de tudo o que é criado', diz a venerável Joana de Matel, 'o espírito de Maria se achava sempre pronto a corresponder-lhe. Era uma mesma carne com o Verbo encarnado, como era um mesmo espírito com a Santíssima Trindade. ela se unia a Deus de todo o seu coração e de toda a sua alma, pois nela e em seu seio bendito o Verbo Divino havia tomado a sua humanidade santíssima'.

Digamos, pois, sem receio que Maria, tão magnificamente dotada, em relação ao espírito como quanto ao coração, estava certamente em estado de corresponder aos desígnios adoráveis do Altíssimo, quando foi chamada por Deus à dignidade de Mãe de Deus, criatura privilegiada, prodígio do Seu poder, de Sua sabedoria e de Seu amor. Quem jamais poderia avaliar os transportes inefáveis de amor e reconhecimento que fizeram pulsar de alegria o coração da Virgem, na hora em que a sua alma, contemplando-se a si mesma, considerou o poder e a profundeza de espírito com que a bondade infinita se aprouve em orná-la! Quem de nós poderíamos ficar insensíveis a este espetáculo?

(Excertos da obra 'Por que amo Maria', pelo Pe. Júlio Maria)