sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

VÍDEOS CATÓLICOS: ALTAR DE SÃO JOÃO BOSCO

 (Altar de São João Bosco - Basílica de Maria Auxiliadora em Turim)

31 DE JANEIRO - SÃO JOÃO BOSCO


Filho de uma humilde família de camponeses, São João (Melchior) Bosco nasceu em Colle dos Becchi, localidade próxima a Castelnuovo de Asti em 16 de agosto de 1815. Órfão de pai aos dois anos, viveu de ofícios diversos na pobreza da infância e da juventude, até ser ordenado sacerdote em 5 de junho de 1841, com a missão apostólica de servir, educar e catequizar os jovens, o que fez com extremado zelo e santificação durante toda a sua vida.

Em 1846, fundou o Oratório de São Francisco de Sales em Turim, dando início à sua obra prodigiosa, arregimentando colaboradores e filhos, aos quais chamava de salesianos, em meio a um intenso e profícuo apostolado. Em 1859, fundou  a Congregação Salesiana e, em 1872, com a ajuda de Santa Maria Domingas Mazzarello, fundou o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora para a educação da juventude feminina. Em 1875, enviou a primeira turma de seus missionários para a América do Sul. No Brasil, as primeiras casas salesianas foram o Colégio Santa Rosa em Niterói e o Liceu Coração de Jesus em São Paulo. 

Faleceu a 31 de janeiro de 1888 em Turim, aos 72 anos, deixando como herança cristã a Congregação Religiosa Salesiana espalhada por diversos países da Europa e das Américas. O Papa Pio XI, que o conheceu e gozou da sua amizade, canonizou-o na Páscoa de 1934. Popularizado como 'Dom Bosco', foi aclamado pelo Papa João Paulo II como 'pai e mestre da juventude' e se tornaram lendários os seus sonhos proféticos (exemplo abaixo), que ele narrava em suas pregações aos jovens salesianos.

A BIGORNA E O MARTELO

Em 20 de agosto de 1862, depois de rezadas as orações da noite e de dar alguns avisos relacionados com a ordem da casa, Dom Bosco disse: 'Quero contar-lhes um sonho que tive faz algumas noites'.

Sonhei que estava em companhia de todos os jovens em Castelnuovo do Asti, na casa de meu irmão. Enquanto todos faziam recreio, dirigiu-se a mim um desconhecido e convidou-me a acompanhá-lo. Segui-o e ele me conduziu a um prado próximo ao pátio e ali indicou-me, entre a erva, uma enorme serpente de sete ou oito metros de comprimento e grossura extraordinária. Horrorizado ao contemplá-la, quis fugir.

— 'Não, não' — disse-me meu acompanhante — 'não fujas; vem comigo'.
 'Ah!' — exclamei — 'não sou tão néscio para me expor a um tal perigo'.
— 'Então' — continuou meu acompanhante —'aguarda aqui'.
E, em seguida, foi em busca de uma corda e com ela na mão voltou novamente junto a mim e disse-me:
— 'Tome esta corda por uma ponta e agarre-a bem; eu agarrarei o outro extremo e por-me-ei na parte oposta e, assim, a manteremos suspensa sobre a serpente'.
— 'E depois?'
— 'Depois a deixaremos cair sobre a espinha dorsal'.
— 'Ah! não; por caridade. Pois ai de nós se o fizermos! A serpente saltará enfurecida e nos despedaçará'.
— 'Não, não; confie em mim' — acrescentou o desconhecido —'eu sei o que faço'.
— 'De maneira nenhuma; não quero fazer uma experiência que pode-me custar a vida'.

E já me dispunha a fugir, quando o homem insistiu de novo, assegurando-me que não havia nada que temer; e tanto me disse que fiquei onde estava, disposto a fazer o que me dizia. Ele, entretanto, passou do outro lado do monstro, levantou a corda e com ela deu uma chicotada sobre o lombo do animal. A serpente deu um salto voltando a cabeça para trás para morder ao objeto que a tinha ferido, mas em lugar de cravar os dentes na corda, ficou enlaçada nela mediante um nó corrediço. Então o desconhecido gritou-me:

— 'Agarre bem a corda, agarre-a bem, que não se lhe escape'.

E correu a uma pereira que havia ali perto e atou a seu tronco o extremo que tinha na mão; correu depois para mim, agarrou a outra ponta e foi amarrá-la à grade de uma janela. Enquanto isso, a serpente agitava-se, movia-se em espirais e dava tais golpes com a cabeça e com sua calda no chão, que suas carnes rompiam-se saltando em pedaços a grande distancia. Assim continuou enquanto teve vida; e, uma vez morta, só ficou dela o esqueleto descascado e sem carne. Então, aquele mesmo homem desatou a corda da árvore e da janela, recolheu-a, formou com ela um novelo e disse-me:

— 'Presta atenção!'

Colocou a corda em uma caixa, fechou-a e depois de uns momentos a abriu. Os jovens tinham-se ajuntado ao ao meu redor. Olhamos o interior da caixa e ficamos maravilhados. A corda estava disposta de tal maneira, que formava as palavras: Ave Maria!

— 'Mas como é possível?' — disse — 'Você colocou a corda na caixa e agora ela aparece dessa maneira!'.

— 'Olhe' — disse ele — 'a serpente representa o demônio e a corda é a Ave Maria, ou melhor, o Santo Rosário, que é uma série de Ave Marias com a qual e com as quais se pode derrubar, vencer e destruir todos os demônios do inferno.

Enquanto falávamos sobre o significado da corda e da serpente, voltei-me para trás e vi alguns jovens que, agarrando os pedaços da carne da serpente, os comiam. Então gritei-lhes imediatamente:

— 'Mas o que é o que fazem? Estão loucos? Não sabem que essa carne é venenosa e que far-lhes-á muito dano?'

'Não, não' — respondiam-me os jovens — 'a carne está muito boa'.

Mas, depois de havê-la comido, caíam ao chão, inchavam-se e tornavam-se duros como uma pedra. Eu não podia ficar em paz porque, apesar daquele espetáculo, cada vez era maior o número de jovens que comiam aquelas carnes. Eu gritava a um e a outro; dava bofetadas a este, um murro naquele, tentando impedir que comessem; mas era inútil. Aqui caía um, enquanto que lá começava a comer outro. Então chamei os clérigos em meu auxílio e disse-lhes que se mesclassem entre os jovens e se organizassem de maneira que ninguém comesse aquela carne. Minha ordem não teve o efeito desejado, pois alguns dos clérigos começaram também a comer as carnes da serpente, caindo ao chão como os outros. Eu estava fora de mim quando vi a meu redor um grande número de moços estendidos pelo chão no mais miserável dos estados. Voltei-me, então, para desconhecido e disse-lhe:

— 'Mas o que quer dizer isto? Estes jovens sabem que esta carne ocasiona-lhes a morte e, contudo, a comem. Qual é a causa?'

Ele respondeu-me: 'Já sabes que animalis homo non percipit ea quae Dei sunt: Alguns homens não percebem as coisas que são de Deus'.

— 'Mas não há remédio para que estes jovens voltem em si?'

— 'Sim, há'.

— 'E qual seria?'

— 'Não há outro que não seja pela bigorna e pelo martelo'.

— 'Bigorna? Martelo? E como terei que empregá-los?'

— 'Terás que submeter os jovens à ação de ambos estes instrumentos'.

— 'Como? Acaso devo colocá-los sobre a bigorna e golpeá-los com o martelo?'

Então meu companheiro me esclareceu, dizendo:

— 'O martelo significa a Confissão e a bigorna, a Comunhão; é necessário fazer uso destes dois meios'.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

'ORAI SEM CESSAR'

Que ninguém pense, meus caros irmãos em Cristo, que o dever de orar incessantemente é somente dos sacerdotes e dos monges, mas não dos leigos. Não, não; todos nós, cristãos, temos o dever de estarmos sempre em estado de oração. Ponderem no que o santo Patriarca de Constantinopla, Filoteu, escreveu na vida de São Gregório de Tessalônica.

Este hierarca tinha um amigo amado cujo nome era Jó, um homem simples mas de boas obras. Certa vez eles estavam conversando, e o bispo disse que todos os cristãos deveriam sempre se esforçar em oração, e deveriam orar constantemente, conforme o Apóstolo Paulo exortara: 'Orai sem cessar' (I Tessalonicenses 5:17); e conforme o Profeta Davi dissera de si próprio [a despeito de ser rei e de governar todo um reino]: 'Tenho contemplado o Senhor sempre diante de mim' (Salmo 15:8), isto é, com meu olho da mente eu sempre vejo o Senhor diante de mim em oração. E São Gregório, o Teólogo, ensina a todos os cristãos que eles devem invocar o nome de Deus mais vezes do que respiram.

Tendo dito isto e muito mais, o hierarca ainda acrescentou a seu amigo Jó que não somente devemos obedecer ao mandamento dos santos, isto é, de sempre orar, mas que devemos ensinar aos demais a fazer o mesmo; a todos, sem distinção – monges e leigos, cultos e incultos, homens e mulheres, e crianças – devemos exortá-los a orar sem cessar.

O velho Jó, ao ouvir essas coisas, achou que se tratava de inovações, e começou a argumentar, dizendo ao hierarca que orar incessantemente era tarefa de ascetas e monges, ‘que viviam fora do mundo e de suas preocupações, e não de leigos, que possuem muitas preocupações e atividades’. O hierarca trouxe ainda mais evidências em favor desta verdade e novas provas irrefutáveis, mas, mesmo assim, o velho Jó não se deixou convencer. Então, a fim de evitar contendas e discussões, o santo Gregório calou-se, e cada um foi para sua cela.

Mais tarde, quando Jó estava orando sozinho em sua cela, apareceu-lhe um anjo enviado de Deus, que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade (I Timóteo 2:4), e repreendeu-o por ter discutido com São Gregório e por ter negado uma verdade tão evidente, da qual depende a salvação dos cristãos. Ele anunciou do próprio Deus que, no futuro, ele deveria prestar atenção e tomar cuidado para não dizer nada contrário a esta questão salvífica e para não resistir à vontade de Deus, e que até mesmo em sua mente ele não deveria sustentar qualquer pensamento contrário a isto, não se permitindo pensar em nada que negue o que São Gregório havia dito. Então, o simples e velho Jó correu até São Gregório e, ajoelhando-se, pediu perdão pela discussão, revelando-lhe tudo o que o anjo de Deus havia dito.

Ora, vedes, meus irmãos, como todos os cristãos, do menor ao maior, devem sempre orar dentro de seus corações: 'Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim!', a fim de que suas mentes e corações sempre tenham o hábito de pronunciar estas santas palavras. Ponderem o quanto isso é agradável a Deus e o bem que isso gera, quando, em Seu infinito amor pela humanidade, Ele enviou um anjo do céu para revelar isso a nós, de maneira que ninguém mais tenha dúvidas a respeito.

Mas o que dizem os leigos? 'Estamos sobrecarregados de coisas para fazer e preocupações mundanas; como conseguiremos orar sem cessar?'

Eu lhes responderia que Deus não nos manda fazer o impossível, mas somente aquilo que somos capazes de fazer. E, portanto, isso pode ser feito por qualquer um que busque fervorosamente a salvação de sua alma. Se isso fosse impossível, então seria impossível a qualquer um que vivesse no mundo e não haveria tantas pessoas, em meio ao mundo, que estivessem rezando incessantemente como se deve. Entre estas muitas pessoas, podemos citar o exemplo do pai de São Gregório de Tessalônica, o impressionante Constantino, que, apesar de estar envolvido na vida da corte, sendo chamado de pai e tutor do Imperador Andrônico e ocupado diariamente com questões estatais e familiares – ele tinha uma grande propriedade com muitos servos, uma esposa e filhos – apesar de tudo isso, ele era tão inseparável de Deus, e tão apegado à oração mental incessante, que frequentemente se esquecia o que o Imperador e seus ministros estavam discutindo e frequentemente lhes perguntava a mesma coisa. Os ministros, sem entender o porquê das perguntas insistentes, irritavam-se e o reprovavam por ser tão esquecido e por molestar o Imperador com perguntas repetitivas. Mas o Imperador, sabendo a razão por trás disso tudo, vinha em sua defesa e dizia: 'Constantino tem seus próprios pensamentos que, às vezes, não lhe permitem prestar total atenção ao que estamos dizendo'.

Há inúmeras pessoas que, vivendo no mundo, se entregaram à oração incessante, conforme a história atesta. Portanto, meus caros irmãos em Cristo, eu vos exorto – eu, juntamente com São João Crisóstomo – pelo bem da salvação de vossas almas, não negligencies essa oração. Imiteis o exemplo daqueles de quem falei, e sigais seu exemplo o quanto puderes. Em princípio, pode parecer algo muito difícil, mas assegurai-vos, como se isto viesse do Deus Altíssimo, de que o próprio nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, incessantemente invocado por vós, ajudar-vos-á a superar todas as dificuldades e, com o tempo, vós estareis acostumados e desfrutareis da doçura do nome do Senhor. Então, sabereis por experiência que esta atividade não é impossível nem difícil, mas possível e fácil. É por isso que São Paulo, sabendo muito mais do que nós o grande benefício que esta oração traz, exorta-nos a orar sem cessar. Ele não teria exigido isso de nós se fosse algo assim tão difícil e totalmente impossível, sabendo de antemão que, fosse esse o caso, sendo impossível cumprir a tarefa, seríamos inevitavelmente desobedientes a seu mandamento e nos tornaríamos transgressores dele e, por causa disso, dignos de julgamento e punição. Mas esta não poderia ter sido a intenção do Apóstolo Paulo.

Para orarmos dessa maneira, temos de ter em mente o método da oração, como é possível orar sem cessar, isto é, orar com a mente. Sempre é possível fazer isso, se quisermos. Enquanto nos ocupamos com trabalhos manuais, enquanto falamos, enquanto comemos ou bebemos – sempre é possível orar com a mente, ou a oração agradável a Deus, a verdadeira oração. Trabalhemos com o corpo, mas com a alma, oremos. Que o homem exterior desempenhe todas as atividades corporais, mas que o homem interior esteja completamente entregue ao serviço de Deus e nunca cesse a atividade espiritual da oração mental, conforme Jesus, o Deus-Homem, mandou no Santo Evangelho: 'Tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto' (Mateus 6:6). O aposento da alma é o corpo: a porta são os cinco sentidos do corpo. A alma entra em seu aposento quando a mente não perambula aqui e ali, em busca de coisas mundanas, mas quando encontra seu lugar no coração. Os sentidos se fecham e mantêm-se assim quando não lhes permitimos que se apeguem a coisas sensuais exteriores, e, dessa forma, a mente permanece livre de todos os apegos mundanos e, por meio da oração mental oculta, une-se a Deus seu Pai.

'E teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente', continua o Senhor. Deus, que conhece tudo o que está oculto, vê a oração mental e recompensa com grandes e manifestos dons. Pois esta é a verdadeira e perfeita oração que enche a alma com a graça divina e com dons espirituais – como mirra que, quanto mais estiver contida em um vaso, tanto mais esse vaso exalará fragrâncias. É assim com a oração: quanto mais compartimentada estiver no coração, tanto mais abundará com a graça de Deus.

Bem-aventurados os que se acostumaram com essa atividade celestial, pois através dela vencem todas as tentações dos espíritos malignos, assim como Davi venceu o orgulhoso Golias. Dessa maneira, eles sufocam os desejos desordenados da carne, assim como os três jovens sufocaram as chamas da fornalha. Por meio da oração mental, as paixões são domadas, assim como Daniel domou as bestas selvagens. Ela traz o orvalho do Espírito Santo ao coração, assim como as orações de Elias trouxeram chuva ao Monte Carmelo. A oração mental alcança o próprio trono de Deus, onde é entesourada em taças douradas e, como um incenso, exala uma doce fragrância diante do Senhor, exatamente como São João, o Teólogo, viu em sua revelação: 'Os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um deles uma harpa, e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos' (Apocalipse 5,8). A oração mental é a luz que ilumina a alma do homem e inflama seu coração com o fogo do amor a Deus. É a corrente que une Deus ao homem e o homem a Deus. Ó, não há nada que se compare com a graça da oração mental! Ela faz do homem um eterno dialogador com Deus. Ó verdadeira excelência e excelentíssima tarefa! Em corpo vós estais com as pessoas, mas mentalmente conversais com Deus.

Os anjos não possuem vozes audíveis, mas mentalmente rendem louvor constante a Deus. Eis sua ocupação; toda sua vida é dedicada a isso. E tu também, irmão, quando entrares no teu aposento e fechares a porta, isto é, quando tua mente não mais perambular por aí, mas entrar nos recessos interiores do teu coração, e teus sentidos forem trancados e afastados das coisas do mundo, e dessa maneira tu sempre orares, então serás como os santos anjos, e teu Pai, que vê tua oração secreta que rendes a Ele dos tesouros do teu coração, conferirá a ti grandes e manifestos dons espirituais.

E o que mais tu desejas disto, quando, conforme eu disse, mentalmente tu estás sempre na presença de Deus e conversas com Ele incessantemente – tu conversas com Deus, sem O qual nenhum homem jamais será abençoado aqui ou na outra vida.

[São Gregório Palamas (1296 - 1359), Homilia]

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

Rezar é falar com Deus, rezar é louvar a Deus, rezar é dizer a Deus que o amamos; rezar é contemplar Deus; rezar é ter o espírito e o coração ligados a Deus; rezar é pedir perdão a Deus; rezar é chamar Deus em nosso socorro; rezar é pedir a Deus para nós e para todos a santidade e a salvação… Ora, o amor tem o efeito necessário de dizer que se ama e de repeti-lo sob todas as formas, de louvar o que se ama sem fim e sem medida… Portanto a prece é inseparável do amor, a ponto de que nossas preces serão, de alguma maneira, a medida do nosso amor…

(Beato Charles de Foucauld – O Espírito de Jesus).

COMO SE DEVE REZAR

As palavras e as súplicas dos que oram devem ser disciplinadas, serenas, contidas e respeitosas; tenhamos em conta que estamos na presença de Deus. Devemos ser agradáveis aos olhos de Deus tanto pela atitude do corpo como pela moderação da voz, pois se é próprio do despudorado rezar aos gritos, ao homem discreto convém orar modestamente. Além disso, no seu magistério, o Senhor preceituou-nos que rezássemos em segredo, em lugares afastados e recolhidos, e até no próprio quarto, pois é o que mais convém à fé; assim temos presente que Deus está em toda a parte, que nos ouve e vê a todos, e que a imensidão da sua majestade penetra nos lugares mais recônditos e ocultos, tal como está escrito: 'Eu sou um Deus que se aproxima, não um Deus longínquo. Se o homem se ocultar em lugares ocultos, por acaso não o verei? Não preencho o céu e a terra?' (Jer 23,23-24). E em outra passagem: 'Os olhos do Senhor estão em todo o lugar, contemplando os bons e os maus' (Prov 15,3).

Da mesma forma, quando nos reunimos com os nossos irmãos, e oferecemos os sacrifícios divinos pelas mãos do sacerdote de Deus, devemos lembrar-nos da modéstia e da disciplina e não proferir as nossas orações com palavras destemperadas nem enunciar com tumultuada loquacidade as súplicas que deveríamos confiar modestamente a Deus, porque Deus não escuta as palavras, mas aquilo que sai do coração; não podemos dirigir-nos aos brados Àquele que conhece os pensamentos dos homens, como assegura o Senhor ao dizer: 'Por que pensais mal em vossos corações?' (Mt 9,4). E em outro lugar: 'E todas as igrejas saberão que eu sou aquele que perscruta os rins e os corações' (Ap 2,23).

Isto mesmo é o que nos ensina e transmite – como vemos no primeiro livro dos Reis – aquela Ana que prefigura a Igreja, pois não rogava a Deus com clamorosa petição, mas dirigia-se a Ele calada e tranquilamente no íntimo do seu peito. Falava-lhe às ocultas, mas manifestava a sua fé; falava, não com a voz, mas com o coração, porque sabia que desse modo o Senhor lhe daria ouvidos e que assim conseguiria com maior eficácia aquilo que dessa forma lhe pedia com maior fé. É o que declara a Escritura quando diz: 'Falava no seu coração e moviam-se os lábios, mas não se ouviam as suas palavras, e o Senhor a escutou' (1Rs 1,13). O mesmo lemos nos Salmos: 'Falai no vosso interior e retirai-vos para os vossos aposentos' (Sl 4,5). E o Espírito Santo sugere-nos a mesma ideia ao falar pela boca de Jeremias: 'Deves adorar a Deus no teu íntimo' (Jer 5,6; Bar 6,5).

(Excertos da obra 'De oratione dominica', de São Cipriano de Cartago)

domingo, 26 de janeiro de 2014

PESCADORES DE HOMENS

Páginas do Evangelho - Terceiro Domingo do Tempo Comum


Com a prisão e morte de João Batista, tem fim a Era dos Profetas e começa a pregação pública de Jesus sobre o Reino de Deus: 'Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo' (Mt 4, 17). O reino de Deus é o reino dos Céus, e não um império firmado sobre as coisas deste mundo. Cristo, rei do universo, começa a sua grande jornada pelos reinos do mundo para ensinar que a pátria definitiva do homem é um reino espiritual, que se projeta para a eternidade a partir do coração humano.

E esta proclamação vai começar por Cafarnaum e nos territórios de Zabulon e Neftali, localizada na zona limítrofe da Síria e da Fenícia, e povoada, em sua larga maioria, por povos pagãos. Em face disso, esta região era a chamada 'Galileia dos Gentios', e seus habitantes, de diferentes raças e credos, eram, então, objeto de desprezo por parte dos judeus da Judeia. E é ali, exatamente entre os pagãos e os desprezados, que o Senhor vai proclamar publicamente a Boa Nova do Evangelho do Reino de Deus: 'O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz, e para os que viviam na região escura da morte brilhou uma luz (Mt 4, 16).

Nas margens do Mar da Galileia, Jesus vai escolher os seus primeiros discípulos num chamamento imperativo e glorioso: 'Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens' (Mt 4,19). Aqueles pescadores, acostumados à vida dura de lançar redes ao mar para buscar o seu sustento, seriam agora os primeiros a entrarem na barca da Santa Igreja de Cristo para se tornarem pescadores de homens, na gloriosa tarefa de conduzir as almas ao Reino dos Céus.  

Eis a resposta pronta e definitiva dos primeiros apóstolos ao chamado de Jesus: 'Eles imediatamente deixaram as redes e o seguiram' (Mt 4, 20) e 'Eles imediatamente deixaram a barca e o pai, e o seguiram' (Mt 4,22). Seguir a Jesus implica a conversão, pressupõe o afastamento do mundo, pois Jesus nos fala do Reino dos Céus. No 'sim' ao chamado de Jesus, nós passamos a ser testemunhas e herdeiros deste reino 'que não é desse mundo', e nos abandonamos por completo na renúncia a tudo que é humano para amar, servir e viver, prontamente, cotidianamente, o Evangelho de Cristo.

sábado, 25 de janeiro de 2014

SE EU VOS CONDENAR...


Chamais-me Mestre, e não me ouves;
Chamais-me Luz, e não me vedes;
Chamais-me Caminho, e não me segues;
Chamais-me Vida, e não palpitas com Meu Coração;
Chamais-me Sábio, e não me obedeceis;
Chamais-me Adorável, e não me adorais;
Chamais-me Providência, e não me pedis;
Chamais-me Eterno, e não me procurais;
Chamais-me Misericordioso, e não confias em Mim;
Chamais-me Senhor, e não me servis;
Chamais-me Todo-Poderoso, e não me receais;
Chamais-me Justo, e não vos justificais;

Se Eu vos condenar, não me culpeis, só a vós culpai!

(de uma inscrição existente na Catedral de Lübeck, na Alemanha)

24 DE JANEIRO - SÃO FRANCISCO DE SALES


Patrono da ordem salesiana (fundada por São João Bosco) e doutor da Igreja, São Francisco de Sales nasceu em 21 de agosto de 1567 na Saboia (atual França), de família nobre e abastada. Abandonando uma carreira promissora, ordenou-se sacerdote e diretor espiritual de grande renome, tornando-se, mais tarde, bispo de Genebra (1602). Fundou a Ordem da Visitação com a sua orientada espiritual, Santa Joana de Chantal, em 1604. Entre as obras por ele escritas destacam-se o 'Tratado do Amor de Deus', que lhe valeu o título de Doutor da Igreja, e 'Introdução à Vida Devota - Filoteia', obra na qual descreveu que a santidade é algo não apenas possível, mas constitui o propósito de Deus para cada vida humana. Desta forma, todo homem estaria destinado à santidade na plenitude do amor a Deus: 'A medida de amar a Deus consiste em amá-Lo sem medida'. Faleceu aos 56 anos de idade, em 28 de dezembro de 1622. Foi canonizado em 1655 pelo Papa Alexandre VII e, em 1867, foi declarado Doutor da Igreja pelo Papa Pio IX. O seu dia é celebrado em 24 de janeiro.

Excertos da obra 'Introdução à Vida Devota - Filoteia':

Sobre a Oração:

'Começa tua oração, seja mental, seja vocal, sempre pondo-te na presença de Deus; nunca negligencies esta prática e verás em pouco tempo os seus resultados ... Não te deixes levar pela pressa infundada de fazer muitas orações, mas cuida de rezar com devoção; um só Pai Nosso, rezado com piedade e recolhimento, vale mais que muitos recitados precipitadamente.'

Sobre os Bens Temporais:

'… os bens que temos não nos pertence e Deus, que os confiou à nossa administração, quer que os façamos frutuosos; é, portanto, prestar um serviço agradável a Deus cuidar deles com diligência; mas este cuidado há de ser muito mais acurado e maior que o das pessoas do mundo, porque elas trabalham por amor delas mesmas e nós devemos trabalhar por amor de Deus. Ora, como o amor de si mesmo é um amor inquieto, turbulento e violento, o cuidado que dele procede é cheio de perturbação, pesar e inquietação; mas o cuidado que procede do amor de Deus, que enche o nosso coração de doçura, tranquilidade e paz, é necessariamente suave, tranquilo e pacífico, mesmo quanto aos bens temporais. Tenhamos sempre um espírito calmo e uma tranquilidade de vida inalterável, em conservando e aumentando os bens deste mundo segundo as verdadeiras necessidades e ocasiões justas que nos ocorrem; porque, enfim, Deus quer que nos sirvamos destas coisas por seu amor'.

Sobre a Comunhão Frequente:

'Se o mundo te perguntar porque comungas tão frequentemente, deves responder-lhe que é para aprender a amar a Deus, purificar-te de tuas imperfeições, livrar-te de tuas misérias, procurar consolo em tuas aflições e fortificar-te em tuas fraquezas. Dize ao mundo que duas espécies de pessoas devem comungar muitas vezes: os perfeitos, porque, estando bem preparados, fariam muito mal de não se chegarem muitas vezes a esta fonte de perfeição, e os imperfeitos, a fim de aspirarem à perfeição; os fortes, para não enfraquecerem, e os fracos, para se fortificarem; os sadios, para se preservarem de todo o contágio, e os doentes, para se curarem. E acrescenta que, quanto a ti, que és do número das almas imperfeitas, fracas e doentes, precisas receber muitas vezes o Autor da perfeição, o Deus da força e o Médico das almas'.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

COMO ENCONTRAR A VERDADEIRA IGREJA?

'Se eu não fosse Católico e estivesse procurando a verdadeira Igreja no mundo de hoje, eu iria em busca da única Igreja que não se dá muito bem com o mundo. Em outras palavras, eu procuraria uma Igreja que o mundo odiasse. Minha razão para fazer isso seria que, se Cristo ainda está presente em qualquer uma das igrejas do mundo de hoje, Ele ainda deve ser odiado como o era quando estava na terra, vivendo na carne.

Se você tiver que encontrar Cristo hoje, então procure uma Igreja que não se dá bem com o mundo. Procure por uma Igreja que é odiada pelo mundo como Cristo foi odiado pelo mundo. Procure pela Igreja que é acusada de estar desatualizada com os tempos modernos, como Nosso Senhor foi acusado de ser ignorante e nunca ter aprendido. Procure pela Igreja que os homens de hoje zombam e acusam de ser socialmente inferior, assim como zombaram de Nosso Senhor porque Ele veio de Nazaré. Procure pela Igreja que é acusada de estar com o diabo, assim como Nosso Senhor foi acusado de estar possuído por Belzebu, o príncipe dos demônios.

Procure a Igreja que em tempos de intolerância (contra a sã doutrina,) os homens dizem que deve ser destruída em nome de Deus, do mesmo modo que os que crucificaram Cristo julgavam estar prestando serviço a Deus.

Procure a Igreja que o mundo rejeita porque ela se proclama infalível, pois foi pela mesma razão que Pilatos rejeitou Cristo: por Ele ter se proclamado a si mesmo A Verdade. Procure a Igreja que é rejeitada pelo mundo assim como Nosso Senhor foi rejeitado pelos homens. Procure a Igreja que em meio às confusões de opiniões conflitantes, seus membros a amam do mesmo modo como amam a Cristo e respeitem a sua voz como a voz do seu Fundador.

E então você começará a suspeitar que se essa Igreja é impopular com o espírito do mundo é porque ela não pertence a esse mundo e uma vez que pertence a outro mundo, ela será infinitamente amada e infinitamente odiada como foi o próprio Cristo. Pois só aquilo que é de origem divina pode ser infinitamente odiado e infinitamente amado. Portanto, essa Igreja é divina'.

Arcebispo Fulton J. Sheen, Radio Replies, Vol. 1, p IX, Tan Publishing (tradução de Gercione Lima)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O LOBO ENTRE AS OVELHAS (I)

'Enfim, censurando algum defeito, devemos poupar a pessoa tanto quanto podemos. É verdade que se pode falar abertamente dos pecadores públicos reconhecidos como tais, mas deve ser em espírito de caridade e compaixão, e não com arrogância ou presunção por um certo prazer que se ache nisso; este último sentimento denotaria um coração baixo e vil. Excetuo somente os inimigos de Deus e da Igreja, porque a estes devemos combater quanto pudermos, como são os chefes de heresias, cismas, etc. É uma caridade descobrir o lobo que se esconde entre as ovelhas, em qualquer parte onde o encontramos'.

(São Francisco de Sales, em 'Filoteia ou Introdução à Vida Devota')

Do Padre e artista Fábio de Melo:

'O ego é uma coisa que não para de crescer e é uma coisa muito perigosa. Tenho medo. Corro o risco das prisões do meu ego'

'Sempre me senti artista. Seria uma hipocrisia dizer que sou padre e não sou artista'.

'Não adianta pregar a fé com elaborações teológicas. É preciso praticar a caridade. Não importa se você é católico, evangélico, espírita ou de outra religião. Se estiver disposto a amar alguém junto comigo, já somos irmãos. Jesus não queria a Igreja, queria o Reino de Deus, mas a Igreja foi o que conseguimos dar a Ele. Não sou adepto de uma fé que idiotiza. Sou adepto de uma fé que faz pensar: "quem somos nós?" '

Sim, temos que amar, e não só amar, mas ter um profundo amor pelos sacerdotes. Estes homens que têm o poder de perdoar pecados e de transformar o pão e o vinho no Corpo e Sangue de Jesus. Sim, temos de amar profundamente estes homens que nada têm de comum. Mas, por amar a Deus sobre todas as coisas, temos também de pedir as graças e bênçãos do Céu para aqueles sacerdotes que se comportam como homens comuns, enfeitiçados pelos apelos do mundo. Para que deixem de ser pastores de heresias, lobos disfarçados entre ovelhas, cantantes ou não. 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

20 DE JANEIRO - SÃO SEBASTIÃO

São Sebastião foi um oficial romano, do alto escalão da Guarda Pretoriana do imperador Diocleciano (imperador de Roma entre 284 e 305 de nossa era e responsável pela décima e última grande perseguição do Império Romano contra o Cristianismo), que pagou com a vida sua devoção à fé cristã. Denunciado ao imperador por ser cristão e acusado de traição, foi condenado a morrer de forma especial: seu corpo foi amarrado a um tronco servindo de alvo a flechas disparadas por diferentes arqueiros africanos.

Primeiro Martírio: São Sebastião flechado

Abandonado pelos algozes que o julgavam morto, foi socorrido e curado e, de forma incisiva, reafirmou a sua convicção cristã numa reaparição ao próprio imperador. Sob o assombro de vê-lo ainda vivo, São Sebastião foi condenado uma vez mais sendo, nesta sua segunda flagelação, brutalmente açoitado e espancado até a morte. O seu corpo foi atirado num canal de esgotos, de onde foi depois retirado e levado até as catacumbas romanas. Suas relíquias estão preservadas na Basílica de São Sebastião, na Via Apia, em Roma. É venerado por toda a cristandade como modelo de vida cristã, mártir da Igreja e defensor da fé e como padroeiro de diversas cidades brasileiras, incluindo-se o Rio de Janeiro. Sua festa é comemorada a 20 de janeiro, data de sua morte no ano 304.

Segundo Martírio: São Sebastião espancado até a morte

domingo, 19 de janeiro de 2014

JESUS CRISTO É O CORDEIRO DE DEUS

Páginas do Evangelho - Segundo Domingo do Tempo Comum

 

Neste segundo domingo do tempo comum, a mensagem profética que ressoa pelos tempos vem da boca de João Batista: 'Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo' (Jo 1, 29). E complementa: 'Dele é que eu disse: Depois de mim vem um homem que passou à minha frente, porque existia antes de mim' (Jo 1, 30). Eis o primado de João, o Precursor do Messias: Jesus veio ao mundo para resgatar e levar à salvação toda a humanidade e fazer novas todas as coisas.

Diante de Jesus, que viera pela segunda vez até ele às margens do Jordão, assim como foi Maria que visitou a sua prima Santa Isabel, João Batista reconhece no Senhor a glória e a eternidade de Deus 'porque existia antes de mim' (Jo 1, 30). Nas margens do Jordão, uma vez mais, no mistério da Encarnação, os desígnios de Deus são revelados aos homens por meio de João Batista.

Em seguida, reafirma a manifestação da Santíssima Trindade na pomba que desceu do céu, símbolo exposto em dimensão humana para o mistério insondável do Filho na intimidade com o Pai: 'Eu vi o Espírito descer, como uma pomba do céu, e permanecer sobre ele' (Jo 1, 32). O maior profeta de Deus, enviado para batizar com água, declara, então, de forma clara e incisiva, Jesus como Filho de Deus Vivo: 'Eu vi e dou testemunho: Este é o Filho de Deus!' (Jo 1, 34).

Eis aí a figura singular do Batista, de quem o próprio Cristo revelou: 'Na verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não veio ao mundo outro maior que João Batista' (Mt 11, 11). A grandeza do Precursor é enfatizada por Jesus naquele que recebeu privilégios tão extraordinários para ser o profeta da revelação de tão grandes mistérios de Deus à toda a humanidade: Jesus Cristo é o Unigênito do Pai, o Filho de Deus Vivo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.

sábado, 18 de janeiro de 2014

EXORCISMO É 'CONVERSAR COM O DEMÔNIO'?

Os Evangelhos registram vários casos em que o Senhor interagiu com os demônios em estados de possessão, mandando-os se calarem e os expulsando das pessoas de pronto:

Ora, na sinagoga deles achava-se um homem possesso de um espírito imundo, que gritou: "Que tens tu conosco, Jesus de Nazaré? Vieste perder-nos? Sei quem és: o Santo de Deus!" Mas Jesus intimou-o, dizendo: "Cala-te, sai deste homem!" (Mc 1, 23 - 25).

O demônio lançou-o por terra no meio de todos e saiu dele, sem lhe fazer mal algum. Todos ficaram cheios de pavor e falavam uns com os outros: Que significa isso? Manda com poder e autoridade aos espíritos imundos, e eles saem? (Lc 4, 33 - 35).

Mal saltou em terra, veio-lhe ao encontro um homem dessa região, possuído de muitos demônios; há muito tempo não se vestia nem parava em casa, mas habitava no cemitério. Ao ver Jesus, prostrou-se diante dele e gritou em alta voz: Por que te ocupas de mim, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Rogo-te, não me atormentes! Porque Jesus ordenara ao espírito imundo que saísse do homem. Pois há muito tempo que se apoderara dele, e guardavam-no preso em cadeias e com grilhões nos pés, mas ele rompia as cadeias e era impelido pelo demônio para os desertos. Jesus perguntou-lhe: Qual é o teu nome? Ele respondeu: Legião! (Porque eram muitos os demônios que nele se ocultavam.) E pediam-lhe que não os mandasse ir para o abismo. Ora, andava ali pastando no monte uma grande manada de porcos; rogaram-lhe os demônios que lhes permitisse entrar neles. Ele permitiu. Saíram, pois, os demônios do homem e entraram nos porcos; e a manada de porcos precipitou-se, pelo despenhadeiro, impetuosamente no lago e afogou-se (Lc 8, 27 - 33).


Portanto, Jesus Cristo revela à Santa Igreja como lidar com o demônio diante de suas manifestações: manter distância, restringir às questões básicas (nome e quantidade dos demônios presentes, antecedentes da possessão) e evitar perguntas desnecessárias, particularmente emanadas pela curiosidade e pela vanglória humana, impelir a expulsão imediata e completa das forças diabólicas da pessoa possuída). Tudo o mais é contrário ao exemplo de Cristo e à doutrina católica. É absolutamente despropositado e perigoso estabelecer longos diálogos (em alguns casos, verdadeiras entrevistas) com o demônio durante rituais exorcistas. Nenhum fruto bom pode advir de revelações do pai da mentira, como o próprio Jesus nos alertou:

Vós tendes como pai o demônio e quereis fazer os desejos de vosso pai. Ele era homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele. Quando diz a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira (Jo 8, 44)

As possessões são fatos permitidos por Deus para revelar a tantos incautos a assustadora realidade do demônio e das suas manifestações. Entretanto, que os cristãos tenham todas as ressalvas possíveis com obras ou textos pseudo-católicos baseados em 'revelações' diabólicas. As palavras de salvação são as de Cristo e, para conhecer a verdade, nos basta o catecismo. Nem por um minuto podem vir da falsidade bestial dos espíritos malignos, paridos pela malícia e capachos da mentira.

PALAVRAS DA SALVAÇÃO





'É um erro crer que muitos caminhos conduzem a Deus, depois que os cristãos receberam a verdade da boca do próprio Deus'

(Santo Ambrósio)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A MORTE DE SANTO ANTÃO

Embora seja muito difícil assinalar as origens precisas do movimento monástico, Santo Antão foi tão extraordinário que é considerado como sendo o pai da vida monástica e, especialmente, o modelo perfeito da vida solitária. Recluso por vinte anos, abandonou  este  isolamento absoluto para se tornar o pai e mestre de outros homens que queriam imitá-lo. E assim o fez por muitos anos, até se solidificar uma pequena colônia de ascetas. Sentindo-a muito povoada (na chamada 'montanha exterior'), recolhe-se novamente ao isolamento, na sua chamada 'montanha interior', vivendo os últimos anos de sua vida em companhia de apenas dois discípulos. Vaticina sua morte, faz legado de suas pobres roupas e roga a seus acompanhantes que não revelem a ninguém o lugar de sua sepultura. Faleceu em 17 de janeiro de 356. O conhecimento da vida de Santo Antão se deve fundamentalmente aos escritos em grego de Santo Atanásio, o insigne patriarca de Alexandria. O texto abaixo - da morte de Santo Antão - constitui um excerto desta obra. 


Recebendo, da Providência, uma premonição de sua morte, falou aos irmãos: 'Esta é a última visita que lhes faço e me admiraria se nos voltássemos a ver nesta vida. Já é tempo de morrer, pois tenho quase cento e cinco anos'. Ao ouvir isto, puseram-se a chorar, abraçando e beijando o ancião. Ele porém, como se tivesse de partir de uma cidade estranha à sua própria, continuou falando alegremente. Exortava-os a 'não se relaxarem em seus esforços nem a se desalentarem na prática da vida ascética, mas a viver como se tivessem de morrer cada dia e, como disse antes, a trabalhar duramente, a fim de guardar a alma limpa de pensamentos impuros, e a imitar os homens santos. Não se aproximem dos cismáticos melecianos, pois já conhecem seu ensinamento ímpio e perverso. Não se metam para nada com os arianos, pois sua irreligião é clara para todos. E se vêem que os juízes os apóiam, não se deixem confundir: isto se acabará, é um fenômeno mortal, destinado a seu fim em pouco tempo. Por isso, mantenham-se limpos de tudo isto e observem a tradição dos Padres e, sobretudo, a fé ortodoxa em nosso Senhor Jesus Cristo, como aprenderam das Escrituras e eu tão frequentemente o recordei'.

Quando os irmãos instaram pra que ficasse com eles, até morrer ali, recusou-se a isto por muitas razões, segundo disse, embora sem indicar nenhuma. Especialmente era por isto: os egípcios têm o costume de honrar com ritos funerários e envolver em sudários de linho os corpos dos homens santos e particularmente dos santos mártires; mas não os enterram: colocam-nos sobre divãs e os guardam em suas casas, pensando honrar o defunto deste modo. Antão pediu muitas vezes, inclusive aos bispos, que dessem instruções ao povo sobre esse assunto. Ao mesmo tempo envergonhou os leigos e reprovou as mulheres, dizendo que 'isto não era correto nem reverente, em absoluto. Os corpos dos patriarcas e dos profetas se guardam em túmulos até estes dias; e o corpo do Senhor também foi depositado num túmulo e puseram uma pedra sobre ele (Mt 27,60) até que ressuscitou ao terceiro dia'. Ao expor assim as coisas, demonstrava que cometiam erro os que não davam sepultura aos corpos dos defuntos, por santos que fossem. E em verdade, quem maior ou mais santo que o corpo do Senhor? Como resultado, muitos que o ouviram começaram desde então a sepultar seus mortos, e deram graças ao Senhor pelo bom ensinamento recebido.

Sabendo disto, Antão teve medo de que fizessem o mesmo com seu próprio corpo. Por isso, despedindo-se dos monges da Montanha Exterior, apressou-se para a Montanha Interior, onde costumava viver. Depois de poucos meses, caiu doente. Chamou os que o acompanhavam - havia dois que levavam vida ascética havia quinze anos e se preocupavam com ele devido a sua idade avançada e lhes disse: 

'Vou-me pelo caminho de meus pais', como diz a Escritura (1 Rs 2,2; Jos 23,14), pois me vejo chamado pelo Senhor. Quanto a vocês, estejam vigilantes e não façam tábula rasa da vida ascética que tanto tempo praticaram. Esforcem-se por manter seu entusiasmo como se estivessem começando agora. Já conhecem os demônios e seus desígnios; conhecem também sua fúria e também sua incapacidade. Assim, pois, não os temam; deixem antes que Cristo seja o alento de sua vida e ponham nele sua confiança. Vivam como se cada dia tivessem de morrer, fazendo atenção a si mesmos e recordando tudo o que ouviram de mim. Não tenham nenhuma comunhão com os cismáticos e absolutamente nada com os hereges arianos. Sabem como eu mesmo me guardei deles devido à sua pertinaz heresia contra Cristo. Sejam ansiosos em manifestar sua lealdade primeiro a Cristo e depois a seus santos, 'para que depois de sua morte eles os recebam nas moradas eternas' (Lc 16,9), como a amigos familiares. Gravem este pensamento, tenham-no como propósito. Se vocês realmente se preocupam comigo e me consideram como pai, não permitam que ninguém leve meu corpo para o Egito, não aconteça que me guardem em suas casas. Foi esta a razão que me trouxe para cá, à montanha. Sabem como sempre confundi os que fazem isto e os intimei a deixar tal costume. Por isso, façam-me vocês mesmos os funerais e sepultem meu corpo na terra, e respeitem de tal modo o que lhes disse, que ninguém senão vocês saiba o lugar. Na ressurreição dos mortos, o Salvador me devolverá incorruptível. Distribuam minha roupa. Ao bispo Atanásio deem uma túnica e o manto em que estou, e que ele mesmo me deu, mas que se gastou em meu poder; ao bispo Serapião deem a outra túnica, e vocês podem ficar com a camisa de pelo (47,2). E agora, meus filhos, Deus os abençoe. Antão parte e não está mais com vocês'.

Depois de dizer isto e de que eles o houvessem beijado, estendeu os pés, seus rosto estava transfigurado de alegria e seus olhos brilhavam de regozijo como se visse amigos vindo a seu encontro; e assim faleceu e foi reunir-se a seus pais. Eles então, seguindo as ordens que lhes havia dado, prepararam e envolveram o corpo e o sepultaram aí na terra. E até o dia de hoje ninguém, exceto esses dois, sabe onde está sepultado. Quanto aos que receberam as túnicas e o manto usados pelo bem-aventurado Antão, cada um guarda seu presente como grande tesouro. Olhá-los é ver Antão e pô-los é como revestir-se de suas exortações com alegria.

Este foi o fim da vida de Antão no corpo, como antes tivemos o começo de sua vida ascética. E ainda que seja um pobre relato comparado com a virtude do homem, recebam-no, entretanto, e reflitam que classe de homem foi Antão; o varão de Deus. Desde sua juventude até uma idade tão avançada conservou uma devoção inalterável à vida ascética. Nunca tomou a velhice como desculpa para ceder ao desejo de abundante alimentação, nem mudou sua forma de vestir, pela debilidade de seu corpo, nem tampouco lavou seus pés com água. E no entanto sua saúde se manteve totalmente sem prejuízo. Por exemplo, mesmo seus olhos eram perfeitamente normais, de modo que sua vista era excelente; não havia perdido nem um só dente; só se haviam gasto até as gengivas pela grande idade do ancião. Manteve mãos e pés sãos, e em tudo aparecia com melhores cores e mais fortes do que os que têm uma dieta diversificada, banhos e variedade de roupas.

O fato de chegar a ser famoso em todas as partes, de ter encontrado admiração universal e de que sua perda foi sentida por pessoas que nunca o viram, sublinha sua virtude e o amor que Deus lhe tinha. Antão ganhou renome, não por seus escritos nem por sabedoria de palavras nem por nenhuma outra coisa, senão só por seu serviço a Deus.

E ninguém pode negar que isto é dom de Deus. Como explicar, efetivamente, que este homem, que viveu escondido em uma montanha, fosse conhecido em Espanha e Gália, em Roma e África, senão por Deus, que em toda parte faz conhecidos os seus, que, mais ainda, havia dito isto a Antão em seus começos. Pois ainda que façam suas obras em segredo e desejem permanecer na obscuridade, o Senhor os mostra publicamente como lâmpadas a todos os homens (Mt 5,16), e assim, os que ouvem falar deles podem aperceber-se de que os mandamentos levam à perfeição, e então se encorajam pela senda que conduz à virtude.

Agora, pois, leiam isto aos demais irmãos, para que também eles aprendam como deve ser a vida dos monges, e se convençam de que nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo glorifica aos que o glorificam. Ele não só conduz ao Reino dos Céus os que o servem até o fim, mas, ainda que se escondam e façam o possível por viver fora do mundo, faz com que em toda parte sejam conhecidos e se fale deles, por sua própria santidade e pela ajuda que dão a outros. Se a ocasião se apresenta, leiam-no também aos pagãos, para que ao menos deste modo possam aprender que nosso Senhor Jesus Cristo é Deus e Filho de Deus, e que os cristãos, que o servem fielmente e mantêm sua fé ortodoxa nele, demonstram que os demônios, considerados deuses pelos pagãos, não o são, mas antes os calcam aos pés e afugentam pelo que são: enganadores e corruptores de homens. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem seja dada a glória pelos séculos. Amém.

(Excertos da obra 'Vida de São Antão', por Santo Atanásio)

Santo Antão, rogai por nós!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A DIREÇÃO DA ALMA E A VIDA PERFEITA

I

Antes de tudo, minha alma, é necessário que do bom Deus faças uma ideia altíssima, piíssima e santíssima. A isto chegarás por meio de fé inabalável, meditação atenta e lúcida intuição repassada de admiração.

1. Altíssima será a ideia que fazes de Deus se fiel, piedosa e claramente crês, admiras e louvas seu poder imenso, que do nada criou tudo e tudo sustenta; sua sabedoria infinita que tudo dispõe e governa; sua justiça ilimitada que tudo julga e recompensa; e se, saindo de ti e voltando de novo e elevando-te acima de ti, com todas as veras cantas com o profeta: 'Regozijaram-se as filhas de Judá pelos teus juízos, Senhor, porque tu és Senhor altíssimo sobre toda a terra, tu és sobremaneira exaltado sobre todos os deuses' (Sl 96, 8-9).

2. A ideia que fazes de Deus será piíssima se admiras, abraças e bendizes a sua imensa misericórdia que se mostrou sumamente benigna em tomar a nossa natureza humana e mortalidade, sumamente terna em suportar a cruz e a morte, sumamente liberal em mandar o Espírito Santo e instituir os Sacramentos, principalmente comunicando-se a si mesmo liberalissimamente no Sacramento do altar, para que de coração possas cantar as palavras do salmo: 'Suave é o Senhor para com todos e as suas misericórdias são sobre todas as suas obras' (Sl 144, 9).

3. A ideia que fazes de Deus será santíssima se consideras, admiras e louvas a sua inefável santidade e o proclamas, com os bem-aventurados serafins: Santo, santo, santo! Santo quer dizer, em primeiro lugar, que possui Ele a santidade em grau tão elevado e com tanta pureza que Lhe é impossível querer ou aprovar coisa alguma que não seja santa. Santo, em segundo lugar, por Ele amar a santidade nos outros, de forma que Lhe é impossível subtrair os dons da graça ou negar o prêmio da glória aos que na verdade conservam a santidade. Santo, em terceiro lugar, por Ele aborrecer tanto o contrário da santidade que Lhe é impossível não reprovar os pecados ou deixá-los impunes. Se desta forma pensas de Deus, cantarás com Moisés, o legislador da Antiga lei: 'Deus é fiel e sem nenhuma iniquidade, justo e reto' (V Moisés, 32, 4).

II

Depois, dirige o teu olhar sobre a lei de Deus que te manda oferecer ao Altíssimo um coração humilde, ao Piíssimo um coração devoto, ao Santíssimo um coração ilibado.

1. Um coração humilde, digo, deves oferecer ao Altíssimo pela reverência no Espírito, pela obediência nas obras, pela honra nas palavras e nos atos, observando a apostólica regra e doutrina: 'Faze tudo para a glória de Deus' (I Cor 10, 31).

2. Um coração devoto deves oferecer ao Piíssimo, invocando em orações fervorosas, saboreando doçuras espirituais, dando muitas graças para que tua alma sempre mais a Deus 'ascenda pelo deserto como uma varinha de fumo composto de aromas de mirra e de incenso' (Cântico dos Cânticos 3, 6).

3. Um coração ilibado deves oferecer ao Esposo santíssimo de maneira que não reine em ti, nem nos sentidos, nem na vontade, nem no afeto, algum prazer em deleites desordenados, desejo de coisas terrenas, nenhum movimento de maldade interna, e assim, livre de toda a mácula de pecado, possas cantar com o salmista: 'Seja imaculado o meu coração nas tuas justificações para que não seja confundido' (Sl 118, 80).

Reflete, pois, diligentemente e vê se tudo isto observaste desde a juventude. Se a consciência a ti o afirmar, não o atribuas a ti mesmo, mas à mercê de Deus e rende-lhe graças. Se, porém, achares que uma ou mais vezes, num ponto ou em alguns, ou talvez em todos eles, faltaste grave ou levemente, por fraqueza, por ignorância ou com pleno conhecimento, procura reconciliar-te com Deus com 'gemidos inexplicáveis' (Rom 8, 26) e, para Lhe mostrar a emenda, reveste-te do Espírito de penitência, para que possas cantar com o salmista penitente: 'Porque preparado estou para os açoites, e a minha dor está sempre diante de mim' (Sl 37, 18).

III

A dor da alma, porém, deve ter dois companheiros para que a purifiquem e aplaquem a Deus, a saber: o temor do juízo divino e o ardor de interno desejo, afim de que recuperes pelo temor um coração humilde, pelo desejo um coração devoto e pela contrição um coração ilibado.

1. Teme, pois, os juízos divinos que são 'um abismo profundo' (Sl 35, 7). Teme, repito, teme muito para que, embora de algum modo penitente, não desagrades ainda a Deus; teme mais, para que depois não recomeces a ofender a Deus; teme muitíssimo, para que no fim não te afastes de Deus, carecendo sempre de luz, ardendo sempre no fogo, jamais livre do verme. Somente uma vida de verdadeira penitência e uma morte na graça da perseverança pode preservar-te desta infelicidade. Canta, pois, com o profeta: 'Trespassa com o teu temor a minha carne, porque tememos os teus juízos' (Sl 118, 120).

2. Arrepende-te e tem cuidado por causa dos pecados cometidos. Arrepende-te, aconselho, arrepende-te muito, porque por eles aniquilaste todo o bem que de Deus recebeste (trata-se do pecado mortal que destrói todos os dons sobrenaturais); arrepende-te mais porque ofendeste a Cristo que por ti nasceu e foi crucificado; arrepende-te muitíssimo porque desprezaste a Deus, cuja majestade desonraste transgredindo as suas leis, cuja verdade negaste, cuja bondade afrontaste. Pelo pecado desonraste, desfiguraste e transtornaste toda a criação; porque pela rebeldia contra os divinos estatutos, mandamentos e juízos, abusaste de todas as coisas que, segundo a vontade de Deus, te deveriam servir: das criaturas, dos merecimentos alcançados, das misericórdias de Deus, os dons gratuitamente outorgados, e o prêmio prometido. Depois de atentamente considerar tudo isto, toma luto como por teu filho único, chora amargamente (Jer 6, 26); faze correr uma como que corrente de lágrimas de dia e de noite; não te dês descanso algum nem se cale a menina dos teus olhos (Lamentações 2, 18).

3. Deseja, contudo, os dons divinos, elevando-te pela chama do divino amor, até Deus, o qual tão pacientemente te suportou nos teus pecados, tão longanimamente esperou, tão misericordiosamente te reconduziu à penitência, concedendo-te o perdão, infundindo-te a graça, prometendo-te a coroa, enquanto de tua parte Lhe ofertaste - ou antes d'Ele recebeste para Lhe ofertar - o sacrifício de um Espírito atribulado, de um coração contrito e humilhado (Sl 50, 19) por meio de sentida compunção, confissão sincera e satisfação condigna. Deseja, digo, muito a benevolência divina por uma larga comunicação do Espírito Santo, deseja mais a semelhança com Deus por uma imitação exata de Cristo crucificado, deseja muitíssimo a posse de Deus por uma visão clara do Eterno Padre, para que na verdade cantes com o Profeta: 'A minha alma arde em sede por Deus forte e vivo; quando irei e aparecerei diante da face de Deus?' (Sl 41, 3).

IV

Ora, para conservar em ti este espírito de temor, de dor e de desejo, exerce-te externamente numa perfeita modéstia, justiça e piedade, afim de que, segundo escreve o Apóstolo, 'renunciando à impiedade e às paixões mundanas, vivas sóbria, justa e piedosamente neste século' (Tito, 2, 12).

1. Exerce-te numa perfeita modéstia para que, segundo a doutrina do Apóstolo, 'a tua modéstia seja conhecida por todos os homens' (Fp 4, 5). Exerce-te primeiro na modéstia da parcimônia no comer e vestir, no dormir e vigiar, no recreio e no trabalho, não excedendo a medida em coisa alguma. Depois exerce-te na modéstia da disciplina, com moderação no silêncio e no falar, na tristeza e na alegria, na clemência e no rigor, conforme as circunstâncias o exigem e a sã razão o prescreve. Finalmente, exerce-te na modéstia da civilidade, regulando, ordenando e, compondo as ações, os movimentos, os gestos, as vestes, os membros e os sentidos, conforme o requer a educação moral e o costume na ordem, para que merecidamente pertenças ao número daqueles aos quais o Apóstolo diz: 'Faça-se tudo entre vós com decência e ordem' (I Cor 14, 40).

2. Exerce-te também na justiça para que te sejam aplicáveis as palavras do Profeta: 'Reina por meio da verdade, da mansidão e da justiça' (Sl 44, 5). Na justiça, afirmo, integra por zelo pela honra divina, por observância da lei de Deus e por desejo da salvação do próximo. Na justiça regulada pela obediência aos superiores, pela sociabilidade aos iguais, pela punição das faltas dos inferiores. Na justiça perfeita, de forma que aproves toda a verdade, favoreças a bondade, resistas à maldade tanto no Espírito, como nas palavras e obras, não fazendo a ninguém o que não queres que te façam, não negando a ninguém o que dos outros desejas, para que imites com perfeição aqueles a quem foi dito: 'Se a vossa justiça não for maior do que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus' (Mt 5, 20).

3. Finalmente, exerce-te na piedade, porque, como diz o Apóstolo, 'a piedade é útil para tudo, porque tem a promessa da vida presente e futura' (I Tim 4, 8). Exerce-te na piedade do culto divino recitando as horas canônicas atenta, devota e reverentemente, acusando e chorando as faltas quotidianas, recebendo a seu tempo o Santíssimo Sacramento e ouvindo todos os dias a santa missa. Na piedade, por meio da salvação das almas, auxiliando ora por frequentes orações, ora por instrutivas palavras, ora pelo estímulo do exemplo, para que quem ouve diga: 'Vem!' (Apoc 22, 17). Isto, porém, cumpre fazer com tanta prudência, que a própria alma não sofra prejuízo. 

Na piedade, por meio do alívio das necessidades corporais, suportando com paciência, consolando amigavelmente, ajudando com humildade, alegria e misericórdia, para desta forma: cumprires o mandamento divino enunciado pelo Apóstolo: 'Carregai os fardos uns dos outros, e desta maneira cumprireis a lei de Cristo' (Gal 6, 2). Para praticares tudo isto, o meio melhor, eu o creio, é a lembrança do Crucificado, a fim de que o teu Dileto, como um ramalhete de mirra (Cântico dos Cânticos 1, 12), descanse sempre junto ao teu coração. Isto te queira prestar Aquele que é bendito por todos os séculos dos séculos. Amém.

(Excertos da obra 'A Direção da Alma e a Vida Perfeita', de São Boaventura)

DA VIDA ESPIRITUAL (65)



Que bom que visitastes hoje este doente e o ouvistes com atenção por alguns minutos... Que bom que ele seja alguém completamente desconhecido para você... Que bom que ninguém precisou saber do teu ato de amor e caridade... Que bom que você tenha visto neste homem desconhecido o próprio Jesus... Já aprendestes muito, meu filho, que a santidade é coisa própria dos homens e está tão perto de nós quanto a nossa sombra...

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

CARTAS A MEU PAI (II)

Pai:

o que está acontecendo com o tempo dos homens? Aqui e ali, faz um calor escaldante; acolá, chuvas que destroem tudo, com deslizamentos de encostas e inundações. A natureza parece estar estremecida, arfante, movendo-se em estertores com as variações climáticas tão violentas. A terra de tantas bênçãos e graças parece ter chegado a todos os limites possíveis diante da insensatez humana, da inconformidade das criaturas com o Criador, diante o pecado que é vendido livremente como se não fosse pecado. Onde isso tudo vai parar? Qual é o limite da Vossa misericórdia?

L. me aborreceu particularmente hoje. Um homem que não sabe usar as palavras viola a graça dos sentidos. Era uma frase e um palavrão, outra frase, outro palavrão... Seria vão tentar persuadi-lo a se conter, quantas vezes não tentei isso? É fácil constatar o óbvio: quem não consegue dominar suas palavras, não consegue dominar seu coração. E os erros se multiplicam, as ações se deterioram, a sensatez hiberna e a vulgaridade assome a predominância absoluta do ser, fazer, pensar, agir. Será que alguém ainda sabe hoje de vossas santas palavras, que nada, nada mesmo, nem mesmo a palavra mais vã, ficará órfã diante de Vós?

Meu Anjo da Guarda tomou jeito por estes tempos e tem me ouvido mais. Antes, falava sem parar, quase que num monólogo consigo mesmo, pois eu ficava mais mudo que uma pedra. Quanta preocupação, meu Deus! Dirija com cuidado! Não se deixe tomar pela preguiça! Por que já não fez o trabalho da escola de quinta-feira que vem! (e a gente ainda estava na segunda!). Agora, é bem mais silencioso e prestativo. Me ouve mais. E fica apenas assim, presente. Estou quase a fazer monólogos comigo diante dele. E me surpreendo como assim caminho a passos largos ao Vosso encontro!

Será que S. recebeu a minha mensagem? Pelo menos, não me respondeu. De qualquer forma, sua conversão não será fácil. Nada na sua casa favorece uma vida espiritual. Seus caminhos serão difíceis e vou precisar de muita paciência para guiá-lo na direção espiritual. Sinto que sua alma se abre para a verdade da graça, mas os seus instintos (instintos!) o mantém na vidinha comum dos jovens que vivem na monotonia das horas vividas para si mesmos, na dormência hipnótica de que o mundo e as coisas do mundo giram exatamente sobre as suas cabeças. Bom, já pedi ajuda ao meu anjo e ao dele. Que eles se entendam primeiro para que eu possa agir mais eficazmente no meu propósito.  

Por outro lado, G. tem feito avanços memoráveis. Sua devoção à Nossa Senhora me acalenta a ideia que ele vai ser um dínamo de espiritualidade cristã. Como são belos os pés do mensageiro que leva a tanta gente as palavras de Cristo e dos Evangelhos. Quantas graças e bênçãos não nascerão daquelas mãos tão prontas a rezar e a confortar! No meio dos tempos dos homens, do calor sufocante, das chuvas torrenciais, quanta alegria, meu Pai, de ver tantos dos vossos filhos na caminhada segura aos vossos braços. G. terá uma bela história de vida, com certeza, e serão longos os seus dias sobre a terra.

Ah, ia me esquecendo, mas estou firme nas caminhadas do fim de tarde. Meu Anjo da Guarda me deu um sério ultimato. Ou cuido realmente da minha saúde ou... Nem quis saber do ou... Meu triglicérides não andou meio elevado? Agora tudo está sob controle, não se preocupe. Faça sol, ou faça chuva, caminho para a saúde do corpo e da alma. Nos caminhos do mundo, e para o Vosso coração.

E isso é tudo por hoje, na vida de um filho vosso no meio do mundo. Boa tarde, pai. Com a vossa bênção, R.

('Cartas a Meu Pai' são textos de minha autoria e pretendem ser uma coletânea de crônicas que retratam a realidade cotidiana da vida humana entranhada com valores espirituais que, desapercebidos pelas pessoas comuns, são de inteira percepção pelo personagem R. As pessoas e os lugares, livremente designados apenas pelas suas iniciais, são absolutamente fictícios).