sábado, 7 de junho de 2014

DO DESEJO DE DEUS

Da mesma forma que os corpos pesados, se eles recebem impulso em um plano inclinado, ainda que ninguém os empurre, uma vez dada a primeira impulsão, são empurrados por si mesmos para baixo num movimento rápido (...) assim a alma, libertada de suas atrações terrestres, lança-se leve e veloz para as alturas, elevando-se das coisas inferiores rumo ao céu. Se nada vem de baixo para interromper seu elan – como a natureza do Bem tem a propriedade de atrair para si aqueles que levantam os olhos para ela – a alma se eleva sempre mais, além de si mesma, ‘tensionada’ pelo desejo das coisas celestes, em direção às coisas que estão adiante, como diz o Apóstolo (Fl 3,13), e seu voo a elevará cada vez mais alto. (...) 

Com efeito, somente a atividade espiritual tem essa propriedade de alimentar sua força gastando-a, e de não perdê-la, mas aumentar seu vigor pelo esforço. Por esta razão dizemos que o grande Moisés, indo sempre adiante, nunca se deteve em sua ascensão nem impôs limite algum a seu movimento para as alturas; tendo posto uma vez o pé na escada ‘em cujo cimo estava Deus’, como diz Jacó, ele não cessou de subir ao degrau superior e de se elevar cada vez mais alto, porque a cada passo dado em sua subida, restava-lhe sempre um degrau mais alto do que aquele a que chegara.

(Excertos da obra 'Vida de Moisés', de São Gregório de Nissa)

Os puros de coração verão a Deus, diz o Senhor (Mt 5,8). Certamente tem-se experiência disso sempre quando se aumenta na alma a capacidade deste conhecimento. Deus, que é infinito, está acima de toda compreensão. Ele (...) não tem limites; sem mais nem menos por toda a eternidade. Quando o grande Davi fala de ascensões das ‘subidas no coração’ (Sl 84,9) (...) Creio que, através dessas palavras, queria dizer isso: em toda a eternidade, pelos séculos intermináveis, o que corre para ti, sempre sobe mais alto; cresce em proporção à sua capacidade. Mas tu és o mesmo, sempre sublime. (...) Isto é o que ao meu modo de ver ensinava o Apóstolo sobre a natureza dos bens inefáveis (...) 

De fato, o bem alcançado é sempre maior do que o bem precedente (...) O que sobe não se detém jamais, segue de ascensão em ascensão (...) O desejo do que sobe jamais se satisfaz com o andado, segue um desejo mais intenso, logo outro, ainda mais profundo, e outro e outros, que impulsionam a alma a elevar-se sem cessar pela rota do infinito, anelando sempre bens superiores.

(Excertos da obra 'Homilias sobre o Cântico dos Cânticos' de São Gregório de Nissa)