segunda-feira, 15 de julho de 2013

A MORTE DE SÃO TOMÁS DE AQUINO

(São Tomás de Aquino: 1224 ou 1225 - 1274)

Depois de lhe terem apresentado o Santíssimo corpo do Senhor, perguntaram-lhe, como se faz a todo o Cristão para se assegurar da sua fé neste sacramento essencial, se ele acreditava que esta hóstia consagrada era o verdadeiro corpo do Filho de Deus, que nasceu das entranhas da Virgem Maria e foi suspenso do patíbulo da cruz, que morreu por nós e ressuscitou ao terceiro dia. Ele respondeu com uma voz clara, com vibrante devoção, e deitando lágrimas: 

'Se nesta vida pode haver sobre este sacramento uma ciência maior que aquela que nos é dada pela fé, nesta eu respondo que sei verdadeiramente, e com toda a certeza que este Deus é verdadeiramente homem, Filho de Deus Pai e da Virgem mãe. Creio de todo o meu coração e confesso pela minha boca o que o padre afirmou acerca deste Santíssimo Sacramento.' Pronunciou então as palavras cheias de piedade, que os presentes não puderam reter e que foram, segundo dizem, as seguintes: 

Adoro te devote 
Adoro te devote, latens 
Deitas, Quæ sub his figuris vere latitas: 
Tibi se cor meum totum subiicit, 
Quia te contemplans totum deficit. 
Visus, tatus, gustus in te fallitur, 
Sed auditu solo tuto creditur. 
Credo quidquid dixit Dei Filius: 
Nil hoc verbo Veritatis verius. 
In cruce latebat sola Deitas, 
At hic latet simul et humanitas; 
Ambo tamen credens atque confitens, 
Peto quod petivit latro pænitens. 
Plagas, sicut Thomas, non intueor; 
Deum tamen meum te confiteor. 
Fac me tibi semper magis credere, 
In te spem habere, te diligere. 
O memoriale mortis Domini! 
Panis vivus, vitam præstans homini! 
Præsta meæ menti de te vivere 
Et te illi semper dulce sapere. 
Pie pellicane, Iesu Domine, 
Me immundum munda tuo sanguine. 
Cuius una stilla salvum facere 
Totum mundum quit ab omni scelere. 
Iesu, quem velatum nunc aspicio, 
Oro fiat illud quod tam sitio; 
Ut te revelata cernens facie, 
Visu sim beatus tuæ gloriæ. 
Amen.

Adoro-te devotamente, divindade escondida, 
Que sob esta figura verdadeiramente Te escondes: 
A Ti o meu coração se submete, 
Porque te contemplando, tudo falta. 
Visão, tato e paladar em Ti falham, 
Só o ouvido tudo crê. 
Creio em tudo o que disse o Filho de Deus: 
A verdade da Verdade é melhor recebida. 
Na cruz escondia-se só a divindade, 
Mas aqui esconde-se também a humanidade; 
No entanto ambos acredito e confesso, 
Peço o que pedia o ladrão penitente. 
Chagas, como Tomé viu, não vejo, 
Mas, meu Deus, em Ti confio. 
Faz-me sempre mais em Ti acreditar, 
Em Ti esperar, Te amar. 
Oh memorial da morte do Senhor! 
Pão vivo, vida dás ao homem! 
Concede à minha alma de Ti viver, 
Pelo Teu sabor sempre ser alimentado. 
Senhor Jesus, pio pelicano, 
A mim imundo lava o Teu sangue. 
Do qual uma só gota chega para salvar 
Todo o mundo de todos os pecados. 
Jesus, que velado agora contemplo, 
Rezo para que se faça o que tanto anseio; 
Que a Tua face revelada eu olhe. 
E bem-aventurado veja a Tua glória. 
Amém.

E recebendo o Santíssimo Sacramento, pronunciou a seguinte oração:

'Sumo te pretium redemptionis anime mee, sumo te viaticum peregrinationis mee, pro cuius amore studui, vigilavi et laboravi; te predicavi, te docui, nichil umquam contra te dixi, sed si quid dixi, ignorans dixi nec sum pertinax in sensu meo; sed si quid male dixi de hoc sacramento et aliis, totum relinquo correctioni sancte Romane Ecclesie, in cuius obedientia nunc transeo ex hac vita'. 

«Recebo-Te, preço da redenção da minha alma. Recebo-Te, viático da minha peregrinação, por cujo amor estudei, vigiei, trabalhei, preguei e ensinei. Nunca disse nada contra Ti. Se o fiz, foi por ignorância, e não sou persistente na minha opinião. Mas o que de mal eu disse deste sacramento ou de outras coisas, tudo entrego à correção da santa Igreja Romana, de cuja obediência eu nunca me desviei nesta vida'. 

Depois de ter recebido o sacramento, pediu, com uma devoção que só podia acrescentar ao seu mérito e dar aos outros exemplo, que lhe fosse trazido no dia seguinte o óleo da santa unção, o sacramento dos moribundos, afim que o Espírito desta unção, que o tinha enviado para guiar os seus companheiros, o conduzisse ao Céu a que aspirava. Pouco tempo depois de o ter recebido, entregou ao Senhor a sua alma, que ele tinha conservado tão santa quanto a tinha recebido. Ela deixou o corpo tão alegremente que parecia viver maravilhosamente fora deste. 

Feliz doutor que correu tão ligeiro no estádio, que travou corajosamente o combate e que obteve uma vitória triunfal! Ele merecia dizer como o Apóstolo: 'Combati até ao fim o bom combate, acabei a minha corrida, guardei fé. E agora eis que está preparada para mim a coroa de glória' (2Tm 4, 7-8), coroa que ele era verdadeiramente digno de receber pelo seu estudo da doutrina inspirada!