segunda-feira, 4 de março de 2024

PALAVRAS DE SALVAÇÃO


'Não é preciso fazer penitências extraordinárias [para se tomar a cruz e seguir Jesus]. Basta que suportemos com paciência as tribulações cotidianas de nossa mísera vida imperfeita: as incompreensões, as ingratidões, as humilhações, os sofrimentos causados pela mudança das estações e pelo ambiente em que vivemos. Isso tudo conforma a cruz que o pecado nos coloca sobre os ombros e que Deus permite para a nossa redenção'.

(São Leopoldo Mandic)

domingo, 3 de março de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'Senhor, tens palavras de vida eterna' (Sl 18)

Primeira Leitura (Êx 20,1-17) - Segunda Leitura (1Cor 1,22-25)  -  Evangelho (Jo 2,13-25)

 03/03/2024 - Terceiro Domingo da Quaresma

14. A EXPULSÃO DOS VENDILHÕES DO TEMPLO


Neste domingo, o Evangelho nos mostra Jesus manifestando aos ímpios a ira santa de Deus. Há pouco, ocorrera o milagre das Bodas de Caná; estava próxima a Páscoa e, em perfeita conformidade à lei judaica, Jesus também viera visitar o Templo em Jerusalém. E ali, num ambiente tomado por uma completa profanação do espaço sagrado, Jesus expulsa os vendilhões do templo.

Tomado de santo furor, diante a balbúrdia e o tumulto dos homens que profanavam o santuário de Deus, Jesus faz um chicote de cordas e os expulsa com peremptória indignação: 'Tirai isto daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!' (Jo 2, 16). Aquelas mãos divinas, consumidas em tantos atos de perdão e de misericórdia, tecem agora um chicote! E, com ele em mãos, golpeia e desmantela as bancas e as mesas, espanta vendedores e cambistas, afugenta os animais em correria, esparrama objetos, moedas e víveres pelo chão, movido por uma indignação e um zelo extremos pela profanação do sagrado. O que deve ter sido este cenário!

Paralisados e tomados de pavor, aqueles homens que se atropelam para fugir diante de Jesus e da profanação revelada, ainda ousam pedir um sinal ao Senhor por tais ações. E Jesus lhes dá a resposta pela revelação do mistério da ressurreição do seu corpo, templo perfeitíssimo de Deus: 'Destruí este Templo, e em três dias o levantarei' (Jo 2, 19). Jesus não falava do templo físico, mas do templo espiritual que habita em nós, e que contém em plenitude o Corpo, Sangue, Alma e Divindade do Senhor. O primeiro será destruído, porque não era santo. O segundo, por méritos e graças do Salvador, nos abriu as portas da redenção e da eternidade com Deus: 'Quando Jesus ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra dele' (Jo 2, 22).

O episódio da expulsão dos vendilhões do Templo deveria nos alertar duramente sobre o rigor da Justiça Divina, diante o pecado e a perda de referência ao culto do sagrado. Ai daqueles que, usurpando da graça do livre arbítrio, negam a sua realidade espiritual e convertem as suas vidas em construir templos de barro e produzir frutos sazonais, ditados apenas pelos interesses humanos. Serão réus e depositários da santa ira de Deus, porque 'se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá, pois o santuário de Deus é santo e vós sois esse santuário' (1 Cor 3, 17).

sábado, 2 de março de 2024

QUAL FOI O DIA MAIS IMPORTANTE DA SUA VIDA?

Uma vida tem muitas vidas juntas
feitas de dias que parecem repetir cada vez mais depressa
de acontecimentos bons e ruins
que podem mudar o rumo ou o porto de chegada
num minuto,
num segundo talvez.

Quando você fez (fizer) 40 anos, você completou (completará) 14610 dias de vida
e, para sermos rigorosos, talvez 9740 dias de plena consciência
porque os outros 4870* dias você estava provavelmente dormindo.
Ainda assim, é bastante tempo, são muitos dias...

No tempo de uma vida, no tempo de sua vida,
Qual foi o dia mais importante da sua vida?
O dia em que você nasceu e que você comemora em aniversários de um dia?
O dia do seu casamento?
Quem sabe o dia em que nasceu o seu primeiro (a) filho (a)?
O dia da sua formatura? O dia em que você renasceu após um acidente?
Todos certamente são dias felizes
e certamente também, devem ter muitos outros até aqui... 

Tantos dias felizes que você teria dificuldade de lembrar
porque foram apenas dias felizes
perdidos nas memórias perdidas da infância e da mocidade
Dias sem dor, sofrimento, doença, cansaço, aborrecimentos,
dias sem intempéries ou problemas,
dias cotidianos, serenos... belos dias esquecidos...
Dos dias amargos, você tem memória de elefante não é?
Rememorando o que não leva a nada
e carregando pedras que deveriam ter ficado no caminho... 

Todos estes dias, por mais especiais que tenham sido,
foram apenas dias da vida que se leva.
O dia mais importante da sua vida - considera bem isso -
foi o dia do seu batismo
porque, neste torpor de dias que nós chamamos vida,
Deus, neste dia, neste abençoado e santo dia,
fez de você cidadão do céu
e lhe concedeu a eternidade dos dias,
infinitamente mais felizes que os dias felizes
que você ainda hoje chama de seus. 

(Arcos de Pilares)

* considerando um tempo de sono médio de 8h/dia, passamos 1/3 das novas vidas dormindo...

sexta-feira, 1 de março de 2024

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXXVI)

Capítulo LXXVI

Razões para o Socorro às Santas Almas - A Controvérsia entre o Irmão Bento e o Irmão Bertrand

Quando exaltamos tanto os méritos da oração pelos falecidos, não concluímos de forma alguma que outras boas obras devam ser omitidas, pois todas as outras boas obras devem ser exercidas de acordo com o tempo, o lugar e as circunstâncias. A única intenção que tínhamos em vista era dar uma ideia correta da misericórdia para com os falecidos e inspirar nos outros o desejo de a praticarem. Além disso, as obras espirituais de misericórdia, que têm por objetivo a salvação das almas, são todas de igual excelência, e é apenas em certos aspectos que podemos colocar a assistência aos mortos acima do zelo pela conversão dos pecadores.

Nas Crônicas dos Frades Pregadores (cf Rossign., Merv. I), conta-se que surgiu uma controvérsia bastante intensa entre dois religiosos dessa Ordem, o Irmão Bento e o Irmão Bertrand, a propósito dos sufrágios pelos defuntos. O motivo foi o seguinte: O Irmão Bertrand celebrava frequentemente a Santa Missa pelos pecadores e rezava continuamente pela sua conversão, impondo a si mesmo as mais severas penitências; mas raramente era visto a rezar a missa de exéquias pelos defuntos. 

O Irmão Bento, que tinha grande devoção pelas almas do Purgatório, tendo notado esta conduta, perguntou-lhe porque agia assim. 'Por que' - respondeu ele - 'as almas do Purgatório estão seguras da sua salvação, enquanto os pecadores estão continuamente expostos ao perigo de cair no inferno. Que condição mais deplorável do que a de uma alma em estado de pecado mortal? Ela está em inimizade com Deus, presa nas correntes do demônio, suspensa sobre o abismo do inferno pelo frágil fio da vida, que pode romper-se a qualquer momento. O pecador caminha no caminho da perdição; se continuar a avançar, cairá no abismo eterno. Devemos, portanto, ir em seu auxílio e preservá-lo desta que é a maior das desgraças, trabalhando pela sua conversão. Aliás, não foi para salvar os pecadores que o Filho de Deus veio à terra e morreu numa cruz? São Dênis assegura-nos também que a mais divina de todas as coisas divinas é trabalhar com Deus para a salvação das almas. No que diz respeito às almas do Purgatório, elas estão seguras, a sua salvação eterna está assegurada. Sofrem, são vítimas de grandes tormentos, mas não têm nada a temer do inferno, e os seus sofrimentos terão um fim. As dívidas que contraíram diminuem todos os dias e em breve gozarão da luz eterna; enquanto os pecadores são continuamente ameaçados com a condenação, a mais terrível desgraça que pode acontecer a uma das criaturas de Deus'.

'Tudo o que disseste é verdade' - respondeu o Irmão Bento - 'mas há uma outra consideração a fazer. Os pecadores são escravos de Satanás, por sua própria vontade. Seu jugo é de sua própria escolha, eles poderiam quebrar suas correntes se quisessem; enquanto as pobres almas no Purgatório podem apenas suspirar e implorar a assistência dos vivos. A eles é impossível romper os grilhões que as prendem às chamas torturantes. Suponhamos que encontrásseis dois mendigos, um doente, aleijado e desamparado, absolutamente incapaz de ganhar o seu sustento; o outro, ao contrário, embora em grande aflição, jovem e vigoroso; qual dos dois mereceria a maior parte da vossa esmola?' 'Certamente o que não podia trabalhar' - respondeu o Irmão Bertrand.

'Pois bem, meu caro padre - continuou o Irmão Bento - 'é exatamente o que se passa com os pecadores e as almas santas. Elas não mais podem ajudar a si próprias. O tempo da oração, da confissão e das boas obras já passou para elas; só nós podemos aliviá-las. É verdade que mereceram estes sofrimentos como castigo pelos seus pecados, mas agora lamentam e detestam esses pecados. Eles estão na graça e amizade de Deus; enquanto os pecadores são agora os seus inimigos. É certo que devemos rezar pela sua conversão, mas sem prejuízo do que devemos às almas sofredoras, tão caras ao coração de Jesus. Tenhamos compaixão dos pecadores, mas não nos esqueçamos de que eles têm todos os meios de salvação à sua disposição; devem romper os laços do pecado e fugir do perigo de condenação que os ameaça. Não parece evidente que as almas sofredoras têm mais necessidade e merecem uma parte maior da nossa caridade?'

Apesar da força desses argumentos, o Irmão Bertrand persistiu em sua opinião inicial. Então, na noite seguinte, ele vivenciou a aparição de uma alma do Purgatório, que o fez experimentar, por um curto espaço de tempo, a dor que ela mesma suportava. Esse sofrimento era tão atroz que parecia impossível suportá-lo. Então, como diz Isaías, a tortura deu-lhe o entendimento: vexatio intellectum dabit (Is 28,19) e convenceu-se de que devia fazer mais pelas almas sofredoras. Na manhã seguinte, cheio de compaixão, subiu os degraus do altar, vestido de preto, e ofereceu o Santo Sacrifício pelas almas dos falecidos.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.


quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

SOBRE A FÉ E A INCREDULIDADE

1. 'E imediatamente Jesus estendeu a mão e o apoiou, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste?' (Mt 14, 31)

2. 'Em verdade vos digo que qualquer que disser a este monte: Sê removido e lançado ao mar, e não duvidar em seu coração, mas crer que acontecerá o que diz, isso lhe será concedido' (Mc 11, 23)

3. 'Mas peça com fé, sem duvidar; porque quem duvida é como a onda do mar, levada pelo vento e lançada de um lugar para outro' (Tg 1, 6)

4. 'Mas, aquele que come apesar de suas dúvidas, condena-se, por não se guiar pela convicção. Tudo o que não procede da convicção é pecado' (Rm 14, 23)

5. 'Ele não confia nem nos seus próprios servos; até mesmo nos seus anjos encontra defeito' (Jó 4, 18)

6. 'Eis que Deus não confia nos seus santos, nem os céus são puros aos seus olhos' (Jó 15, 15)

7. 'Assim diz o Senhor: Maldito o homem que confia no homem e faz da carne a sua força, e o seu coração se afasta do Senhor' (Jr 17,5)

8. 'É melhor refugiar-se no Senhor do que confiar no homem' (Sl 118,8)

9. 'Não confieis em príncipes, nem no filho do homem em quem não há salvação' (Sl 146,3)

10. 'Portanto, quem crê que está de pé , tenha cuidado para não cair' (1Cor 10,12)

11. 'Portanto, amados, sabendo disso de antemão, tenham cuidado, para que, levados pelo erro de homens licenciosos, vocês não caiam da sua firmeza' (2Pd 3,17)

12. 'Amados, não acrediteis em todo espírito, mas provai os espíritos para ver se eles vêm de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo' (1Jo 4,1) 

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

FRASES DE SENDARIUM (XXIII)


'A humildade é o primeiro degrau da escada da sabedoria'
(São Tomás de Aquino)

Eis a nossa identidade como filhos de Deus no mundo: a humildade como armadura, a caridade como bagagem, a fé como único tesouro...

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

SERMÕES DO CURA D'ARS (XVII)

 SOBRE O ARREPENDIMENTO

 'Ai de mim, que tanto pequei durante a minha vida'
(Confissões, de Santo Agostinho)

Assim falava Santo Agostinho, quando pensava na sua vida de outrora, que tinha passado incessantemente no vício abominável da impureza. Sempre que o pensamento lhe ocorria, seu coração era dilacerado e devorado pelo arrependimento. 'Ó meu Senhor' - exclamava ele - 'eu vivi sem vos amar; ó meu Senhor, quantos anos preciosos eu perdi! Dignai-vos, Senhor, imploro-vos, apagar da vossa memória as minhas faltas passadas!' Ó lágrimas preciosas, ó contrição salutar, que fizeram de um tão grande pecador um tão grande santo!

Quão depressa um coração verdadeiramente contrito recupera a amizade de Deus! Ah, quem dera a Deus que, cada vez que deixamos passar os nossos pecados diante dos olhos da nossa mente, pudéssemos dizer com o arrependido Santo Agostinho: 'Ai de mim! Pequei muito durante a minha vida; tende piedade de mim, Senhor!' Como mudaríamos rapidamente o nosso modo de vida! Sim, meus irmãos, confessemos todos nós, aqui presentes, com o mesmo fervoroso arrependimento e sinceridade, que somos grandes pecadores que merecem experimentar toda a ira de Deus. E louvemos a infinita misericórdia de Deus, que nos dá abundantemente dos seus tesouros para nos consolar na nossa miséria.

Se os nossos pecados foram tão grandes e a nossa vida tão dissoluta, temos a certeza do seu perdão, se seguirmos o exemplo do filho pródigo e nos lançarmos com o coração contrito aos pés do melhor dos pais. Deixem-me mostrar-vos, meus amigos cristãos, que o nosso arrependimento deve ter esta qualidade antes de poder obter o perdão dos nossos pecados: O pecador deve, em consequência do seu arrependimento, odiar sinceramente os seus pecados e detestá-los.

Para vos fazer compreender plenamente o que significa o arrependimento, ou seja, a dor que os nossos pecados devem causar à nossa consciência, eu teria de vos mostrar, por um lado, a aversão que o Senhor tem por eles e os tormentos que teve de sofrer para obter o perdão de Deus Pai e, por outro lado, as bênçãos que perdemos ao cometermos pecados e os males que trazemos sobre nós próprios no outro mundo; mas nenhum homem será capaz de compreender isto plenamente.

Onde vos conduzirei, meus irmãos, para vos mostrar esse arrependimento? Para a solidão do deserto, talvez, onde tantos santos passaram vinte, trinta, quarenta, cinquenta ou mesmo oitenta anos de suas vidas, lamentando faltas que não eram faltas aos olhos do mundo. Não, o vosso coração não se comoveria com estas coisas. Ou conduzir-vos-ei à entrada do inferno, para que possais ouvir os gritos e uivos tristes, e o ranger de dentes, causados pelo arrependimento dos seus pecados; mas, embora amarga e difícil de suportar, a sua dor e arrependimento são inúteis. Não, meus irmãos, não aprenderíeis aqui o verdadeiro arrependimento que deveríeis sentir pelos vossos pecados. Ó se eu pudesse levar-vos ao pé da cruz que ainda está avermelhada com o precioso Sangue de nosso Senhor, derramado para lavar os nossos pecados! Se eu pudesse levar-vos àquele jardim de dor, onde nosso Senhor derramou pelos nossos pecados, não lágrimas comuns, mas sangue, que fluiu de todos os poros do seu corpo! Se eu pudesse mostrar-vos Jesus carregando a cruz, cambaleando pelas ruas de Jerusalém, a cada passo tropeçando e sendo impelido aos pontapés. Ah se eu pudesse levar-vos ao Monte Calvário, onde Nosso Senhor morreu, por causa da nossa salvação.

Mas mesmo que eu pudesse fazer tudo isso, seria necessário que Deus vos desse a graça de inflamar no vosso coração o amor ardente de um São Bernardo, que se desfazia em lágrimas só de ver a cruz. Que belo e precioso arrependimento, como é feliz aquele que te guarda no seu coração! Mas a quem me dirijo: onde está aquele que o sente no seu coração? Ai de mim, não sei. Será ao pecador obstinado que abandonou o seu Deus e negligenciou a sua alma durante vinte ou trinta anos? Não, isso seria como tentar amolecer uma pedra deitando-lhe água em cima. Ou para aquele cristão que negligenciou missões, deixou de orar e desprezou as admoestações de seu conselheiro espiritual? Não, isso seria como tentar aquecer a água adicionando gelo sobre ela. Ou, talvez, para aquelas pessoas que se sentem satisfeitas se cumprirem seu dever pascal, e então, ano após ano, continuam no mesmo curso pecaminoso de vida? Não, essas são as vítimas que são engordadas para servirem de alimento às chamas eternas. Ou para os cristãos que comungam todos os meses e voltam a cair nos seus pecados todos os dias? Não, porque são como os cegos, que não sabem o que fazem, nem o que devem fazer.

A quem me hei de me dirigir então? Infelizmente não sei. Ó meu Senhor, onde é que o vou procurar, onde é que o vou encontrar? Sim, meu Senhor, eu sei de onde vem e quem o dá. Vem do céu, e Vós o concedeis, Senhor. Meu Senhor, nós Vos suplicamos, concedei-nos o arrependimento que esmaga e devora o nosso coração; este belo arrependimento que desarma a justiça de Deus e transforma uma eternidade de miséria em felicidade eterna. Ó bela virtude, como és necessária, e como é raro encontrá-la! E, no entanto, sem ela não há perdão, não há céu e, mais do que isso, sem ela tudo é em vão: penitência, caridade, esmola ou qualquer outra coisa que possamos fazer para ganhar a recompensa eterna.

Mas podemos perguntar: O que significa essa palavra 'arrependimento' e como podemos saber se o temos ou não? Meus irmãos, se me ouvirem, explicar-lhes-ei como podem saber se o têm ou não, e se não o têm, como podem obtê-lo. Se me perguntardes o que é o arrependimento, dir-vos-ei que é uma angústia da alma e um detestar do pecado passado, e uma firme resolução de nunca mais pecar. Sim, meus irmãos, esta é a mais importante de todas as condições que Deus impõe antes de perdoar os nossos pecados, e nunca pode ser dispensada. Uma doença que nos priva da fala, pode dispensar-nos da confissão; uma morte súbita pode dispensar-nos da necessidade de dar satisfação pelos nossos pecados durante a vida, mas com o arrependimento é diferente.

Sem ele, é impossível, absolutamente impossível, obter o perdão. Sim, meus irmãos, devo dizer com profundo pesar que a falta de arrependimento é a causa de um grande número de confissões e comunhões sacrílegas, e o que é ainda mais de lamentar é a circunstância de muitos não se aperceberem do triste estado em que se encontram, e viverem e morrerem nele. Ora, meus amigos, se tivermos a infelicidade de esconder um pecado na confissão, esse pecado está constantemente diante dos nossos olhos como um monstro que ameaça devorar-nos, e faz com que nos confessemos de novo em breve, para nos libertarmos dele. Mas é diferente com o arrependimento; confessamo-nos, mas o nosso coração não participa na acusação que fazemos contra nós próprios. Aproximamo-nos do Santo Sacramento com um coração tão frio, insensível e indiferente, como se estivéssemos a praticar um ato indiferente e sem consequências.

Assim vivemos de dia para dia, de ano para ano, até nos aproximarmos da morte, quando esperamos encontrar alguma coisa que nos tenha honrado, mas só descobrimos os sacrilégios que cometemos com as nossas confissões e comunhões. Ó meu Deus, quantos cristãos há que, na hora da morte, só descobrirão confissões inválidas! Mas não vou aprofundar mais este assunto, com receio de vos assustar e, no entanto, deveríeis ser levados à beira do desespero, para que parásseis imediatamente e melhorásseis a vossa condição agora mesmo, em vez de esperardes até ao momento em que reconhecereis a vossa condição, e em que será demasiado tarde para a melhorar. Mas continuemos com a nossa explicação, e logo sabereis, meus irmãos, se tivestes o arrependimento em todas as vossas confissões, que é tão absolutamente necessário para o perdão dos pecados.

Eu disse que o arrependimento é uma angústia de alma. É absolutamente necessário que um pecador chore pelos seus pecados, quer neste mundo, quer no outro. Neste mundo, podemos apagar os nossos pecados através do arrependimento, mas não no outro. Devemos estar muito gratos ao nosso querido Senhor pelo fato de a angústia da nossa alma ser suficiente para que Ele a deixe ser seguida de uma alegria eterna, em vez de nos fazer sofrer esse arrependimento eterno e essas terríveis torturas que seriam o nosso destino na outra vida, isto é, o inferno. Ó meu Deus, com quão pouco Te satisfazes!

Deixai-me dizer-vos que esta angústia de alma deve ter quatro qualidades; se faltar uma delas, não podemos obter o perdão dos nossos pecados. Não é necessário que se manifeste necessariamente em lágrimas; elas são boas e úteis, mas não são essenciais. É um fato que, quando São Paulo e o ladrão penitente se voltaram para Deus, não consta que tenham chorado, mas a sua angústia de alma era sincera. Não, meus amigos, não deveis confiar apenas nas lágrimas. Elas são muitas vezes enganadoras, e muitas pessoas choram no confessionário e voltam a cair no mesmo pecado na primeira oportunidade. A angústia de alma que Deus exige de nós é como aquela de que fala o profeta: 'Rasgai o vosso coração e não as vossas vestes. Um sacrifício a Deus é um espírito aflito; um coração contrito e humilde, ó Deus, não desprezarás'.

Por que Deus exige que o nosso coração sinta esta angústia? Porque é no coração que cometemos os nossos pecados. 'É no coração' - diz o Senhor - 'que têm origem todos os maus pensamentos, todos os desejos pecaminosos'. Portanto, se o nosso coração é culpado, o coração deve sofrer, ou Deus nunca nos perdoará. A segunda qualidade desta angústia que devemos sentir pelos nossos pecados é que ela deve ser sobrenatural; isto é, deve ser provocada pelo Espírito Santo e não por causas naturais. Preocupar-se com um pecado que cometemos, porque ele nos excluiria do paraíso e nos levaria ao inferno, é um motivo sobrenatural, do qual o Espírito Santo é o originador, e levará ao verdadeiro arrependimento. Mas preocupar-se com um pecado por causa da vergonha que será a consequência, ou da desgraça que ele nos causará, isso é meramente uma tristeza natural, que não merece perdão. É perfeitamente claro, então, que a angústia de alma causada por nossos pecados deve surgir de nosso amor a Deus e nosso medo de seu castigo.

Aquele que, em seu arrependimento, só pensa em Deus, sente um arrependimento perfeito. Mas aquele que só se arrepende dos seus pecados apenas por causa dos castigos temporais que eles lhe trarão, não tem um arrependimento correto e não tem justificação para esperar o perdão dos seus pecados. A terceira qualidade do arrependimento é que ele deve ser ilimitado, ou seja, a angústia que ele provoca deve ser maior do que qualquer outra tristeza, como, por exemplo, pela perda de nossos pais, ou de nossa saúde, ou em geral pela perda de qualquer coisa que nos é mais cara nesta vida. A razão pela qual a nossa dor deve ser tão grande é porque deve ser equivalente à perda que nos causará e à desgraça que nos trará após a nossa morte. Imaginai, pois, quão grande deve ser a nossa angústia por um pecado que nos priva de todas as glórias do céu, afasta de nós o nosso querido Senhor e nos lança no inferno, que é a maior de todas as desgraças.

Mas, perguntareis, como poderemos saber se possuímos este verdadeiro arrependimento? Nada é mais fácil. Se estiverdes verdadeiramente arrependidos, não agireis nem pensareis como dantes, mudareis completamente o vosso modo de vida; odiareis o que amastes e amareis o que desprezastes e evitastes. Por exemplo, se tiverdes de confessar que, no agir e no falar, éreis de temperamento apressado, sereis doravante notáveis pela vossa brandura de comportamento e pela vossa consideração para com todos. Não é preciso preocupar-se em saber se fez uma confissão perfeita, pois erros são facilmente cometidos, mas a consequência da sua confissão deve ser que as pessoas digam de você: 'Como ele mudou, não é o mesmo homem. Uma mudança maravilhosa se operou nele!' Ó meu Senhor, como são raras as confissões que provocam uma mudança tão grande! A quarta e última qualidade é que o arrependimento deve ser abrangente. Vemos na vida dos santos, no que diz respeito à abrangência do arrependimento, que não podemos receber o perdão de um pecado mortal, mesmo que nos tenhamos arrependido corretamente do mesmo, se não sentirmos o mesmo arrependimento por todos os nossos pecados mortais.

A história fornece-nos um exemplo que nos mostra como os santos consideravam absolutamente necessária esta angústia pelos nossos pecados, para obter o perdão. Um dos oficiais papais adoeceu. O Santo Padre, que tinha grande estima pela sua bravura e santidade de vida, enviou um dos seus cardeais para lhe manifestar a sua simpatia e dar-lhe a absolvição. 'Dizei ao Santo Padre' - disse o moribundo ao Cardeal - 'que lhe estou muito grato pela sua ternura, mas dizei-lhe também que lhe ficaria infinitamente mais grato se ele rezasse a Deus para me obter a graça de um verdadeiro arrependimento dos meus pecados. Pois, de que me serve qualquer coisa, se o meu coração não se partir de angústia ao pensar que ofendi um Deus tão bom. Fazei, Senhor, se for possível, com que o arrependimento dos meus pecados seja igual à ofensa que vos fiz!'

E essa disposição é obtida pela oração - oração sincera e fervorosa: 'Ó meu Deus, criai em mim um coração puro, e renovai-me o espírito de firmeza. De vossa face não me rejeiteis, e nem me priveis de vosso Santo Espírito' (Sl 50,12-13). A este arrependimento, deve-se juntar naturalmente o firme propósito de não voltar a cometer o pecado; e este é o coração contrito e humilde que Deus não despreza. Desse modo, Ele o receberá novamente como seu filho e lhe restituirá todos os privilégios de um filho de Deus e herdeiro do Reino Celestial.