sábado, 10 de outubro de 2020

A BÍBLIA EXPLICADA (XXIII): A TRAVESSIA DO MAR VERMELHO

O Senhor disse a Moisés: 'Dize aos israelitas que mudem de direção e venham acampar diante de Piairot, entre Magdol e o mar, defronte de Baal Sefon: acampareis defronte desse lugar, perto do mar. O faraó vai pensar: os israelitas perderam-se no país, e o deserto fechou-lhes a passagem. Endurecerei o coração do faraó, e ele os perseguirá; mas eu triunfarei gloriosamente sobre o faraó e sobre todo o seu exército, e os egípcios saberão que eu sou o Senhor' (Ex 14, 1-4).


Na epopeia da saída e fuga do Egito, o povo de Israel foi personagem de um dos mais extraordinários eventos narrados nos textos bíblicos, a chamada 'travessia do Mar Vermelho', descrito e detalhado no Livro do Êxodo. A jornada inicial é bem conhecida: os israelitas, liderados por Moisés, deixam o Egito em direção ao Monte Sinai. Durante o dia, Deus provê uma coluna de nuvens para guiar o seu povo na direção correta. À noite, é uma coluna de fogo que os guiam, provendo luz e condições seguras para a continuidade da jornada mesmo após o pôr-do-sol.

Cerca de três dias após o Êxodo, o Faraó se arrepende amargamente de ter permitido a saída dos israelitas de seu país e decide partir ao encalço deles, de forma a capturá-los e fazê-los retornar à força como mão de obra escrava do Egito. Neste ímpeto de fúria, mobiliza-se de imediato um poderoso exército e o próprio Faraó assume a liderança das suas tropas na perseguição aos israelitas. Tem-se, assim, um anfiteatro de uma grande escapada, o grande Êxodo: de um lado, um poderoso exército egípcio sob  comando do próprio Faraó; de outro, um enorme contingente de israelitas irmanados numa jornada exaustiva de dia e de noite para fugir do Egito.


Um primeiro aspecto marcante a ser destacado é relativo ao arrependimento do Faraó após três dias da saída do povo israelita. Isso depois de uma sucessão de pragas terríveis impostas ao povo egípcio (as águas do Nilo transformadas em sangue, o tormento dos piolhos sobre as pessoas e das nuvens de gafanhotos devastando as plantações, chagas afligindo homens e animais, a morte dos primogênitos, etc). Como explicar tamanha arrogância do Faraó diante de tantas tragédias consumadas, que incluíram a perda do seu próprio filho (Ex 12, 29)? Este sentimento extremado de vingança foi permitido por Deus que 'endureceu o coração do Faraó', pois nem a morte dos primogênitos tinha sido suficiente para aplacar a ira santa de Deus contra o povo egípcio (a pena do pecado público aplicado a todo um povo) pelos crimes do Faraó, que havia ordenado que todos os meninos hebreus recém-nascidos fossem atirados e afogados nas águas do rio Nilo (Ex 1,22), suscitando dor e sofrimento indescritíveis às mães enlutadas. De tal horror e gravidade contra pequeninos inocentes, é que pela mesma medida e com igual morte, haveria de perecer todo o exército egípcio em perseguição aos israelitas.

Um segundo aspecto a ser realçado é a aparente contradição da ordem dada por Deus aos israelitas em fuga: em vez de avançarem na escapada, eles teriam não apenas que tomar uma ação de recuo, como também interromperem a jornada e acamparem 'defronte de Baal Sefon', perto do mar. A razão da ordem de Deus está explicitada no próprio texto bíblico: o recuo seria interpretado pelo Faraó como uma indicação de que os judeus estavam perdidos e confusos e que ficaram sem saída, aprisionados entre o deserto e o Mar de Juncos (ou Mar Vermelho). 


Com efeito, a ordem de Deus teria sido analisada pelos israelitas mais descrentes como constituindo uma absurda insensatez: nesse contexto, os israelitas ficariam definitivamente encurralados entre o mar e as montanhas em torno, uma vez que o único caminho de acesso até a região agora era o trajeto óbvio de um poderoso exército egípcio de perseguição. Foi exatamente por isso é que se produziu tanto alarde e que, diante a desconfiança de muitos judeus, Moisés repreendeu o temor deles e os suscitou a confiar plenamente em Deus: 'O Senhor combaterá por vós; quanto a vós, nada tereis a fazer' (Ex 14, 15). É neste cenário de apreensão e prostração do povo israelita que Deus vai demandar um portentoso milagre à frente deles, e por isso os induziu a montarem um acampamento 'perto do mar'.



O cenário do confronto se impõe, mas por uma noite inteira será contido. A coluna de nuvens se interpõe entre os dois contingentes e impede o avanço do exército egípcio que é, assim, obrigado a levantar acampamento à espera do dia seguinte. Os israelitas esperam e têm diante de si o Mar Vermelho como barreira inexpugnável. Mas não é por acaso que se encontram diante Piairot, entre Magdol e o mar, defronte de Baal Sefon: neste ponto específico, a passagem do Mar Vermelho, além de estreita, é particularmente rasa: uma muralha se ergue do fundo do mar e alcança quase a superfície oceânica. Mais ainda, constitui uma frente de exposição contínua à ação dos fortes ventos de leste tão comuns na região. 



Deus preparara com ciência divina e humana a trajetória final do percurso do seu povo escolhido e, assim, ordena a Moisés: 'levanta a tua vara, estende a mão sobre o mar e fere-o, para que os israelitas possam atravessá-lo a pé enxuto' (Ex 14, 16). A ciência humana trabalhou com a mobilização dos impetuosos ventos do leste que abriram uma passagem entre as águas e a ciência divina fez secar e endurecer de imediato o leito marinho, por onde passou o povo israelita sem dificuldades ou obstáculos, de forma controlada e protegida, por uma noite inteira. Os ventos não pararam de soprar fortemente e, assim, a travessia foi completa. 


Se Deus não tivesse utilizado um fenômeno físico, os egípcios nunca teriam continuado a perseguição aos judeus sob uma inexplicável cortina de águas. Acreditaram no que viam (e eventualmente até podiam conhecer): os ventos abriram uma passagem nas águas para os israelitas em fuga e também para os egípcios em perseguição. Por isso, muito cedo ainda, buscaram ir além do possível na perseguição desenfreada, avançando ao longo da passagem marinha formada diante deles. Os ventos continuavam a soprar fortemente e a passagem se mantinha, mas não havia mais leito seco e enrijecido: o avanço era lento, difícil e descontrolado: colunas se adiantavam, grupos ficam retidos mais atrás, os cavalos ficavam atolados, as bigas afundavam no terreno fofo e encharcado, conformando um caos no domínio estreito de um abismo prestes a sucumbir. 

E Deus disse a Moisés: 'Estende tua mão sobre o mar, e as águas se voltarão sobre os egípcios, seus carros e seus cavaleiros' (Ex 14, 26). Os ventos cessaram de pronto e a justiça divina se abateu sobre o Faraó e o exército egípcio, consumando-se o fim de uma dinastia de opressão e livrando para sempre o povo de Israel da escravidão. Expedições recentes neste local do Mar Vermelho comprovam à exaustão a veracidade destes eventos bíblicos: foram achados muitos objetos como rodas de bigas, ferraduras e ossos de homens e cavalos, muitos felizmente protegidos de maiores deteriorações pela cobertura de bancos de corais.


(vestígios de rodas e registro das bigas egípcias da época)

(fragmentos de ossos e de cascos de cavalos)

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

CANTOS DA MISSA TRADICIONAL (XI): AGNUS DEI

Na Parte II da Santa Missa, conhecida como Missa dos Fieis, pouco antes da Comunhão, cantamos o Agnus Dei. A versão a seguir (Missa VIII de Angelis) não é praticada aos domingos comuns, mas especialmente nas épocas festivas do Natal e dos Santos Anjos (dia dois de outubro).


Agnus Dei, qui tollis peccata mundi,
℟. Miserere nobis.
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi,
℟. Miserere nobis.
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi,
℟. Dona nobis pacem.

Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo,
℟. Tende piedade de nós.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo,
℟. Tende piedade de nós.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo,
℟. Dai-nos a paz.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

250 DOGMAS DE FÉ DA IGREJA CATÓLICA (V)

 PARTE VI - A IGREJA CATÓLICA

132. A Igreja Católica foi fundada por Deus-Homem Jesus Cristo.

133. Cristo fundou a Igreja Católica a fim de continuar a sua obra da redenção por todo o tempo.

134. Cristo deu à sua Igreja uma constituição hierárquica.

135. Os poderes conferidos sobre os Apóstolos descendem para os bispos.

136. Cristo nomeou o Apóstolo Pedro para ser o primeiro de todos os Apóstolos e ser a Cabeça visível de toda a Igreja Católica, pela sua nomeação imediata e pessoalmente para a primazia da jurisdição.

137. De acordo com o decreto de Cristo, Pedro terá sucessores na sua Primazia sobre toda a Igreja Católica e para todo o tempo.

138. Os sucessores de Pedro na Primazia são os Bispos de Roma.

139. O Papa possui poder de jurisdição completo e supremo sobre toda a Igreja Católica, não meramente nas matérias da fé e moral, mas também na disciplina e no governo da Igreja.

140. O Papa é infalível quando ele fala ex cathedra.

141. Pela virtude do direito divino, os bispos possuem um poder ordinário de governo sobre suas dioceses.

142. Cristo fundou a Igreja Católica.

143. Cristo é a Cabeça da Igreja Católica.

144. Na decisão final sobre doutrinas concernentes à fé e à moral, a Igreja Católica é infalível.

145. O objeto primário da infalibilidade são as verdades formalmente reveladas da Doutrina Cristã concernentes a à fé e à moral.

146. A totalidade dos bispos é infalível, quando eles, ou reunidos em conselho geral ou espalhados sobre a terra, propõem um ensinamento de fé ou moral como aquele que deve ser guardado por todos os fieis.

147. A Igreja fundada por Cristo é única e una.

148. A Igreja fundada por Cristo é santa.

149. A Igreja fundada por Cristo é católica.

150. A Igreja fundada por Cristo é apostólica.

151. Tornar-se membro da Igreja Católica é necessário a todo o homem para a sua salvação.


PARTE VII - A COMUNHÃO DOS SANTOS

152. É admissível e benéfico venerar os santos do Céu e invocar a sua intercessão.

153. É admissível e benéfico venerar as relíquias dos santos.

154. É admissível e benéfico venerar as imagens dos santos.

155. Os fieis vivos podem recorrer ao auxílio das almas do Purgatório por suas intercessões.


PARTE VIII - OS SACRAMENTOS

156. Os sacramentos da Nova Aliança contêm a graça à qual eles significam e conferem-na sobre aqueles que não a impedem.

157. Os sacramentos trabalham ex opere operato, isto é, os sacramentos operam pelo poder do rito sacramental completo.

158. Todos os sacramentos da Nova Aliança conferem graça santificante sobre os receptores.

159. Os três sacramentos, Batismo, Confirmação e Santas Ordens imprimem um caráter, que é uma marca espiritual indelével e, por esta razão, não podem ser repetidos.

160. O caráter sacramental é uma marca espiritual impressa na alma.

161. O caráter sacramental continua pelo menos até a morte daquele que o carrega.

162. Todos os sacramentos da Nova Aliança foram instituídos por Jesus Cristo.

163. Há sete sacramentos da Nova Lei.

164. Os sacramentos da Nova Aliança são necessários para a salvação da humanidade.

165. A validade e a eficácia do sacramento é independente da ortodoxia do ministro e estado da graça.

166. Para a válida administração do sacramento, é necessário que o ministro realize o sinal sacramental de uma maneira correta.

167. O ministro deve ter a intenção de pelo menos fazer o que a Igreja faz.

168. No caso de receptores adultos, é necessário o merecimento moral para recepção merecida ou frutífera dos sacramentos.

(Compilação da obra 'Fundamentos do Dogma Católico', de Ludwig Ott)

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

GLÓRIAS DE MARIA: NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

 

A palavra Rosário vem do latim Rosarium, que significa 'Coroa de Rosas'. Nossa Senhora é a Rosa das rosas, Rainha das rainhas, sendo chamada, então, Rosa Mística (como é invocada na Ladainha Lauretana), Rainha das Rosas de todas as devoções, Nossa Senhora do Rosário. Se, a cada Ave Maria, adorna-se a Mãe de Deus com uma rosa espiritual, o Rosário adorna Maria com uma Coroa de todas as Rosas.

O Santo Rosário é a oração mais perfeita e o instrumento mais poderoso que nos é concedido pela Divina Providência para vencer o pecado e as tentações diabólicas. Com o rosário, recordamos o memorial da Paixão de Jesus Cristo e meditamos os mistérios de gozo, dor e glória de Jesus e Maria. Pelo Rosário, a terra se une aos céus, e nós a Nossa Senhora, no louvor ao Senhor nosso Deus. Com o Rosário, alcançamos a paz de coração e a salvação eterna da alma. Pelo Rosário, obtemos a remissão pela culpa e pela pena dos nossos pecados, tornamo-nos herdeiros dos méritos infinitos da Paixão de Jesus e invocamos sobre nós e nossas famílias as graças extraordinárias da Misericórdia Divina. 

A origem do Rosário é antiga, mas se formalizou por meio de uma famosa aparição de Nossa Senhora a São Domingos de Gusmão. No seu ferrenho combate e conversão dos seguidores da seita herética dos albigenses, São Domingos defrontou-se com terríveis dificuldades e perseguições, devido à dureza espiritual daquelas almas. Retirou-se, então, em oração, para um lugar ermo situado nos arredores de Toulouse e suplicou a intercessão da Virgem Maria para os bons propósitos de tão dura missão. 

As suas preces extremadas foram atendidas e o santo recebeu uma aparição de Nossa Senhora que lhe entregou o Rosário (também chamado Saltério de Maria, em referência aos 150 salmos de Davi), ensinando-o como rezá-lo e assegurando ser esta a arma mais poderosa para se ganhar as almas para o Céu. Este evento, respaldado por numerosos documentos pontifícios, é narrado na obra 'Da Dignidade do Saltério', do Bem-Aventurado Alain de la Roche (1428 – 1475), célebre pregador da Ordem Dominicana. Com o Rosário em punho, São Domingos pregou incansavelmente na França, Itália e Espanha a devoção que a própria Senhora do Rosário lhe havia ensinado, convertendo os hereges e os tíbios, e erradicando por completo naqueles países a heresia albigense.


Graças, louvores e indulgências sem conta estão associadas à oração devota do Santo Rosário. Rezai-o sempre, rezai-o todos os dias! O maior milagre que o Rosário pode nos proporcionar é nos fazer plenamente dignos das promessas de Cristo e nos elevar de criaturas humanas na terra a herdeiros diretos do Céu ainda nesta vida.

DICIONÁRIO DA DOUTRINA CATÓLICA (XIII)

 

JACULATÓRIA

É uma aspiração doce e fervorosa, repetida ou por palavras ou só mentalmente, para nos recordarmos da presença de Deus, do amor que lhe devemos e para nos conservarmos em união com Ele.

JEJUM EUCARÍSTICO

Além do jejum ordinário, que é penitência, há o jejum eucarístico ou natural, que consiste em não comer nem beber nada desde a meia noite até à comunhão [atualmente, não se alimentar uma hora antes da comunhão]. Quebra-se o jejum eucarístico quando alguma coisa digerível, vinda do exterior, se toma a modo de comida ou bebida. Pode-se comungar sem estar em jejum: em perigo de vida para receber o sagrado Viático; para evitar a profanação das sagradas espécies; para evitar em certos casos o escândalo ou a infâmia. Os doentes que estão de cama (e de que não se espera com certeza uma rápida convalescença) podem comungar, segundo o prudente parecer do confessor, uma ou duas vezes por semana, ainda que antes tomem algum alimento líquido ou algum remédio, mesmo sólido. 

JUGO DE CRISTO

É a Religião Católica. É ela que nos ensina e leva à prática da mansidão e da humildade. Quem pratica estas virtudes conserva a paz na sua alma e não perturba a paz do próximo. Para quem vive em paz, as cruzes que acompanham a vida são suaves; Deus alivia o seu peso. Foi Jesus que disse: 'Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas, porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve' (Mt 11, 29 - 30).

JUÍZO FINAL 

É o julgamento que Deus fará de todos os homens, no fim do mundo. Nesse momento, cada um pode ver tudo o que está na consciência dos outros, pois diz o Apóstolo: 'Virá o Senhor, o qual não só porá às claras o que se acha escondido nas trevas, mas descobrirá os desígnios dos corações' (I Cor 4, 5). A Sagrada Escritura previne-nos de como será feito o julgamento final. Serão todas as gentes congregadas diante de Jesus Cristo, que separará uns dos outros como o pastor separa os cabritos das ovelhas, e assim porá as ovelhas à direita, e os cabritos (os pecadores) à esquerda. Então dirá o Rei aos que hão de estar à sua direita (que são os justos): 'Vinde, benditos de meu Pai, possuí o reino (celeste) que vos está preparado desde o princípio do mundo'. Então dirá também aos que estão à esquerda: 'afastai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e para os seus anjos'. E irão estes para o suplício eterno, e os justos para a vida eterna (Mt 25, 32 -34, 41. 46). Tal é o fim de todo o homem que vem a este mundo, seja ele quem for, queira ou não queira, creia ou não creia.

JUÍZO PARTICULAR 

É aquele a que a alma se há de sujeitar imediatamente após a morte, para lhe ser determinado o lugar da sua morada eterna. Assim o ensina São Paulo dizendo: 'Está estatuído que o homem morre uma só vez, e que depois se lhe segue o julgamento' (Hb 9, 27), 'todos devemos comparecer diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo cada um tiver feito bem ou mal' (II Cor 5, 10). O julgamento é mental e momentâneo. A alma, ao separar-se do corpo, encontra-se com Deus, que está em toda a parte; vê em si mesma todos os atos da sua vida, que estão todos presentes a Deus; Deus faz-lhe conhecer a sentença que merece, e a alma entra no lugar do seu justo destino: ou no purgatório, ou no céu ou no inferno.

JUÍZO TEMERÁRIO 

É a firme convicção, sem razão suficiente, do pecado ou do vício do próximo. É pecado contra a justiça, porque ofende, embora interiormente, a fama do próximo. Jesus Cristo previne-nos contra o juízo temerário, dizendo: 'Não queirais julgar segundo as aparências, mas julgai segundo a reta justiça' (Jo 7, 24). Não devemos julgar os outros sem estarmos, ao menos moralmente, certos de que é justo o nosso juízo. O juízo temerário procede de alguma destas causas: da maldade do que julga, do ódio, da vingança, ou da experiência da fragilidade humana. Quem não tem autoridade para julgar não se constitua juiz do seu próximo. As dúvidas que se nos apresentam sobre as ações do próximo devem ser julgadas favoravelmente.

JUSTIFICAÇÃO 

Consiste na remissão do pecado mortal pela infusão da graça habitual. É a passagem do estado de pecado mortal ao estado de graça de Deus, de sorte que a alma que recebe a graça santificante ou habitual fica completamente transformada como se fosse uma alma nova. Assim o indica o Apóstolo São João, dizendo: 'Se confessarmos os nossos pecados, fiel é (Deus) e justo para nos perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda a iniquidade' (Jo 1, 9). Purificados de toda a iniquidade, ficamos em estado de entrar no Céu, como ensina o Apóstolo São Paulo, dizendo: 'Onde abundou o pecado, superabundou a graça, para que assim como o pecado reinou para a morte, assim também reine a graça pela justiça para a vida eterna, por meio de Jesus Cristo Senhor nosso' (Rm 20, 31). O homem justificado não pode julgar-se seguro de não perder a graça que o justificou; pode perdê-la, e perde-a logo que comete um pecado mortal. Jesus nos faz esta prevenção: 'Vigiai e orai para não cairdes em tentação' (Mt 26, 41). O que o Apóstolo São Paulo diz por estas palavras: 'Aquele que julga estar seguro acautele-se para não cair' (1 Cor 10, 12). Não troquemos a graça de Deus pela vileza dos prazeres sensíveis.

KYRIES 

São invocações que se fazem na Missa e nas ladainhas, acrescentando-se a elas a palavra Eleison. São duas palavras gregas que querem dizer: Senhor, tende misericórdia de nós. São dirigidas à Santíssima Trindade, e são ditas três vezes na Missa e nas ladainhas. Como, porém, a segunda invocação se dirige a Jesus Cristo, em vez de Kyrie, diz-se nesse caso Christe.

LADAINHA 

É palavra que significa súplica. É uma série de invocações que a Igreja faz ao nome de Deus, da Virgem Maria e dos santos. Há várias ladainhas: a de Nossa Senhora, invocando a Virgem Maria sob diversos títulos; a de Todos os Santos, invocando a misericórdia de Deus por intercessão dos santos; a de São José e outras, que se rezam em certos atos de devoção. 

LAICISMO

É o sistema que tem como princípio fundamental a autonomia absoluta da razão e da vontade humana. Nega a possibilidade de qualquer religião, mesmo da religião natural.

LAUDES 

É a segunda parte do Oficio Divino, rezada imediatamente após Matinas.

LEIGOS 

São os fiéis que não pertencem à classe dos clérigos. Todos devem reverência aos clérigos e cometem o delito de sacrilégio quando lhes fazem uma verdadeira injúria. São dignos de louvor se entrarem nas associações eretas ou ao menos recomendadas pela Igreja, e devem estar acautelados contra as associações secretas, condenadas, sediciosas, suspeitas, ou que procuram fugir à vigilância da Igreja. Os leigos podem tomar parte na administração dos bens eclesiásticos. 

LEITURA ESPIRITUAL

É a leitura de livros espirituais, muito útil e mesmo necessária às pessoas que desejam seguir vida sobrenatural, assim como aos diretores de almas. A necessidade de tal leitura resulta das dificuldades que de ordinário se encontram no caminho da perfeição, e as dificuldades não são menores para o diretor do que para as pessoas dirigidas. Não deve, porém, a pessoa dirigida ler os livros que lhe apetecer e sim os que o seu Diretor Espiritual lhe indicar; por seu lado, o Diretor só deve indicar livros apropriados ao grau de perfeição da pessoa que dirige ou que aconselha. Na leitura desses livros, não deve entrar a curiosidade, mas o sincero desejo de encontrar incitamentos para uma maior perfeição, para a prática mais sólida das virtudes sobrenaturais.

LIVROS LITÚRGICOS 

São os livros que a Igreja usa nas orações e cerimônias litúrgicas: o Missal é o livro que contém as Missas que o sacerdote celebra durante todo o ano; o Breviário é o livro que contém a oração cotidiana oficial que a Igreja impõe aos seus ministros de ordens maiores e também aos monges perpetuamente ligados pelos votos;  o Ritual é o livro que contém a forma de administrar os sacramentos, exceto o da Ordem, as orações das várias bênçãos e o cerimonial das procissões.; o Cerimonial dos Bispos é o livro que contém as regras das cerimônias religiosas presididas pelo bispo e o Pontifical Romano é o livro pelo qual o bispo confere os sacramentos da Confirmação e da Ordem, e que contém as bênçãos que lhes são reservadas.

LUXÚRIA 

É um dos pecados capitais, e consiste no desordenado desejo dos vergonhosos deleites sensuais. São cinco os graus da luxúria: o olhar, o prazer, o deleite, o consentimento e a ação. Nenhuma paixão deprime a razão como a gula e a luxúria. As causas que provocam os pecados da luxúria são: a ociosidade e a sensualidade, as más leituras, as modas imodestas, a frequentação de assembleias mundanas e os espetáculos imorais. 'As más companhias corrompem os costumes', avisa o Apóstolo São Paulo (1 Cor 15, 33). E São João recomenda que 'não amemos o mundo porque tudo o que há no mundo é concupiscência da carne, concupiscência dos olhos, e soberba da vida' (I Jo 2, 16). Para evitar o pecado da luxúria, devemos afastar-nos das más companhias e dos prazeres que o mundo oferece, devemos mortificar os nossos sentidos e os movimentos desordenados da nossa carne, e devemos pedir
a Deus a graça preciosa para se guardar a virtude da castidade.

LUZ DA GLÓRIA 

É um auxílio que Deus concede aos bem-aventurados para que possam contemplar a Majestade Divina face a face.

(Verbetes da obra 'Dicionário da Doutrina Católica', do Pe. José Lourenço, 1945)

terça-feira, 6 de outubro de 2020

'ESTAMOS CRUCIFICADOS PARA O MUNDO!'

Assim que a tua devoção se for tornando conhecida no mundo, maledicências e adulações te causarão sérias dificuldades de praticá-la. Os libertinos tomarão a tua mudança por um artifício de hipocrisia e dirão que alguma desilusão sofrida no mundo te levou por pirraça a recorrer a Deus.

Os teus amigos, por sua vez, se apressarão a te dar avisos que supõem ser caridosos e prudentes sobre a melancolia da devoção, sobre a perda do teu bom nome no mundo, sobre o estado de tua saúde, sobre a necessidade de viver no mundo conformando-se aos outros e, sobretudo, sobre os meios que temos para salvar-nos sem tantos mistérios.

Filoteia, tudo isso são loucas e vãs palavras do mundo e, na verdade, essas pessoas não têm um cuidado verdadeiro de teus negócios e de tua saúde: Se vós fôsseis do mundo, diz Nosso Senhor, amaria o mundo o que era seu; mas, como não sois do mundo, por isso ele vos aborrece.

Veem-se homens e mulheres passarem noites inteiras no jogo; e haverá uma ocupação mais triste e insípida do que esta? Entretanto, seus amigos se calam; mas, se destinamos uma hora à meditação ou se nos levantamos mais cedo, para nos prepararmos para a santa comunhão, mandam logo chamar o médico, para que nos cure desta melancolia e tristeza. Podem-se passar trinta noites a dançar, que ninguém se queixa; mas por levantar-se na noite de Natal para a Missa do Galo, começa-se logo a tossir e a queixar de dor de cabeça no dia seguinte.

Quem não vê que o mundo é um juiz iníquo, favorável aos seus filhos, mas intransigente e severo para os filhos de Deus?

Só nos pervertendo com o mundo, poderíamos viver em paz com ele, e impossível é contentar os seus caprichos – Veio João Batista, diz o divino Salvador, o qual não comia pão nem bebia vinho, e dizeis: 'Ele está possesso do demônio'. Veio o Filho do Homem, come e bebe, e dizeis que é um samaritano.

É verdade, Filoteia, se condescenderes com o mundo e jogares e dançares, ele se escandalizará de ti; e, se não o fizeres, serás acusada de hipocrisia e melancolia. Se te vestires bem, ele te levará isso a mal e, se te negligenciares, ele chamará isso baixeza de coração. A tua alegria terá ele por dissolução e a tua mortificação por ânimo carrancudo; e, olhando-te sempre com maus olhos, jamais lhe poderás agradar.

As nossas imperfeições ele considera pecados, os nosso pecados veniais ele julga mortais, e malícias, as nossas enfermidades; de sorte que, assim como a caridade, na expressão de São Paulo, é benigna, o mundo é maligno.

A caridade nunca pensa mal de ninguém e o mundo o pensa sempre de toda sorte de pessoas; e, não podendo acusar as nossas ações, condena ao menos nossas intenções. Enfim, tenham os carneiros chifres ou não, sejam pretos ou brancos, o lobo sempre os há de tragar, se puder.

Procedamos como quisermos, o mundo sempre nos fará guerra. Se nos demorarmos um pouco mais no confessionário, perguntará o que temos tanto que dizer; e, se saímos depressa, comentará que não contamos tudo. Espreitará todas as nossas ações e, por uma palavra um pouco menos branda, dirá que somos insuportáveis. Chamará avareza o cuidado por nossos negócios, e idiotismo a nossa mansidão. Mas, quanto aos filhos do século, sua cólera é generosidade; sua avareza, sábia economia; e suas maneiras livres, honesto passatempo. É bem verdade que as aranhas sempre estragam o trabalho das abelhas!

Abandonemos este mundo cego, Filoteia; grite ele quanto quiser, como uma coruja para inquietar os passarinhos do dia. Sejamos firmes em nossos propósitos, invariáveis em nossas resoluções e a constância mostrará que a nossa devoção é séria e sincera. Os cometas e os planetas parecem ter o mesmo brilho; mas os cometas, que são corpos passageiros, desaparecem em breve, ao passo que os planetas brilham continuamente. Do mesmo modo muito se parece a hipocrisia com a virtude sólida e só se distingue porque aquela não tem constância e se dissipa como a fumaça, ao passo que esta é firme e constante.

Ademais, para assegurar os começos de nossa devoção, é muito bom sofrer desprezos e censuras injustas por sua causa; deste modo nós nos prevenimos contra a vaidade e o orgulho, que são como as parteiras do Egito, às quais o infernal Faraó mandou matar os filhos varões dos judeus no mesmo dia de seu nascimento. Enfim, nós estamos crucificados para o mundo e o mundo deve ser crucificado para nós. Ele nos toma por loucos; consideremo-lo como um insensato.

(Excertos da obra 'Filoteia: Introdução à Vida Devota', de São Francisco de Sales)

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

A VIDA OCULTA EM DEUS: À SOMBRA DA EUCARISTIA

A alma interior, abençoada por ser amada profundamente por Jesus Cristo quer, por sua vez, ser testemunha da afeição que dedica a Ele. Sabe que Ele habita no Tabernáculo. E, impulsionada pelo amor, ela se põe em oração diante dEle todas as noites para O louvar, mortificar e adorar, no silêncio do coração.

A alma interior recolhe-se em si, fecha a porta do santuário e fica completamente só em presença de Deus. A alma está verdadeiramente face a face com o seu Deus que permanece, antes de tudo, como uma presença divina nos corações. Parece à alma, e é verdade, que ela não precisa fazer mais nada senão uma coisa: amar. E assim ama por horas sem se cansar. Se pudesse, ficaria ali para sempre, para amar para sempre.

Enquanto a alma interior dialoga com Jesus, ao pé do Tabernáculo, a lembrança de suas ações do dia lhe vem à mente. Ela se pergunta se procedeu bem em tudo. Certifica-se das faltas que lhe escaparam no momento da ação. Reconhece que não disse bem aquela palavra, não executou bem determinada ação, não aceitou com alegria aquele sofrimento ou aquela contradição. E reconhece então que carece de graça aos olhos de seu Amado Salvador. 

Ela se dá conta de suas imperfeições: tem algumas manchas nas mãos e no rosto. E isso lhe causa dor,  principalmente por Ele, que merecia ser mais amado e melhor servido. Lágrimas de arrependimento sobem do coração aos seus olhos. Compreende que, para reparar isso, é preciso amar muito mais. E, sob o aguilhão da dor, seu amor por Jesus é vivificado, torna-se mais forte e mais ardente do que nunca; sua chama é purificadora. E assim como o fogo faz desaparecer os menores vestígios de ferrugem, o ardor da caridade apaga também as menores imperfeições. A alma interior não ignora que isso ocorre e, assim, se alegra profundamente. E ela fica imersa então em uma paz perfeita.

O que pode ser mais suave para a alma interior do que a sombra de Jesus-Hóstia? É ali que a alma deve reclinar-se; é ali que Ele a espera em silêncio. Sim, há uma sombra espiritual na Custódia, tal como também está no Tabernáculo. Mas nem todo mundo a vê e nem todos se  recolhem sob o influxo dela. Mas quem nela se deleita, sabe os frutos que se colhem. No silêncio e na paz, alimenta-se a alma de um pão substancial, que é o próprio Cristo Jesus. E, pouco a pouco, a própria alma se transfigura por este alimento divino no próprio Jesus.

Sua aparência permanece a mesma ou quase a mesma, mas o que há de mais íntimo e profundo nela torna-se algo muito diferente. É Ele quem agora pensa, fala e trabalha por ela; é Ele quem vive por ela. Poderia haver algo mais suave para a alma do que se ver assim transformada no seu próprio Salvador, à sombra da Hóstia?

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte I -  O Esforço da Alma; tradução do autor do blog)