sexta-feira, 12 de maio de 2017

PARA BEM ENTENDER AS ESCRITURAS

A fonte da Sagrada Escritura não está na investigação humana, mas na divina revelação que brota do Pai das luzes, de quem toda paternidade no céu e na terra recebe o nome. Desse Pai, por seu Filho Jesus Cristo, vem a nós o Espírito Santo e por este Espírito Santo, que reparte e distribui os dons a quem quer, é-nos dada a fé: pela fé, Cristo habita em nossos corações. Ela é o conhecimento de Jesus Cristo, donde se origina a firmeza e a compreensão de toda a Sagrada Escritura.

Por conseguinte, é impossível a alguém propor-se conhecer a Sagrada Escritura antes de receber a fé em Cristo em si, infundida como lâmpada, porta e mesmo fundamento de toda ela. Enquanto estamos peregrinando longe do Senhor, a fé é o fundamento que sustenta, a lâmpada que orienta, a porta que introduz a todas as iluminações espirituais. Além do que nos é necessário medir pela medida da fé, até mesmo a sabedoria nos é dada por Deus, a fim de não saber mais do que nos convém, mas com sobriedade e cada um conforme a medida da fé a ele concedida por Deus.

Não é um resultado ou um fruto qualquer o benefício da Sagrada Escritura, em que estão as palavras de vida eterna. Ela foi escrita não apenas para que crêssemos, mas para que possuíssemos a vida eterna, onde veremos, amaremos e teremos satisfeitos todos os nossos desejos. Sendo assim, aprenderemos verdadeiramente a incomparável ciência da caridade e seremos repletos de toda a plenitude de Deus. Nesta plenitude, esforça-se a Sagrada Escritura por introduzir-nos segundo a verdade da citada afirmação apostólica. Com este fim e nesta intenção, deve-se perscrutar, ensinar e também ouvir a Sagrada Escritura.

Para alcançarmos esse fruto e meta, avançando pelo reto caminho das Escrituras, cumpre começar do princípio. É necessário que nos aproximemos do Pai das luzes com fé pura, dobrando os joelhos do coração para que, por seu Filho, no Espírito Santo, nos conceda o verdadeiro conhecimento de Jesus Cristo e, com o conhecimento, também o seu amor. Conhecendo-o, então, e amando-o, firmes na fé e arraigados na caridade, poderemos entender a largura, a extensão, a altura e a profundidade da Sagrada Escritura e por esta ciência chegar àquele intensíssimo conhecimento e desmedido amor da Santíssima Trindade. A ela atendem os desejos dos santos e nela se encontra a plenitude de toda a verdade e de todo o bem.
(São Boaventura)

quinta-feira, 11 de maio de 2017

DISCURSO DE LOUVOR À VIRGEM

Salve, ó Maria, Mãe de Deus, virgem e mãe, estrela e vaso de eleição! 

Salve, Maria, virgem, mãe e serva: virgem, na verdade, por virtude daquele que nasceu de ti; mãe, por virtude que cobriste com panos e nutriste em teu seio; serva, por aquele tomou de servo a forma! Como Rei, quis entrar em tua cidade, em teu seio, e saiu quando lhe aprouve, cerrando para sempre sua porta, porque concebesse sem concurso de varão, e foi divino teu parto.

Salve Maria, templo santo, como o chama o profeta Davi, quando diz: 'O teu templo é santo e admirável em sua justiça' (Sl 14, 6)

Salve Maria, criatura mais preciosa da criação; salve, Maria, puríssima pomba; salve, Maria, lâmpada inextinguível; salve, porque de ti nasceu o sol de justiça. 

Salve, Maria, morada da infinitude, que encerraste em teu seio o Deus infinito, o Verbo unigênito, produzindo sem arado e sem semente a espiga incorruptível!

Salve, Maria, mãe de Deus, aclamada pelos profetas, bendita pelos pastores, quando, com os anjos, cantaram o sublime hino de Belém: 'Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens de boa vontad'e' (Lc 2, 14). 

Salve, Maria, Mãe de Deus, alegria dos anjos, júbilo dos arcanjos que te glorificam no céu!

Salve, Maria, Mãe de Deus: por ti adoraram a Cristo os Magos guiados pela estrela do Oriente; salve, Maria, Mãe de Deus, honra dos apóstolos!

Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem João Batista, ainda que no seio de sua mãe, exultou de alegria, adorando como luzeiro a perene luz!

Salve, Maria, Mãe de Deus, que trouxestes ao mundo graça inefável, da qual diz São Paulo: 'apareceu a todos os homens a graça de Deus salvador' (Tt 2, 1).

Salve, Maria, Mãe de Deus, que fizesse brilhar no mundo aquele que é luz verdadeira, nosso Senhor Jesus Cristo, que diz em seu Evangelho: 'Eu sou a luz do mundo' (Jo 8, 12). 

Deus te salve, Mãe de Deus, que alumiaste aos que estavam nas trevas e sombras de morte; porque o povo que jazia nas trevas viu uma grande luz (Is 9,2), uma luz não outra senão Jesus Cristo, nosso Senhor, luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a esse mundo (Jo 1, 9). 

Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem se apregoa no evangelho: 'bendito o que vem em nome do Senhor' (Mt 21, 9), por quem se encheram de igrejas nossas cidades, campos e vilas ortodoxas!

Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem veio ao mundo o vencedor da morte e o destruidor do inferno!

Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem veio ao mundo o autor da criação e o restaurador das criaturas, o Rei dos Céus!

Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem floresceu e refulgiu o brilho da ressurreição!

Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem luziu o sublime batismo da santidade no Jordão!

Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem o Jordão e o batista foram santificados e o demônio foi destronado!

Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem é salvo todo espírito fiel!

(Discurso de louvor à Virgem, de São Cirilo de Alexandria, no Concílio de Éfeso)

quarta-feira, 10 de maio de 2017

DOCUMENTOS DE FÁTIMA (III)

INTERROGATÓRIO DOS VIDENTES (27 DE SETEMBRO DE 1917)*

No intuito de completar as impressões colhidas no dia treze do corrente mês de setembro e habilitar-me com os elementos indispensáveis para fundamentar, tanto quanto possível, um juízo seguro acerca dos acontecimentos que nos últimos cinco meses se têm desenrolado a três quilómetros ao sul da aldeia de Fátima, no local denominado Cova da Iria, fui pela segunda vez na quinta-feira última, vinte e sete, àquela pitoresca aldeia, graciosamente alcandorada num dos contrafortes da majestosa serra de Minde. 

Eram três horas da tarde quando me apeei do trem que de Torres Novas me conduzira por Vila Nova de Ourém à humilde povoação, cujo nome é hoje pronunciado como uma esperança fagueira de bênçãos e graças celestes por dezenas de milhares de lábios, de um extremo ao outro de Portugal. O reveendo pároco a quem logo procurei, não estava em casa: tinha saído para fora da freguesia e só à noite devia voltar. Pesaroso por não poder trocar algumas palavras com ele sobre o assunto que ali me levava, resolvi ir a casa das crianças que se dizem favorecidas com aparições da Virgem Santíssima e ouvir da boca delas a narrativa pormenorizada dos estranhos sucessos cuja notícia tem atraído dia a dia à Fátima um sem número de pessoas de todas as classes e condições sociais.

À distância de dois quilômetros da igreja paroquial e do presbitério, num insignificante lugarejo chamado Aljustrel, pertencente à freguesia, ficam situadas as modestas habitações das famílias dos pastorinhos. As duas crianças mais novas estavam ausentes. Dirigi-me à casa da mais velha, onde a mãe me convidou a entrar e sentar-me, convite a que acedi. A uma pergunta minha sobre o paradeiro da filha, que eu procurava, respondeu-me que ela andava a vindimar numa pequena propriedade que lhe pertencia e que ficava dois quilômetros distante. Alguém se prestou logo a ir chamá-la de ordem da mãe. 

Entretanto, as duas crianças mais novas, que tinham regressado do campo, sabendo pelas vizinhas que eu lhes desejava falar, vieram ter comigo. São dois irmãos, um menino e uma menina. Chegou primeiro a menina. Chama-se Jacinta de Jesus, tem sete anos de idade e é filha de Manuel Pedro Marto e de Olímpia de Jesus. Bastante alta para a sua idade, um pouco delgada sem se poder dizer magra, de rosto bem proporcionado, tez morena, modestamente vestida, descendo-lhe a saia até à altura dos artelhos, o seu aspecto é o de uma criança saudável, acusando perfeita normalidade no seu todo físico e moral. 

Surpreendida com a presença de pessoas estranhas, que me tinham acompanhado e que não esperava encontrar, a princípio mostra um grande embaraço, respondendo por monossílabos e num tom de voz quase impercetível, às perguntas que eu lhe dirijo. Momentos depois aparece o irmão, rapaz de nove anos de idade, que entra com um certo desembaraço no quarto, onde estávamos, conservando o barrete na cabeça, decerto por não se lembrar de que devia descobrir-se. Um sinal que a irmã lhe fez nesse sentido não foi percebido por ele. Convidei-o a sentar-se numa cadeira ao meu lado, obedecendo imediatamente sem nenhuma relutância. Principiei sem demora a interrogá-lo sobre o que tinha visto e ouvido desde maio último na Cova da Iria no dia treze de cada mês durante o tempo da aparição. Estabeleceu-se entre mim e ele o curto diálogo que segue:

– Que é que tens visto na Cova da Iria nos últimos meses? 
– Tenho visto Nossa Senhora. 
– Onde é que ela aparece? 
– Em cima duma carrasqueira.
– Aparece de repente ou tu vê-la vir de alguma parte? 
– Vejo-a vir do lado onde nasce o sol e colocar-se sobre a carrasqueira.
– Vem devagar ou depressa? 
– Vem sempre depressa. 
– Ouves o que ela diz à Lúcia?
– Não ouço. 
– Falaste alguma vez com a Senhora? Ela já ted irigiu a palavra?
– Não, nunca lhe perguntei nada; fala só com a Lúcia. 
– Para quem olha ela, também para ti e para a Jacinta, ou só para a Lúcia?
– Olha para todos três; mas olha durante mais tempo para a Lúcia. 
– Já alguma vez chorou ou se sorriu? 
– Nem uma coisa nem outra; está sempre séria. 
– Como está vestida? 
– Tem um vestido comprido e por cima um manto que lhe cobre a cabeça e desce até à extremidade do vestido.
– Qual a cor do vestido e do manto? 
– É branca, tendo o vestido riscos dourados. 
– Qual é a atitude da Senhora? 
– É a de quem está a rezar. Tem as mãos postas à altura do peito. 
– Traz alguma coisa nas mãos? 
–Traz entre a palma e as costas da mão direita umas contas que estão pendentes sobre o vestido. 
– E nas orelhas o que tem? 
– As orelhas não se veem, porque estão cobertas com o manto.
– De que cor são as contas? 
– São também brancas. 
– A Senhora é bonita?
– É, sim. 
– Mais bonita do que aquela menina que tu ali vês? 
– Mais. 
– Mas há senhoras muito mais bonitas que aquela menina... 
– É mais bonita que qualquer pessoa que eu visse. 

Concluído o interrogatório do Francisco, chamei de parte a Jacinta que andava a brincar na rua com outras crianças, fi-la sentar num banquinho ao pé de mim e submeti-a também a um interrogatório, logrando obter dela respostas completas e minuciosas, como as do irmão: 

– Tens visto Nossa Senhora no dia 13 de cada mês desde maio para cá?
– Tenho visto. 
– Donde é que ela vem? 
– Vem do Céu, do lado do sol. 
– Como está vestida?
– Tem um vestido branco, enfeitado a ouro, e na cabeça tem um manto, também branco.
– De que cor são os cabelos? 
– Não se lhe veem os cabelos, que estão cobertos com o manto.
– Traz brincos nas orelhas? 
– Não sei, porque também não se lhe veem as orelhas. 
– Qual é a posição das mãos? 
– As mãos estão postas à altura do peito, com os dedos voltados para cima. 
– As contas estão na mão direita ou na mão esquerda? 

A esta pergunta a criança responde primeiro que estavam na mão direita, mas em seguida, devido à insistência propositada e capciosa da minha parte, mostra-se perplexa e confusa, não sabendo precisar bem qual das suas mãos correspondiaà mão com que a Aparição segurava o Rosário. 

– O que é que a Senhora recomendou à Lúcia com mais empenho? 
– Mandou que rezássemos o terço todos os dias. 
– E tu reza-o? 
– Rezo-o todos os dias com o Francisco e a Lúcia. 

Meia hora depois de terminado o interrogatório de Jacinta de Jesus, aparece Lúcia de Jesus. Vinha, como já disse de uma pequena propriedade de sua família, situada a dois quilômetros de distância, onde tinha estado a vindimar. Mais alta e mais nutrida que as outras duas crianças, de tez mais clara, robusta e saudável, apresenta-se diante de mim com um desembaraço que contrasta singularmente com o acanhamento e a timidez excessiva da Jacinta. Singelamente vestida como esta, a sua atitude não denota e o seu rosto não traduz nenhum sentimento de vaidade nem de confusão. 

Sentando-se, a um aceno meu, numa cadeira, ao meu lado, presta-se da melhor vontade a ser interrogada sobre os acontecimentos de que ela é a principal protagonista, sem embargo de se sentir visivelmente fatigada e abatida, mercê das visitas incessantes que recebe e dos inquéritos repetidos e prolongados a que é submetida. Filha de Antônio dos Santos, de cinquenta anos de idade, e de Maria Rosa, de quarenta e oito anos, tem um irmão e quatro irmãs, todos mais velhos do que ela: Maria, de vinte e seis anos, já casada, Teresa, de vinte e quatro, Manuel, de vinte e dois, Glória, de vinte, e Carolina, de quinze. Completou dez anos de idade em vinte e dois de março do corrente ano. 

Tinha oito anos quando fez a sua primeira comunhão. A mãe, tipo da mulher cristã, e da boa dona de casa, entregue às lides domésticas, procurou sempre inspirar aos filhos o santo temor de Deus e levá-los ao cumprimento de todos os seus deveres morais e religiosos. Altamente preocupada com os sucessos que atraem a todo o momento as atenções de milhares de pessoas para a sua pobre habitação, até há pouco tempo ignorada do mundo, nota-se desde logo que o seu espírito hesita, numa ansiedade inquieta, entre a esperança de que sua filha seja realmente privilegiada com a aparição da Virgem e o receio de que ela seja vítima de uma alucinação que lhe traga desgostos e cubra de ridículo toda a sua família. 

A uma pergunta minha acerca da piedade da sua Lúcia, responde que não acha nela nada de extraordinário neste particular, vendo-a rezar da mesma forma e com o mesmo fervor que antes das aparições, exatamente como fazem as suas irmãs. Dou princípio ao interrogatório da vidente:

 – É verdade que Nossa Senhora te tem aparecido no local chamado Cova da Iria? 
– É verdade. 
– Quantas vezes já te apareceu?
– Cinco vezes, sendo uma cada mês.
– Em que dia do mês?
– Sempre no dia treze, exceto no mês de agosto, em que fui presa e levada para a vila (Vila Nova de Ourém) pelo senhor administrador. Nesse mês vi-a só alguns dias depois, a dezenove, no sítio dos Valinhos.
– Diz-se que a Senhora te apareceu também o ano passado. Que há de verdade a este respeito? 
– O ano passado nunca me apareceu, nem antes de maio deste ano; nem eu disse isso a pessoa alguma, porque não era exato. 
– Donde é que ela vem? Das bandas do nascente? 
– Não sei; não a vejo vir de parte alguma; aparece sobre a azinheira, e quando se retira é que toma a direção do ponto do céu em que nasce o sol. 
– Quanto tempo se demora? Muito ou pouco? 
– Pouco tempo. 
– O suficiente para se recitar um Padre Nosso e uma Avé Maria, ou mais? 
– Mais, bastante mais, mas nem sempre o mesmo tempo; talvez não chegasse para rezar o terço. 
– Da primeira vez que a viste não ficaste assustada? 
– Fiquei, e tanto assim que quis fugir com a Jacinta e o Francisco, mas Ela disse-nos que não tivéssemos medo, porque não nos faria mal. 
– Como é que está vestida?
– Tem um vestido branco, que desce quase até aos pés, e cobre-lhe a cabeça um manto, da mesma cor, e do mesmo comprimento que o vestido. 
– O vestido não tem enfeites? 
– Veem-se nele, na frente, dois cordões dourados, que descem do pescoço e se eunem por uma borla, também dourada, à altura do meio do corpo. 
– Tem algum cinto ou alguma fita? 
– Não tem. 
– Usa brincos nas orelhas? 
– Usa umas argolas pequenas. 
– Qual das mãos segura as contas? 
– A mão direita. 
– Eram um terço ou um rosário? 
– Não reparei bem. 
– Terminavam por uma cruz? 
– Terminavam por uma cruz branca, sendo as contas também brancas. A cadeia era igualmente branca. 
– Perguntaste-lhe alguma vez quem era? 
– Perguntei, mas declarou que só o diria a treze de outubro. 
– Não lhe perguntaste de onde vinha? 
– Perguntei de onde era, e ela respondeu-me que era do Céu. 
– E quando foi que lhe fizeste essa pergunta? 
– Da segunda vez, a treze de junho. 
– Sorriu alguma vez ou mostrou-se triste? 
– Nunca sorriu nem se mostrou triste, mas sempre séria. 
– Recomendou-te, e aos teus primos, que rezassem algumas orações? 
– Recomendou-nos que rezássemos o terço em honra de Nossa Senhora do Rosário, a fim de se alcançar a paz para o mundo.
– Mostrou desejos de que no dia treze de cada mês estivessem presentes muitas pessoas durante a aparição na Cova da Iria? 
– Não disse sobre esse assunto.
– É certo que te disse um segredo, proibindo que o revelasses a quem quer que fosse? 
– É certo. 
– Diz respeito só a ti ou também aos teus companheiros? 
– A todos três. 
– Não o podes manifestar ao menos ao teu confessor? A esta pergunta guardou silêncio, parecendo um tanto enleada e julguei não dever insistir, repetindo a pergunta. 
– Consta que, para te veres livre das importunações do senhor administrador, no dia em que foste presa, lhe contaste, como se fosse o segredo uma coisa que o não era, enganando-o assim e gabando-te depois de lhe teres feito essa partida: é verdade? 
– Não é; o senhor administrador quis realmente que eu lhe revelasse o segredo, mas como não o podia dizer a ninguém, não lho disse, apesar de ter insistido muito comio para que lhe fizesse a vontade. O que fiz foi contar tudo o que a Senhora me disse, exceto o segredo, e talvez por esse motivo o senhor administrador ficasse julgando que eu lhe tinha revelado também o segredo. 
– A Senhora mandou-te aprender a ler? 
– Mandou, sim, da segunda vez que apareceu. 
– Mas se Ela disse que te levaria para o Céu no mês de outubro próximo, para que te serviria aprenderes a ler? 
– Isso não é verdade: a Senhora nunca disse que me levaria para o Céu em outubro, e eu nunca afirmei que ela me tivesse dito tal coisa. 
– O que declarou a Senhora que se devia fazer ao dinheiro que o povo deposita ao pé da azinheira na Cova da Iria? 
– Disse que o devíamos colocar em dois andores, levando eu, a Jacinta e mais duas meninas um deles, e o Francisco, com mais três rapazes, o outro, para a igreja da freguesia. Parte desse dinheiro seria destinado ao culto e festa da Senhora do Rosário e a outra parte para ajuda de uma capela nova. – Onde quer ela que seja edificada a capela? Na Cova da Iria? 
– Não sei: ela não o disse. 
– Estás muito contente por Nossa Senhora te ter aparecido? 
– Estou. 
– No dia treze de outubro Nossa Senhora virá só? 
– Vem também São José com o Menino, e pouco tempo depois, será concedida a paz ao mundo. 
– Nossa Senhora fez mais alguma revelação? 
– Declarou que no dia treze fará um milagre para que todo a povo acredite que ela realmente aparece. – Por que razão não raro baixas os olhos deixando de fitar a Senhora? 
– É que ela às vezes cega. 
– Ensinou-te alguma oração? 
– Ensinou; e quer que a recitemos depois de cada mistério do rosário. 
– Sabes de cor essa oração? 
– Sei. 
– Diz lá... 
– Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno e aliviai as almas do Purgatório, principalmente as mais abandonadas. 

(* realizado pelo Visconde de Montello e transcrito na sua obra 'Os Episódios Maravilhosos de Fátima', Casa Editora, 1921)

terça-feira, 9 de maio de 2017

FOTO DA SEMANA

'Meu Deus é a minha rocha, onde encontro o meu refúgio, meu escudo, força de minha salvação e minha cidadela' (Sl 17, 3)

(mosteiro da Santíssima Trindade / Grécia)

segunda-feira, 8 de maio de 2017

ORAÇÃO DE TODAS AS HORAS

Se refletirmos alguns instantes no que somos, não tardaremos a verificar que os momentos mais decisivos de nossa vida não são as horas em que falamos, nem tampouco aquelas em que agimos diante dos homens. As horas mais importantes de nossa vida são justamente as mais silenciosas. Porque é no silêncio da alma que se elaboram as resoluções aparentemente mais repentinas, e é em segredo que se continuam e consumam as desagregações e as ruínas, e que se fortificam também, lentamente, as fidelidades que se mostram inalteráveis na provação. O que se vê nada é ao lado do que permanece escondido em nós.

Sabemos que há no fundo de toda alma humana um refúgio que nenhuma afeição pode entreabrir, nenhuma violência forçar. Conselhos, ameaças e ordens podem chover sobre esse abrigo interior; jamais conseguirá alguém infiltrar-se sorrateiramente nesse retiro que nos pertence exclusivamente a nós, ou nele penetrar à viva força. Ninguém pode querer em nosso lugar, amar por nós ou viver em nosso nome. A responsabilidade do que quer que façamos é nossa, e só nossa; apesar das aparências, vivemos sós, morremos sós, pecamos sós, e só a nós pertence a iniciativa do arrependimento.

E, todavia, isto não é inteiramente verdadeiro. No momento em que penetramos no deserto interior, verificamos que ele é habitado por uma presença invisível; no momento em que nos fechamos no cenáculo íntimo, vemo-nos repentinamente em face de alguém a quem nenhuma porta fechada pode impedir a entrada, pois onde quer que se ache está sempre em sua casa; no momento em que nos acreditamos sós, descobrimos que a solidão é impossível, e que na origem de nossa consciência, no ponto de partida de nossas decisões, aquele que nos criou e nos redimiu, se interessa por nós, vigia, dirige e colabora conosco, somos invadidos, ocupados, não podemos fugir a esse Deus cujo verdadeiro nome é o Inevitável; e quando fechamos os olhos para não ver, não o suprimimos, do mesmo modo que o sono não faz cessar a tempestade.

Por isso o cristão que ora recolhe-se, isto é, encontra-se a si mesmo, desliga-se de todos os mestres fúteis, de todas as mãos estranhas, de todos os desejos tenazes, que o dividem e impedem de ser o que é. Olhos fechados – Para se recolher, fecha os olhos. Será para nada ver, como fazem os tímidos e os hipócritas? Não, mas para ver tudo, sem ser fascinado por coisa alguma. Imaginamos que o verdadeiro céu é o céu dos dias luminosos. Não, o verdadeiro céu é o céu da noite, e a claridade o esconde logo que brilha o sol. Fechemos os olhos para contemplar na noite pacífica o céu de nossa alma, constelado de luzes da graça.

O velho gesto tradicional das mãos postas e dos olhos fechados tem um sentido profundo, que os distraídos ignoram. Olhos fechados! Para orar, basta isso, se as palavras não acorrem aos vossos lábios e se não achais nada a dizer àquele que é a Verdade. Olhos bem fechados, como os daqueles que recebem o anúncio de alegrias inesperadas, cuja amplitude ultrapassa as maiores esperanças; olhos bem fechados, como os daqueles que ouvem a notícia de infortúnios demasiado grandes para lágrimas e procuram no último recesso da alma uma certeza a que se apegar; olhos bem fechados, como os dos servos fiéis, dos vossos servos, ó meu Deus, que dormem na paz de seu último sono, envolvidos no vosso perdão redentor... Todos esses conservam os olhos fechados, porque não querem saber da luz crua do sol, e porque já nada significa para eles o brilho falaz das coisas.

Dai-me viver assim, de olhos fechados, num recolhimento isento de ignorância e de inércia, mas penetrado de concentração ardente e de luz interior. Porque é justamente isso que se passa nos recônditos de minha alma que é vossa obra por excelência; e minhas horas silenciosas são aquelas em que falamos, os dois, olhando-nos face a face. Nunca entrei em mim, sem vos encontrar sentado à minha porta. É na verdade em mim que deve operar-se a vossa redenção, se sou destinado a não vos permanecer estranho para sempre.

Tudo em mim vos lembra, tudo me fala de vós, desde que eu consinta em considerar a minha vida como uma conquista de meu Deus, desde que busque em mim os traços de vosso amor e as relíquias de vossa Encarnação. Vede: tenho nomes que só a vós pertencem; sou uma coisa santa, por causa de tudo o que abençoastes e consagrastes em mim. Infeliz de mim, que sou tantas vezes expulso de mim mesmo por devaneios estúpidos, preocupações, cóleras e pesares! Por que passo a maior parte de meus dias numa espécie de sonambulismo estranho, sem que meus gestos sejam verdadeiramente meus, e sem que minhas conversas contenham mais que palavras?

Não vivo em profundidade. Meu cenáculo está profanado. Introduzi nômades em vossa morada; e o infiel acampou em Sião. Só vós podeis repelir o invasor e restituir-me a mim mesmo no recolhimento pacífico. Olhos fechados – Não deveria eu habituar-me ao gesto que será o último de minha vida, e para não faltar aos divinos encontros, não deveria vigiar os caminhos de minha alma e só guiar-me pela luz do Cordeiro? O recolhimento ensinar-me-ia a estimar a fé, curar-me-ia de meus frenesis impotentes e eu fecharia os olhos como aqueles que já não duvidam e consentem em morrer.

Apressai em mim o momento da paz. É preciso que ela venha na sua hora, como as espigas que amadurecem todas no mesmo dia em toda a extensão da seara. Só estarei tranquilo quando eu compreender que nada me falta de tudo aquilo que devo ter, quando meus desejos não forem mais vastos que a vossa vontade, e meus tesouros cumularem todos os meus desejos. No dia em que não possuir nem ver outra coisa senão vós, então compreenderei – de olhos fechados – que é muito bom ser vosso filho.

(Excertos da obra 'La Pière de Toutes les Heures', de Pierre Charles, tradução de Valeriano de  Oliveira, Ed. Flamboyant, 1962)

domingo, 7 de maio de 2017

O BOM PASTOR

Páginas do Evangelho - Quarto Domingo da Páscoa


No Quarto Domingo da Páscoa, ressoa pela cristandade a imagem e a missão do Bom Pastor: 'Quem entra pela porta é o pastor das ovelhas. A esse o porteiro abre, e as ovelhas escutam a sua voz; ele chama as ovelhas pelo nome e as conduz para fora. E, depois de fazer sair todas as que são suas, caminha à sua frente, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz' (Jo 1, 2 - 4). Jesus, o Bom Pastor, conhece e ama, com profunda misericórdia, cada uma de suas ovelhas desde toda a eternidade. Criadas para o deleite eterno das bem-aventuranças, redimidas pelo sacrifício do calvário e alimentadas pela sagrada eucaristia, Jesus acolhe as suas ovelhas com doçura extrema e infinita misericórdia. 

E Jesus, plasmado pelo amor divino, conhece cada uma das suas ovelhas pelo nome. Nada, nem coisa, nem homem, nem demônio algum, poderá nos apartar do amor de Deus. Porque este amor, sendo infinito, extrapola a nossa condição humana e assume dimensões imensuráveis. Ainda que todos os homens perecessem e a humanidade inteira ficasse reduzida a um único homem, Deus não poderia amá-lo mais do que já o ama agora, porque todos nós fomos criados, por um ato sublime e extraordinariamente particular da Sua Santa Vontade, como herdeiros dos céus e para a glória de Deus: 'Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas. A Ele a glória por toda a eternidade!' (Rm 11, 36).

Jesus toma sobre os ombros a ovelha de sua predileção, cada um de nós, a humanidade inteira, para a conduzir com segurança às fontes da água da vida (Ap 7, 17), onde Deus enxugará as lágrimas dos nossos olhos. E nos mostra o caminho: 'Eu sou a porta. Quem entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem' (Jo 1, 9). Somos chamados a uma vida de predileção na Casa do Pai, que homem algum jamais pôde sequer imaginar o que poderia ser viver a eternidade na glória de Deus: 'Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância' (Jo 1, 10).

Reconhecer-nos como ovelhas do rebanho do Bom Pastor é manifestar em plenitude a nossa fé e esperança em Jesus Cristo, Deus Único e Verdadeiro, cuja bondade perdura para sempre e cujo amor é fiel eternamente (Sl 99,5). Como ovelhas do Bom Pastor, não nos basta ouvir somente a voz da salvação; é preciso segui-Lo em meio às provações da nossa humanidade corrompida, confiantes e perseverantes na fé, até o dia dos tempos em que estaremos abrigados eternamente na tenda do Pai, lavados e alvejados no sangue do cordeiro (Ap 7, 14b).  

sábado, 6 de maio de 2017

PRIMEIRO SÁBADO DE MAIO


Mensagem de Nossa Senhora à Irmã Lúcia, vidente de Fátima: 
                                                                                                                           (Pontevedra / Espanha)

‘Olha, Minha filha, o Meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todo o momento Me cravam, com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar e diz que a todos aqueles que durante cinco meses seguidos, no primeiro sábado, se confessarem, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço e Me fizerem 15 minutos de companhia, meditando nos 15 Mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar, Eu prometo assistir-lhes à hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação.’
 DEVOÇÃO PARA O QUINTO SÁBADO 


ATO DE DESAGRAVO
AO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA

em reparação contra as blasfêmias daqueles que ultrajam as imagens  de Nossa Senhora

Ó Coração Doloroso e Imaculado de Maria, transpassado de dor pelas injúrias com que os pecadores ultrajam vosso santo nome e vossas excelsas prerrogativas; eis prostrado aos vossos pés vosso indigno filho, que, oprimido pelo peso das próprias culpas, vem arrependido vos oferecer este ato de reparação contra as injúrias, blasfêmias, indiferenças e injustiças cometidas contra vós pela impiedade dos homens que não vos conhecem.

Neste Quinto Sábado, ó Coração Doloroso e Imaculado de Maria, desejo reparar particularmente as blasfêmias daqueles que ultrajam o vosso santo nome em vossas imagens, ó Mãe Imaculada. Virgem Maria, por vossas imagens chegam ao meu coração as doces alegrias que exultam os céus, os anjos e os arcanjos, e a terra inteira. E contra este tesouro de graças, homens ímpios ousam vos blasfemar... Feliz, porém, aquele que Vos ama, ó Maria, Mãe Santíssima, e possa proclamar as bem-aventuranças do vosso Santo Nome em vossas imagens nos confins de toda a terra. Que este meu pequeno ato de puro amor e devoção seja depositado no repositório de graças da Santa Igreja em desagravo e reparação às blasfêmias daqueles que, por meio de vossas imagens, ousam ultrajar o vosso Santo Nome. 

E que meu ato de amor seja também um ato de  esperança e de súplica à vossa misericordiosa mediação: concedei-me, ó Imaculado e Doloroso Coração de Maria, o firme propósito de vos ser fiel todos os dias de minha vida, de defender a vossa honra de todos os ultrajes, de propagar com entusiasmo vosso culto e vossas glórias a todos os homens, de amar Vosso Filho de todo o meu coração  e a graça suprema de estar convosco e com Jesus no Céu por toda a eternidade. Amém. 

(rezar 3 Ave Marias em desagravo ao Imaculado Coração de Maria pelas blasfêmias daqueles que ultrajam as imagens de Nossa Senhora)

Orações e Práticas da Devoção neste Quinto Primeiro Sábado de 2017:

Confissão*
Sagrada Comunhão
Rezar o Terço
Meditação dos Mistérios do Rosário (15 minutos)

* A confissão pode não ser realizada neste sábado propriamente dito, mas antes, desde que feita com a intenção explícita (interiormente) de se fazê-la para fins de reparação às blasfêmias cometidas contra o Imaculado Coração de Maria no primeiro sábado seguinte. Caso não tenha sido realizada, fazê-la com esta intenção explícita numa próxima confissão.