segunda-feira, 27 de agosto de 2018

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XVI)

XVII 

A LEI NATURAL 

Imprimiu Deus no homem, como nos demais seres, a lei eterna? 
Sim, Senhor (XCIII, 6)*. 

Como se chama a manifestação ou impressão da lei eterna no homem? 
Chama-se lei natural (XCLV, 1). 

Que entendeis por lei natural? 
É o ato da razão e vontade de Deus, que prescreve a observância da ordem moral, proíbe a sua violação, e que se manifesta às criaturas na luz natural da razão. 

Existe algum princípio fundamental no senso prático ou, o que é o mesmo, algum preceito supremo da lei natural? 
Sim, Senhor; assim como o primeiro princípio de toda demonstração especulativa se baseia no conceito do ente, assim as leis do senso prático se apoiam no conceito do bem (XCIV, 2). 

Em que consiste este primeiro preceito da lei natural? 
Em nos ordenar que pratiquemos o bem e evitemos o mal (Ibid). 

Fundamenta-se neste preceito a razão de ser de todos os demais? 
Sim, Senhor, já que os outros são aplicações mais ou menos concretas deste primeiro (Ibid). 

Qual é a aplicação primária e imediata do dito princípio? 
O reconhecimento, por parte da razão, dos três bens de categoria distinta que aperfeiçoam a natureza humana. 

Em que consiste esta primeira determinação do preceito supremo da lei natural? 
Em decretar o seguinte: É bom o que serve para conservar e desenvolver a vida física, também o é, o que serve para perpetuar a espécie; por último, declara-se bom tudo o que aperfeiçoa o homem como.ser racional (Ibid). 

Que se segue da promulgação desta tríplice lei? 
Que a razão prática de cada homem reconhecerá e imporá como obrigatório tudo o que é essencial para conservar os bens enumerados, se bem que estabeleça entre eles a devida subordinação, pois o bem da inteligência precede em dignidade ao da conservação da espécie, e este ao do indivíduo (Ibid). 

Que obrigações essenciais impõe a lei natural a respeito da conservação do indivíduo? 
A de alimentar-se e a de jamais atentar contra a própria vida. 

Quais são as que dizem respeito à conservação da espécie? 
Que haja quem aceite os pesados encargos e também as doçuras da paternidade e da maternidade e que jamais se execute ato algum contrário aos fins da procriação (Ibid). 

Que obrigações se impõem em relação ao bem da razão? 
Provado que o homem é feitura de Deus e é, além disso, ser inteligente e, como tal, destinado ã viver em sociedade, impõe as obrigações de honrar a Deus, como seu soberano, dono e Senhor, e tratar os semelhantes conforme o exija a natureza das relações que com eles mantêm (Ibid). 

E nestes três preceitos fundamentais, convenientemente subordinados, apoiam-se todos os demais preceitos da razão prática? 
Imediatamente ou mediatamente, sim, Senhor (Ibid). 

Os preceitos secundários derivados dos primeiros, por via de consequência mais ou menos afastada, são os mesmos para todos os homens? 
Não, Senhor; porque, à medida que as consequências vão perdendo o contato com os primeiros princípios referentes à conservação e fomento da inteligência, da espécie e do organismo individual, penetra-se nos domínios da lei positiva variável, visto que indefinidamente variáveis são as condições e meios em que os homens vivem (XCLV, 4). 

Quem deduz as ditas consequências e formula os preceitos secundários da lei natural? 
A razão de cada indivíduo da espécie humana, e a autoridade competente, diretora dos diversos agrupamentos chamados sociedades. 

XVIII 

A LEI HUMANA 

O que a lei natural não concretiza pode ser objeto de outra lei? 
Sim, Senhor. 

De qual? 
É o objeto próprio da lei humana (XCV-XCVII). 

Que entendeis por lei humana? 
Um preceito da razão, ordenado ao bem comum da sociedade em particular, emanado da autoridade competente e por ela promulgado (XCVI, 4). 

Têm os membros de cada sociedade a obrigação de acatar e obedecer as suas leis? 
Sim, Senhor (XCVI, 5). 

Este dever obriga em consciência e diante de Deus? 
Sim, Senhor (XCVI, 4). 

Há casos em que não estejam obrigados a obedecer? 
Sim, Senhor (Ibid). 

Quais são? 
Os casos de impossibilidade e dispensa (Ibid). 

Quem pode dispensar do cumprimento de uma lei? 
Seu autor, quem tenha igual ou superior autoridade que ele e as pessoas a quem se delegue este poder (XCVII, 4). 

Está o homem obrigado a obedecer às leis injustas? 
Diretamente, não senhor; mas pode estar indiretamente, se da não obediência se segue escândalo ou outros inconvenientes graves (XCVI, 4). 

Que entendeis por lei injusta? 
A que é dada por quem não tem autoridade; a que se opõe ao bem comum e a que lesa direitos legítimos dos membros da sociedade (Ibid). 

Está o homem obrigado a obedecer a uma lei que é injusta porque se opõe às prerrogativas de Deus e aos direitos essenciais da Igreja? 
Não, Senhor (Ibid). 

Que entendeis por prerrogativas de Deus e direitos essenciais da Igreja? 
Tudo o que se refere à honra e ao culto de Deus e à missão confiada à Igreja Católica, de santificar as almas por meio da pregação e ensino da verdade e da administração dos sacramentos. 

Logo, se uma lei humana se opõe a estes direitos, deve obedecer-se? 
De maneira nenhuma (Ibid).
Será neste caso verdadeira lei? 
Não, Senhor; será uma imposição odiosa e tirânica (XC, 1. ad 3). 

XIX 

DA LEI DIVINA - O DECÁLOGO 

Que entendeis por lei divina? 
A lei que Deus impôs aos homens quando se lhes deu a conhecer na ordem sobrenatural (XCI 4.5). 

Quando foi promulgada? 
Primeiramente no Paraíso, antes da queda de nossos primeiros pais; mais tarde, e também mais particularizada, por meio de Moisés e dos Profetas; ultimamente, e em toda a sua plenitude, por meio de Jesus Cristo e de seus Apóstolos (XCI, 5). 

Como se chama a lei divina dada por meio de Moisés? 
Chama-se a Antiga Lei (XCVIII, 6). 

E a lei dada por meio de Jesus Cristo e dos Apóstolos? 
Lei Nova (XCVI, 3, 4). 

Foi dada a lei antiga a todos os homens? 
Não, Senhor; só ao povo judeu (XCVIII, 4, 5). 

Por que o distinguiu Deus assim? 
Porque estava destinado para que dele saísse o Salvador do Mundo (Ibid). 

Que preceitos obrigavam só ao povo Judeu e caducaram com a Lei Antiga?
Os judiciais e os cerimoniais (XCIX, 3, 4).
Havia na Lei Antiga preceitos que mantêm sua força obrigatória na Nova Lei? 
Sim, Senhor. 

Quais são? 
Os preceitos morais (XCIX, 1, 2). 

Por que passaram para a Lei Nova os preceitos morais da antiga? 
Porque constituem a essência e o fundamento imutável das regras da moralidade que obrigam a todo homem, pelo mero fato de ser homem (C, 1). 

Logo, os preceitos morais foram e serão sempre os mesmos para todos os homens? 
Sim, Senhor (C, 8). 

Identificam-se, portanto, com a lei natural? 
Sim, Senhor (C, 1). 

Por que, pois, dizeis que fazem parte da lei divina? 
Primeiramente, porque Deus houve por bem promulgá-los, por si mesmo, de maneira solene, para evitar que a inteligência, em seus desvarios, os esquecessem ou os distorcessem e, além disso, porque guiam os homens para o fim sobrenatural a que estão destinados (C, 3). 

Que nome tem a coleção dos ditos preceitos? 
Conhece-se com o nome de Decálogo (C, 3, 4). 

Que significa Decálogo? 
É um termo grego que significa dez palavras ou enunciados, porque dez é o número dos mandamentos divinos. 

Quais são? 
Os seguintes: 1.° — Não terás outros deuses distintos de mim; 2.° — Não tomarás em vão o nome do Senhor teu Deus; 3.° — Santificarás o dia do Senhor; 4.° — Honrarás a teu pai e a tua mãe; 5.° — Não matarás; 6.° — Não cometerás adultério; 7.° — Não furtarás; 8.° — Não dirás falso testemunho contra teu próximo; 9.° — Não desejarás a mulher de teu próximo; 10.° — Não cobiçarás as coisas alheias (C, 4,5,6). 

É suficiente a observância destes dez mandamentos para que o homem alcance a perfeição de todas as virtudes? 
É suficiente para o exercício das virtudes referentes aos deveres essenciais para com Deus e para com o próximo; mas para adquirir a perfeição de todas as virtudes, foi necessário que os explicassem e completassem, na antiga Lei, os ensinos dos Profetas e os mais amplos e acabados de Jesus Cristo e dos Apóstolos na Nova Lei (C, 3,11). 

Qual é o meio mais apropriado para bem entender os preceitos e as explicações, assim como a sua aplicação à vida moral? 
O de estudá-los em suas conexões com cada virtude em particular. 

Teremos ocasião de fazer este estudo? 
Sim, Senhor; porque o modo de ser de cada virtude manifesta a extensão e o alcance do respectivo preceito. 

Compreenderemos então a nobreza e a perfeição da Nova Lei? 
Sim, Senhor; porque a perfeição desta lei consiste na sua aptidão para levar-nos até ao heroísmo na prática das virtudes (C, 2; CVIII). 

O que tem de especial para conseguir tais resultados? 
O de ajuntar conselhos aos preceitos (CVIII, 4). 

Que entendeis por conselhos? 
Entendo certos convites que Jesus Cristo dirige aos homens de boa vontade, para que, por seu amor e com a esperança de alcançar maior recompensa no céu, se desprendam de certos bens que, apesar de serem lícitos e compatíveis com a salvação eterna, podem, todavia, ser obstáculos para adquirir a perfeição da virtude (CVIII. 4). 

Quantos são os conselhos evangélicos? 
Podem reduzir-se a três: pobreza, castidade e obediência (Ibid). 

Há algum estado em que eles são praticados com perfeição? 
Sim, Senhor; o estado religioso (Ibid).

XX 

DA GRAÇA OU PRINCÍPIO EXTERIOR QUE AUXILIA O HOMEM NA PRÁTICA DO BEM 

É suficiente a tutela da lei para se praticar a virtude e livrar-se do pecado? 
Não Senhor; necessita-se, além disso, o auxílio da graça (CIX - CXIV). 

Que entendeis por graça? 
Um auxílio especial que Deus concede ao homem para ajudá-lo a praticar o bem e fugir do mal. 

Necessita o homem deste auxílio em todas as ocasiões? 
Sim, Senhor. 

Logo, não pode, por suas próprias forças, fazer obras boas nem evitar mal algum? 
Sim, Senhor; pode, mercê de suas faculdades operativas e com os auxílios da ordem natural, exercitar atos de virtude e evitar pecados; porém, se Deus não vem em seu auxílio, remediando os estragos causados na natureza pelo pecado, não poderá praticar todas as virtudes nem evitar todos os pecados. Isto dizemos quando falando de virtudes e pecados na ordem natural, porque, se considerarmos a virtude sobrenatural e seu exercício como meio de se conquistar a glória, absolutamente nada pode fazer o homem sem o auxílio da graça (CIX). 

De quantas maneiras participa o homem, da graça sobrenatural? 
De duas: uma habitual e permanente, e outra em forma de moções sobrenaturais transitórias (CIX, 6). 

Que entendeis por estado habitual de graça? 
Um conjunto de qualidades que Deus produz e conserva na alma com o fim de divinizar sua essência e suas faculdades (CX, 1-4). 

Como se chama a qualidade permanente que diviniza a essência da alma? 
Chama-se graça habitual ou santificante (CX, 1,2,4). 

E as que divinizam as faculdades? 
Virtudes e dons (CX, 3). 

Logo, as virtudes e dons estão vinculados à graça santificante? 
Sim, Senhor; e dela se derivam de tal maneira que é impossível que exista graça na alma sem que os dons e as virtudes adornem suas faculdades. 

A graça, as virtudes e os dons são coisas de grande estima e valia? 
Sim, Senhor; porque conferem ao homem a dignidade de filho de Deus e lhe proporcionam meios para comportar-se como filho de tal Pai. 

A graça, juntamente com as virtudes e os dons, fazem do homem o ser mais perfeito da criação na ordem natural? 
Sim, Senhor; fazem-no superior aos anjos, atenta somente à sua natureza (CXIII, 9, ad 2). 

Haverá, por conseguinte, neste mundo, alguma coisa mais digna de ser ambicionada do que a graça divina? 
De maneira nenhuma pode haver objeto mais digno de desejar-se do que a posse, conservação e aumento da graça, das virtudes e dos dons. 

De que modo podemos alcançá-la, conservá-la e fazer nela progressos? 
Correspondendo fielmente às inspirações do Espírito Santo, que nos convida a preparar-nos para recebê-la, se ainda a não possuímos e a aumentá-la incessantemente, se já temos a dita de possuí-la (CXII, 3; CVIII 3, 5). 

Que nome tem a moção ou a inspiração do Espírito Santo? 
Chama-se graça atual (CIX, 6; CXII, 3). 

Logo é a graça atual a que nos proporciona os meios de dispor-nos para receber a Graça Santificante e para aumentá-la, uma vez adquirida? 
Sim, Senhor. 

Pode a graça atual produzir o seu efeito a contragosto nosso e sem nossa cooperação? 
Não, Senhor (CXIII, 3). 

Logo é necessário que nosso livre arbítrio coopere com a sua ação? 
Sim, Senhor. 

Como se chama esta cooperação? 
Correspondência à graça. 

Que qualidade adquire o ato do livre arbítrio que coopera com a graça atual, quando possuímos a Santificante? 
Adquire a qualidade de ato meritório (CXIV, 1, 2). 

Quantas classes há de méritos? 
Duas: uma chamada de condigno e outra de côngruo (Ibid). 

Que entendeis por mérito de condigno? 
O que dá direito estrito e de justiça à recompensa (Ibid). 

Que condições deve reunir o ato humano para ser meritório de condigno? 
Que se execute debaixo do influxo da graça atual; que proceda da graça santificante por meio da caridade; que se ordene para a consecução da própria felicidade eterna, ou para adquirir maior grau de graça e virtudes (CXIV, 2,4). 

Podemos merecer, de condigno para outro, a vida eterna, a graça Santificante ou seu aumento? 
Não, Senhor; pois só Jesus Cristo pode merecer de condigno para os demais, como chefe e cabeça da Igreja (CXIV, 5, 8). 

Que entendeis por mérito de côngruo? 
O mérito de côngruo fundamenta-se em que Deus, em atenção à intimidade que o une com os justos, recompensa de conformidade com as leis da amizade e não da Justiça, os empenhos de seus amigos por lhes agradar; fazendo-lhes mercê do que pedem e desejam (CXIV, 6). 

Logo, as únicas fontes de mérito, para o homem, reduzem-se à amizade com Deus e à vida da graça e à prática das virtudes sob a inspiração divina do Espírito Santo? 
Sim, Senhor; e quanto, em outras circunstâncias, trabalhe e se afadigue, é inútil, de nenhum proveito para merecer a recompensa eterna (Ibid). 

Podereis explicar-me, de forma concreta, como se fomenta e se desenvolve a vida da graça, visto que ela constitui o objeto principal de nossa passagem por este mundo? 
Sim, Senhor; tal estudo será a matéria tratada a seguir. 

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)