quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A BÍBLIA EXPLICADA (II)

O que são e quantos são os evangelhos canônicos e apócrifos?

Os evangelhos canônicos são aqueles reconhecidos formalmente pela Igreja Católica como subordinados a uma autêntica tradição apostólica e diretamente inspirados por Deus. São os quatro evangelhos transcritos nas Sagradas Escrituras, conforme proposto por Santo Irineu de Leão no final do século II e expressos como dogma de fé pelo Concílio de Trento (1545-1563): Marcos, Mateus, Lucas e João. Os textos destes evangelhos traduzem a própria vivência pessoal dos apóstolos com Jesus, expondo por escrito as obras e os ensinamentos do senhor, já consolidados por uma sólida transmissão oral pregada pelos próprios apóstolos ou por seus discípulos diretos (Marcos foi discípulo de São Pedro e Lucas o foi de São Paulo).

Os evangelhos apócrifos, ao contrário, são aqueles que, embora apresentados sob a autoria de algum dos apóstolos, não são postulados pela Igreja como expressões diretas da autêntica tradição apostólica. Em geral, tratam de referências da vida de Jesus já expostas nos evangelhos canônicos associadas a outras claramente divergentes destes ensinamentos fundamentais (por exemplo, o evangelho apócrifo de Tomé). Em outros casos, estes textos introduzem eventos e fatos não descritos nos evangelhos canônicos (por exemplo, os evangelhos apócrifos sobre a infância de Jesus). Outros ainda são fartamente heréticos, com forte conotação gnóstica ou esotérica (por exemplo, os evangelhos apócrifos procedentes de Nag Hammadi no Egito). São conhecidos mais de 50 evangelhos apócrifos.


O que são os evangelhos apócrifos de Nag Hammadi?

A chamada 'biblioteca de Nag Hammadi' é constituída por uma coleção de doze códices de papiro  descobertos em 1945 nas proximidades da cidade de Nag Hammadi, no Egito e atualmente conservados  no Museu Copta do Cairo. Estes códices contêm cerca de cinquenta obras escritas na língua copta – a língua egípcia falada pelos cristãos do Egito e escrita com caracteres gregos, sendo todas obras francamente de caráter herético e gnóstico (doutrinas já descritas e intensamente combatidas pelos Padres da Igreja). 


A rigor, tais obras não têm nenhuma correlação com os evangelhos propriamente ditos, uma vez que não apresentam textos narrativos sobre a vida de Jesus, mas apenas pseudo-revelações que Jesus teria feito, em caráter sectário e absolutamente secreto, a seus discípulos. Tais revelações incluem inserções de puro misticismo, inclusive de origem essencialmente pagã, envolvendo crenças como a de um deus menor e vingativo chamado Demiurgo e a da figura de Hermes Trimegisto, detentor do conhecimentos de segredos extraordinários.

O que significa 'Gnose'?

O termo 'gnose' vem da palavra grega 'gnosis', que significa conhecimento. Assim, certas verdades mais elevadas não poderiam ser captadas meramente pela inteligência, pelo estudo, pela observação das coisas criadas e nem mesmo pela revelação divina, mas seriam passíveis de domínio apenas por meio de iniciações, e por mecanismos esotéricos (do grego 'interior, secreto'). A salvação, para a gnose, ocorre por meio deste conhecimento de doutrinas secretas, reservadas apenas aos iniciados e envolvendo cerimônias e rituais que permitem o espírito libertar-se da matéria.

Com efeito, para a doutrina gnóstica, a criação seria o resultado de um enorme erro e não de um ato livre de Deus, fruto do seu amor infinito, que desejou que outras criaturas participassem de sua felicidade e de sua glória. Deus teria 'implodido' em partículas divinas, que teriam sido aprisionados na matéria, por uma ação do demônio, inimigo de Deus. A matéria seria má, por princípio, e o homem seria um ser dotado de uma partícula divina, seu espírito, aprisionado em um corpo mau, porque material. A libertação final do homem seria, então, fruto de uma busca permanente deste auto-conhecimento espiritual. Eis aí a essência da gnose, a grande tentação do homem gnóstico: apagar a sua contingência de criatura e aspirar, com desmedido orgulho, ser a sua própria divindade.


(Da obra 'Jesus Cristo e a Igreja' - Universidade de Navarra)