terça-feira, 7 de maio de 2024

TESOURO DE EXEMPLOS (326/330)

 

326. DOIS ANÉIS

Santo Edmundo de Cantuária, ao terminar seus estudos, consultou sobre a sua vocação a um doutor da Universidade de Oxford, célebre por sua ciência e piedade. Este, conhecedor da virtude de seu discípulo, aconselhou-o a consagrar-se a Deus com o voto de castidade perpétua. Edmundo mandou então confeccionar dois anéis, gravando nêles as palavras: 'Ave Maria'; em seguida, diante da imagem de Maria pronunciou o seu voto e, tomando os anéis, colocou um no dedo da estátua da Virgem e outro em seu dedo, manifestando que não queria outra esposa senão Maria Santíssima. Toda a sua vida conservou o anel como lembrança do seu juramento.

327. TERRÍVEL TESTAMENTO

Uma jovem, pouco antes de morrer, escreveu: 'Tenho 18 anos; sou a criatura mais desgraçada e, por isso, vou morrer. Aos 15 anos eu era inocente. Maldito o dia em que meu tio me abriu a biblioteca e me disse: 'Leia!' Melhor fôra que, dando-me um punhal, me dissesse: 'Mate-se!' Eu não teria percorrido o caminho da desgraça'.

328. TERRÍVEL CASTIGO

O imperador Leão IV retirou da catedral de Constantinopla uma coroa de ouro adornada com brilhantes que o imperador Heráclito dera àquela igreja. Apenas a pôs na cabeça, cobriu-se de pústulas e chagas repugnantes. Três dias depois morria no meio de atrozes sofrimentos, recebendo assim o castigo de seu roubo sacrílego.

329. UMA COROA DE OURO E DIAMANTES

Na igreja de Poli, próxima de Roma, venera-se uma imagem maravilhosa de Nossa Senhora. Possui muitas jóias e uma coroa de ouro e diamantes que custou 25 mil liras e que foi doada pelo papa Pio IX. Um ladrão entrou, na noite de 23 de dezembro de 1911, para roubar as jóias e as pedras preciosas. Para conseguir o seu intento sacrílego, subiu ao pedestal da imagem, o qual cedeu e caíram ambos pesadamente ao solo, ficando o ladrão sacrílego esmagado pela estátua. Encontraram-no morto na manhã seguinte.

330. ACHO-O ENCANTADOR

Duas damas num teatro assistiram à atuação de um afamado ator. Uma delas disse à outra:
➖ Não sei como podem aplaudir tanto esse homem repugnante. Não acho graça no seu modo de trajar.
➖ Eu, ao contrário, acho-o encantador - respondeu a outra.
➖ Será possível?
➖ Certamente, porque é meu marido.
A primeira corou de vergonha e não se atreveu a dizer nem uma palavra a mais.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

segunda-feira, 6 de maio de 2024

DO AMOR ÀS ALMAS AO ÓDIO À HERESIA

Amemos as almas por amor de Jesus e não Jesus por amor das almas. Há ocasiões nas quais temos de passar deste instinto de amor divino para um outro, do amor às almas ao ódio à heresia. Este último sentimento ofende o mundo de modo particular, pois é tão contrário ao espírito do mundo que, mesmo no coração do bom fiel, o pouco de mundano que ele ainda conserva se levanta contra o ódio da heresia.

É um fermento que irrita mesmo os temperamentos mais doces. Muitos convertidos, com os quais Deus queria fazer grandes coisas, caminham para o túmulo como um 'aborto espiritual', visto que não quiseram odiar a heresia. O coração que hesita em odiar a heresia ainda não se converteu. Nele Deus ainda não reina com uma soberania indivisa, e os caminhos que levam à mais elevada santidade estão fechados àquele coração. Conforme o parecer do mundo e dos cristãos mundanos, o ódio à heresia é exagero, aspereza, indiscrição, está fora de moda, absurdo, retrógrado, estreito, estúpido, imoral. Que podemos dizer em sua defesa? Nada que esses possam compreender! O melhor que podemos fazer, portanto, é calar-nos.

Se entendemos a Deus e Ele nos compreende, não é assim tão difícil percorrer a estrada, suspeitos, incompreendidos e até odiados. A opinião adocicada de certa gente boa, sem discernimento espiritual, adota a opinião do mundo e condena-nos, porque a bondade tímida tem uma segurança e uma aparência de doçura que estão longe de Deus e os seus instintos de caridade inclinam-se de preferência para aqueles que são menos corajosos por Deus, enquanto que a sua timidez é bastante ousada para censurar sem piedade.

Não se pode, se se está na plena posse das próprias faculdades, pôr-se a demonstrar ao mundo, a este inimigo de Deus, que um ódio completo e católico da heresia é próprio de um espírito reto. Poderíamos, porventura, obrigar um cego a escolher entre diversas cores? O amor divino põe-nos num outro nível de vida, de motivos, de princípios que não apenas não são deste mundo, mas inimigos jurados dele.

(Excerto da obra 'Ao Pé da Cruz', do Pe. Frederick William Faber)

domingo, 5 de maio de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'O Senhor fez conhecer a salvação 
e revelou sua justiça às nações' (Sl 97)

Primeira Leitura (At 10,25-26.34-35.44-48) - Segunda Leitura (1Jo 4,7-10) -  Evangelho (Jo 15,9-17)
 
  05/05/2024 - SEXTO DOMINGO DA PÁSCOA

23. 'PERMANECEI NO MEU AMOR' 


Neste Sexto Domingo da Páscoa, somos chamados a vivenciar em plenitude o amor de Deus. Jesus encontra-se no Cenáculo, pouco antes de sua ida até o Horto das Oliveiras e da sua prisão e morte na cruz. E acaba de revelar aos seus discípulos amados, mais uma vez, a identidade do amor divino entre o Pai e o Filho: 'Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor' (Jo 15, 9). 'Permanecei no meu amor'; sim, porque o Amor precisa ser amado e é na reciprocidade deste amor que procede do Pai e do Filho, por intermédio do Espírito Santo, que se vive em plenitude a graça de sermos Filhos de Deus. E a posse dessa graça suprema se dá no despojamento do eu e na estrita observância aos mandamentos do Senhor: 'Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor' (Jo 15, 10).

O maior tributo da graça divina é o mandamento do amor. 'Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei' (Jo 15, 12). Sim, como Cristo nos amou. Na nossa impossibilidade humana de amar como Cristo nos ama, isso significa amar sem rodeios, amar sem vanglória, amar sem zelos de gratidão, amar de forma despojada e sincera aos que nos amam e aos que não nos amam, a quem não conhecemos, a quem apenas tangenciamos por um momento na vida, a todos os homem criados pelos desígnios imensuráveis do intelecto divino, à sombra e imersos na dimensão do infinito amor de Cristo por nós.

Ainda que na nossa proposição distorcida e acanhada do amor divino, o amor humano se projeta a alturas inimagináveis de santificação, quando expressa a sua identificação de forma incisiva no projeto de redenção de Cristo: 'Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos' (Jo 15, 13). Eis aí a essência do novo mandamento: amar, com igual despojamento, toda a dimensão da humanidade pecadora, a exemplo de um Deus que se entregou à morte de cruz para nos redimir da morte e mostrar que o verdadeiro amor não tem limites nem medida alguma.

O mandamento do amor é fundamentado num conceito inteiramente novo, cujo significado vai muito além dos sentimentos efêmeros deste mundo e que exclui quaisquer padrões de interesses desordenados e subterfúgios: a amizade sincera com Jesus. Neste amor, já não somos servos, mas amigos do Senhor e co-participantes de sua glória, escolhidos desde toda a eternidade: 'Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai. Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça' (Jo 15, 15 - 16). Eis o princípio fundamental do mandamento do amor: amar ao próximo como se ama a Cristo, e sermos frutos de salvação para muitos e arrastar conosco almas, muitas almas, às moradas eternas do Pai, como instrumentos silentes e perfeitos do puro amor de Deus.

sábado, 4 de maio de 2024

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXXX)

 

Capítulo LXXX

Razões e Exemplos para a Devoção às Santas Almas - São Pedro Damião e o seu Pai - O Exemplo da Jovem Anamita - O Velho Porteiro de um Seminário e a Propagação da Fé

Os exemplos de uma generosa caridade para com os defuntos não são raros, e é sempre útil recordá-los. Não podemos deixar de mencionar o belo e comovente exemplo de São Pedro Damião, bispo de Óstia, cardeal e doutor da Igreja, um exemplo que nunca se cansa de repetir. Ainda jovem, Pedro teve a infelicidade de perder a sua mãe e, pouco depois, o seu pai casou-se de novo, ficando ele entregue aos cuidados de uma madrasta. Apesar de ter demonstrado todo o afeto possível por ela, esta mulher era incapaz de retribuir o amor deste querido filho; tratou-o com uma severidade bárbara e, para se livrar dele, mandou-o para junto do irmão mais velho, que o empregou a tratar dos porcos. 

O pai, que deveria tê-lo protegido, abandonou-o à sua infeliz sorte. Mas o menino ergueu os olhos para o Céu, onde viu outro Pai, em quem depositava toda a sua confiança. Aceitou tudo o que acontecia como vindo das suas mãos divinas, e resignou-se às dificuldades da sua situação. 'Deus' - disse ele - 'tem os seus desígnios em tudo o que faz, e são desígnios de misericórdia; temos apenas que nos abandonar em suas mãos e Ele dirigirá todas as coisas para o nosso bem'. Pedro não se deixou enganar; foi nesta dolorosa provação que o futuro Cardeal da Igreja, aquele que iria surpreender a sua época pela extensão da sua erudição e que edificaria o mundo com o brilho das suas virtudes, lançou as bases da sua futura santidade. Mal coberto de trapos, o seu biógrafo conta-nos que nem sempre tinha o suficiente nem para aplacar a sua fome, mas rezava confiante  a Deus e aceitava tudo isso.

Entretanto, aconteceu que o seu pai morreu. O jovem santo esqueceu a dureza com que tinha sido tratado e, como um bom filho, rezava continuamente pelo descanso da alma do pai. Um dia, encontrou na estrada uma peça de ouro, que a Providência parecia ter colocado ali para ele. Era uma grande fortuna para o pobre menino. Mas, em vez de a usar para aliviar a sua própria miséria, o seu primeiro pensamento foi levá-la a um sacerdote e pedir-lhe que celebrasse o Santo Sacrifício da Missa pela alma do seu falecido pai. A Santa Igreja considera este sinal de devoção filial tão tocante que o inseriu por inteiro no Ofício da festa deste santo.

'Permitam-me' - dizia o missionário Padre Louvet - 'acrescentar mais um fato da minha experiência pessoal. Quando eu pregava a fé em Cochinchina, uma pobre menina anamita, que acabava de ser batizada, perdeu a mãe. Aos quatorze anos, viu-se obrigada a prover ao seu sustento e ao dos seus dois irmãos mais novos com os seus parcos rendimentos, que mal chegavam a sete cêntimos [do franco] por dia. Qual não foi a minha surpresa quando, no fim da semana, a vi trazer-me o ganho de dois dias, para que eu rezasse uma missa pelo repouso da alma da sua querida mãe. Aquelas pobres pequeninas tinham jejuado durante uma parte da semana para conseguir este humilde sufrágio para a sua falecida mãe. Ó santa esmola dos pobres e dos órfãos! Se o meu próprio coração foi tão profundamente tocado por ela, quanto mais o coração do nosso Pai Celestial, e que bênçãos ela terá trazido para aquela mãe e para os seus filhos!

Eis aí a generosidade dos pobres! Que exemplo e reprovação para tantos ricos, extravagantes no luxo e nos prazeres, mas avarentos quando se trata de dar uma esmola para mandar celebrar missas pelos seus parentes defuntos. Embora, antes de todas as outras intenções, incluindo a de se dedicar uma parte das esmolas para mandar celebrar missas pelas suas próprias almas ou pelas almas dos seus parentes e amigos, é conveniente empregar uma parte para o alívio dos pobres, ou para outras boas obras, como em benefício das escolas católicas, serviços de pregação da sã doutrina e outros fins, segundo as circunstâncias. Esta é uma santa liberalidade, conforme ao espírito da Igreja, e muito proveitosa para as almas do Purgatório'.

O Abade Louvet, de cuja obra destacamos o texto acima, relata um outro evento que serve para ser mencionado aqui. Trata-se de um homem de condição humilde que fez um sacrifício generoso em favor da Propagação da Fé, mas em circunstâncias que tornaram esse ato particularmente valioso para as necessidades futuras de sua alma no Purgatório. Um pobre porteiro de um seminário, durante a sua longa vida, tinha juntado, centavo a centavo, a soma de oitocentos francos. Não tendo família, destinou essa soma à celebração de missas após a sua morte. 

Mas o que é que a caridade não pode fazer, quando faz inflamar um coração com o seu fogo sagrado? Um jovem padre estava prestes a deixar o seminário para partir para as missões estrangeiras. O velho sentiu-se inspirado a entregar-lhe o seu pequeno tesouro para a bela obra da Propagação da Fé. Deu o dinheiro ao missionário e disse a ele: 'Caro senhor, peço-lhe que aceite esta pequena esmola para o ajudar na obra da difusão do Evangelho. Guardei-a para mandar rezar missas depois da minha morte, mas prefiro ficar um pouco mais no Purgatório para que o nome do bom Deus seja glorificado'. O jovem padre comoveu-se até às lágrimas. Não quis aceitar a oferta demasiado generosa do pobre homem, mas este insistiu com tanta veemência que não teve coragem de o recusar.

Poucos meses depois, o bom velho morreu. Nenhuma aparição revelou o seu destino no outro mundo. Mas será que ele está necessitado? Não sabemos que o Coração de Jesus não pode deixar-se ultrapassar em generosidade? Não compreendemos que um homem que foi suficientemente generoso para se entregar às chamas do Purgatório, a fim de que Jesus Cristo fosse dado a conhecer às nações infiéis, não terá certamente encontrado abundante misericórdia perante o Soberano Juiz?

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

A MANEIRA DE FALAR COM DEUS (IV/Final)

4. Deus responde à alma que lhe fala

Em suma, se quereis agradar ao coração amantíssimo do vosso Deus, esforçai-vos por entreter-vos com Ele o maior número de vezes que puderdes, falar-lhe até continuamente e com toda a confiança possível; por seu lado, o Senhor não se desdenhará de responder-vos e entreter-se também convosco. Ele não vos fará ouvir a sua voz de maneira exterior e sensível, mas falar-vos-á interiormente uma linguagem que o vosso coração compreenderá bem, se souberdes vos desapegar do jugo das criaturas para tratardes a sós com o vosso Deus: 'Eu a conduzirei à solidão e aí falarei ao seu coração' (Os 2,14). Então Ele vos falará pelas inspirações, luzes interiores, testemunhos da sua bondade, toques suaves que penetram o coração, seguranças de perdão, penhores de paz, esperança de felicidade celeste, alegrias íntimas, carícias da sua graça, abraços e afagos afetuosos. Numa palavra, o Senhor vos fará entender essa linguagem de amor, perfeitamente inteligível às almas que Ele ama e que com Ele se contentam.

5. Resumo prático

Para terminar, vou recordar-vos sucintamente as coisas esparsas nos parágrafos precedentes, indicando-vos um modo prático de tornar agradáveis a Deus todas as ações do dia. De manhã ao despertardes, será o vosso primeiro pensamento elevar o vosso coração a Deus e oferecer-lhe tudo quanto fizerdes e sofrerdes durante o dia; pedir-lhe eis que vos ajude com a sua graça. Fazei em seguida os outros atos que todo cristão deve fazer pela manhã: atos de agradecimento e amor, súplica, bom propósito, resolução de passar esse dia como se fosse o último da vossa vida. 

Seguindo o conselho do padre Saint-Jure, podereis cada manhã fazer com Deus a seguinte convenção, que a toda repetição de um certo sinal, como levar a mão ao coração, levantar os olhos para o céu, olhar o crucifixo, tereis a intenção de lhe exprimir o vosso amor, o vosso desejo de vê-lo amado por todos os homens, a oferta de vós mesmos e dos outros. Após estes atos, tendo-vos colocado no Sagrado Coração de Jesus e sob o manto de Maria, pedido ao Pai eterno que vos guarde neste dia pelo amor de Jesus e Maria, procurai, logo e antes de todas as outras ações, fazer a vossa oração ou meditação ao menos durante uma meia hora. De preferência seja o vosso gosto meditar sobre a dor e desprezo que Jesus Cristo sofreu na sua Paixão; é o assunto mais caro às almas fervorosas e que melhor do que outro qualquer as abrasa com o amor divino. 

Três devoções devem, entre todas, vos ser mais do perto, se quereis progredir no caminho espiritual: a devoção à Paixão de Jesus Cristo, ao Santíssimo Sacramento e à Santíssima  Virgem Maria. Na oração, repeti muitas vezes os atos de contrição, amor de Deus, e oferenda própria. O venerável padre Caraffa, fundador dos Pios Obreiros, dizia que um ato fervoroso de amor de Deus, feito de manhã na oração, basta para conservar a alma no fervor durante o dia todo. Praticai com cuidado os outros vossos exercícios de piedade, como a confissão, a comunhão, o ofício divino e outras devoções.

Quando tiverdes de vos entregar às ocupações exteriores, ao estudo, trabalho, ou outros deveres próprios do vosso estado, não vos esqueçais, no começo de cada ação, de oferecê-la a Deus, pedindo-lhe a assistência para executá-la como convém; não deixeis de vos retirar muitas vezes, a exemplo de Santa Catarina de Sena, ao íntimo do vosso coração para vos unir a Deus. Numa palavra, tudo quanto fizerdes, fazei-o com Deus e para Deus. Saindo do vosso quarto ou casa, e em entrando nesses lugares, recomendai-vos sempre à Mãe de Deus por uma Ave-Maria. Pondo-vos à mesa, oferecei a Deus tudo o que experimentardes de desgosto e prazer no beber e comer; e no fim da comida, dai graças, dizendo: 'Senhor, quantos benefícios prestais a quem tantas vezes vos tem ofendido!' Durante o dia, não vos esqueçais da vossa leitura espiritual, nem da visita ao Santíssimo Sacramento e a Maria Santíssima.

À tarde, rezai o Rosário e fazei o exame de consciência, seguido dos atos de fé, esperança, caridade, contrição, bom propósito, com a intenção de receber, durante a vossa vida e na hora da vossa morte, os sacramentos da Igreja, e ganhar as indulgências concedidas. Ao deitar, pensai que devíeis estar no fogo do inferno; adormecei-vos tendo nos braços o crucifixo, e dizendo: 'Contando com a proteção do Senhor, dormirei e repousarei em paz' (Sl 4, 9) . A fim de que a vossa vida inteira se passe no recolhimento e união com Deus, esforçai-vos por aproveitar tudo o que vedes ou ouvis, para elevar o vosso coração a Deus ou recordar-vos as coisas da eternidade. 

... Lembrai-vos também frequentemente dos mistérios de amor que dizem respeito ao nosso divino Salvador, e quando virdes palha, manjedoura ou gruta, lembrai-vos do Menino Jesus no estábulo de Belém. Se é uma serra, um martelo, vigas, machado, pensai em Jesus trabalhando como simples operário na oficina de Nazaré. Se são cordas, espinhos, cravos, uma peça de madeira, pensai nas dores e morte do nosso Redentor. São Francisco de Assis não podia encontrar um cordeiro sem se enternecer até às lágrimas. 'O meu divino Mestre deixou-se conduzir para a morte como um cordeiro pelo amor de mim!' Enfim, vendo um altar, um cálice, uma casula, recordai-vos do grande amor que Jesus Cristo nos testemunhou, dando-se a nós no Sacramento da Eucaristia.

A exemplo de Santa Teresa oferecei-vos muitas vezes a Deus no decorrer do dia, dizendo-lhe: 'Senhor, eis-me aqui, fazei de mim o que vos aprouver; que devo fazer para o vosso serviço? Dizei-me, pronto estou a obedecer-vos'. Multiplicai, o mais que puderdes, os atos de amor de Deus. Estes atos, dizia Santa Teresa, são a lenha que entretém nosão podes amar o teu Deus'. E logo - que prodígio! - o animal se pôs a derramar lágrimas a ponto de nossos corações o fogo do santo amor. A venerável Irmã Serafina de Capri, olhando um dia o asno do seu mosteiro, pôs-se a considerar que ele não tinha a faculdade de amar a Deus, e tocada de compaixão por este pensamento, exclamou: 'Pobre animal, tu não sabes, tu não podes amar o teu Deus!' E logo - que prodígio! - o animal pôs-se a derramar lágrimas a ponto de verem que corriam em torrentes dos seus olhos. 

Segui o exemplo desta santa religiosa; a vista dos seres incapazes de conhecer a Deus e amá-lo vos excite a aproveitardes da vossa natureza inteligente para produzir numerosos atos de amor. Quando cairdes em alguma falta, não tardeis em vos humilhar, e procurai reerguer-vos por um ato de amor mais fervoroso. Quando vos acontecer alguma coisa de desgosto, oferecei logo a vossa pena ao Senhor, e conformai-vos com a sua santa vontade; habituai-vos a repetir em todas as contrariedades: 'Deus o quer assim, assim o quero eu'. Os atos de resignação são os atos de amor mais caros e agradáveis ao coração de Deus.

Tendes de tomar uma resolução, dar um conselho de certa importância? Recomendai-vos primeiro a Deus, e depois agi ou respondei. À imitação de Santa Rosa de Lima, repeti, o maior número de vezes que vos for possível, no decurso do dia, a oração: 'Senhor, vinde em meu auxílio' (Sl 60,2), enão me abandoneis à minha fraqueza. Para obter o socorro de Deus, lançai muitas vezes os olhos sobre o crucifixo ou a imagem da Santíssima Virgem, que deveis ter no vosso quarto; não vos esqueçais de invocar frequentemente os nomes de Jesus e Maria, sobretudo nas tentações. Deus, cuja bondade é infinita, deseja em extremo nos acumular dos seus favores.

O venerável padre Baltasar Álvares viu um dia a Jesus Cristo com as mãos cheias de graças, procurando a quem distribuí-las; mas quer o Senhor que as peçamos: 'Pedi e recebereis' (Jo 16,24); faltando a petição, ele retira a sua mão; ao contrário, abre-a de bom grado aos que o invocam. 'Desprezou Deus alguma vez a oração daquele que o invocar?' (Ecl 2,12) pergunta o Eclesiástico; recusou alguma vez ouvi-la? E segundo Davi, Deus não se mostra somente misericordioso mas misericordiosíssimo para com aqueles que o invocam: 'Senhor, vós sois cheio de doçura, bondade e grande misericórdia para todos os que vos chamam em seu socorro' (Sl 85,5). 'Quão bom é o Senhor para a alma que nele confia e o busca com amor' (Lm 3,25). 

Enfim, como nos fala Santa Teresa, as almas justas devem, na prática de amor, conformar-se nesta terra tal qual as almas bem-aventuradas que já estão no Céu. No Céu, os santos não tratam senão com Deus; todos os seus pensamentos se referem à sua glória, todo o seu prazer é amá-lo: assim deveis também ser. Seja Deus neste mundo a vossa única felicidade, o único objeto dos vossos afetos, o único fim de todas as vossas ações e desejos, até que chegueis ao reino eterno, onde o vosso amor será em tudo perfeito e consumado, onde os vossos desejos serão todos plenamente realizados e satisfeitos.

(Santo Afonso Maria de Ligório)

quinta-feira, 2 de maio de 2024

A MANEIRA DE FALAR COM DEUS (III)

III. De que modo, quando e como falar com Deus

1. Em geral 

Nunca vos esqueçais então da doce presença do Senhor, como fazem a maioria dos homens. Falai-lhe o maior número de vezes que puderdes: Ele não é como os grandes da terra, não se enfadará com a vossa frequência, nem vos desprezará; e se o amais, havereis sempre com que entretê-lo. Dizei-lhe tudo o que se apresenta no tocante a vossa pessoa e interesses, como o dirias a um amigo íntimo. Não o considereis como um príncipe soberbo, que não quer tratar senão de coisas elevadas e somente com grandes personagens: o nosso Deus tem prazer em prostrar-se para tratar com cada um de nós e quer que lhe comuniquemos os nossos negócios ainda os menos importantes e os mais ordinários. 

Ele vos ama e tem cuidado por vós, como se fôsseis o único objeto dos seus pensamentos. É tão aplicado ao que vos interessa, que parece conservar a sua providência unicamente para vos socorrer; a sua onipotência para vos ajudar; a sua misericórdia e bondade para ter compaixão de vós, fazer-vos bem, e ganhar, por sinais de ternura, a vossa confiança e amor. Descobri-lhe então livremente todo o vosso interior, e pedi-lhe vos guiar ao perfeito cumprimento da sua santa vontade, e todos os vossos desejos e desígnios tenham por único fim dar-lhe agrado e contentar o seu coração: 'Descobri o vosso caminho ao Senhor' (Sl 36,5). 'Pedi-lhe faça vossos caminhos retos e que todos os vossos desígnios repousem nele' (Tb 4,20). 

Não digais: De que serve expor a Deus todas as minhas necessidades? Ele as vê e conhece melhor do que eu. Deus as conhece, não há dúvida, mas procede como se ignorasse as necessidades de que não lhe são faladas e para as quais não recorreis a Ele. O nosso Divino Salvador sabia da morte de Lázaro; entretanto, antes que fosse disso comunicado pelas irmãs do defunto, parecia ignorá-la; só depois de receber a mensagem delas é que as consolou, ressuscitando-lhes o irmão (Jo 11,1). 

2. Nos padecimentos 

Assim, quando estiverdes nas provações da enfermidade, tentação, perseguição ou outra tribulação, seja qual for, ide sem demora ao Senhor, e rogai-lhe vos estenda a mão auxiliadora. Bastante será pordes sob os seus olhos o que vos aflige, dizendo: 'Senhor, vede a minha angústia'. Ele não deixará de vos consolar, ou ao menos vos dará força para levardes com paciência a vossa cruz, o que valerá mais para vós do que se Ele a tirasse toda de vós. Comunicai-lhe todos os pensamentos que vos atormentam, os vossos sentimentos de temor ou tristeza, e dizei-lhe: 'Meu Deus, em vós ponho todas as minhas esperanças; ofereço-vos esta provação e me resigno à vossa santa vontade; mas, tende compaixão de mim'; ou 'livrai-me desta aflição ou ajudai-me a suportá-la'. Então o Senhor cumprirá certamente a sua promessa de consolar ou fortalecer todos aqueles que, nas penas, recorrem a Ele: 'Vinde todos a mim' - diz Ele no Evangelho - 'vós que sofreis e sois acabrunhados, e eu vos aliviarei' (Mt 11,28). 

Se alguma vez fordes buscar, junto aos vossos amigos, alguma consolação nas vossas penas, Deus não se ofende com isto, mas quer que de preferência recorrais a Ele. Assim, ao menos depois de ter pedido às criaturas consolações que elas não vos puderam dar, voltai-vos para o Criador, e dizei-lhe: 'Senhor, os homens não têm mais do que palavras' (Jó 16,21), palavras impotentes para consolar-me; eu não os escuto mais. 'Vós sois toda a minha esperança e todo o meu amor; só de vós espero a minha consolação; e a que eu solicito é a graça de fazer nesta ocasião o que vos é mais agradável. Eis-me pronto a sofrer esta pena durante toda a minha vida e toda a eternidade, se esta for a vossa vontade; mas, ó Deus meu, ajudai-me'. 

Não temais dar-lhe desgosto, se ousais alguma vez queixar-vos docemente a Ele nestes termos: 'Senhor, vós o sabeis eu vos amo e não desejo outra coisa que o vosso amor. Por que ficais separado de mim?' (S l9,10-11). Por piedade, vinde em meu socorro, não me abandoneis. Se a vossa desolação se prolonga e vos acabrunha, uni a vossa cruz à de Jesus afligido e moribundo na sua, e dizei implorando misericórdia do Senhor: 'Meu Deus! Meu Deus! por que me haveis abandonado?' (Mt27,46). Mas aproveitai esta ocasião de vos humilhar mais profundamente, lembrando-vos de que não se merece consolação depois de se haver ofendido a Deus e, ao mesmo tempo, reanimai a vossa confiança, pensando que o vosso Pai celeste não faz, não permite nada, que não seja para o vosso bem: 'todas as coisas' - como nos assegura São Paulo - 'cooperam para o bem dos que amam a Deus' (Rm 8,28). 

Com uma coragem tanto maior, quanto mais a confusão e desolação enchem a vossa alma, dizei a Deus: 'Senhor, a Vós pertence esclarecer-me, a Vós salvar-me; a quem temerei?' (Sl 26,1). 'Em vós confio, Senhor, não serei confundido para sempre' (Sl 30,2). Tranquilizai-vos assim, persuadida que nunca ninguém, depois de ter posto em Deus a sua confiança, se perdeu (Ec l2,11). Pensai que Deus vos ama mais do que podeis amar-vos a vós mesmo, e deixai de temer. Confortai-vos repetindo com Davi: 'O Senhor toma para si os meus interesses' (Sl 39,18). Sim, meu Deus, eu sei, e é por isso que me abandono entre os vossos braços; não quero pensar senão em vos amar e agradar; eis-me pronto a fazer tudo o que exigirdes de mim. Não somente desejais o meu bem, mas ele é objeto das vossas solicitudes paternais; eu vos deixo então o cuidado da minha salvação: 'Descanso e descansarei sempre em vós, visto como quereis que ponha em vós todas as minhas esperanças' (Sl 4,6).

'Tende sentimentos dignos da bondade de Deus' (Sb 1,1). Por estas palavras, o Sábio nos exorta a termos mais confiança na misericórdia de Deus do que temor da sua justiça, porque Ele é incomparavelmente mais propenso a fazer bem do que a punir: 'A misericórdia' - diz São Tiago - 'vence a justiça' (Tg 2,13). Daqui este aviso do Apóstolo São Pedro de que, no meio dos nossos temores, no que diz respeito aos nossos interesses, quer temporais, quer eternos, devemos nos entregar inteiramente à bondade do nosso Deus, o qual, ajunta ele, tem cuidado extremo da nossa salvação: 'Confiai-lhe todos os vossos cuidados porque Ele toma para si a vossa salvação' (IPd 5,7). 

E a este propósito, com que belo título Davi dá ao Senhor quando lhe chama 'o Deus que salva' (Sl 67,21). Segundo a explicação de Belarmino, ele nos ensina por este modo que o modo próprio do nosso Deus não é condenar, mas salvar todos os homens; porque, se Ele ameaça com a sua cólera aos que o desprezam, promete e assegura a sua misericórdia àqueles que o temem, assim como a Mãe de Deus o proclama no seu Cântico: E a sua misericórdia repousa sobre aqueles que o temem... Eu vos cito todos estes textos da Escritura, alma devota, a fim de que se alguma vez fordes tentada com inquietações a respeito da própria salvação, da vossa predestinação, vos tranquilizeis, vendo nas promessas do Senhor quanto Ele deseja vos salvar, contanto que estejais resolvida a amá-lo e servi-lo como Ele assim o quer. 

3. Nas alegrias 

Quando receberdes alguma notícia satisfatória, não façais como costumam fazer certas almas infiéis e ingratas, que recorrem a Deus no tempo da tribulação, mas na prosperidade o esquecem e o abandonam. Procedei para com Deus com a mesma fidelidade que usais com um amigo sincero que estimaria como sua a vossa felicidade; ide comunicar-lhe a vossa alegria: louvai-o e dai-lhe graças, reconhecendo que deveis tudo à sua bondade; julgai-vos feliz por lhe serdes devedora desta graça; ponde, enfim, toda a vossa alegria e consolação no Senhor: 'Eu me regozijarei em Deus meu Salvador' (Hb 3,18), e ainda, 'Cantarei os louvores do Senhor de quem me vêm estes bens' (Sl 12,10). 

Dizei-lhe: 'Meu Jesus, eu vos bendigo e bendirei sempre por todas as graças que me prodigalizais, a mim pecador, que mereceria, não favores, mas castigos'. Dizei-lhe como a esposa sagrada: 'Todos os frutos, novos e velhos, conservo para vós, ó meu bem-amado' (Ct7,13). Senhor, eu vos dou graças; conservo a lembrança de todos os vossos benefícios, passados e presentes, para vos tributar por eles honra e glória por toda a eternidade. Mas, se amais com verdade o vosso Deus, regozijar-vos-eis ainda mais com a dEle do que com a vossa felicidade. Não raro tem a gente mais satisfação com o bem da pessoa a quem muito ama do que com o seu próprio. Sede, pois, feliz, por saberdes que o vosso Deus é infinitamente feliz, dizei-lhe muitas vezes: 'Meu amadíssimo Senhor, regozijo-me mais com a vossa imensa felicidade do que com a minha, porque Vos amo mais que a mim mesmo'. 

4. Depois de uma falta 

Se após cada falta em que cairdes, não vos envergonhardes de ir lançar-vos aos pés do vosso amantíssimo Deus e pedir-lhe perdão, dar-lhe eis um sinal de confiança que lhe é singularmente agradável. Sabei-o, Deus é tão inclinado a perdoar, que geme pela perdição das almas que se separam dEle e vivem privadas da vida da graça. Ele as convida com ternura: 'Por que correr para a morte, filhos de Israel? Voltai-vos para mim e vivereis' (Ez 18,31). À alma que o abandonou Ele promete acolher logo que torne para os seus braços: 'Voltai-vos para mim e eu me voltarei para vós' (Zc 1,3). Ó se os pecadores soubessem com que bondade o Senhor os espera, para lhes perdoar! 'O Senhor' - diz Isaías - 'espera e deseja fazer misericórdia' (Is 30,18). Ó se eles pudessem compreender a que ponto, longe de querer puni-los, Ele deseja que, por uma sincera conversão, lhe permitam abraçá-los e apertá-los sobre o seu coração! 

Não é isto o que Ele afirma? 'Eu juro por mim mesmo' - diz o Senhor Deus - 'não quero a morte do ímpio, mas sim que deixe o seu mau caminho e viva' (Ez 33,11). Chega a dizer: Pecadores, arrependei-vos de me ter ofendido, depois vinde a mim; se não vos perdoar, acusai-me de mentira e infidelidade; mas não, longe de faltar à minha promessa, se vierdes, 'ainda que as vossas consciências sejam escarlates ou enegrecidas pelos vossos pecados, torná-las-ei pela minha graça brancas como a neve' (Is 1,18). Enfim, é declaração formal do Senhor; que lançará no esquecimento todos os pecados da alma que se arrepender de o ter ofendido (Ez 18,22). 

Assim, depois de uma queda erguei logo os olhos para o Senhor com um ato de amor, reconhecei humildemente a vossa falta, e, esperando com segurança o perdão, dizei-lhe: 'Senhor! Este coração que amais está enfermo' (Jo 11,3), coberto todo de chagas: 'curai-me porque pequei contra vós' (Sl 40,5). Ides atrás dos pecadores arrependidos; eis que um vem a vós, ei-lo aos vossos pés: o mal está feito, que partido tomarei? Não quereis que eu perca a confiança; ainda depois deste pecado, vós me quereis bem, e eu também vos amo ainda; sim, Deus meu, amo-vos de todo o meu coração; pesa-me de vos ter desagradado, resolvido estou a não fazê-lo mais; sois o Deus 'cheio de doçura e misericórdia' (Sl 85,5), perdoai-me, pois, dizei como à Madalena: 'os teus pecados te são perdoados' (Lc 7,48) e concedei-me a força de vos ser fiel para o futuro. 

A fim de não vos desanimardes, lançai, então principalmente, um olhar sobre Jesus Crucificado; oferecei os seus méritos ao Pai Eterno, e esperai obter assim o vosso perdão, pois que, para vos perdoar, Deus não poupou seu próprio Filho (Rm 8,32). Dizei-lhe com confiança: 'Meu Deus, olhai para a face de vosso Cristo' (Sl 83,10), vede o vosso Filho, morto por mim e, por amor deste Filho, perdoai-me. Prestai a mais séria atenção, ó alma devota, a este conselho que dão comumente os mestres da vida espiritual, de recorrer a Deus logo depois de cada infidelidade; ainda que vos aconteça a infelicidade de cair nela cem vezes ao dia, ponde-vos em paz cada vez e sem demora, voltando-vos para o Senhor; porque, se ficais desanimada e perturbada pela falta cometida, havereis de fugir do trato com Deus, a vossa confiança se diminuirá, o vosso desejo de amá-lo se esfriará, e não podereis mais progredir no caminho do Senhor. 

Ao contrário, se recorrerdes logo a Deus para lhe pedir perdão e prometer corrigir-vos, as mesmas quedas contribuirão para vos adiantar no amor divino. Quando, entre pessoas que se amam deveras, uma delas desagrada a outra, mas não tarda em desagravá-la com humilde satisfação, a amizade, em vez de acabar, não raro se estreita mais do que antes. Seja o mesmo entre Deus e vós; procedei de modo que as vossas mesmas faltas sirvam para aproximar cada vez mais os laços de amor que vos unem a Ele. 

5. Nas dúvidas

Nas dúvidas, quer vos sejam pessoais, quer alheias, fazei como os amigos fiéis, que consultam entre, si todos os seus negócios; nunca deixeis de dar a Deus esta prova de confiança: consultai-o, pedi-lhe que vos esclareça, a fim de tomardes a resolução que lhe seja mais agradável: 'Ponde a palavra nos meus lábios e aumentai a sabedoria na minha alma' (Jt 9,18); dizei-me vós mesmo, Senhor, o que quereis que eu faça ou responda; eu vos obedecerei: 'Falai, Senhor, porque o vosso servo escuta' (I Sm 3,9). 

6. Para o próximo

 Recomendai a Deus com confiança, não só as vossas próprias necessidades, mas também as dos outros. Quanto agradaríeis a Deus, se soubésseis vos esquecer algumas vezes dos vossos interesses pessoais, para lhe falar dos interesses da sua glória, das misérias do próximo e lhe recomendar em particular os infelizes que gemem sob o peso das tribulações, as almas do purgatório e os pobres pecadores que vivem na privação da sua graça. 

Em favor destes últimos podereis pedir-lhe assim: 'Senhor, todo amável sois, amor infinito mereceis; como pois sofreis que haja no mundo tantas almas que, cumuladas dos vossos benefícios, não vos querem conhecer nem amar, e até vos ofendem e desprezam? Ó meu Deus infinitamente amável, fazei que vos conheçam, fazei que vos amem. Santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino; sim, oxalá seja o vosso nome adorado e amado por de todos os homens; oxalá o Vosso amor reine em todos os corações. Ah! não me despeçais de vós sem que me tenhais concedido alguma graça para essas pobres almas em cujo favor vos intercedo'. 

7. Desejo do Céu

Há no purgatório, segundo se pensa, uma pena particular, chamada languidez, à qual são condenadas as almas que, nesta vida, pouco desejaram o Paraíso. Esta opinião é fundada em razão, porque não desejar vivamente um bem tão grande, um reino eterno que nosso Redentor nos adquiriu a preço do seu sangue, é fazer muito pouco caso dele. Lembrai-vos, pois, alma devota, de suspirar frequentemente por essa morada celeste; dizei ao vosso Deus que, por causa do desejo em que ardeis de ir amá-lo contemplando-o sem véu, o vosso exílio parece de mil anos. Ansiai por deixar esta terra de pecados onde correis continuamente o risco de perder a divina graça, a fim de entrardes na pátria de amor onde amareis o Senhor com todo o vosso poder. 

Repeti-lhe muitas vezes: 'Senhor, enquanto eu aqui viver, estarei sempre em perigo de vos abandonar e renunciar ao vosso amor; quando então me será dado deixar esta terra em que vos ofendo todos os dias, ir amar-vos de todo o meu coração e unir-me a vós, sem temor de vos perder nunca mais!' Tais eram os suspiros contínuos de Santa Teresa; ela se regozijava quando ouvia o relógio dar as horas, pensando que era mais uma que se passava, uma hora de perigo de perder a Deus que havia passado; os seus desejos de morrer para ver a Deus eram tão ardentes que, de algum modo, a matavam, e tal é o assunto de sua amorosa elegia: 'Eu morro de pesar de não poder morrer'.

(Santo Afonso Maria de Ligório)

quarta-feira, 1 de maio de 2024

01 DE MAIO - SÃO JOSÉ OPERÁRIO


São José, São José carpinteiro,
dai-me o cinzel do entalhador
para que eu molde almas, muitas almas,
com a sagrada face do Senhor...


São José, modelo de virtudes,
imprimi em mim virtuoso labor
para que eu seja luz, luz que alumie,
os santos caminhos do Senhor...


São José, homem de oração,
dai-me a graça da vida interior
para que eu leve ovelhas, muitas ovelhas,
 ao rebanho do Bom Pastor...
  

São José, São José missionário,
guiai-me no apostolado do amor
pelos homens, para que muitos se salvem,
 na infinita misericórdia do Senhor...



 São José, esposo de Maria,
ungi-me a fronte com especial fervor
de levar as almas, todas as almas,
às fontes da graça do Senhor...


São José, São José camponês,
dai-me o arado e fazei-me semeador
que eu possa dar frutos, muitos frutos,
nas vinhas gloriosas do Senhor...


São José, homem justo na fé,
fazei de mim esteio consolador
de todos que sofrem, dos que padecem,
crucificados como o Senhor...



São José, São José operário,
fazei de mim um santo trabalhador
que eu seja obra de muitos nomes
nas moradas eternas do Senhor...

('Poema a São José', de Arcos de Pilares)

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